Language of document : ECLI:EU:T:2003:100

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

3 de Abril de 2003 (1)

«Concorrência - Concentrações - Regulamento (CEE) n.° 4064/89 - Recurso interposto por um terceiro - Admissibilidade - Compromissos no decurso da primeira fase do exame - Licença de marca - Modificações dos compromissos - Prazos - Contribuição financeira do Estado - Preço de retoma irrisório - Existência de dúvidas sérias quanto à compatibilidade da concentração com o mercado comum - Inexistência de compromisso sobre os mercados com sérios problemas de concorrência»

No processo T-114/02,

BaByliss SA, com sede em Montrouge (França), representada por J.-P. Gunther, advogado,

recorrente,

apoiada por

De'Longhi SpA, com sede em Treviso (Itália), representada por M. Merola, D. Domenicucci e I. van Schendel, advogados,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Superti, K. Wiedner e F. Lelièvre, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

SEB SA, com sede em Écully (França), representada por D. Voillemot e S. Hautbourg, advogados,

interveniente,

que tem por objecto a anulação da Decisão SG (2002) D/228078 da Comissão, de 8 de Janeiro de 2002, de não se opor à concentração entre a SEB e a Moulinex e de a declarar compatível com o mercado comum e com o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, sob reserva do cumprimento dos compromissos propostos (Processo COMP/M.2621 - SEB/Moulinex),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, J. Azizi e M. Jaeger, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Outubro de 2002,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

1.
    Nos termos do seu artigo 1.°, o Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas [JO L 395, p. 1, rectificado no JO 1990, L 257, p. 13, e com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.° 1310/97 do Conselho, de 30 de Junho de 1997 (JO L 180, p. 1), a seguir «Regulamento n.° 4064/89»], aplica-se às operações de concentração de dimensão comunitária definidas nos n.os 2 e 3 desse artigo.

2.
    Em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, as operações de concentração de dimensão comunitária devem ser previamente notificadas à Comissão.

3.
    Por outro lado, o artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89 dispõe que uma concentração de dimensão comunitária não pode realizar-se antes de ser notificada nem antes de ter sido declarada compatível com o mercado comum. O artigo 7.°, n.° 4, autoriza, todavia, a Comissão, mediante pedido, a conceder uma derrogação a esta obrigação de suspender a operação de concentração.

4.
    Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89, se a Comissão verificar que a operação de concentração notificada, apesar de abrangida pelo regulamento, não suscita dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá não se opor a essa operação de concentração e declará-la-á compatível com o mercado comum (a seguir «fase I»).

5.
    Pelo contrário, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89, se a Comissão verificar que a operação de concentração notificada está abrangida pelo regulamento e suscita dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá dar início ao processo (a seguir «fase II»).

6.
    Segundo o artigo 6.°, n.° 2, do referido regulamento:

«Se a Comissão verificar que, na sequência das alterações introduzidas pelas empresas em causa, uma operação de concentração notificada deixou de suscitar sérias dúvidas na acepção da alínea c) do n.° 1, pode decidir declarar a concentração compatível com o mercado comum nos termos da alínea b) do n.° 1.

A Comissão pode acompanhar a sua decisão tomada nos termos da alínea b) do n.° 1 de condições e obrigações destinadas a garantir que as empresas em causa cumpram os compromissos perante ela assumidos para tornar a concentração compatível com o mercado comum.»

7.
    Nos termos do artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 447/98 da Comissão, de 1 de Março de 1998, relativo às notificações, prazos e audições previstos no Regulamento n.° 4064/89 (JO L 61, p. 1), «os compromissos propostos à Comissão pelas empresas em causa nos termos do n.° 2 do artigo 6.° do Regulamento [...] n.° 4064/89, que os interessados pretendam que constitua a base de uma decisão ao abrigo do n.° 1, alínea b), do referido artigo, devem ser apresentados à Comissão, o mais tardar, três semanas após a data de recepção da notificação».

8.
    Na comunicação sobre as soluções passíveis de serem aceites nos termos do Regulamento n.° 4064/89 e do Regulamento n.° 447/98 (JO 2001, C 68, p. 3, a seguir «comunicação sobre as soluções»), a Comissão expõe as linhas directrizes que se propõe seguir em matéria de compromissos.

9.
    Nos termos do artigo 21.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão tem competência exclusiva para tomar as decisões previstas neste regulamento. O artigo 21.°, n.° 2, precisa, por outro lado, que os Estados-Membros não podem aplicar a sua legislação nacional sobre a concorrência às operações de concentração de dimensão comunitária.

10.
    O artigo 9.°, segundo parágrafo, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89 autoriza, todavia, a Comissão a remeter aos Estados-Membros o exame de uma operação de concentração de dimensão comunitária quando esta operação de concentração ameaça criar ou reforçar uma posição dominante que terá como consequência a criação de entraves significativos a uma concorrência efectiva num mercado no interior desse Estado-Membro que apresenta todas as características de um mercado distinto.

Factos na origem do litígio

I - Empresas em causa

11.
    O presente recurso, interposto pela BaByliss SA (a seguir também «recorrente»), visa a anulação da decisão pela qual a Comissão aprovou, sujeita a condições, a concentração entre a SEB e a Moulinex.

12.
    A recorrente é uma empresa francesa, controlada pelo grupo americano Conair, especializada no fabrico e na comercialização, sob a marca BaByliss, de pequenos aparelhos electrodomésticos, chamados «de beleza» (por exemplo, secadores de cabelo, modeladores de cabelo, escovas-secadores, aparadores de cabelo, aparelhos para depilação feminina e de cuidados do corpo). O grupo Conair é activo em todos os segmentos dos pequenos electrodomésticos (cozinha, beleza, limpeza) nos Estados Unidos e no mundo, especialmente sob as marcas Conair, BaByliss, Interplak, Forfex, Cuisinart, Revlon e Vidal Sassoon.

13.
    A SEB é uma empresa francesa activa no sector da concepção, do fabrico e da comercialização de pequenos aparelhos electrodomésticos a nível mundial. A SEB comercializa os seus produtos em mais de 120 países sob duas marcas de dimensão mundial (Tefal e Rowenta) e quatro marcas locais (Calor e SEB em França e na Bélgica, Arno no Brasil e nos países do Mercosul, Samurai nos países do Pacto Andino). As famílias de produtos comercializados pela SEB sob estas diferentes marcas são os aparelhos para cozinhar (minifornos, fritadeiras, torradeiras, refeições informais), os aparelhos para bebidas quentes (cafeteiras eléctricas, máquinas de café expresso, jarros eléctricos), os robots de cozinha, os ferros de engomar com e sem caldeira, os aparelhos de cuidados pessoais (depilação, penteado, barba, etc.), os aspiradores, os aparelhos de ventilação e de aquecimento doméstico e os utensílios de cozinha.

14.
    A Moulinex é também uma empresa francesa activa no sector da concepção, fabrico e comercialização de pequenos aparelhos electrodomésticos a nível mundial. A Moulinex comercializa as mesmas famílias de produtos que a SEB sob duas marcas internacionais (Moulinex e Krups) e uma marca local (Swan no Reino Unido). A Moulinex comercializa também fornos de micro-ondas.

II - Processo nacional

15.
    Em 7 de Setembro de 2001, o tribunal de commerce de Nanterre deu início a um processo de recuperação de empresas contra o grupo Moulinex. Nos termos da lei francesa, os administradores judiciais nomeados pelo tribunal de commerce tiveram que determinar se a empresa em recuperação podia continuar a sua actividade, devia ser cedida a terceiros ou devia ser liquidada. Neste caso, tendo-se revelado impossível a continuação das actividades da Moulinex, os administradores judiciais tentaram arranjar um comprador para a totalidade ou parte das actividades da Moulinex.

16.
    No âmbito deste processo, o grupo SEB apresentou-se como candidato à retoma de certos activos da Moulinex ligados aos pequenos electrodomésticos, a saber:

-    todos os direitos associados à exploração das marcas Moulinex, Krups e Swan, independentemente dos produtos em causa;

-    uma parte dos meios de produção (oito instalações industriais de um total de 18 e alguns equipamentos que se encontravam nas instalações não retomadas) que permitiam a produção de pelo menos alguns modelos de todos os produtos fabricados pela Moulinex, com excepção dos aspiradores e dos fornos de micro-ondas;

-    certas sociedades de comercialização, a saber, na Europa, apenas as sociedades alemã e espanhola.

17.
    Por carta de 25 de Setembro de 2001, a BaByliss enviou aos administradores judiciais da Moulinex, tendo em conta a sua vontade de aumentar a sua presença no domínio dos pequenos electrodomésticos em França e no mundo, uma proposta de aquisição de todas as actividades da Krups no mundo, incluindo, nomeadamente, o material, o equipamento, os stocks, os direitos de propriedade industrial e as redes de distribuição da Krups.

18.
    Por sentença de 22 de Outubro de 2001, o tribunal de commerce de Nanterre aceitou o plano de retoma proposto pela SEB.

III - Procedimento perante a Comissão

19.
    A pedido da SEB, a Comissão concedeu, em 27 de Setembro de 2001, uma derrogação com efeito suspensivo, tal como se prevê no artigo 7.°, n.° 4, do Regulamento n.° 4064/89. A decisão da Comissão fundava-se, principalmente, no facto de os administradores judiciais terem exigido a incondicionalidade de qualquer oferta de retoma. A derrogação concedida pela Comissão limitava-se à gestão dos activos retomados.

20.
    Em 13 de Novembro de 2001, a Comissão recebeu a notificação, nos termos do artigo 4.° do Regulamento n.° 4064/89, do projecto de aquisição, pela SEB, de certos activos da Moulinex.

21.
    Em 21 de Novembro de 2001, a Comissão publicou no Jornal Oficial das Comunidades Europeias a notificação prevista no artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89. Nos termos do n.° 4 desta notificação, a Comissão solicitava «aos terceiros interessados que lhe apresent[assem] as observações que entende[ssem] sobre o projecto de concentração em causa».

