Language of document : ECLI:EU:T:2004:372

Processo T‑201/04 R

Microsoft Corp.

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Processo de medidas provisórias – Artigo 82.° CE»

Sumário do despacho

1.      Processo de medidas provisórias – Suspensão da execução – Condições de concessão – Fumus boni juris – Urgência – Carácter cumulativo – Ponderação de todos os interesses em causa – Poder de apreciação do o juiz das medidas provisórias

(Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 104.°, n.° 2)

2.      Processo de medidas provisórias – Despachos de medidas provisórias – Dever de fundamentação – Limites

(Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 107.°, n.° 1)

3.      Processo de medidas provisórias – Requisitos de forma – Apresentação dos pedidos – Exposição dos elementos essenciais de facto e de direito no próprio texto do requerimento de medidas provisórias nos documentos anexos – Remissão global para um documento anexo que retoma a argumentação em pormenor – Inadmissibilidade

(Instruções práticas às partes, ponto VII, n.os 1 e 2)

4.      Processo de medidas provisórias – Apresentação, no decurso da instância, para responder aos argumentos de uma parte, de documentos anteriores à data de apresentação do pedido – Admissibilidade

5.      Processo de medidas provisórias – Suspensão da execução – Condições de concessão – Urgência – Prejuízo grave e irreparável – Ónus da prova

6.      Processo de medidas provisórias – Suspensão da execução – Condições de concessão – Urgência – Prejuízo grave e irreparável – Obrigação imposta a uma empresa de conceder licenças sobre os seus direitos de propriedade intelectual – Apreciação caso a caso

7.      Processo de medidas provisórias – Suspensão da execução – Condições de concessão – Prejuízo grave e irreparável – Obrigação imposta a uma empresa de divulgar informações secretas – Inexistência de prejuízo grave em si – Ónus da prova que incumbe à referida empresa

8.      Processo de medidas provisórias – Suspensão da execução – Condições de concessão – Urgência – Prejuízo grave e irreparável – Prejuízo financeiro

9.      Processo de medidas provisórias – Suspensão da execução – Condições de concessão – Urgência – Prejuízo grave e irreparável – Obrigação imposta a uma empresa em posição dominante de modificar a sua política comercial – Insuficiência

(Artigo 82.° CE)

10.    Processo de medidas provisórias – Suspensão da execução – Condições de concessão – Urgência – Prejuízo grave e irreparável – Evolução irreversível das condições de mercado – Inclusão

11.    Processo de medidas provisórias – Suspensão da execução – Indeferimento do pedido – Possibilidade de apresentar novo pedido – Condição – Factos novos

(Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 109.°)

12.    Processo de medidas provisórias – Suspensão da execução – Condições de concessão – Urgência – Prejuízo grave e irreparável – Prejuízo financeiro

13.    Processo de medidas provisórias – Suspensão da execução – Condições de concessão – Urgência – Prejuízo grave e irreparável para o requerente

14.    Processo de medidas provisórias – Suspensão da execução – Condições de concessão – Prejuízo grave e irreparável – Violação de direitos de propriedade intelectual – Apreciação in concreto

1.      Em conformidade com o artigo 104.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, o requerimento de medidas provisórias deve especificar as razões da urgência, bem como os fundamentos de facto e de direito que justificam, à primeira vista (fumus boni juris), a adopção da medida provisória requerida. Estas condições são cumulativas, pelo que um pedido de suspensão de execução deve ser indeferido se uma delas faltar. O juiz das medidas provisórias procede igualmente, sendo caso disso, à ponderação dos interesses em causa. No âmbito dessa análise de conjunto, o juiz das medidas provisórias deve exercer o amplo poder de apreciação de que dispõe para determinar o modo como essas diferentes condições devem considerar‑se verificadas à luz das particularidades de cada caso.

(cf. n.os 71, 72)

2.      O juiz das medidas provisórias não tem que responder expressamente a todas as alegações de facto ou de direito discutidas durante o processo. Em especial, é suficiente que os fundamentos que por ele acolhidos justifiquem validamente, em relação às circunstâncias do caso concreto, o seu despacho e permitam ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional.

