Language of document : ECLI:EU:C:2016:825

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 27 de outubro de 2016 (1)

Processo C‑551/15

Pula Parking d.o.o.

contra

Sven Klaus Tederahn

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Općinski sud u Puli‑Pola (Tribunal Municipal de Pula, Croácia)]

«Aplicação do direito da União no tempo — Contrato de prestação de serviços — Contrato entre uma empresa pública e um particular — Acta jure imperii — Âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1215/2012 — Funções notariais e jurisdicionais — Conceito de ‘tribunal’»





I –    Introdução

1.        Sven Klaus Tederahn (a seguir «demandado») é residente na Alemanha. Em 2010, estacionou o seu veículo num lugar de estacionamento na cidade de Pula (Croácia). Não pagou a respetiva taxa. Cinco anos depois, a Pula Parking d.o.o. (a seguir «demandante»), a empresa pública à qual foi confiada a gestão dos lugares de estacionamento, pediu a um notário público da Croácia que emitisse um mandado de execução contra o demandado. Este deduziu oposição. Em conformidade com o procedimento nacional aplicável, o processo foi remetido ao órgão jurisdicional nacional competente, o Općinski sud u Puli‑Pola (Tribunal Municipal de Pula, Croácia), que é o órgão jurisdicional de reenvio no presente processo.

2.        O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o caso está abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento (UE) n.° 1215/2012 relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (a seguir «regulamento») (2) e, nesse sentido, formula especificamente duas questões. Em primeiro lugar, tendo em conta que a demandante é uma empresa detida e autorizada por uma entidade pública, o litígio está abrangido pelo conceito de «matéria civil e comercial»? Em segundo lugar, os notários croatas que emitem mandados de execução estão abrangidos pelo Regulamento n.° 1215/2012, que se aplica a «decisões» proferidas por «tribunais»?

II – Quadro jurídico

A –    Direito da União

1.      Regulamento n.° 1215/2012

3.        Os considerandos do Regulamento n.° 1215/2012 dispõem o seguinte:

«[…]

(10)      O âmbito de aplicação material do presente regulamento deverá incluir o essencial da matéria civil e comercial, com exceção de certas matérias bem definidas.

[…]

(15)      As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar‑se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. […]

(16)      O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. […]»

4.        O artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1215/2012 tem a seguinte redação:

«O presente regulamento aplica‑se em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição. Não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas, nem a responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício da autoridade do Estado (‘acta jure imperii’).»

5.        O artigo 1.°, n.° 2, exclui do âmbito de aplicação do regulamento algumas matérias, entre as quais as falências, a segurança social, a arbitragem, as obrigações de alimentos e os testamentos e sucessões.

6.        O artigo 2.° contém uma lista de definições, incluindo a seguinte:

«a)      ‘Decisão’ qualquer decisão proferida por um tribunal de um Estado‑Membro, independentemente da designação que lhe for dada, tal como acórdão, sentença, despacho judicial ou mandado de execução, bem como as decisões de fixação do montante das custas do processo pela secretaria do tribunal.

Para efeitos do capítulo III, o termo ‘decisão’ abrange as medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, decididas por um tribunal que, por força do presente regulamento, é competente para conhecer do mérito da causa. Não abrange as medidas provisórias, incluindo as medidas cautelares, impostas por esse tribunal sem que o requerido seja notificado para comparecer a menos que a decisão que contém a medida seja notificada ao requerido antes da execução».

7.        O artigo 3.° especifica que:

«Para efeitos do presente regulamento, ‘tribunal’ compreende as seguintes autoridades na medida em que tenham competência em matérias abrangidas pelo presente regulamento:

a)      Na Hungria, em processos sumários de ‘injunção de pagamento’ (fizetési meghagyásos eljárás), o notário (közjegyző);

b)      Na Suécia, em processos sumários de ‘injunção de pagamento’ (betalningsföreläggande) e ‘pedidos de assistência’ (handräckning), a Autoridade de Execução (Kronofogdemyndigheten).»

8.        O artigo 4.° estabelece a regra geral de que são competentes os tribunais do Estado‑Membro de domicílio do requerido.

9.        O artigo 7.°, n.° 1, alínea a), dispõe que, em matéria contratual, o requerido também pode ser demandado no tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão. O artigo 7.°, n.° 1, alínea b), especifica que, no caso da venda de bens, o lugar de cumprimento é o lugar onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues. No caso das prestações de serviços, é o lugar onde os serviços foram ou devam ser prestados. O artigo 7.°, n.° 1, alínea c), estabelece que, em todos os outros casos, é aplicável a regra geral prevista no artigo 7.°, n.° 1, alínea a).

10.      O artigo 24.°, n.° 1, segundo parágrafo, dispõe que, em matéria de contratos de arrendamento de imóveis celebrados por um período máximo de seis meses, são igualmente competentes os tribunais do Estado‑Membro onde se situa o imóvel.

11.      Nos termos do artigo 66.°, o regulamento aplica‑se a todas as ações judiciais intentadas a partir de 10 de janeiro de 2015, inclusive.

B –    Direito nacional

1.      Lei sobre a Execução Forçada

12.      Nos termos do artigo 278.° da Ovršni zakon (Lei sobre a Execução Forçada) (3), os notários decidem sobre os requerimentos executivos baseados em documentos autênticos, em conformidade com o disposto na referida lei.

13.      Nos termos do artigo 279.°, n.os 1 e 3, da Lei sobre a Execução Forçada, que diz respeito aos títulos executivos, será territorialmente competente o notário com sede na circunscrição territorial (região) do domicílio ou sede do executado. Caso o requerimento executivo seja apresentado a um notário que não seja territorialmente competente, o órgão jurisdicional indeferirá o referido requerimento.

14.      Segundo o despacho de reenvio, nos termos do artigo 282.°, n.° 3, da Lei sobre a Execução Forçada, o notário junto do qual seja tempestivamente formulada uma oposição admissível e fundamentada contra um mandado por si emitido remeterá o processo ao órgão jurisdicional competente, para efeitos do processo de oposição. Esse órgão jurisdicional decidirá sobre a oposição em conformidade com os artigos 57.° e 58.° da referida lei.

2.      Regulamento do estacionamento

15.      De acordo com o despacho de reenvio, o estacionamento em Pula rege‑se pelo Regulamento relativo à cobrança de taxas pela utilização e à fiscalização de lugares de estacionamento públicos, de 16 de dezembro de 2009 (4), conforme alterado pelo Regulamento de 11 de fevereiro de 2015 (5).

16.      O artigo 1.°, n.° 2, do regulamento do estacionamento estabelece que as tarefas técnicas e organizacionais, a cobrança de taxas, a vigilância do estacionamento dos veículos, a manutenção e limpeza, bem como outras tarefas a realizar em lugares de estacionamento públicos pagos, são asseguradas pela Pula Parking, uma empresa pública detida pelo município de Pula.

17.      Seguidamente, o regulamento do estacionamento dispõe que os utilizadores dos lugares de estacionamento celebram um contrato com a Pula Parking, recebem um bilhete de estacionamento válido durante 24 horas e aceitam as condições gerais aplicáveis. Os utilizadores têm um prazo de oito dias para pagar a taxa aplicável, findo o qual se vencem custos e juros legais.

III – Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

18.      Em 8 de setembro de 2010, o demandado estacionou o seu veículo num lugar de estacionamento público na cidade de Pula, situada no litoral croata. O demandado abandonou o local sem ter pago o bilhete de estacionamento diário no montante de 100 kunas croatas (HRK) (cerca de 13 euros). Também não procedeu a esse pagamento no prazo de 8 dias previsto para o efeito, antes de se começarem a vencer os correspondentes juros legais.