22.
    Na sequência desta publicação, a BaByliss informou a Comissão, por cartas datadas de 27 e 29 de Novembro de 2001, da sua preocupação quanto ao projecto de concentração em questão, tendo em conta os consideráveis efeitos anticoncorrenciais da união entre a SEB e a Moulinex num sector em que BaByliss tencionava entrar a muito curto prazo. A BaByliss salientava, a este respeito, que se posicionava como potencial concorrente da SEB-Moulinex no domínio dos pequenos electrodomésticos e, mais especialmente, no sector do pequeno material de cozinha, no qual desenvolve as suas actividades sob a marca comercial Cuisinart. Numa mensagem de 29 de Novembro de 2001 anexa à carta com a mesma data, a BaByliss enviou à Comissão uma proposta de retoma global incluindo da totalidade do pessoal e dos activos da Moulinex em França e juntou em anexo um plano comercial da Cuisinart («Estratégia Cuisinart em França») datado de Novembro de 2001.

23.
    Por carta de 30 de Novembro de 2001, a BaByliss respondeu ao questionário dirigido aos concorrentes pela Comissão, que lho tinha enviado em 27 de Novembro de 2001.

24.
    Em 5 de Dezembro de 2001, as partes na operação de concentração propuseram compromissos à Comissão.

25.
    No mesmo dia, os representantes da BaByliss reuniram-se com a Comissão a propósito do projecto de concentração.

26.
    Por carta datada de 6 de Dezembro de 2001, a BaByliss transmitiu à Comissão as suas reservas quanto à possibilidade de esta poder, eventualmente, nos termos do artigo 9.° do Regulamento n.° 4064/89, remeter a totalidade ou parte do processo às autoridades nacionais da concorrência que o requeressem.

27.
    Em 7 de Dezembro de 2001, as autoridades francesas da concorrência apresentaram à Comissão um pedido de remessa parcial do caso, nos termos do artigo 9.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 4064/89, na parte respeitante aos efeitos da operação de concentração em questão sobre a concorrência em França, em certos mercados da venda de pequenos aparelhos electrodomésticos.

28.
    Na sequência das críticas da Comissão, as partes na concentração alteraram os seus compromissos iniciais em 18 de Dezembro de 2001.

29.
    Em 20 de Dezembro de 2001, a BaByliss transmitiu à Comissão as suas observações sobre as quotas de mercado que a SEB-Moulinex deteria nas categorias de produtos examinadas pela Comissão, na sequência da operação de concentração em questão.

30.
    Por carta de 21 de Dezembro de 2001, a BaByliss respondeu a um questionário sobre os compromissos das partes na concentração, que lhe tinha sido enviado pela Comissão em 20 de Dezembro de 2001.

31.
    Na sequência das observações dos terceiros interessados, as partes na concentração alteraram novamente os seus compromissos.

32.
    Em 28 de Dezembro de 2001, a recorrente apresentou uma oferta de retoma parcial da Moulinex.

33.
    Em 3 de Janeiro de 2002, a BaByliss apresentou um complemento de respostas ao questionário relativo aos compromissos das partes na concentração, que lhe tinha sido enviado pela Comissão em 20 de Dezembro de 2001. A recorrente reafirmou, além disso, o seu interesse na aquisição da totalidade ou de parte dos activos da Moulinex. Reiterou também a sua preocupação quanto à sua posição e à posição dominante da SEB-Moulinex que resultaria da operação de concentração em causa para um certo número de categorias de pequenos electrodomésticos nos principais países europeus.

34.
    Em 8 de Janeiro de 2002, a Comissão aprovou, sob condições, a concentração entre a SEB e a Moulinex, em aplicação do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), e do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, bem como do artigo 57.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) (a seguir «decisão impugnada»).

35.
    A decisão impugnada não diz respeito, todavia, ao mercado francês, porque a Comissão deferiu, na mesma data, o pedido de remessa parcial das autoridades francesas.

36.
    Em 8 de Julho de 2002, o Ministro dos Assuntos Económicos francês autorizou a operação de concentração, sem impor compromissos, com base na doutrina dita da «empresa em dificuldades».

Decisão impugnada

I - Mercados de produtos em causa

37.
    A decisão impugnada refere, no considerando 16, que o sector económico afectado pela operação de concentração em questão é o da venda de pequenos aparelhos electrodomésticos, que se divide em treze categorias de produtos: fritadeiras, minifornos, torradeiras, sanduicheiras e aparelhos para «gaufres», aparelhos para refeições informais («pierrade», «wokparty», «raclette», «fondue», etc.), barbecues eléctricas e grelhadores de interior, arrozeiras e panelas a vapor, cafeteiras eléctricas, jarros eléctricos, máquinas de café expresso, misturadoras e robots de cozinha, ferros de engomar com e sem caldeira, e aparelhos de cuidados pessoais (aparelhos de saúde e de beleza). As onze primeiras categorias de produtos são geralmente denominadas produtos da gama «cozinha».

38.
    A Comissão considera que cada categoria de pequenos aparelhos electrodomésticos pode constituir um mercado de produtos distinto (considerando 25 da decisão impugnada). As conclusões da Comissão baseiam-se, essencialmente, numa análise da substituibilidade por parte da procura, na medida em que cada categoria tem uma função específica e se destina a uma utilização final distinta. A Comissão rejeita, por outro lado, a substituibilidade por parte da oferta. Salienta, com efeito, que, mesmo admitindo que todos os fabricantes pudessem fabricar todos os pequenos aparelhos electrodomésticos, os custos e o tempo necessários para a entrada num novo mercado de produtos podem ser consideráveis.

II - Mercados geográficos em causa

39.
    A Comissão considera que «deve optar-se por uma definição nacional dos mercados geográficos em causa como sendo a mais verosímil no final do exame da primeira fase» (considerando 30 da decisão impugnada).

III - Importância da marca

40.
    A Comissão constata que as marcas são um dos principais factores de escolha para os consumidores finais e que constituem, portanto, um dos elementos fundamentais da concorrência entre produtores de pequenos electrodomésticos (considerando 36 da decisão impugnada).

41.
    Observa, a este respeito, que a SEB e a Moulinex investem montantes consideráveis na preservação da notoriedade das suas marcas (considerando 38 da decisão impugnada). Constata também que as ofertas recebidas aquando da venda da Moulinex respeitavam quase exclusivamente às marcas deste grupo e não às unidades de produção (considerando 39 da decisão impugnada).

IV - Análise concorrencial

42.
    Quanto aos efeitos da operação de concentração em questão sobre a concorrência, a Comissão começa por rejeitar a tese segundo a qual os efeitos da concentração não são diferentes dos da situação de concorrência que teria resultado da liquidação do grupo Moulinex. Constata, a este respeito, que:

«No final da primeira fase da instrução, esta argumentação não pode ser aceite, uma vez que, a partir do momento em que o grupo Moulinex foi colocado em recuperação, um certo número de empresas comunicaram o seu interesse numa retoma das marcas detidas pelo grupo. Além disso, não se pode excluir que certos equipamentos ou propriedades industriais teriam sido retomados por terceiros que não a SEB. Dada a importância da marca nos mercados em causa, esses terceiros adquirentes teriam provavelmente podido restaurar, totalmente ou em parte, a capacidade concorrencial da Moulinex» (considerando 41 da decisão impugnada).

43.
    No final da sua análise, a Comissão conclui que a operação notificada suscita dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado comum num certo número de mercados respeitantes à gama cozinha (considerando 44 da decisão impugnada). No que respeita aos mercados geográficos examinados na decisão impugnada, observa, fundamentalmente, que:

-    em Portugal, na Grécia, na Bélgica e nos Países Baixos, onde, antes da concentração, a SEB e a Moulinex detinham posições por vezes consideráveis no sector dos pequenos electrodomésticos, a posição da SEB seria reforçada pela anexação da Moulinex e a transacção levaria a combinações de quotas de mercado em níveis por vezes elevados quanto a uma grande parte das categorias de produtos em causa. Segundo a Comissão, este poder de mercado seria, por outro lado, acentuado por uma carteira única de várias marcas, ao passo que actores como a Philips, a Braun ou a Taurus dispõem apenas de uma única marca (considerandos 43 e 45 a 47 da decisão impugnada);

-    na Alemanha, na Áustria, na Dinamarca, na Suécia e na Noruega, a transacção alteraria substancialmente as condições de concorrência num certo número de mercados de produtos (considerando 43 da decisão impugnada);

-    por fim, nos outros Estados-Membros, a transacção só alteraria marginalmente as condições da concorrência (considerando 43 da decisão impugnada).

44.
    Segundo a Comissão, a transacção notificada suscita, portanto, dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado comum nos seguintes mercados (considerando 128 da decisão impugnada):

-    Alemanha: fritadeiras e barbecues-grelhadores;

-    Áustria: fritadeiras e refeições informais;

-    Bélgica: robots de cozinha, máquinas de café expresso, jarros eléctricos, torradeiras, refeições informais, barbecues-grelhadores e ferros de engomar com e sem caldeira;

-    Dinamarca: fritadeiras e fornos de bancada;

-    Grécia: fritadeiras, jarros eléctricos, sanduicheiras e aparelhos para «gaufres», máquinas de café expresso e robots de cozinha;

-    Noruega: fritadeiras e fornos de bancada;

-    Países Baixos: fritadeiras, máquinas de café expresso, minifornos, refeições informais, barbecues-grelhadores e ferros de engomar com e sem caldeira;

-    Portugal: fritadeiras, tostadeiras, cafeteiras eléctricas, máquinas de café expresso, jarros eléctricos, minifornos, sanduicheiras e aparelhos para «gaufres», refeições informais, barbecues-grelhadores e robots de cozinha;

-    Suécia: fritadeiras.

45.
    Em contrapartida, a Comissão concluiu que a concentração não suscitava dúvidas sérias no que respeita aos mercados dos cuidados pessoais em que, independentemente dos países (com excepção da França) ou da definição do mercado de produtos adoptada, a quota de mercado conjunta das partes é inferior a 20% (considerando 44 da decisão impugnada).