(cf. n.° 73)

3.      Por força do ponto VII, n.° 1, das Instruções Práticas às Partes, fixadas pelo Tribunal de Primeira Instância, um requerimento de medidas provisórias deve ser compreensível só por si, sem que seja necessário referir‑se à petição no processo principal. Daqui decorre que a procedência desse pedido só pode ser apreciada à luz dos elementos de facto e de direito, tal como resultam do próprio texto do requerimento de medidas provisórias e dos documentos a ele anexos, destinados a ilustrar o seu conteúdo. Embora não se possa daí concluir que qualquer alegação baseada numa peça que não seja junta ao requerimento de medidas provisórias tem necessariamente que ser afastada dos debates, não se pode considerar feita a prova dessa alegação no caso de esta ser contestada pela outra parte no litígio ou por um interveniente em apoio desta última. Embora um texto possa ser apoiado e completado em pontos específicos por remissões para determinadas passagens de documentos que lhe tenham sido juntos, uma remissão global para outras peças, mesmo juntas ao requerimento de medidas provisórias, não pode suprir a falta de elementos essenciais no referido requerimento. Neste contexto, o ponto VII, n.° 2, das Instruções Práticas, que exige que os fundamentos de facto e de direito em que se baseia a acção ou recurso principal e que, à primeira vista, podem dar uma indicação quanto à sua procedência sejam indicados de forma extremamente sucinta e concisa não pode ser entendido, sem se contornar a norma prescrita, no sentido de permitir uma remissão global para um documento anexo que retome a argumentação de forma pormenorizada.

(cf. n.os 86‑88, 97)

4.      No âmbito de um processo de medidas provisórias, não se pode acusar uma parte de só ter apresentado documentos no decurso da instância, quando se trata de essa parte alicerçar as suas observações em resposta aos argumentos avançados pela parte contrária ou pelos intervenientes nos respectivos articulados, sendo irrelevante, a este respeito, que o documento anexo tenha data anterior à da apresentação do requerimento de medidas provisórias ou que seja idêntico ou comprável a uma peça anexa ao recurso no processo principal.

(cf. n.° 93)

5.      O carácter urgente de um pedido de medidas provisórias deve ser apreciado em função da necessidade existente de decidir provisoriamente a fim de evitar que um prejuízo grave e irreparável seja provocado à parte que solicita a medida provisória. É a esta que incumbe provar que não poderá esperar o desfecho do processo principal sem ter de suportar um prejuízo dessa natureza. O prejuízo alegado deve ser certo ou, pelo menos, demonstrado com um grau de probabilidade suficiente, sendo que o requerente continua a ter a obrigação de provar os factos que se considera justificarem a perspectiva de tal prejuízo.

(cf. n.os 240, 241, 427)

6.      Considerar que a violação das prerrogativas exclusivas do titular de um direito de propriedade intelectual constitui, por si só e independentemente das circunstâncias próprias de cada caso, um prejuízo grave e irreparável, implicaria que a condição de suspensão da instância relativa à urgência estaria sempre preenchida quando uma empresa é obrigada, por uma decisão da Comissão de conceder licenças sobre esses direitos. O juiz das medidas provisórias deve, portanto, nestas circunstâncias, examinar se, à luz dos elementos do caso em apreço, a lesão dos referidos direitos de propriedade intelectual, até à decisão do mérito da causa, é susceptível de provocar um prejuízo grave e irreparável que ultrapasse a mera violação das prerrogativas exclusivas do titular dos direitos em questão.

(cf. n.os 248, 250, 251)

7.      Embora seja pacífico que pode manter-se, depois de adquirido, o conhecimento de uma informação até então mantida em segredo – quer devido à existência de um direito de propriedade intelectual, quer como segredo comercial – a eventual anulação da decisão da Comissão que ordena essa divulgação não permite, portanto, apagar da memória o conhecimento desta informação e que seria muito difícil determinar uma indemnização devido à improvável quantificação do valor da transferência de conhecimento, incumbe, no entanto, à empresa que pede a suspensão da execução dessa decisão demonstrar que prejuízo irreparável lhe poderia causar o simples facto de terceiros terem conhecimento de dados por ela divulgados, por oposição aos desenvolvimentos resultantes da utilização desse conhecimento. Além disso, a divulgação de uma informação até então mantida em segredo não implica necessariamente que ocorra um prejuízo grave.