19.      Em 1 de julho de 2013, a Croácia aderiu à União Europeia.

20.      Em 27 de fevereiro de 2015, a demandante, a Pula Parking, uma empresa detida pelo município de Pula, à qual foi confiada, por uma decisão da autoridade pública, a gestão do lugar de estacionamento em causa, deu início a um procedimento de cobrança da dívida. Nessa data, a demandante pediu a um notário público de Pula que emitisse contra o demandado um mandado de execução relativo ao montante de 100 HRK, com base num «documento autêntico». Esse ato correspondia a um extrato das contas da demandante, que registavam a dívida do demandado.

21.      O mandado foi emitido em 25 de março de 2015. Em 21 de abril de 2015, o demandado impugnou o mandado e, nos termos do artigo 282.°, n.° 3, da Lei sobre a Execução Forçada, o processo foi remetido ao Općinski sud u Puli‑Pola (Tribunal Municipal de Pola), que é o órgão jurisdicional de reenvio. Perante esse tribunal, o demandado alegou que o notário não era material nem territorialmente competente para emitir um mandado de execução, com base num documento autêntico, contra nacionais de outros Estados‑Membros da União.

22.      Nessas circunstâncias, o Općinski sud u Puli‑Pola (Tribunal Municipal de Pula, Croácia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões para decisão a título prejudicial:

«1.      Tendo em conta a natureza jurídica das relações existentes entre as partes no litígio, é aplicável ao presente caso o Regulamento […] n.° 1215/2012?

2.      O Regulamento […] n.° 1215/2012 refere‑se à competência dos notários na República da Croácia?»

23.      Foram apresentadas observações escritas pela demandante, pelo demandado, pelos Governos croata, alemão e suíço, e pela Comissão Europeia. As partes interessadas que participaram na fase escrita, à exceção dos Governos alemão e suíço, também apresentaram observações orais na audiência que teve lugar em 14 de julho de 2016.

IV – Apreciação

A –    Admissibilidade

1.      Conformidade do pedido de decisão prejudicial com a legislação croata

24.      O demandado alega que o pedido de decisão prejudicial deve ser declarado inadmissível por o reenvio não cumprir os requisitos previstos na legislação croata. O demandado observa, em especial, que o pedido reveste a forma de uma carta e não de uma decisão judicial. Informa ainda que impugnou a validade desse pedido perante os órgãos jurisdicionais nacionais.

25.      Segundo jurisprudência assente, o Tribunal de Justiça não verifica «se a decisão pela qual foi solicitado a intervir foi adotada em conformidade com as regras de organização e de processo judiciais de direito nacional. O Tribunal de Justiça deve ater‑se à decisão de reenvio que emana de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, enquanto tal decisão não tiver sido revogada no quadro das vias processuais previstas eventualmente pelo direito nacional» (6).

26.      Assim, quanto à forma específica do pedido, a jurisprudência supramencionada confirma que a apreciação dessas questões compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais. Além disso, no que respeita a um potencial recurso da decisão de reenvio ao nível nacional, o Tribunal de Justiça não foi informado de que essa decisão tenha sido revogada. Aliás, não recebeu nenhuma notificação formal da interposição de um recurso. Consequentemente, enquanto o órgão jurisdicional de reenvio não o informar de que pretende retirar o seu pedido de decisão prejudicial (7), o Tribunal de Justiça continua a poder pronunciar‑se.

27.      Por estes motivos, nenhum dos argumentos do demandado acima expostos põe em causa a admissibilidade do pedido do órgão jurisdicional nacional.

2.      Aplicabilidade do direito da União ratione temporis

28.      A obrigação contratual em causa remonta a 8 de setembro de 2010. A República da Croácia só aderiu à União Europeia em 1 de julho de 2013. O Regulamento n.° 1215/2012 entrou em vigor em 10 de janeiro de 2015. Nestas circunstâncias, suscita‑se a questão de saber se o regulamento é aplicável ratione temporis.

29.      De acordo com o artigo 2.° do Ato de Adesão da República da Croácia (8), o direito da União tornou‑se imediatamente vinculativo na Croácia em 1 de julho de 2013 (9).

30.      O artigo 66.° do Regulamento n.° 1215/2012 estabelece que este regulamento se aplica às «ações judiciais intentadas […] em 10 de janeiro de 2015 ou em data posterior».

31.      No presente caso, o processo de execução teve início em 27 de fevereiro de 2015, tendo sido deduzida oposição em 21 de abril de 2015.

32.      Consequentemente, as regras em matéria de competência e execução estabelecidas no Regulamento n.° 1215/2012 eram plenamente aplicáveis à Croácia à data pertinente, ou seja, à data em que o processo foi instaurado, quer se considere que essa data é 27 de fevereiro de 2015 ou 21 de abril de 2015.

33.      É irrelevante que o processo de execução em causa diga respeito a factos anteriores à adesão da República da Croácia. Como procurei explicar no âmbito de outro processo, o princípio da aplicação imediata do direito da União a relações jurídicas já constituídas permite a alteração dessas relações para o futuro (10). Mais importante ainda, no contexto do presente reenvio, a aplicabilidade de novas regras da União a alguns factos anteriores à adesão é uma consequência normal no caso de regras de execução e processuais. Com efeito, a execução de créditos vencidos está frequentemente sujeita às regras aplicáveis à data em que a ação de execução é instaurada, não às regras processuais em vigor à data da assinatura do contrato original.

34.      Esta conclusão é confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a aplicação no tempo das regras da União em matéria de competência e execução. Assim, por exemplo, no processo Sanicentral (11), o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar‑se sobre uma situação que envolvia um contrato de trabalho celebrado e rescindido antes da entrada em vigor da Convenção de Bruxelas, o instrumento que antecedeu o Regulamento n.° 1215/2012. (12). A ação tinha sido instaurada após a entrada em vigor da Convenção. O Tribunal de Justiça confirmou que, para que as regras em matéria de competência e execução fossem aplicáveis, a única condição essencial era a instauração da ação judicial após a data de entrada em vigor do Regulamento n.° 1215/2012 (13).

35.      Contestando a aplicabilidade ratione temporis do direito da União no presente caso, o demandado invoca o despacho proferido pelo Tribunal de Justiça no processo VG Vodoopskrba (14). Nesse processo, o Tribunal de Justiça declarou‑se incompetente, mas com fundamento no facto de o órgão jurisdicional de reenvio ter pedido orientações sobre a interpretação do direito da União respeitante às disposições substantivas de um contrato celebrado e, aparentemente, executado parcialmente antes da adesão da República da Croácia à União. Essa interpretação poderia ter resultado numa reapreciação de factos passados, anteriores à adesão. Em contrapartida, o presente caso respeita unicamente à execução (em curso e, pela sua própria natureza, com efeitos para o futuro) de um crédito aparentemente vencido, tendo o processo de execução sido claramente instaurado após a adesão.

36.      Por estes motivos, considero que o Tribunal de Justiça é competente ratione temporis para responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio relativas à interpretação do Regulamento n.° 1215/2012.

3.      Natureza hipotética da segunda questão

37.      É suscitada a questão da natureza potencialmente hipotética da segunda questão do órgão jurisdicional nacional. Este aspeto é abordado mais adiante, no âmbito da apreciação global dessa questão, nos n.os 56 a 61 das presentes conclusões.