V - Compromissos das partes na concentração

46.
    Na sequência dos compromissos propostos pelas partes na concentração, a Comissão concluiu, todavia, que as dúvidas sérias quanto à compatibilidade da concentração podiam ser afastadas, uma vez que estes compromissos constituíam uma resposta directa e imediata aos problemas de concorrência identificados na decisão, fora de França.

47.
    Inicialmente, os compromissos propostos pelas partes na concentração em 5 de Dezembro de 2001 previam a retirada de todo o EEE, por um período de dois anos, dos produtos da marca Moulinex abrangidos pelas categorias das fritadeiras, dos fornos de bancada, das refeições informais, das barbecues-grelhadores e dos ferros de engomar com e sem caldeira. Porém, segundo a Comissão, estes compromissos iniciais não teriam permitido substituir o grupo Moulinex por outro operador e não respeitavam à totalidade dos mercados em que a transacção era susceptível de suscitar dúvidas sérias (considerando 135 da decisão impugnada).

48.
    Em 18 de Dezembro de 2001, as partes melhoraram então «a sua proposta para a tornar praticável e efectiva» (considerando 135 da decisão impugnada). Esta proposta previa uma licença exclusiva da marca Moulinex, pelo prazo de três anos (acompanhada de um compromisso de não-entrada sob a marca Moulinex durante mais um ano) para todas as categorias de produtos na Bélgica, na Grécia, nos Países Baixos e em Portugal e para a categoria das fritadeiras na Alemanha, na Áustria, na Dinamarca, na Noruega e na Suécia. Os beneficiários desta licença ficariam sujeitos a uma obrigação de fornecimento de torradeiras, cafeteiras eléctricas, jarros eléctricos e robots de cozinha.

49.
    Os terceiros que foram inquiridos expressaram, todavia, críticas sobre estes compromissos, nomeadamente sobre o prazo da licença e do período de não-entrada, a obrigação de fornecimento, a falta de correcção dos efeitos da transacção notificada sobre a concorrência em certos mercados, a falta de suficiente dimensão crítica para justificar economicamente a entrada de um novo actor nos mercados em causa, bem como sobre a falta de controlo efectivo do licenciado da marca Moulinex no âmbito das soluções que visavam especificamente as fritadeiras, mantendo a SEB o gozo desta marca para os outros produtos (considerando 136 da decisão impugnada).

50.
    Segundo a decisão impugnada, a SEB «aperfeiçoou» então os seus compromissos, alargando a licença da marca a todos os pequenos produtos electrodomésticos para a Alemanha, a Áustria, a Dinamarca, a Noruega e a Suécia. A SEB alinhou assim o compromisso quanto a estes cinco países pelo compromisso que já tinha proposto para a Bélgica, a Grécia, os Países Baixos e Portugal. A SEB elevou também o prazo da licença para cinco anos (e para três anos para a não entrada) e eliminou a obrigação de abastecimento que recaía sobre o licenciado (considerando 137 da decisão impugnada).

51.
    A decisão impugnada resume os compromissos aceites pela Comissão do seguinte modo:

«129    Em cada um destes Estados, o grupo SEB obriga-se a celebrar com um terceiro um contrato de licença exclusiva da marca Moulinex, para venda de todas as treze categorias de pequenos aparelhos electrodomésticos.

130    Segundo estes compromissos, o contrato de licença será celebrado com um ou mais terceiros por um prazo de cinco anos. Durante o prazo do contrato de licença e durante um período de três anos após o seu termo, a SEB abster-se-á de qualquer comercialização sob a marca Moulinex de qualquer aparelho de uso doméstico nos Estados em questão. O grupo SEB obrigou-se, por outro lado, a não comercializar sob outra marca os modelos da gama Moulinex nos países em causa, desde que o licenciado tenha optado por se abastecer junto da SEB ou por beneficiar de uma licença de propriedade industrial.

131    O objecto desta licença é autorizar a utilização da marca Moulinex, com o objectivo de permitir ao licenciado estabelecer ou reforçar a sua própria marca nos mercados geográficos em causa. Para este efeito, durante o prazo da licença, o licenciado será autorizado a utilizar a marca Moulinex por si só ou associada à sua marca própria, e depois, a passar do ‘co-branding’ para a sua própria marca em qualquer momento. A SEB terá poderes para garantir o respeito do logótipo Moulinex pelo ou pelos licenciados.

132    O ou os licenciados serão livres relativamente à escolha e às modalidades de abastecimento quanto a todos os produtos e a todos os países em questão. Se quiserem, poderão obrigar a SEB a celebrar um contrato de fornecimento para a totalidade ou parte da duração do contrato de licença e para a totalidade ou parte das famílias de produtos visadas. Tal fornecimento deverá então corresponder a um volume de 65% das vendas sob a marca Moulinex em 2000. Há que observar que a SEB propõe, todavia, impor ao beneficiário da licença para a Alemanha uma obrigação de abastecimento em robots de cozinha. A SEB justifica esta excepção pela necessidade de manter postos de trabalho nas unidades de produção retomadas na sequência da sentença do tribunal de commerce de Nanterre.

133    O grupo SEB obriga-se, por outro lado, a fornecer a todos os licenciados que o requeiram uma licença relativa aos direitos de propriedade industrial (desenhos e modelos, patentes e saber-fazer) abrangendo um ou mais modelos da gama Moulinex para os poderem fabricar eles próprios ou os mandarem fabricar por terceiros por eles escolhidos.

134    O grupo SEB obriga-se a nomear um mandatário cujo mandato consistirá, designadamente, numa primeira fase, em assegurar a correcta execução pelo grupo SEB dos seus compromissos. A SEB obrigou-se a celebrar o ou os contratos de licença de marca previstos nos compromissos dentro de um prazo de [...] a contar da data de recepção da decisão de autorização da Comissão. Decorrido tal prazo, se a SEB não tiver celebrado a totalidade ou parte dos acordos previstos pelos compromissos, o mandatário será incumbido de procurar um ou mais licenciados e de celebrar esses acordos dentro de um prazo de [...]. A escolha do ou dos licenciados será sujeita à aprovação da Comissão.»

52.
    A Comissão considera que estes compromissos levam a uma redução significativa das recuperações de quotas de mercado causadas pela operação notificada. Constata que só não serão eliminadas as recuperações provenientes das vendas sob a marca Krups. Porém, segundo a Comissão, os acréscimos em termos de quotas de mercado associados à marca Krups só são susceptíveis de suscitar problemas de concorrência nos mercados das máquinas de café expresso e no mercado das refeições informais em Portugal (considerando 139 da decisão impugnada).

53.
    Na opinião da Comissão, os compromissos propostos permitem restaurar de modo durável as condições de uma concorrência efectiva. Com efeito, o prazo de cinco anos previsto para a licença dará ao licenciado a possibilidade de fazer passar os produtos da Moulinex para a sua marca própria, com perdas limitadas, em detrimento da SEB quando esta puder reintroduzir a marca Moulinex nos mercados em causa. A Comissão observa, a este respeito, que a duração de vida média dos pequenos produtos electrodomésticos é de cerca de três anos. Segundo a Comissão, a passagem para a sua própria marca é facilitada pelo facto de o licenciado se tornar o único beneficiário da marca Moulinex, considerando todos os pequenos produtos electrodomésticos, na zona geográfica em causa (considerando 140 da decisão impugnada).

54.
    A Comissão considera que a extensão dos compromissos de licença exclusiva a todos os pequenos produtos electrodomésticos e, portanto, a produtos quanto aos quais a Comissão não levantou dúvidas sérias, é necessária para assegurar a eficácia e a viabilidade destas medidas. Com efeito, se as licenças só abrangessem um número limitado de produtos, as margens de manobra do licenciado para efectuar um «rebranding» ficariam muito reduzidas, uma vez que a marca Moulinex seria representada por duas entidades concorrentes no país em causa: a SEB e o beneficiário da licença limitada a certos produtos (considerando 141 da decisão impugnada).

55.
    A Comissão observa que, além disso, o licenciado terá a possibilidade de beneficiar de uma autonomia de produção dos produtos Moulinex quando o entender, ao passo que a SEB poderá ver-se obrigada a deixá-lo beneficiar dos novos modelos por ele desenvolvidos para a gama de produtos Moulinex nos países não abrangidos pelos compromissos (considerando 142 da decisão impugnada).

56.
    Por fim, a Comissão salienta que, segundo os compromissos, o ou os licenciados devem estar actualmente presentes no mercado ou ser potencialmente capazes de nele entrar, ser viáveis, independentes, sem qualquer relação com o grupo SEB e ter a competência e a motivação necessárias para exercer uma concorrência activa e efectiva nos mercados em causa. Os compromissos prevêem também que este ou estes licenciados devem dispor de uma marca própria que possa ser associada à marca Moulinex (considerando 144 da decisão impugnada).

57.
    A Comissão considera, portanto, (no considerando 146 da decisão impugnada) que os compromissos propostos pelas partes são suficientes para dissipar as dúvidas quanto à compatibilidade da operação com o mercado comum nestes nove países, sob condição de as partes respeitarem os compromissos que se seguem:

«a)    compromisso de conceder uma licença exclusiva da marca Moulinex por um prazo de cinco anos para venda de aparelhos electrodomésticos das treze categorias de produtos referidas nesta decisão, tal como é definido no ponto 1, alínea a), dos compromissos anexos à presente decisão;

b)    compromisso de não comercializar nos países em causa produtos da marca Moulinex durante o prazo do contrato de licença e por um período de três anos após o seu termo, tal como se dispõe no ponto 1, alínea c);

c)    compromisso de não comercializar nos países em causa, sob outra marca que não a Moulinex, modelos da marca Moulinex nos territórios para os quais o ou os licenciados tenham celebrado um contrato de abastecimento ou um contrato efectivo de licença de propriedade industrial tal como previsto no ponto 1, alínea e);

d)    compromisso de celebrar com qualquer licenciado que o requeira um contrato de fornecimento (a um preço de transmissão correspondente ao preço de custo industrial acrescido das despesas gerais associadas à produção e ao fornecimento dos produtos ao licenciado) e/ou um contrato de licença de propriedade industrial para todos os produtos em causa, com excepção dos robots de cozinha na Alemanha, tal como previsto no ponto 1, alínea d), dos compromissos;

e)    compromisso de prosseguir a política geral de desenvolvimento de novos modelos e de manter o pleno valor económico e concorrencial da marca Moulinex em cada um dos nove Estados-Membros em questão até à celebração dos contratos de licença, tal como previsto no ponto 1, alínea h), dos compromissos;

f)    compromisso de celebrar o ou os acordos de licença exclusiva de marca para os nove países em causa dentro dos prazos previstos no ponto 1, h) e 2, e), iv), dos compromissos;

g)    compromisso relativo à aprovação do ou dos licenciados pela Comissão previsto no ponto 1, i), dos compromissos, e

h)    respeito de qualquer sugestão útil à realização dos compromissos ou à execução da sua missão que venha a ser feita pelo mandatário, tal como previsto no ponto 2, e), ii), dos compromissos».