(cf. n.os 253, 254)

8.      A gravidade do prejuízo financeiro alegado por uma empresa para justificar a urgência da suspensão da execução que ela pede ao juiz das medidas provisórias deve ser apreciada por referência ao seu poder financeiro.

(cf. n.° 257)

9.      Em princípio, qualquer Decisão tomada nos termos do artigo 82.° CE que obrigue uma empresa dominante a pôr fim a um abuso implica necessariamente uma alteração da política comercial dessa empresa. A obrigação imposta a uma empresa de alterar o seu comportamento não pode, portanto, por si só, ser considerada constitutiva de um prejuízo grave e irreparável, excepto se se entendesse que o requisito da urgência está sempre satisfeito quando a Decisão cuja suspensão se pede ordena a cessação de um comportamento abusivo. Quando um requerente invoca uma violação da liberdade comercial para demonstrar que há urgência em ordenar a medida provisória requerida, compete‑lhe produzir a prova de que a execução do acto impugnado a obrigará a alterar alguns elementos essenciais da sua política comercial e que os efeitos produzidos pela execução desse acto a impedirão de retomar, mesmo depois de proferida uma decisão em que obtenha vencimento quanto ao mérito, a sua política comercial inicial, ou de que esses efeitos lhe causarão um prejuízo grave e irreparável de outra natureza, recordando‑se que é à luz das circunstâncias de cada caso que o prejuízo alegado deve ser apreciado. Assim, deve o juiz das medidas provisórias apreciar as consequências das violações da liberdade de as empresas definirem a sua política comercial à luz dos efeitos da execução do acto.

(cf. n.os 291‑293, 409)

10.    Não se exclui que a divulgação das informações relativas à interoperabilidade de um produto com os produtos dos concorrentes, ordenada a uma empresa em posição dominante por uma decisão da Comissão, altera as condições do mercado de tal modo que não só essa empresa perderia quotas de mercado, mais ainda deixaria de poder, em caso de anulação da referida decisão, readquirir as quotas de mercado perdidas, e, portanto, que se possa considerar essa obrigação um prejuízo grave e irreparável que permita ao interessado pedir, a título de medida provisória, a suspensão da execução da referida decisão. Cabe, no entanto, à interessada apresentar quaisquer elementos de facto que fundamentem a sua argumentação, e em particular, a demonstrar a existência de obstáculos que a impeçam de recuperar uma parte importante das quotas que tenha podido perder em resultado da medida correctiva.

(cf. n.° 319)

11.    Nos termos do artigo 109.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, o indeferimento do pedido relativo a uma medida provisória não impede a parte que o tenha deduzido de apresentar outro pedido fundado em factos novos. No caso em apreço, não se pode excluir que a persistência de um desacordo sobre certas modalidades de execução da decisão controvertida possa ser considerada um «facto novo».

(cf. n.° 325)

12.    Um prejuízo que, para a recorrente, se traduziria, essencialmente, em custos de desenvolvimento suplementares e que, portanto, na falta de prova em contrário, constituiria um prejuízo de ordem financeira, não constitui, salvo circunstâncias excepcionais, um prejuízo irreparável.

(cf. n.os 413, 435)

13.    O carácter urgente de um pedido de medidas provisórias deve ser apreciado por referência à necessidade de decidir provisoriamente, a fim de evitar que um prejuízo grave e irreparável seja causado à parte que solicita a medida. Consequentemente, na medida em que um prejuízo pode ser causado a terceiros, não pode ser tomado em conta para efeitos da urgência, a menos que se possa demonstrar que o referido prejuízo se repercute na parte que solicita a medida.

(cf. n.° 416)

14.    O mero facto de uma Decisão da Comissão poder afectar, em certa medida, direitos de propriedade intelectual é, não havendo explicações em sentido contrário, insuficiente para concluir pela existência de uma prejuízo grave e irreparável, pelo menos independentemente dos efeitos concretos dessa violação.

(cf. n.° 473)