B –    Quanto ao mérito

1.      Quanto à primeira questão

38.      O órgão jurisdicional nacional pergunta se o litígio está abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1215/2012. A esse propósito, refere a «natureza jurídica das relações existentes entre as partes». No meu entender, com esta questão, o órgão jurisdicional nacional pretende determinar se o litígio está abrangido pelo conceito de «matéria civil e comercial», tendo em conta o tipo de contrato em causa e o facto de a demandante ser uma empresa detida e autorizada por uma entidade pública.

39.      Pelos motivos que se seguem, considero que a resposta é claramente afirmativa.

40.      O conceito de «matéria civil e comercial» é um conceito autónomo do direito da União (15), «delimitado essencialmente devido aos elementos que caracterizam a natureza das relações jurídicas entre as partes no litígio ou o objeto deste» (16).

41.      No presente caso, a demandante arrendou um lugar de estacionamento ao demandado.

42.      Nos seus articulados, o demandado alega que o contrato celebrado entre as partes no processo principal é um contrato de arrendamento e não um contrato de prestação de serviços. Segundo o demandado, em virtude desta qualificação, o prazo de prescrição aplicável às ações fundadas no contrato também seria mais curto. Por esse motivo, questiona a competência dos notários croatas ao abrigo do direito nacional, alegando que, nos termos desse direito, os contratos de arrendamento constituem matéria da competência dos tribunais.

43.      Independentemente do mérito desses argumentos, essa é uma questão que deve ser apreciada pelo órgão jurisdicional nacional. Não influencia a questão que se submete ao Tribunal de Justiça, ou seja, se o contrato está abrangido pelo conceito de «matéria civil e comercial» para efeitos do Regulamento n.° 1215/2012 (17).

44.      Em princípio, tanto os contratos de arrendamento como os contratos de prestação de serviços podem subsumir‑se ao conceito de «matéria civil e comercial», que «deverá incluir o essencial da matéria civil e comercial, com exceção de certas matérias bem definidas» (18). As exceções devem ser objeto de uma interpretação estrita (19).

45.      Um contrato celebrado entre duas partes privadas para a disponibilização de um espaço de estacionamento estaria abrangido, em circunstâncias normais, pelo conceito de «matéria civil e comercial». Porém, tal foi questionado porque a demandante é uma empresa pública, cujos poderes lhe foram concedidos por um ato da autoridade pública (20).

46.      Por conseguinte, é suscitada a questão de saber se esse facto determina a exclusão do acordo celebrado entre as partes do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1215/2012.

47.      No meu entender, a resposta é negativa, pelos seguintes motivos.

48.      O artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1215/2012 exclui expressamente do seu âmbito de aplicação «as matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas, [e] […] a responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício da autoridade do Estado (‘acta jure imperii’)». Essa exceção foi confirmada e circunscrita pela jurisprudência, nos termos da qual «apenas estão fora do âmbito [do regulamento] os litígios que opõem uma autoridade pública a uma entidade privada, desde que a autoridade pública atue no exercício do seu poder público» (21).

49.      Nada no presente caso sugere que o contrato de estacionamento em causa constitua um «acta jure imperii», ou seja, um ato praticado no exercício de um poder público. É certo que a demandante exerce uma atividade que lhe foi confiada por um ato de autoridade pública. No entanto, essa atividade (a locação de um lugar de estacionamento) é uma atividade comercial normal. O mero facto de a autorização para o exercício dessa atividade ter sido concedida por um ato de uma autoridade púbica não a transforma automaticamente em «acta jure imperii». Nada nos autos sugere que, no exercício das suas funções, a demandante exerça poderes exorbitantes em relação às regras de direito comum aplicáveis nas relações entre particulares (22). Com efeito, de acordo com o despacho de reenvio, a inexistência de poderes exorbitantes em relação a este tipo de contrato foi confirmada por uma decisão do Ustavni sud (Tribunal Constitucional, Croácia).

50.      Além disso, o montante cujo pagamento a demandante exige ao demandado parece constituir a remuneração por um serviço por ela prestado. Nada nos autos indica que constitui uma multa ou outra sanção.

51.      Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de a demandante ser uma empresa totalmente detida por uma autoridade pública. Esta situação não é, em si mesma, equivalente àquela em que um Estado‑Membro exerce prerrogativas de autoridade pública. Esta consideração vale, a fortiori, quando uma entidade detida pelo Estado se comporta como qualquer operador económico que opera num determinado mercado (23).

52.      Pelos motivos acima expostos, proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão do órgão jurisdicional nacional nos seguintes termos: O Regulamento n.° 1215/2012 é aplicável em circunstâncias em que, como acontece no presente caso, é celebrado um contrato de utilização de um lugar de estacionamento entre, por um lado, um particular e, por outro, uma entidade detida por uma autoridade pública, caso esta não esteja a atuar no exercício dos seus poderes públicos.

2.      Segunda questão

53.      Na sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o Regulamento n.° 1215/2012 também se refere à «competência dos notários na República da Croácia».

54.      O órgão jurisdicional nacional não identifica expressamente as disposições do Regulamento n.° 1215/2012 que tinha em mente ao submeter esta questão. Contudo, a questão que, no fundo, é suscitada é a seguinte: podem os notários croatas que emitem mandados de execução ser considerados «tribunais» que proferem «decisões» na aceção do Regulamento n.° 1215/2012?

55.      Pelos motivos expostos adiante, considero que os notários não são «tribunais» nessa aceção.

a)      Admissibilidade

56.      Antes de me debruçar sobre o mérito, importa abordar a questão prévia da admissibilidade.

57.      No presente caso, o demandado deduziu oposição ao mandado de execução do notário. Consequentemente, a competência foi transferida para os tribunais croatas. Uma vez que o notário deixou de ser competente para decidir o litígio, terá a segunda questão do órgão jurisdicional nacional passado a ser puramente hipotética e, como tal, inadmissível?

58.      No meu entender, a resposta é negativa.

59.      Segundo jurisprudência constante, as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais gozam de uma presunção de pertinência (24). O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional se se afigurar de forma manifesta que a interpretação do direito da União solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for de natureza hipotética ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas.

60.      No presente processo, não creio que a presunção de pertinência possa ser inequivocamente ilidida. Não se sabe ao certo que consequências uma resposta negativa do Tribunal de Justiça à segunda questão poderia ter para o processo nacional. Por um lado, é possível que, em última análise, essa resposta não produza efeitos, dado que o processo corre agora os seus termos perante o órgão jurisdicional nacional e não perante o notário. Por outro lado, se a resposta à segunda questão for negativa, pode também certamente desvirtuar todo o processo nacional. Cabe ao órgão jurisdicional nacional a apreciação dessas questões de direito nacional, não ao Tribunal de Justiça.

61.      Por conseguinte, considero que a segunda questão é admissível.

b)      Quanto ao mérito

i)      Observações relativas à adaptação do Regulamento n.° 1215/2012 à luz da adesão República da Croácia

62.      O Regulamento n.° 1215/2012 não define o conceito de «tribunal». No entanto, o artigo 3.° deste regulamento refere que o conceito de «tribunal» abrange os notários húngaros quando atuam no âmbito de processos sumários de injunção de pagamento, bem como a Autoridade de Execução sueca quando atua no âmbito de processos sumários de injunção de pagamento e de pedidos de assistência. Não existe uma disposição semelhante para os notários croatas que emitem mandados de execução.