58.
    Os pormenores dos compromissos assumidos pela SEB constam do anexo da decisão impugnada.

59.
    No n.° 2, alínea g), do anexo especifica-se que:

«Se a aprovação da presente operação por outra autoridade de concorrência for submetida a compromissos que entrem em contradição com os presentes compromissos ou levem a uma situação que exceda o que é necessário para a reposição de uma situação concorrencial em cada um dos mercados em causa, o grupo SEB poderá então pedir à Comissão uma revisão dos presentes compromissos no sentido de eliminar essas contradições ou de liberar o grupo SEB, no todo ou em parte, das condições e obrigações contidas nos presentes compromissos que deixem de ser necessárias.»

VI - Auxílios de Estado

60.
    Em resposta aos argumentos de certos terceiros que acusam a SEB de beneficiar de auxílios de Estado por parte das autoridades francesas no âmbito do seu plano de retoma, a Comissão constata, no considerando 10 da decisão impugnada, que, à luz de um exame preliminar do dispositivo previsto pelas autoridades francesas, não se verifica que as intervenções públicas previstas no âmbito do processo de recuperação sejam medidas que beneficiem a SEB. A Comissão considera, portanto, que o seu efeito não deve ser tomado em conta no exame da transacção proposta, realizado nos termos do Regulamento n.° 4064/89.

Tramitação processual e pedidos das partes

61.
    A recorrente interpôs o presente recurso mediante petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 15 de Abril de 2002. Através de requerimento separado apresentado na mesma data, a recorrente apresentou um pedido no sentido de o Tribunal julgar o recurso seguindo uma tramitação acelerada, nos termos do artigo 76.°-A do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

62.
    Por carta de 30 de Abril de 2002, a Comissão informou o Tribunal de que não se opunha ao pedido de tramitação acelerada. Por outro lado, a Comissão salientou que a recorrente não tinha demonstrado que a decisão impugnada lhe dizia directa e individualmente respeito.

63.
    Por carta de 8 de Maio de 2002, o Tribunal informou a recorrida do deferimento do seu pedido de prorrogação do prazo para apresentação da contestação até 24 de Junho de 2002. Convidou também a recorrida a abordar eventuais questões de admissibilidade do recurso juntamente com a sua contestação quanto ao mérito, para não atrasar o processo.

64.
    No âmbito de uma medida de organização do processo, o secretário do Tribunal convidou a recorrente, por carta de 17 de Junho de 2002, a responder a uma série de questões escritas, até 28 de Junho de 2002.

65.
    Em 24 de Junho de 2002, a Comissão apresentou a sua contestação que continha, a título principal, as suas objecções quanto à admissibilidade do recurso e, a título subsidiário, a sua contestação quanto ao mérito.

66.
    Em 28 de Junho de 2002, a recorrente apresentou as suas respostas às questões do Tribunal.

67.
    Por decisão de 2 de Julho de 2002, o Tribunal (Terceira Secção) deferiu o pedido de tramitação acelerada nos termos do artigo 76.°-A do Regulamento de Processo.

68.
    Em 18 de Julho de 2002, a recorrente, em conformidade com o convite que lhe tinha sido feito pelo secretário, apresentou as suas observações sobre a admissibilidade, em resposta à contestação da Comissão.

69.
    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 19 de Julho de 2002, a SEB pediu para intervir em apoio da posição da Comissão. Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 29 de Julho de 2002, a De'Longhi pediu para intervir em apoio da posição da recorrente. Estes pedidos foram deferidos por despacho do presidente da Terceira Secção de 16 de Setembro de 2002. A seu pedido, a SEB e a De'Longhi foram autorizadas, a primeira, a apresentar as suas alegações e a segunda, a apresentar certos documentos referidos no seu pedido de intervenção.

70.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal (Terceira Secção) decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo, convidou as partes a apresentar certos elementos e a responder a questões escritas. As partes responderam a estes pedidos dentro dos prazos estipulados.

71.
    As alegações das partes e as respostas que deram às questões orais foram ouvidas na audiência pública de 9 de Outubro de 2002.

72.
    A recorrente, apoiada pela De'Longhi, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    condenar a Comissão nas despesas.

73.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso inadmissível ou, subsidiariamente, negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

74.
    A SEB conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso inadmissível ou, subsidiariamente, negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto à admissibilidade

I - Argumentos das partes

75.
    A recorrente, apoiada pela De'Longhi, sustenta que o acto impugnado lhe diz directa e individualmente respeito, na acepção do artigo 230.° CE. A BaByliss é, com efeito, uma presença nova no mercado dos pequenos electrodomésticos de cozinha e posiciona-se, portanto, como concorrente directa da SEB e da Moulinex. Por outro lado, a recorrente sublinha que participou activamente no procedimento administrativo que precedeu a adopção da decisão impugnada.

76.
    A Comissão sustenta que a decisão impugnada não diz directa e individualmente respeito à recorrente.

77.
    A Comissão alega, em primeiro lugar, que a mera circunstância de a BaByliss ter reagido espontaneamente à publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, prevista no artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, da notificação da operação de concentração projectada, contactando a Comissão, não basta para demonstrar que a decisão impugnada lhe diz directa e individualmente respeito. A BaByliss não demonstra de modo algum que a decisão impugnada a atinge em virtude de certas qualidades que lhes são específicas ou de uma situação de facto que a individualiza de forma idêntica à da SEB.

78.
    A Comissão salienta que muitas empresas, à imagem da recorrente, participaram activamente no procedimento. A circunstância de uma empresa ter apresentado observações não basta, por si só, para comprovar que a empresa seja individualmente afectada. O exame detalhado das operações de concentração exige, com efeito, um contacto regular com muitos actores da vida económica.

79.
    Observa, em segundo lugar, que, nos termos do artigo 2.° dos estatutos da BaByliss, «a sociedade tem como objecto: [t]odas as operações de produção, de transformação, de representação, de importação e de exportação, de comércio grossista, semigrossista e a retalho de todos os artigos e mercadorias associados, nomeadamente, ao penteado e à beleza, à perfumaria e aos artigos de oferta», ao passo que a operação de concentração autorizada pela decisão impugnada abrange o sector dos pequenos electrodomésticos não relacionado com «o penteado, a beleza, a perfumaria e outros artigos de oferta».

80.
    Em terceiro lugar, a Comissão observa que a recorrente se apresenta como uma «presença nova» no mercado dos pequenos electrodomésticos de cozinha mas que, conforme ela própria reconhece, não tinha colocado no mercado qualquer pequeno aparelho electrodoméstico, nem à data da decisão impugnada nem à data da interposição do seu recurso. A própria BaByliss define-se, aliás, como «concorrente potencial». A Comissão observa que, se a recorrente anunciou que lançaria «oficialmente» tais produtos no mercado em 15 de Maio de 2002, não apresentou, todavia, qualquer elemento de prova em apoio desta afirmação.

81.
    Em quarto lugar, a Comissão observa que nada permite afirmar que os produtos comercializados pela BaByliss, sociedade com sede em França, estejam em concorrência directa com os aparelhos vendidos pela SEB nos mercados geográficos quanto aos quais a Comissão expressou dúvidas sérias, na medida em que não se pronunciou sobre a situação do mercado francês, que será analisada pelas autoridades francesas da concorrência.

82.
    Em quinto lugar, a Comissão sustenta que a recorrente não tem razão ao tentar basear-se nos «acórdãos Air France». A sua situação seria completamente diferente da da Air France. Com efeito, no processo que deu origem ao acórdão de 19 de Maio de 1994, Air France/Comissão (T-2/93, Colect., p. II-323), o Tribunal observou, primeiro, que a situação concorrencial nos mercados em causa tinha sido apreciada pela Comissão, tendo em conta, sobretudo, a situação da Air France (n.° 45 do acórdão), que era a única concorrente séria das empresas que participavam na concentração, ao passo que a recorrente está completamente fora dos mercados abrangidos pela operação de concentração. A Comissão refere também que o Tribunal observou que a Air France tinha sido obrigada, nos termos de um acordo celebrado entre ela, o Governo francês e a Comissão, a desfazer-se totalmente da sua participação na companhia TAT (n.° 46 do acórdão), enquanto, no caso em apreço, a BaByliss não pode invocar qualquer acordo ou decisão de alcance equivalente que lhe permita demonstrar que a sua situação de facto a individualiza de modo idêntico ao da SEB. A Comissão sublinha que, no acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Março de 1994, Air France/Comissão (T-3/93, Colect., p. II-121), a Air France era a principal concorrente da British Airways, enquanto, no caso em apreço, a BaByliss é apenas uma empresa, entre muitas outras, que se considera concorrente (potencial, aliás) da SEB.

83.
    Por fim, a Comissão pretende chamar a atenção para o facto de que a nova interpretação do artigo 230.° CE, adoptada pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão de 3 de Maio de 2002, Jégo-Quéré SA/Comissão (T-177/01, Colect., p. II-2365, n.° 51), não tem como efeito tornar o pedido admissível, porquanto, por um lado, a decisão impugnada é uma decisão individual que não tem qualquer alcance geral e, por outro, a decisão impugnada não restringe, de modo algum, os direitos da recorrente (que, aliás, não está presente nos mercados afectados pela operação de concentração) e não lhe impõe qualquer obrigação. A situação jurídica da recorrente não é afectada de forma certa e actual.