63.      O Regulamento n.° 1215/2012 foi adotado em 12 de dezembro de 2012, alguns meses antes da adesão da República da Croácia à União Europeia em 1 de julho de 2013, mas depois da publicação do Ato de Adesão em 24 de abril de 2012, que contém uma lista das adaptações técnicas à legislação secundária (25).

64.      Poder‑se‑á alegar que o Regulamento n.° 1215/2012 se situa numa zona cinzenta, na medida em que foi adotado demasiado tarde para estar sujeito a adaptações técnicas no âmbito do processo de adesão, e demasiado cedo para que a República da Croácia influenciasse o seu conteúdo como Estado‑Membro da União Europeia.

65.      Por esse motivo, o Governo croata sustenta que simplesmente não lhe tinha sido possível incluir os notários no artigo 3.° do Regulamento n.° 1215/2012.

66.      Embora compreenda as questões práticas suscitadas quanto ao momento da adoção do Regulamento n.° 1215/2012, não creio que essas considerações devam afetar a interpretação do seu âmbito de aplicação. O princípio da segurança jurídica exige que a interpretação das disposições de direito da União se baseie no texto dessas disposições. Se o texto for ambíguo, essas ambiguidades devem ser eliminadas mediante recurso ao contexto e à finalidade da disposição.

67.      Porém, o facto de existirem circunstâncias invulgares não justifica o afastamento dessas regras gerais de interpretação legislativa. Não é possível formular boas regras gerais com base em casos excecionais. As alegadas intenções de um Estado‑Membro, supostamente frustradas por uma questão de desfasamento temporal, não devem distorcer a interpretação do direito da União, que, afinal, deve ser uniforme em todos os Estados‑Membros (26).

ii)    Os notários croatas que emitem mandados de execução são «tribunais» que proferem «decisões»?

–       Inexistência de uma definição consolidada de «tribunal»

68.      O Regulamento n.° 1215/2012 contém uma definição muito genérica de «decisão». A definição é claramente independente de qualquer categorização nacional do que constitui uma «decisão», na medida em que utiliza a expressão «independentemente da designação que lhe for dada» (27). Além disso, outras versões linguísticas utilizam um termo mais genérico do que o termo «judgment» [por exemplo, «décision» (francês), «Entscheidung» (alemão), «beslissing» (neerlandês), «rozhodnutí» (checo)]. Os exemplos de tais «decisões» apresentados no Regulamento n.° 1215/2012 são muito diversificados: «acórdão, sentença, despacho judicial ou mandado de execução, […] decisões de fixação do montante das custas do processo». Assim, menciona expressamente os «mandados de execução».

69.      No entanto, só correspondem ao conceito definido no Regulamento n.° 1215/2012 as decisões que forem proferidas por «tribunais» (28). O termo «tribunal» (29) não se encontra definido no regulamento.

70.      De uma perspetiva mais institucional, o significado natural do termo «tribunal» não inclui os notários, que não são um «órgão jurisdicional» (30), ou seja, não fazem parte da arquitetura judicial (31). De uma perspetiva mais funcional, o próprio direito da União reconhece a existência de «diferenças fundamentais» entre a função notarial e a função jurisdicional nos ordenamentos jurídicos (32). Embora os notários possam, por vezes, desempenhar funções jurisdicionais em casos específicos, não é esse o seu papel normal e/ou principal. Consequentemente, mesmo de uma perspetiva mais funcional, os notários não são tribunais «na verdadeira aceção do termo» (33).

71.      Não obstante, a importância a atribuir ao significado natural do termo «tribunal» no presente caso poderá ser posta em causa pela diversidade de traduções do termo correspondente em outras versões linguísticas. Assim, por exemplo, a versão croata faz referência a «tribunais» («sud»), a francesa a «jurisdições» («juridiction»), a espanhola a «órgãos jurisdicionais» («órgano jurisdiccional»), a alemã a «tribunais» («Gericht»), a checa a «tribunais» («soud»), e a italiana a «autoridades jurisdicionais» («autorità giurisdizionale»).

72.      Uma vez que o significado natural desses termos se reveste de uma certa ambiguidade, analisarei de seguida dois aspetos fundamentais do contexto e da finalidade do Regulamento n.° 1215/2012, antes de propor a minha abordagem ao presente caso.

73.      Em primeiro lugar, o artigo 3.° do Regulamento n.° 1215/2012 é de alguma utilidade, na medida em que qualifica expressamente os notários húngaros e a Autoridade de Execução sueca (quando adotam determinados atos) de «tribunais», «[p]ara efeitos do presente regulamento».

74.      Essa opção constitui um indício muito forte de que o legislador não considerou que os notários húngaros e a Autoridade de Execução sueca estivessem automaticamente abrangidos pelo conceito de «tribunal» (34). Se assim fosse, não faria sentido mencioná‑los expressamente. A conclusão mais lógica é a de que o artigo 3.° constitui uma espécie de exceção ao significado natural de «tribunal» ou um alargamento desse significado.

75.      Consequentemente, ao contrário do que defende o Governo croata, entendo que o artigo 3.° não deve ser lido como uma simples clarificação de casos de fronteira. Com efeito, tal como já foi referido, os notários (e as autoridades de execução) (35) não são «tribunais» no sentido corrente do termo. Além disso, se os notários fossem por norma «tribunais» (o que não é verdade), não se compreende por que motivo teria sido necessário mencionar expressamente esse facto e apenas em relação a uma função específica exercida pelos notários húngaros, mas não em relação a outras funções ou notários de outros Estados‑Membros (36).

76.      Por conseguinte, a estrutura e a letra dos artigos 2.° e 3.° do Regulamento n.° 1215/2012 parecem confirmar a exclusão dos notários do conceito de «tribunal».

77.      Em segundo lugar, alguma legislação paralela, que regula a competência, o reconhecimento e a execução em domínios específicos (e, de um modo mais geral, em matéria de processo civil) (37), também se reveste de interesse. Esses instrumentos propõem diferentes abordagens. Alguns contêm definições expressas do termo «tribunal», que variam consideravelmente (38) (podem também utilizar e definir termos diferentes) (39). Outros não definem o termo propriamente dito, mas são acompanhados por especificações como, por exemplo, uma lista de entidades que devem ser consideradas «tribunais» em qualquer circunstância (40). É o caso do Regulamento n.° 1215/2012 (41).

78.      A verdade é que os diversos instrumentos individuais no domínio do processo civil da União apresentam poucos aspetos horizontais comuns e não são de modo algum uniformes. Por conseguinte, reocrrer a uma abordagem sistémica pouca utilidade terá. O conceito de «tribunal» depende, sem dúvida, consideravelmente do contexto legislativo e da finalidade da medida em causa. Em alguns casos, existe claramente a intenção de fornecer uma definição específica e ad hoc, ao passo que noutros é utilizado um termo mais genérico e indefinido (acompanhado por especificações).

79.      Por conseguinte, há que evitar transposições automáticas de definições que dependem aparentemente do contexto. Do mesmo modo, afigura‑se problemático estabelecer uma definição universal do conceito de «tribunal» baseada no direito da União.