84.
    A SEB sustenta que a decisão impugnada não diz individualmente respeito à recorrente. A SEB sublinha, nomeadamente, a este respeito, que a recorrente poderia, tal como a SEB, ter formulado uma oferta de retoma concreta e séria no âmbito do procedimento colectivo, se estivesse realmente interessada na retoma da totalidade ou parte dos activos da Moulinex. Ora, a SEB recorda que a primeira oferta apresentada pela recorrente para a retoma da Moulinex não era séria e foi julgada inadmissível pelo tribunal de commerce de Nanterre, ao passo que as ofertas subsequentes foram posteriores à concentração e tinham apenas como objectivo tentar pôr em causa o plano de alienação proposto pela SEB. Acrescenta que a recorrente não manifestou qualquer interesse em obter uma licença da marca Moulinex, quando tal licença lhe poderia ter permitido, na perspectiva da estratégia de desenvolvimento por ela mencionada, penetrar e estabelecer-se duradoura e eficazmente nos mercados em causa.

85.
    A SEB observa também que até esta data os produtos BaByliss não são comercializados em nenhum dos mercados geográficos abrangidos pela decisão impugnada, nem sequer em França, onde a actividade da recorrente se limitou a uma apresentação num restaurante de Lião em Maio de 2002. A SEB sublinha que a recorrente não é, aliás, mencionada pela Comissão no quadro da sua análise concorrencial, nem como concorrente actual nem como concorrente potencial.

86.
    Por fim, a SEB refere que a recorrente não participou no procedimento de investigação aprofundada conduzido pelos relatores do Conseil de la concurrence em França (conselho da concorrência) e nem sequer estava presente nem representada na audiência perante o Conseil de la concurrence.

II - Apreciação do Tribunal

87.
    Segundo o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, «[Q]ualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor [...] recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito».

88.
    A recorrente não é parte na concentração nem é destinatária da decisão impugnada. Há, portanto, que verificar se esta lhe diz directa e individualmente respeito.

89.
    Não se pode contestar o carácter directo da afectação. Com efeito, uma vez que permite a realização imediata da operação de concentração projectada, a decisão impugnada pode induzir uma alteração imediata da situação dos mercados em questão, que depende então da exclusiva vontade das partes (v. acórdão de 24 de Março de 1994, Air France/Comissão, já referido, n.° 80).

90.
    Há que verificar, assim, se a referida decisão também diz individualmente respeito à recorrente.

91.
    Segundo jurisprudência constante, «as pessoas que não sejam destinatárias de uma decisão só podem alegar que esta lhes diz individualmente respeito se as atingir em virtude de certas qualidades que lhes são específicas ou de uma situação de facto que as caracteriza em relação a qualquer outra pessoa, individualizando-as, por isso, de forma idêntica à de um destinatário» (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962-1964, pp. 279, 283).

92.
    A este respeito, o Tribunal constata, em primeiro lugar, quanto à participação no procedimento, que é ponto assente que a recorrente, na sequência da notificação prevista pelo artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, transmitiu à Comissão, por cartas de 27, 29 e 30 de Novembro de 2001 e de 6, 20, 21 e 28 de Dezembro de 2001, as suas observações a respeito das consequências da operação de concentração em questão sobre a situação concorrencial dos mercados em causa bem como sobre a sua própria situação. Por outro lado, a Comissão ouviu a recorrente numa reunião, em 5 de Dezembro de 2001, e numa conversa telefónica, em 4 de Janeiro de 2002, com os agentes encarregues do exame do projecto de concentração.

93.
    Além disso, a BaByliss suscitou, nestas ocasiões, essencialmente as mesmas críticas que apresentou ao Tribunal na sua petição. Estas observações respeitavam, principalmente, à apreciação dos efeitos da concentração nos diferentes mercados geográficos e de produtos em causa e, em particular, na situação da BaByliss bem como à apreciação da eficácia dos compromissos propostos pela SEB para mitigar os problemas de concorrência suscitados pela retoma da Moulinex.

94.
    Por fim, deve observar-se que as cartas enviadas pela recorrente à Comissão não constituem apenas uma diligência unilateral e não solicitada, mas que a Comissão a convidou, nomeadamente, a apresentar as suas observações sobre os compromissos propostos pelas partes na concentração.

95.
    Daí decorre que a recorrente participou activamente no procedimento. Se é certo que, tal como a Comissão sublinha, com razão, uma simples participação não basta, por si só, para demonstrar que a decisão diz individualmente respeito à recorrente, em especial no domínio das concentrações cujo exame minucioso exige um contacto regular com muitas empresas, não deixa de ser verdade que a participação activa no procedimento administrativo constitui um elemento que a jurisprudência regularmente toma em consideração, em matéria de concorrência, inclusivamente no domínio mais específico do controlo das operações de concentração, para, juntamente com outras circunstâncias específicas, decidir da admissibilidade do recurso (v., nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 1986, Cofaz e o./Comissão, 169/84, Colect., p. 391, n.os 24 e 25, e de 31 de Março de 1998, França/Comissão, dito «Kali & Salz», C-68/94 e C-30/95, Colect., p. I-1375, n.° 54; acórdão de 19 de Maio de 1994, Air France/Comissão, já referido, n.° 44).

96.
    No que respeita, em segundo lugar, ao estatuto de concorrente da recorrente, recorde-se, antes de mais, que a BaByliss afirmou, sem que a Comissão ou a SEB a contradissessem, ser um dos principais operadores activos nos mercados dos pequenos produtos electrodomésticos ditos «de beleza» ou de cuidados pessoais (secadores de cabelo, modeladores de cabelo, escovas-secadores, aparadores de cabelo, aparelhos para depilação feminina e de cuidados do corpo, etc.).

97.
    Segundo o considerando 16 da decisão impugnada, o sector económico afectado pela operação de concentração é o da venda de pequenos aparelhos electrodomésticos, que se divide em treze categorias de produtos, a saber, as onze categorias de produtos da gama cozinha, os ferros de engomar com e sem caldeira e a categoria dos aparelhos de cuidados pessoais. Daqui decorre que o mercado dos aparelhos de cuidados pessoais é, tal como se indica, aliás, no considerando 16 da decisão impugnada, afectado pela operação de concentração em causa. Ora, não foi contestado nem pela Comissão nem pela SEB que a recorrente é um dos principais concorrentes/actores neste mercado dos produtos ditos «de beleza» ou de cuidados pessoais.

98.
    Além disso, há que observar que os compromissos abrangem também a totalidade das treze categorias de pequenos aparelhos electrodomésticos, incluindo, portanto, os aparelhos ditos «de beleza» ou de cuidados pessoais.

99.
    Por outro lado, se a recorrente não estava, nem na data da adopção da decisão impugnada nem na da interposição do seu recurso, directamente presente em nenhum dos outros doze mercados afectados pela concentração, sustentou, todavia, que é um concorrente, pelo menos potencial, visto que está actualmente a entrar no mercado europeu dos pequenos electrodomésticos de cozinha.

100.
    A Comissão e a SEB não contestaram a admissibilidade de um recurso interposto por um concorrente potencial quando, como no caso em apreço, se trata de mercados oligopolistas caracterizados, nomeadamente, por elevadas barreiras à entrada resultantes da grande fidelidade à marca bem como pela dificuldade de acesso ao comércio a retalho (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Novembro de 1997, Kaysersberg/Comissão, T-290/94, Colect., p. II-2137).

101.
    A Comissão e a SEB sublinharam, em contrapartida, que a alegação segundo a qual a recorrente é um concorrente potencial não tinha sido demonstrada nem acompanhada de elementos de prova. Todavia, nas suas respostas às questões escritas do Tribunal, bem como nas suas observações sobre a questão prévia da admissibilidade, a recorrente alega, a este respeito, que, baseada na sua experiência do mercado americano, iniciou, a partir de princípio do ano de 2001, a implementação da sua estratégia de entrada no mercado europeu dos pequenos electrodomésticos de cozinha, sob a marca Cuisinart, mais precisamente, nos segmentos dos minifornos, das torradeiras, das máquinas de café expresso, das misturadoras e dos robots de cozinha, tal como é demonstrado pelos seguintes factos: o primeiro estudo do mercado europeu dos pequenos electrodomésticos de cozinha (Fevereiro de 2001), o estudo técnico sobre a adaptação da voltagem dos produtos Cuisinart (Fevereiro-Agosto de 2001), o contrato de partenariado trienal com Paul Bocuse (Outubro de 2001) e as feiras profissionais com Paul Bocuse em Orlando e em Chicago, apresentando os produtos Cuisinart (Setembro de 2001 e Maio de 2002), a finalização da estratégia e do orçamento 2002 para o lançamento da Cuisinart na Europa (Novembro de 2001), a negociação com os principais clientes franceses sobre o referenciamento de produtos da marca Cuisinart (Dezembro de 2001-Maio de 2002), o lançamento oficial na imprensa francesa (previsto para Março de 2002 mas que veio a ser adiado) e, por fim, em 16 de Maio de 2002, a «data oficial de lançamento da Cuisinart em França, no restaurante de Paul Bocuse em Lião, na presença de cerca de cinquenta convidados». A BaByliss visava, futuramente, penetrar nos segmentos das cafeteiras eléctricas e das máquinas de café expresso bem como no das fritadeiras.

102.
    A circunstância, sublinhada pela Comissão e pela SEB, de a entrada efectiva da recorrente nos mercados afectados pela concentração ter sido várias vezes adiada relativamente aos anúncios feitos pela BaByliss não pode constituir um motivo suficiente para concluir que a BaByliss não pode ser considerada um concorrente potencial. O mero facto de a entrada no mercado demorar mais tempo do que o previsto não significa, com efeito, que tal entrada não se realizará, sobretudo quando, como a Comissão reconhece no considerando 24 da decisão impugnada, «os custos e o tempo necessários para a entrada num novo mercado de produtos podem ser consideráveis, tendo em conta as características do mercado», e quando «para entrar num novo mercado de produtos, um concorrente, quer esteja ou não presente noutros mercados vizinhos ou no mercado de produtos em causa noutra zona geográfica, deve assegurar-se de que terá suficiente, saída e, portanto, que terá um volume de vendas suficiente, devendo, para tanto, constar das listas de compras dos clientes revendedores e, portanto, dar a conhecer a sua marca junto dos consumidores finais, o que demora um certo tempo e implica consideráveis despesas de marketing e de publicidade».

103.
    Verifica-se também que, ainda antes de os produtos da BaByliss serem efectivamente postos à venda nos mercados, esta encontra-se em relação de concorrência directa com a SEB-Moulinex em matéria de referenciamento dos seus produtos pelos principais clientes distribuidores. A recorrente precisou a este respeito que estão previstos testes de demonstração num «certo número de lojas» seleccionadas do Auchan e do Monoprix, a partir de Outubro de 2002. Nesta medida, a BaByliss apresenta-se como um concorrente actual das partes na operação de concentração para todos os mercados dos pequenos electrodomésticos de cozinha em que se prepara para entrar a curto prazo sob a marca Cuisinart. De igual modo, a recorrente observa, sem ser contestada, que os produtos de cuidados pessoais e os pequenos electrodomésticos de cozinha, pertencem ao mesmo sector para todos os clientes, que são os mesmos compradores que referenciam os produtos e que as políticas de compra estão associadas, levando, assim, à integração da totalidade dos volumes de negócios dessas categorias nos objectivos comuns de descontos associados às realizações globais de volume de negócios.

104.
    Se, como a Comissão sublinha, o plano de negócios da recorrente, datado de Novembro de 2001, visa aparentemente, pelo menos a curto prazo, apenas a entrada no mercado francês, que, precisamente, não é abrangido pela decisão impugnada, deve observar-se que a recorrente explicou que a estratégia do grupo BaByliss era lançar a marca Cuisinart no mercado francês, em primeiro lugar, para adquirir experiência no marketing dos produtos e concentrar os investimentos importantes lá onde toda a organização do grupo é forte e que contava apoiar-se no sucesso da penetração no referido mercado francês para, seguidamente, se alargar também a outros Estados-Membros.

105.
    Por outro lado, há que recordar que a BaByliss é detida a 100% pela Conair, sociedade de direito americano, activa em todos os segmentos dos pequenos electrodomésticos (cozinha, beleza, limpeza) nos Estados Unidos e no mundo, principalmente sob as marcas BaByliss, Conair e Revlon.

106.
    Embora não se situe num mercado afectado, na acepção do Regulamento n.° 4064/89, a posição da BaByliss no mercado dos aparelhos de cuidados pessoais bem como a actividade e a experiência da sociedade-mãe Conair dão-lhe uma base susceptível de justificar o qualificativo de concorrente «potencial» e de facilitar a sua entrada no mercado dos pequenos electrodomésticos de cozinha.

107.
    Por fim, no que respeita ao argumento da Comissão a respeito do objecto social da sociedade BaByliss, basta constatar que a sua actividade não se limita apenas ao sector do penteado e da beleza, tal como é comprovado pela utilização do advérbio «nomeadamente» na definição do seu objecto.

108.
    Em terceiro lugar, deve referir-se que, na perspectiva do seu projecto de penetração no mercado europeu dos pequenos electrodomésticos, a BaByliss se candidatou, em várias ocasiões, à retoma da Moulinex ou, pelo menos, de alguns dos seus activos.

109.
    A recorrente apresentou assim, em 25 de Setembro de 2001, uma primeira oferta de retoma parcial da totalidade dos activos da Krups (direitos de propriedade industrial, material e equipamento, fábrica no México, stocks, redes de distribuição) por um preço de 100 milhões de euros.

110.
    A SEB sustenta que esta oferta não é susceptível de individualizar a recorrente porque era inadmissível e nem sequer foi tomada em consideração pelo tribunal de commerce de Nanterre.

111.
    A recorrente alega, a este respeito, que não lhe foi dada a possibilidade de formular uma oferta global, abrangendo a totalidade dos activos e do pessoal da Moulinex, porque não conseguiu ter acesso a qualquer informação financeira sobre a sociedade, apesar de pedidos escritos nesse sentido. Só a SEB pôde efectuar uma auditoria completa às fábricas da Moulinex e apresentar, assim, aos administradores judiciais uma oferta mais global de retoma da Moulinex.

112.
    De igual modo, a De'Longhi, numa carta dirigida à Comissão em 3 de Dezembro de 2001, denunciou a falta de transparência que tinha caracterizado o processo de alienação da Moulinex, observando o seguinte:

«A SEB elaborou a sua oferta como uma aquisição parcial, limitada a certas unidades de produção da Moulinex e às actividades conexas, mas conseguiu, depois, retomar também os moldes e outros instrumentos de produção inerentes a actividades não transferidas [...] sem que tal implicasse, aliás, uma alteração do preço proposto. De igual modo, a SEB obteve, na prática, a possibilidade de utilizar a marca Moulinex para toda a sua produção, sem qualquer contrapartida, apesar do valor desta marca, que é líder na Europa no sector em causa [...] Tal mostra bem, neste âmbito, a incerteza que rodeava as modalidades da alienação aquando da apresentação das manifestações de interesse. Esta situação teve como resultado que a maioria dos concorrentes da SEB não apresentou qualquer oferta, e explica as razões pelas quais as condições e as modalidades da operação não foram tornadas públicas ou só o foram muito recentemente, depois da adjudicação.»

113.
    A SEB contestou estas alegações. Recordou, a este respeito, que, uma vez que não se tratava de um processo de liquidação judiciária, só podiam ser apresentadas ofertas que visassem uma recuperação da empresa e que só foram apresentadas aos administradores judiciais, dentro dos prazos do processo colectivo, três ofertas de retoma total ou parcial dos activos da Moulinex a saber, as apresentadas pela Euroland, pela sociedade Participation industrielle e pelo grupo SEB. As duas primeiras ofertas foram julgadas inadmissíveis pelo tribunal de commerce de Nanterre, ao passo que as outras manifestações de interesse recebidas pelos administradores judiciais só respeitavam, essencialmente, à marca Krups. Estas diferentes manifestações de interesse, em especial a apresentada pela BaByliss, que não respeitava às acções da Krups mas apenas a alguns dos seus activos eram, na opinião da SEB, muito restritivas, não se inscreviam no quadro de um plano de recuperação, uma vez que não incluíam qualquer retoma de instalações industriais da Moulinex nem qualquer posto de trabalho e não eram, portanto, admissíveis. Foi nestas condições que o tribunal de commerce de Nanterre decidiu que a oferta «apresentada pelo grupo SEB e[ra] assim, na realidade, a única que restava». A SEB sublinha que, no âmbito do recurso interposto desta decisão, a cour d'appel de Versailles julgou improcedentes todas as críticas formuladas contra o procedimento seguido pelos administradores judiciais, quando, nomeadamente, a BaByliss, que tinha intervindo a título voluntário, tinha alegado que «a rapidez e a precipitação da retoma não [tinham] permitido às sociedades interessadas, nomeadamente à sociedade Euroland e à SA BaByliss, tomar conhecimento do dossier e elaborar, em condições normais e com prazos suficientes, um plano de continuação, no caso da primeira, e um plano de alienação, no caso da segunda».

114.
    Recorde-se, a este respeito, que as qualificações nacionais são inoperantes para apreciar a natureza de uma actividade à luz de uma disposição de direito comunitário, (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2000, Aéroports de Paris/Comissão, T-128/98, Colect., p. II-3929, n.° 128). Além disso, a circunstância de a oferta da BaByliss ter sido julgada inadmissível, em direito francês, por não se inscrever no quadro de um plano de recuperação através de uma alienação, não altera o facto de que, através dessa oferta, a recorrente manifestou, desde 25 de Setembro de 2001, o seu interesse na retoma de, pelo menos, uma parte da Moulinex.

115.
    Posteriormente, a recorrente continuou a manifestar o seu interesse pela sociedade Moulinex, formulando três ofertas suplementares de retoma, total ou parcial desta, a saber:

-    oferta de retoma global da Moulinex, datada de 29 de Novembro de 2001, abrangendo a retoma da totalidade dos efectivos em França, ou seja, cerca de 5 500 pessoas, e dos activos da Moulinex, incluindo stocks, pelo valor simbólico de um euro; esta oferta foi comunicada à Comissão no âmbito do seu exame da operação de concentração em questão, bem como à direction générale de la concurrence, de la consommation et de la répression des fraudes (Direcção-Geral da Concorrência, do Consumo e da Repressão das Fraudes, DGCCRF) e ao representante do Ministro da Economia em França;

-    oferta de retoma parcial da Moulinex, datada de 28 de Dezembro de 2001: esta nova oferta respeitava à aquisição da totalidade das actividades da Krups a nível mundial, do seu equipamento industrial e do pessoal a ela afecto, por um montante a definir em função do perímetro dos activos em questão; esta oferta foi comunicada à Comissão no âmbito do seu exame da operação de concentração em questão e transmitida às autoridades francesas;

-    oferta de retoma de certos activos da Moulinex, datada de 15 de Fevereiro de 2002: a BaByliss apresentou uma nova oferta de retoma da Moulinex aos administradores judiciais desta, incluindo os activos da Moulinex não retomados pela SEB, e que consistiam nas instalações de Alençon, de Bayeux e de Falaise, bem como em todo o material destinado à produção de fornos de micro-ondas; o preço de compra proposto pela BaByliss era de 150 000 euros.

116.
    Estas diferentes ofertas, apesar de não respeitarem as condições estabelecidas ou de serem dirigidas a autoridades sem competência para delas se ocuparem, ou de serem formuladas depois da concentração, e mesmo, no que respeita à de 15 de Fevereiro de 2002, depois da decisão impugnada, comprovam, todavia, o interesse sustentado e contínuo, desde 25 de Setembro de 2001, da recorrente pela retoma da Moulinex ou de alguns dos seus activos.