80.      Por outro lado, tal como observam, em especial, a Comissão e o Governo croata, o termo «tribunal» utilizado no artigo 2.°, alínea a), do Regulamento n.° 1215/2012 corresponde ao termo «órgão jurisdicional» utilizado no artigo 267.° TFUE. Na maioria das versões linguísticas, o termo empregue no Regulamento n.° 1215/2012 é idêntico ao termo tradicionalmente utilizado para designar as entidades competentes para apresentar pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

81.      Embora exista uma abundante jurisprudência sobre o artigo 267.° TFUE, a sua transposição automática revela‑se problemática. É, sem dúvida, até certo ponto, possível (42), mas importa não esquecer que a definição do artigo 267.° TFUE foi formulada num contexto diferente e com finalidades diferentes. Não obstante, a abordagem adotada ao abrigo do artigo 267.° TFUE proporciona um bom ponto de partida. Afinal, capta as características básicas de uma instituição passível de ser designada por «tribunal».

–       Proposta de definição em duas partes

82.      Como deve ser então definido o termo «tribunal» no contexto do Regulamento n.° 1215/2012? Como podem os tribunais nacionais que recebem pedidos de reconhecimento e execução de atos praticados por entidades estrangeiras determinar se essas entidades são «tribunais»?

83.      Especificamente para o efeito do Regulamento n.° 1215/2012, proponho uma abordagem de dois níveis ao conceito de «tribunal», que compreende:

–        uma definição institucional genérica (baseada numa simples remissão para as estruturas judiciais reconhecidas dos Estados‑Membros),

–        retificada, em casos excecionais, por uma definição funcional baseada no direito da União (correspondente aos critérios do artigo 267.° TFUE, mas aplicados de forma estrita).

84.      Esta abordagem de dois níveis, que também poderia ser simplesmente designada por «definição institucional com uma válvula de segurança», seria, no meu entender, a mais adequada às finalidades específicas do Regulamento n.° 1215/2012. Por um lado, possibilita o tratamento célere da grande maioria dos casos normais. Por outro lado, também permite a resolução de casos mais complexos com recurso à jurisprudência do Tribunal de Justiça, embora aplicada com ligeiras alterações.

85.      A definição genérica do conceito de «tribunal» deve ser simples e assentar numa abordagem institucional: um «tribunal» é um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro. É uma entidade que faz parte da estrutura judicial do Estado‑Membro e que é reconhecida como tal (43).

86.      Esta abordagem institucional à definição de «tribunal» encontra apoio na jurisprudência do Tribunal de Justiça (44). Nessa jurisprudência, o facto de a entidade em análise ser um «tribunal» geralmente nem sequer é abordado. Como exemplos de «tribunais» retirados da prática judicial, podemos apontar a la High Court of Justice (England & Wales) [Tribunal Supremo de Justiça (Inglaterra e País de Gales)] (45), o arondissementsrechtsbank (tribunal distrital, Países Baixos) (46) e o tribunal de grande instance (França) (47).

87.      A análise realizada nesses acórdãos centra‑se antes no tipo de procedimento seguido e na possível qualificação da medida dele resultante de «decisão» na aceção do que é atualmente o artigo 2.°, alínea a), do Regulamento n.° 1215/2012. Esta qualificação poderá ser questionada devido, por exemplo, à natureza provisória ou ex parte do procedimento. Por outras palavras, a análise «funcional» ou «processual» é principalmente reservada para a apreciação do ato, não da instituição que o adota.

88.      Talvez mais importante ainda, uma definição institucional genérica de «tribunal» não só está em conformidade com o significado natural do termo, mas também é a que melhor traduz a finalidade do Regulamento n.° 1215/2012. Essa finalidade é o reconhecimento mútuo e a celeridade e previsibilidade da administração da justiça. Além disso, exige simplicidade, o que certamente não se coaduna com uma análise caso a caso. É igualmente necessária confiança. Se for evidente que a entidade faz (ou não faz) parte das instituições judiciais do Estado‑Membro de emissão, que razão terá o Estado‑Membro de execução para questionar esse facto, a não ser em casos muito excecionais (48)?

89.      Essa finalidade global está associada a uma questão prática: se a definição genérica de «tribunal» para efeitos do Regulamento n.° 1215/2012 fosse uma definição autónoma baseada no direito da União, o Tribunal de Justiça exigiria que os órgãos jurisdicionais nacionais verificassem a presença de todos os elementos dessa definição sempre que fosse apresentado um pedido de reconhecimento nos termos deste regulamento? Deveria cada juiz de primeira instância do Estado‑Membro X que fosse chamado a executar uma decisão começar a verificar se o tribunal de primeira instância do Estado‑Membro Y, que proferiu a decisão, era um órgão independente e imparcial de natureza judicial, criado por lei a título permanente, e que seguia um procedimento de natureza contraditória?

90.      A resposta razoável é claramente negativa. Assim, a abordagem genérica terá de ser institucional: deve simplesmente presumir‑se que os órgãos jurisdicionais que integram a estrutura judicial normal de um Estado‑Membro são «tribunais» para efeitos do Regulamento n.° 1215/2012, sem que seja necessário verificar, caso a caso, outros elementos. Mais uma vez, trata‑se de uma expressão de confiança mútua: a menos que seja categórica e claramente demonstrado o contrário, considerarei tribunal o que considerarem tribunal

91.      A definição institucional genérica tem ainda outra importante implicação a nível prático: permite a delegação interna no seio dos tribunais nacionais, especialmente dos tribunais de primeira instância. O facto de uma medida adotada em nome da instituição ser assinada por um escrivão, secretário de justiça ou outro funcionário judicial com capacidade para o ato nos termos do direito nacional, geralmente em ações sumárias, não contestadas ou de pequeno montante, não põe em causa a qualificação da instituição de «tribunal». A identidade da pessoa que decide ou que assina pode ser relevante para determinar se a medida constitui uma «decisão», mas essa é outra questão.

92.      Em contrapartida, quando um Estado‑Membro opta por delegar até mesmo uma função jurisdicional externamente, ou seja, fora do sistema dos tribunais, a entidade delegada não é automaticamente considerada um «tribunal» em virtude dessa delegação.

93.      Ignorar esta distinção contrariaria, no meu entender, o significado natural do termo «tribunal», bem como a estrutura dos artigos 2.° e 3.° do Regulamento n.° 1215/2012. Teria igualmente implicações bastante indesejáveis e pouco práticas.

94.      Porém, embora as regras gerais sejam a melhor solução prática para lidar com a grande maioria dos casos (49), a questão não fica por aí. Poderão sempre surgir situações imprevistas e excecionais. Além disso, a adoção de uma definição institucional puramente nacional de «tribunal» seria, em última análise, totalmente controlada pelos Estados‑Membros e pelas suas opções quanto à arquitetura judicial, o que invalidaria a origem europeia do conceito (50). Simultaneamente, a criação de um conceito isolado, totalmente autónomo, de «tribunal» baseado no direito da União não é uma solução adequada, tendo em conta a finalidade prosseguida. Pelos motivos acima expostos, também colocaria uma série de dificuldades práticas. Consequentemente, há que encontrar uma definição com uma dimensão de direito nacional e uma dimensão de direito da União, correspondentes ao primeiro e segundo níveis da abordagem aqui proposta.

95.      No que respeita ao segundo nível da abordagem proposta, posso apontar (pelo menos) duas situações em que a definição institucional genérica poderia ser excecionalmente questionada e substituída por uma apreciação mais flexível da qualificação de um órgão de tribunal.