117.
    Resulta de todas as considerações anteriores que a concentração entre a SEB e a Moulinex diz directa e individualmente respeito à recorrente e que o seu recurso de anulação da decisão impugnada é admissível.

Quanto ao mérito

118.
    A recorrente invoca quatro fundamentos de recurso. O primeiro fundamento assenta numa violação de formalidades essenciais, na medida em que a Comissão aceitou a apresentação de compromissos tardios por parte da SEB. Através do segundo fundamento, a recorrente sustenta que a Comissão cometeu um erro de direito ao autorizar a concentração no final da fase I e sem dar início à fase II. Através do terceiro fundamento, a recorrente sustenta que a decisão enferma de um erro manifesto de apreciação na medida em que os compromissos são insuficientes para remediar os problemas de concorrência. Através do quarto fundamento, a recorrente sustenta que a Comissão cometeu um erro de direito ao não examinar se o nível irrisório do preço pago pela SEB pela retoma da Moulinex e a comparticipação financeira do Estado francês eram susceptíveis de reforçar a posição da SEB.

I - Quanto ao primeiro fundamento, assente em violação de formalidades essenciais, por a Comissão ter aceite a apresentação de compromissos tardios por parte da SEB

Argumentos das partes

119.
    A recorrente sustenta que a decisão impugnada enferma de um vício de forma, ao autorizar a operação em litígio com base em compromissos apresentados pela SEB depois de findo o prazo regulamentar de três semanas a contar da data da recepção da notificação.

120.
    A recorrente recorda que, nos termos do artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98, «os compromissos [no decurso da fase I] devem ser apresentados à Comissão, o mais tardar, três semanas após a data de recepção da notificação». Cita, além disso, o ponto 37 da comunicação da Comissão sobre as soluções:

«Dado que as soluções propostas na Fase I se destinam a proporcionar uma resposta clara a uma preocupação de concorrência facilmente identificável, só podem ser aceites pequenas alterações aos compromissos propostos. Tais alterações, apresentadas como uma resposta imediata ao resultado das consultas, incluem clarificações, precisões e/ou outras melhorias que assegurarão que os compromissos são viáveis e efectivos.»

121.
    A recorrente alega que, no caso em apreço, a Comissão violou o artigo 18.° do Regulamento n.° 447/98 e o ponto 37 da comunicação sobre as soluções, ao aceitar novos compromissos por parte da SEB mais de dez dias depois do prazo regulamentar de três semanas.

122.
    Com efeito, segundo a recorrente, em 5 de Dezembro de 2001, data-limite para a apresentação dos compromissos, a SEB propôs à Comissão um compromisso que consistia numa simples suspensão das vendas de certas famílias de produtos sob a marca Moulinex durante um período de dois anos, em todo o EEE (considerando 135 da decisão impugnada). A própria Comissão teria considerado que um compromisso desta natureza não permitia resolver os problemas de concorrência suscitados pela operação. Aliás, é sintomático, a este respeito, que a Comissão não tenha sequer considerado necessário efectuar um teste de mercado para apreciar a sua eficácia.

123.
    A recorrente observa que foi só em 18 de Dezembro de 2001, ou seja, cinco semanas após a notificação da operação em questão, que a SEB apresentou novos compromissos, que consistiam na concessão a um terceiro de uma licença exclusiva da marca Moulinex para venda de todas as famílias de produtos abrangidos pela operação, por um prazo de três anos. Acrescenta que esta segunda proposta de compromissos foi, por sua vez, objecto de uma terceira proposta, que introduzia alterações substanciais, na véspera da adopção da decisão impugnada, resultando na solução que veio a ser adoptada pela Comissão (considerandos 129 a 134 da decisão impugnada).

124.
    Segundo a recorrente, verifica-se assim que a segunda e a terceira proposta de compromissos apresentadas pela SEB se afastavam substancialmente, tanto do ponto de vista da sua própria natureza como do seu alcance e duração, da proposta inicialmente apresentada pela SEB. Como tal, não podiam ser consideradas simples melhorias dos compromissos iniciais, na acepção da comunicação da Comissão, constituindo sim novos compromissos. A Comissão devia, assim, nesta etapa do procedimento, ter decidido dar início à fase II.

125.
    A recorrente sublinha, a título de comparação, que no processo que deu origem à Decisão da Comissão, de 14 de Março de 2000, que declara a incompatibilidade de uma concentração com o mercado comum e com o funcionamento do Acordo EEE (Processo COMP/M.1672 - Volvo/Scania) (JO 2001, L 143, p. 74), nos considerandos 359 e 362, a Volvo tinha apresentado um primeira proposta de compromissos dentro do prazo previsto para esse efeito (na fase II, neste caso), e tinha depois formulado uma nova proposta de compromissos quinze dias depois. A Comissão recusou-se a tomar em consideração estes segundos compromissos, com fundamento em que «não existe nada na nova proposta que a Volvo não pudesse ter incluído num compromisso apresentado num prazo de três meses».

126.
    A Comissão sustenta que a afirmação segundo a qual «cometeu uma violação de formalidades essenciais ao aceitar a apresentação de compromissos tardios por parte da SEB» é destituída de qualquer fundamento.

Apreciação do Tribunal

127.
    Deve recordar-se que as partes na concentração propuseram, por três vezes, compromissos à Comissão durante a fase I, a saber, em 5 de Dezembro de 2001, em 18 de Dezembro de 2001 e numa data posterior, não especificada, antes da adopção da decisão impugnada em 8 de Janeiro de 2002.

128.
    No essencial, o teor de cada um destes compromissos era o seguinte:

-    na versão inicial de 5 de Dezembro de 2001 (a seguir «versão inicial dos compromissos»), os compromissos previam a retirada de todo o EEE e durante dois anos de cinco categorias de produtos da marca Moulinex;

-    na versão alterada de 18 de Dezembro de 2001 (a seguir «versão alterada dos compromissos»), os compromissos previam uma licença exclusiva da marca Moulinex, pelo prazo de três anos, acompanhada de um compromisso de não entrada sob a marca Moulinex durante mais um ano após o termo da licença para todas as categorias de produtos na Bélgica, na Grécia, nos Países Baixos e em Portugal e para a categoria das fritadeiras na Alemanha, na Áustria, na Dinamarca, na Noruega e na Suécia, bem como uma obrigação de abastecimento a cargo dos licenciados em quatro categorias dos produtos em causa;

-    por fim, na versão final aceite na decisão impugnada (a seguir «versão final dos compromissos»), os compromissos previam uma licença exclusiva da marca Moulinex pelo prazo de cinco anos, acompanhada de um compromisso de não entrada sob a marca Moulinex durante três anos adicionais após o termo da licença, de todas as categorias de pequenos produtos electrodomésticos na Áustria, na Alemanha, na Bélgica, na Dinamarca, na Grécia, na Noruega, nos Países Baixos, em Portugal e na Suécia, bem como uma obrigação de abastecimento a cargo do licenciado na Alemanha, pelo prazo de dois anos, numa das categorias de produtos em causa.

129.
    Deve observar-se que, nos termos do artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98:

«Os compromissos propostos à Comissão pelas empresas em causa nos termos do n.° 2 do artigo 6.° do Regulamento [...] n.° 4064/89, que os interessados pretendam que constitua a base de uma decisão ao abrigo do n.° 1, alínea b), do referido artigo, devem ser apresentados à Comissão, o mais tardar, três semanas após a data de recepção da notificação.»

130.
    No caso em apreço, tendo a notificação da operação de concentração sido efectuada em 13 de Novembro de 2001, o prazo para propor compromissos à Comissão durante a fase I terminava, aplicando o método de contagem de prazos definido nos artigos 6.° a 9.° e 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 447/98, em 5 de Dezembro de 2001. Daqui resulta que a versão inicial dos compromissos foi apresentada à Comissão dentro dos prazos previstos pelo artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98.

131.
    É pacífico, todavia, que a versão inicial dos compromissos não é a que veio a ser aceite pela Comissão na decisão impugnada. Nos termos do considerando 135 da decisão impugnada, a versão inicial dos compromissos não permitia, com efeito, à Comissão dissipar todas as dúvidas sérias quanto à compatibilidade da concentração com o mercado comum, porque não teria permitido a um operador substituir-se à Moulinex e não respeitava à totalidade dos mercados em que a concentração era susceptível de levantar dúvidas sérias.

132.
    Ora, é pacífico que tanto a versão alterada dos compromissos como a sua versão final foram apresentadas pelas partes na concentração fora do prazo de três semanas previsto pelo artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98. Nestas circunstâncias, há que examinar se a Comissão tinha o direito de aceitar tais compromissos sem violar esta última disposição.

133.
    Para efectuar este exame, há que ter em conta, antes de mais, os termos das disposições aplicáveis dos Regulamentos n.° 4064/89 e n.° 447/98.

134.
    Observe-se que, nos termos do artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98, as partes na concentração devem comunicar à Comissão, num prazo de três semanas, os compromissos que «pretendam que constituam a base» de uma decisão adoptada no termo da fase I.

135.
    De igual modo, nos termos do artigo 10.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89, prevê-se que a fase I é alargada a seis semanas se, depois da notificação de uma operação de concentração, as empresas em causa apresentarem compromissos em aplicação do n.° 2 do artigo 6.°, do mesmo regulamento, «com o objectivo, para as partes, de serem tomados em consideração» numa decisão no termo da fase I.

136.
    Resulta dos termos destas disposições que o prazo de três semanas previsto pelo artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98 é concebido como um prazo vinculativo para as partes na concentração, no sentido de que, se estas apresentarem compromissos fora desse prazo, a Comissão não é obrigada a tomá-los em consideração durante a fase I. Em contrapartida, não resulta dos termos das disposições acima referidas que a Comissão esteja proibida de tomar em consideração esses compromissos tardios.

137.
    Para determinar se o artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98 deve ser interpretado neste sentido, há, porém, que examinar os termos dessa disposição à luz dos objectivos que prossegue.