96.      Na primeira situação, decisões sobre matérias civis e comerciais que, em princípio, estariam abrangidas pelo âmbito de aplicação material do Regulamento n.° 1215/2012 são delegadas internamente dentro do sistema judicial do Estado‑Membro, mas de um modo que suscita questões constitucionais graves e manifestas noutros Estados‑Membros. Nesta categoria, são concebíveis dois cenários: um Estado‑Membro poderia designar como «tribunais ordinários» no seio do seu sistema judicial instituições e/ou indivíduos que, não obstante a sua designação formal, fossem inaceitáveis, nessa qualidade, para outros Estados‑Membros (51). Alternativamente, e, mais uma vez, em casos verdadeiramente excecionais, é possível que, em virtude de perturbações no funcionamento dos tribunais ordinários de um Estado‑Membro, o reconhecimento mútuo automático se torne problemático (52). Em ambos os cenários, a apreciação da natureza dos órgãos em causa com base numa definição autónoma do direito da União permitiria introduzir as correções necessárias.

97.      Na segunda situação, uma atividade passível de ser considerada uma função jurisdicional é delegada externamente a um órgão que, à primeira vista, não se integra no sistema de tribunais do Estado‑Membro. É natural que esta segunda situação ocorra com muito mais frequência do que a primeira. Com efeito, afigura‑se ser o que aconteceu no presente caso. Mais uma vez, deveria ser possível recorrer a uma definição mais flexível de «tribunal», baseada puramente no direito da União.

98.      Qual deve ser essa definição? Pelos motivos acima expostos, considero que não devem ser importadas automaticamente definições formuladas em contextos diferentes de outros instrumentos de direito secundário.

99.      Simultaneamente, como mencionado anteriormente (n.° 80 das presentes conclusões), na versão inglesa e noutras versões linguísticas (mas não na versão portuguesa), o Regulamento n.° 1215/2012 emprega textualmente a mesma terminologia que o artigo 267.° TFUE.

100. Há boas razões normativas e pragmáticas para não reinventar a roda, ou seja, para não criar novas definições a partir do zero. Em termos normativos, a coerência legislativa é um elemento importante da previsibilidade e da legalidade. Como referido anteriormente nos n.os 77 e 78, este é um domínio que se caracteriza já por um elevado grau de especificidade ao nível das definições. Consequentemente, afigura‑se que o caminho mais aconselhável passará por uma tentativa gradual de harmonizar os instrumentos individuais, e não por formular uma nova definição a partir do nada. Em termos pragmáticos, o critério do artigo 267.° TFUE já capta bastante bem as características essenciais de um órgão de natureza jurisdicional suscetível de ser designado por «tribunal».

101. À luz do exposto, proponho que, em casos como o presente, quando tenha sido questionada a classificação institucional genérica de um órgão, essa classificação possa ser reapreciada com base nas características utilizadas para identificar os «órgãos jurisdicionais» no contexto da jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o artigo 267.° TFUE. Para tal, será necessário determinar se o órgão nacional em questão possui todas as características individuais que compõem tradicionalmente essa definição, verificando se estão presentes os seguintes elementos: a origem legal desse órgão, a sua permanência, o caráter obrigatório da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação, pelo referido órgão, das normas de direito, e a sua independência (53).

102. No entanto, o facto de se evitar a reinvenção total da roda não significa que não se possa alterar ou adaptar a sua utilização. Na adaptação a efetuar no presente caso, não estão em causa quais os critérios a aplicar, mas sim como estes devem ser aplicados no contexto específico do Regulamento n.° 1215/2012.

103. A adaptação que aqui proponho tem em conta os diferentes objetivos do mecanismo de reenvio prejudicial, por um lado, e do Regulamento n.° 1215/2012, por outro. O primeiro fomenta o diálogo entre juízes e promove a uniformidade do direito da União. O segundo é um instrumento que visa o reconhecimento mútuo e a livre circulação das decisões, tendo implícitos objetivos de celeridade, simplicidade e previsibilidade (54), mas sendo baseado na confiança mútua em níveis adequados de tutela jurisdicional.

104. Essa diferença ao nível da finalidade deve traduzir‑se numa diferença na abordagem a adotar à aplicação dos mesmos critérios. No contexto da admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial, poder‑se‑ia talvez dizer que se trata de uma abordagem algo tolerante, baseada no princípio de que, em caso de dúvida, o pedido é admissível. Esta flexibilidade foi descrita anteriormente em termos mais literários, tendo sido feita alusão à possibilidade de admitir até mesmo um pedido de decisão prejudicial apresentado por Sancho Pança na qualidade de governador da ilha de Barataria (55).

105. Porém, uma vez que o contexto e a finalidade do Regulamento n.° 1215/2012 são muito diferentes, entendo que estes mesmos critérios devem ser aplicados de forma estrita. Com efeito, a confiança mútua exige clareza e garantias de que, em casos de fronteira, os atos do órgão de um Estado‑Membro cuja execução é solicitada oferecem garantias suficientes em termos de independência, imparcialidade, contraditório e respeito geral pelos direitos de defesa. Consequentemente, os fatores acima enumerados (n.° 101) não devem ser tratados como opcionais ou como elementos mais ou menos importantes de uma apreciação global, devendo antes ser vistos como pontos de uma lista de controlo.

106. Por outras palavras, no contexto específico do Regulamento n.° 1215/2012, deve ser adotada uma abordagem estrita no segundo nível da potencial apreciação funcional da natureza de um órgão nacional: todos os critérios devem estar preenchidos, sem que exista a possibilidade de compensação ou de uma apreciação global (56).

107. Em resumo, concluindo com a metáfora quixotesca acima referida: seria possível alargar a definição de «órgão jurisdicional» para efeitos do artigo 267.° TFUE e admitir uma questão apresentada por Sancho Pança na qualidade de governador da ilha de Barataria. Afinal, a resposta a questões com o objetivo de reforçar a unidade e a clareza da lei deve, em regra, ser encorajada. No entanto, a execução de decisões proferidas pelo governador Sancho Pança contra pessoas em ilhas diferentes é outra história.

–       Aplicação ao presente caso

108. No presente caso, de acordo com o pedido de decisão prejudicial e as observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, os notários croatas não parecem corresponder à definição institucional genérica de «tribunal».

109. Poderão, ainda assim, ser qualificados de «tribunais» à luz do segundo nível da abordagem proposta, ou seja, por aplicação da «lista de controlo do artigo 267.° TFUE»?

110. Como sugeriu, entre outros, o Governo croata, poder‑se‑ia alegar que vários dos elementos dessa lista estão presentes no caso em apreço. Essa é uma questão que, em última análise, compete ao órgão jurisdicional nacional determinar.

111. Porém, no meu entender, como observou a Comissão, e foi debatido na audiência, o procedimento perante os notários croatas que é descrito no pedido de decisão prejudicial não aparenta ter natureza contraditória. Com efeito, afigura‑se ser esse, por definição, o caso, uma vez que a competência para julgar o litígio propriamente dito tem de ser transferida para o órgão jurisdicional, em aplicação do artigo 282.°, n.° 3, da Lei sobre a Execução Forçada.

112. Nos casos de aplicação da definição de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.° TFUE, a natureza contraditória do procedimento não é uma condição sine qua non. No entanto, pelos motivos acima expostos, considero que deve ser considerada um elemento obrigatório da definição de «tribunal» na aceção do Regulamento n.° 1215/2012.

113. Ainda que um procedimento possa assumir posteriormente (e mesmo facilmente) natureza contraditória mediante a remessa para um órgão diferente, entendo que essa circunstância não é, por si só, suficiente para reclassificar o órgão transmitente como «tribunal» na aceção do Regulamento n.° 1215/2012. A razão é simples: a fase contraditória do procedimento de natureza jurisdicional terá lugar perante o tribunal, mas não perante o notário.

iii) Conclusão sobre a segunda questão

114. Pelos motivos acima expostos, proponho que o Tribunal de Justiça responda à segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio nos seguintes termos: para ser considerada um «tribunal» na aceção do Regulamento n.° 1215/2012, uma entidade tem de ser um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro e fazer parte do seu sistema judicial. Porém, em casos duvidosos, essa entidade poderá, ainda assim, estar abrangida pela definição de «tribunal» se cumprir os seguintes critérios: i) ter sido criada por lei; ii) ser permanente; iii) a sua jurisdição ter caráter obrigatório; iv) seguir um procedimento de natureza contraditória; v) aplicar normas de direito; e vi) ser independente.

V –    Conclusão

115. Proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Općinski sud u Puli‑Pola (Tribunal Municipal de Pula, Croácia) nos seguintes termos:

Primeira questão

O Regulamento (UE) n.° 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial é aplicável em circunstâncias em que, como acontece no presente caso, é celebrado um contrato de utilização de um lugar de estacionamento entre, por um lado, um particular e, por outro, uma entidade detida por uma autoridade pública, caso esta não esteja a atuar no exercício dos seus poderes públicos.

Segunda questão

Para ser considerada um «tribunal» na aceção do Regulamento n.° 1215/2012, uma entidade tem de ser um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro e fazer parte do seu sistema judicial. Porém, em casos duvidosos, essa entidade poderá, ainda assim, estar abrangida pela definição de «tribunal» se cumprir os seguintes critérios: i) ter sido criada por lei; ii) ser permanente; iii) a sua jurisdição ter caráter obrigatório; iv) seguir um procedimento de natureza contraditória; v) aplicar normas de direito; e vi) ser independente.


1 —      Língua original: inglês.


2 —      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012 (JO 2012, L 351, p. 1).


3 —      Narodne novine, br. 112/12, 25/13, 93/14.


4 —      Službene novine Grada Pule, br. 21/09.


5 —      Službene novine Grada Pule br. 03/15 (a seguir «regulamento do estacionamento»).


6 —      V. acórdão de 11 de julho de 1996, SFEI e o. (C‑39/94, EU:C:1996:285, n.° 24); v., também, acórdãos de 14 de janeiro de 1982, Reina (65/81, EU:C:1982:6, n.° 7), e de 11 de abril de 2000, Deliège (C‑51/96 e C‑191/97, EU:C:2000:199, n.° 29).


7 —      Sendo efetivamente mais importante a decisão do órgão jurisdicional de reenvio, não necessariamente a do tribunal de recurso. Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio retirar conclusões de uma potencial decisão proferida em sede de recurso contra a sua decisão de reenvio (v. acórdão de 16 de dezembro de 2008, Cartesio C‑210/06, EU:C:2008:723, em especial n.os 93 e 97).


8 —      Ato relativo às condições de adesão da República da Croácia e às adaptações do Tratado da União Europeia, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2012, L 112, p. 21, a seguir «Ato de Adesão»).


9 —      Salvo se for estabelecido outro prazo no Ato de Adesão ou nos respetivos anexos, o que não acontece no presente caso.


10 —      V. as minhas conclusões no processo Nemec (C‑256/15, EU:C:2016:619, n.os 25 a 44).


11 —      Acórdão de 13 de novembro de 1979, Sanicentral (25/79, EU:C:1979:255, n.° 6). A jurisprudência desenvolvida ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconehicmento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), e da Convenção de Bruxelas, de 27 de setembro de 1968, relativa à competência judiciária, ao reconehcimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1989, L 285, p. 24), conforme alterada pelas convenções sucessivas relativas à adesão de novos Estados‑Membros a esta Convenção (a seguir «Convenção de Bruxelas»), os antecessores do Regulamento n.° 1215/2012, aplica‑se igualmente a este último nos casos em que as disposições pertinentes «possam ser consideradas equivalentes». Além disso, o considerando 34 do Regulamento n.° 1215/2012 recorda a necessidade de assegurar a continuidade no que respeita à interpretação destes instrumentos. V., por exemplo, acórdão de 11 de abril de 2013, Sapir e o. (C‑645/11, EU:C:2013:228, n.° 31 e jurisprudência aí referida).


12 —      O processo Sanicentral (25/79, EU:C:1979:255) dizia respeito à Convenção de Bruxelas, mas a jurisprudência pode ser transposta para o presente caso. O artigo 54.° dessa Convenção também previa expressamente a sua aplicação a ações judiciais intentadas após a sua entrada em vigor (v. nota 11 destas conclusões). V., mais recentemente, no que respeita especificamente à aplicação do Regulamento n.° 1215/2012 no tempo e à adesão de novos Estados‑Membros, conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Kostanjevec (C‑185/15, EU:C:2016:397, n.os 24 e segs).


13 —      Numa analogia mais genérica, esta abordagem também foi adotada no contexto da execução, após a adesão, de deveres (administrativos) impostos antes da adesão (v. acórdão de 14 de janeiro de 2010, Kyrian, C‑233/08, EU:C:2010:11).


14 —      Despacho de 5 de novembro de 2014 (C‑254/14, não publicado, EU:C:2014:2354).


15 —      Acórdão de 15 de fevereiro de 2007, Lechouritou e o. (C‑292/05, EU:C:2007:102, n.° 29 e jurisprudência aí referida).


16 —      Acórdão de 11 de abril de 2013, Sapir e o. (C‑645/11, EU:C:2013:228, n.° 32 e jurisprudência aí referida).


17 —      Influenciaria a base específica da competência à luz do regulamento (o artigo 7.° diz respeito aos contratos de prestação de serviços e o artigo 24.° ao arrendamento); porém, isso não afeta a análise que se segue.


18 —      V. considerando 10 do regulamento.


19 —      V., por exemplo, acórdão de 23 de outubro de 2014, flyLAL‑Lithuanian Airlines (C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.° 27).


20 —      V. n.os 15 e segs. das presentes conclusões.


21 —      Acórdão de 1 de outubro de 2002, Henkel (C‑167/00, EU:C:2002:555, n.° 26 e jurisprudência aí referida).


22 —      Acórdão de 1 de outubro de 2002, Henkel (C‑167/00, EU:C:2002:555, n.° 30).


23 —      Acórdão de 23 de outubro de 2014, flyLAL‑Lithuanian Airlines (C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.° 37).


24 —      V., recentemente, acórdão de 11 de novembro de 2015, Pujante Rivera (C‑422/14, EU:C:2015:743, n.° 20 e jurisprudência aí referida).


25 —      V. anexo III do Ato de Adesão.


26 —      Importa recordar que nada impede um Estado‑Membro de tentar transformar essas intenções em legislação vinculativa através dos habituais procedimentos legislativos ao nível da União.


27 —      Acórdão de 15 de novembro de 2012, Gothaer Allgemeine Versicherung e o. (C‑456/11, EU:C:2012:719, n.° 26 e segs.).


28 —      O próprio termo «judgment» em inglês (e, em croata, «sudska odluka») indica o tipo de entidade que deve adotar o ato. A outra condição estabelecida no artigo 2.°, alínea a), do regulamento, a de que as decisões sejam proferidas por tribunais «de um Estado‑Membro», não está em causa no presente processo.


29 —      A versão inglesa do regulamento utiliza indiscriminadamente o termo «court» e «court or tribunal». Nas presentes conclusões, adotarei o mesmo procedimento em relação aos termos «tribunal» e «órgão jurisdicional». Outras versões linguísticas são mais coerentes e utilizam apenas um termo.


30 —      Acórdãos de 2 de junho de 1994, Solo Kleinmotoren (C‑414/92, EU:C:1994:221, n.° 17), e de 14 de outubro de 2004, Mærsk Olie & Gas (C‑39/02, EU:C:2004:615, n.° 45).


31 —      O conceito de «decisão» abrange certos atos adotados por um «secretário do tribunal». Esses funcionários podem, portanto, ser considerados parte do «tribunal» (v. acórdão de 2 de junho de 1994, Solo Kleinmotoren, C‑414/92, EU:C:1994:221, n.os 16 e 17). Contudo, no presente caso, a emissão de mandados de execução foi delegada externamente, a notários, ou seja, fora das estruturas judiciais institucionais, e não internamente, no seio da estrutura de um tribunal.


32 —      Acórdão de 1 de outubro de 2015, ERSTE Bank Hungary (C‑32/14, EU:C:2015:637, n.° 47).


33 —      V. considerando 20 do Regulamento (UE) n.° 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu (JO 2012, L 201, p. 107).


34 —      Dos documentos relativos aos trabalhos preparatórios não consta nenhuma explicação sobre a inclusão do artigo 3.°


35 —      Que, em virtude do seu próprio nome, seriam normalmente consideradas parte do sistema executivo e não do sistema judicial. Em legislação paralela, recebem a designação de «autoridades administrativas» (v. nota 41 das presentes conclusões).


36 —      Chamo igualmente a atenção para o facto de os notários húngaros não serem mencionados no correspondente artigo 4.°, n.° 7, do Regulamento (CE) n.° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados (JO 2004, L 143, p. 15). V. também, a contrario, a nota 33 das presentes conclusões, relativa ao considerando 20 do Regulamento n.° 650/2012.


37 —      V. por exemplo, Regulamento n.° 805/2004 (título executivo europeu); Regulamento n.° 650/2012 (sucessões); Convenção de Lugano de 16 de setembro de 1988, relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2007, L 339, p. 3); Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (JO 2003, L 338, p. 1); Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento (JO 2006, L 399, p. 1); Regulamento (CE) n.° 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares (JO 2009, L 7, p. 1); Regulamento (UE) n.° 606/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de junho de 2013, relativo ao reconhecimento mútuo de medidas de proteção em matéria civil (JO 2013, L 181, p. 4); e Regulamento (CE) n.° 861/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, que estabelece um processo europeu para ações de pequeno montante (JO 2007, L 199, p. 1).


38 —      Por exemplo, o termo «tribunal» pode ser definido por referência ao âmbito de aplicação do regulamento, com acontece no artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003 e no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 650/2012 (que utiliza o termo «órgão jurisdicional»). Em ambos os casos, os Estados‑Membros estão sujeitos a determinadas obrigações de comunicação à Comissão das autoridades (não judiciárias) que estejam abrangidas pelo conceito de «tribunal» (artigo 79.° do Regulamento n.° 650/2012; artigo 68.° do Regulamento n.° 2201/2003). Outra abordagem consiste na remissão direta para as definições dos Estados‑Membros (ou seja, tribunais são as autoridades designadas como tal por cada Estado). É o caso do artigo 62.° da Convenção de Lugano, que foi expressamente referida pelos Governos alemão e suíço.


39 —      V., designadamente, artigo 3.°, n.° 4, do Regulamento n.° 606/2013, que define «autoridade[s] emissora[s]» como «qualquer autoridade judiciária» e determinadas autoridades que adotem medidas que «possam ser objeto de recurso para uma autoridade judiciária e tenham força e efeitos equivalentes às decisões de uma autoridade judiciária sobre a mesma matéria».


40 —      O Regulamento n.° 861/2007 adota uma abordagem diferente. Este regulamento não contém uma definição do termo «tribunal», mas refere nos seus considerandos que, por exemplo, este deve integrar uma pessoa com competência para exercer as funções de juiz, e respeitar o direito a um julgamento equitativo e o princípio do contraditório (considerandos 9 e 27).


41 —      Como demonstra o seu artigo 3.° V., também, Regulamento n.° 805/2004. Embora o Regulamento n.° 4/2009 não defina «tribunal», refere que este termo inclui «autoridades administrativas», que se encontram enumeradas no Anexo X (entre as quais figura a Autoridade de Execução sueca).


42 —      V. acórdão de 19 de setembro de 2006, Wilson (C‑506/04, EU:C:2006:587, n.os 47 e 48), em que a definição formulada ao abrigo do artigo 267.° TFUE foi importada para efeitos de interpretação de legislação secundária.


43 —      Embora não seja uma questão que se coloque no presente caso, essa definição não deveria, em princípio, excluir tribunais comuns a vários Estados‑Membros, como o Tribunal de Justiça do Benelux (v. considerando 11 do Regulamento n.° 1215/2012).


44 —      V. acórdãos de 2 de junho de 1994, Solo Kleinmotoren (C‑414/92, EU:C:1994:221, n.° 17), e de 14 de outubro de 2004, Mærsk Olie & Gas (C‑39/02, EU:C:2004:615, n.° 45). Nesses processos, o Tribunal de Justiça parece utilizar o termo «órgão jurisdicional» como sinónimo do termo «tribunal».


45 —      Acórdão de 2 de abril de 2009, Gambazzi (C‑394/07, EU:C:2009:219).


46 —      Acórdão de 14 de outubro de 2004, Mærsk Olie & Gas (C‑39/02, EU:C:2004:615).


47 —      Acórdão de 21 de maio de 1980, Denilauler (125/79, EU:C:1980:130).


48 —      Isto não impede, naturalmente, a qualificação do ato em causa de «decisão».


49 —      Corroborado pelo facto de que, desde a entrada em vigor da Convenção de Bruxelas há mais de 40 anos, o Tribunal de Justiça nunca foi chamado a pronunciar‑se detalhadamente sobre o significado concreto do termo «tribunal».


50 —      Um indício de que não era essa a intenção no caso do Regulamento n.° 1215/2012 é o facto de a proposta de regulamento inicialmente apresentada pela Comissão incluir uma definição de «tribunais» como «quaisquer autoridades designadas por um Estado‑Membro» [Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, COM(2010) 0748 final — COD 2010/0383, artigo 2.°, alínea c)]. Porém, essa definição não foi incluída na versão final.


51 —      Poderiam ser fornecidos vários exemplos claramente absurdos para ilustrar esta categoria. Porém, o mais importante será talvez sublinhar a finalidade de uma definição autónoma do direito da União nesses casos, que poderá não servir principalmente os interesses da União, mas, acima de tudo, os interesses de outros Estados‑Membros.


52 —      V., numa analogia mais genérica, acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.os 98 e segs).


53 —      V., designadamente, acórdão de 17 de setembro de 1997, Dorsch Consult (C‑54/96, EU:C:1997:413, n.° 23), recentemente confirmado pelo acórdão de 24 de maio de 2016, MT Højgaard e Züblin (C‑396/14, EU:C:2016:347, n.° 23).


54 —      Acórdão de 15 de novembro de 2012, Gothaer Allgemeine Versicherung e o. (C‑456/11, EU:C:2012:719, n.° 26).


55 —      V. conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo De Coster (C‑17/00, EU:C:2001:366, n.° 14).


56 —      Podendo (e, em alguns casos, devendo) os órgãos jurisdicionais nacionais consultar o Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.° TFUE, em casos de fronteira.