138.
    Observe-se, a este respeito, que a referida disposição foi inserida pelo Regulamento n.° 447/98, que revogou o Regulamento (CE) n.° 3384/94 da Comissão, de 21 de Dezembro de 1994, relativo às notificações, prazos e audições previstos no Regulamento n.° 4064/89 (JO L 377, p. 1), na sequência da adopção do Regulamento n.° 1310/97. Este último introduziu no Regulamento n.° 4064/89 um quadro regulamentar para a proposta de compromissos no decurso da fase I. Nos termos do considerando 16 do Regulamento n.° 447/98, a Comissão indica que os prazos para a apresentação dos compromissos previstos pelo dito regulamento são necessários para «permitir à Comissão efectuar uma apreciação adequada dos compromissos destinados a tornar a operação de concentração compatível com o mercado comum e assegurar uma consulta apropriada dos outros interessados directos, de terceiros e das autoridades dos Estados-Membros».

139.
    Resulta, assim, deste considerando que, através da introdução do prazo previsto pelo artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98, a Comissão pretendeu assegurar-se de que disporia do tempo necessário para avaliar os compromissos propostos e consultar os terceiros. Ora, se a prossecução deste objectivo exige necessariamente que o prazo previsto pela referida disposição seja vinculativo para as partes na concentração, para que estas fiquem privadas da possibilidade de apresentar compromissos antes do termo da fase I, num prazo que não permita à Comissão dispor do tempo necessário para os avaliar e para consultar os terceiros, não exige de modo algum, em contrapartida, que tal prazo seja também vinculativo para a Comissão, podendo esta perfeitamente considerar que, tendo em conta as circunstâncias do caso, um prazo mais curto é suficiente para proceder a essas avaliações e consultas.

140.
    Daqui decorre que o artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/89 deve ser entendido no sentido de que, se as partes numa concentração não podem obrigar a Comissão a ter em conta compromissos e alterações dos mesmos apresentados depois do prazo de três semanas, a Comissão, em contrapartida, se considerar ter tempo suficiente para os examinar, deve poder autorizar a concentração tendo em conta esses compromissos, ainda que se verifiquem alterações depois do prazo de três semanas.

141.
    Resulta, assim, do acima exposto que a Comissão tinha o direito de aceitar a versão alterada dos compromissos e a sua versão final fora do prazo de três semanas previsto pelo artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98, uma vez que este prazo não é vinculativo para a Comissão.

142.
    De qualquer modo, há que constatar que, contrariamente ao que a recorrente alega, ao aceitar esses compromissos a Comissão respeitou os princípios que expôs nessa matéria na comunicação sobre as soluções.

143.
    Deve sublinhar-se, liminarmente, que, ao contrário do que a Comissão sugere na sua contestação, essa comunicação não é desprovida de obrigações jurídicas vinculativas. Com efeito, a Comissão tem de respeitar as comunicações que adopta em matéria de controlo das concentrações na medida em que não se afastem das normas do Tratado e do Regulamento n.° 4064/89 (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Junho de 2002, Países Baixos/Comissão, C-382/99, Colect., p. I-5163, n.° 24, e de 26 de Setembro de 2002, Espanha/Comissão, C-351/98, Colect., p. I-8031, n.° 53). Por outro lado, a Comissão não se pode afastar das regras que se impôs (v., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão, T-7/89, Colect., p. II-1711, n.° 53).

144.
    Ora, nos termos da comunicação sobre as soluções, a Comissão indicou que:

«37    Se a apreciação revelar que os compromissos propostos não são suficientes para dissipar as preocupações de concorrência suscitadas pela concentração, as partes serão informadas desse facto. Dado que as soluções propostas na Fase I se destinam a proporcionar uma resposta clara a uma preocupação de concorrência facilmente identificável, só podem ser aceites pequenas alterações aos compromissos propostos. Tais alterações, apresentadas como uma resposta imediata ao resultado das consultas, incluem clarificações, precisões e/ou outras melhorias que assegurarão que os compromissos são viáveis e efectivos.»

145.
    No caso em apreço, no que respeita às alterações introduzidas pela versão final dos compromissos na versão alterada, é manifesto, e não contestado pela recorrente, que constituem pequenas alterações, na acepção do ponto 37 da comunicação sobre as soluções. Relativamente à versão anterior, a versão final dos compromissos limita-se, com efeito, a prolongar a duração da licença exclusiva e da posterior obrigação de não entrada, a alargar a mais cinco Estados-Membros o princípio adoptado para os quatro primeiros, segundo o qual a licença abrangerá todos os pequenos produtos electrodomésticos e, por fim, a reduzir o alcance da obrigação de abastecimento. Respeitando estas alterações apenas ao campo de aplicação, em termos de tempo, de produtos e de geografia, de obrigações previstas na versão alterada dos compromissos, podem ser consideradas pequenas alterações destinadas a melhorar ou a precisar a versão inicial dos compromissos, na acepção do ponto 37 da comunicação sobre as soluções.

146.
    No que respeita às alterações introduzidas pela versão alterada na versão inicial dos compromissos, que consistiam em transformar uma obrigação de retirada da marca Moulinex numa obrigação de concessão de uma licença exclusiva da referida marca, há que constatar que, tal como a retirada da marca, a concessão de uma licença exclusiva tem como efeito privar o titular da marca Moulinex, a SEB, neste caso, do direito de utilizar essa marca nos territórios em questão. Nesta medida, o facto de a concessão de uma licença exclusiva permitir, além disso, a terceiros utilizar a marca pode considerar-se uma «melhoria» relativamente à mera retirada.

147.
    Por outro lado, no caso em apreço, os compromissos prevêem, no ponto 1, alínea c), que a SEB se abstém de utilizar a marca Moulinex durante um prazo de três anos após o termo dos contratos de licença. Além disso, o ponto 1, alínea a), segundo parágrafo, permite aos licenciados deixar de utilizar a marca Moulinex em qualquer momento durante o prazo da licença, para passarem definitivamente para a sua própria marca. Em aplicação destas disposições, a marca Moulinex será retirada do mercado durante um período de, pelo menos, três anos e, pelo menos teoricamente, de um máximo de oito anos. Daqui resulta que, ao contrário do que a recorrente sustenta, a versão final dos compromissos não se limita a substituir a retirada da marca Moulinex prevista na versão inicial pela concessão de licenças da dita marca, reforçando sim esta não utilização da marca Moulinex pela SEB, ao obrigar esta a conceder uma licença. Também por esta razão, a versão final dos compromissos apresenta-se como uma «melhoria» relativamente à versão inicial dos mesmos.

148.
    Além disso, ainda que os terceiros não tenham sido explicitamente consultados quanto à versão inicial dos compromissos, esta melhoria pode ser considerada «uma resposta imediata ao resultado das consultas» de terceiros destinada a tornar os compromissos «viáveis e efectivos». Com efeito, em resposta à questão 25 do questionário enviado aos concorrentes, a própria recorrente sublinhou que uma posição duradoura em cada mercado nacional de produtos em causa pressupõe dois elementos muito importantes: a lealdade dos consumidores à marca e o acesso às diferentes redes de distribuição. Tendo em conta estes elementos de resposta, a Comissão podia deduzir logicamente da consulta dos terceiros que uma licença exclusiva da marca Moulinex constituía uma resposta imediata aos problemas por eles identificados, uma vez que, ao contrário da mera retirada da marca, tal licença permite que um operador que disponha de uma marca notória e tenha acesso aos canais de distribuição se substitua à Moulinex.

149.
    Resulta, aliás, dos presentes autos que, numa nota datada de 17 de Dezembro de 2001 «sobre os eventuais compromissos da SEB», a De'Longhi indicou explicitamente à Comissão que «como alternativa à alienação, poderia conceber-se uma obrigação, por parte da SEB, de conceder licenças da marca Moulinex a terceiros adquirentes em todos os mercados nacionais em que a operação implique efeitos anticoncorrenciais particularmente sérios». Ainda que, como alegou na audiência, a De'Longhi tenha reformulado esta tomada de posição na sua resposta ao questionário sobre os compromissos, datada de 3 de Janeiro de 2002, não deixa de ser verdade que esta constitui um indício susceptível de confirmar que a Comissão podia legitimamente considerar ou, em qualquer dos casos, sem cometer um erro manifesto, que um compromisso de licença constituía uma resposta imediata às consultas dos terceiros, uma vez que a própria De'Longhi preconizou esta opção antes de a mesma ser proposta pela SEB.

150.
    Por todas estas razões, a versão alterada dos compromissos e a sua versão final podem ser consideradas pequenas alterações que, nos termos do ponto 37 da comunicação sobre as soluções, podem ser aceites pela Comissão fora do prazo previsto pelo artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98.

151.
    Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser julgado integralmente improcedente.

II - Quanto ao segundo fundamento, assente em erro de direito cometido pela Comissão ao autorizar a operação de concentração sem dar início à fase II

Argumentos das partes

152.
    A recorrente sustenta que a Comissão cometeu um erro de direito ao não dar início à fase II, com base no artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89, quando não se verificavam as condições para uma autorização no termo da fase I, dado que os compromissos apresentados pela SEB não permitiam afastar claramente todas as dúvidas sérias quanto à compatibilidade da operação de concentração com o mercado comum.

153.
    A recorrente recorda que a comunicação sobre as soluções prevê que «os compromissos [que lhe são apresentados] na fase I devem ser suficientes para eliminar claramente ‘dúvidas sérias’» sobre a compatibilidade da operação com o mercado comum. Mais precisamente, os compromissos assumidos durante a fase I só podem levar a uma autorização sem dar início à fase II quando:

-    os problemas em termos de concorrência levantados pela operação sejam facilmente identificáveis;

-    os referidos compromissos sejam suficientes para afastar claramente quaisquer dúvidas sérias e sejam, por conseguinte, elaborados de modo a dar uma resposta clara aos problemas de concorrência identificados;

-    os referidos compromissos surjam como uma «resposta imediata» ao resultado das consultas conduzidas pela Comissão junto dos operadores presentes no mercado e das partes.

154.
    A Comissão conclui, assim, na sua comunicação sobre as soluções:

«Os compromissos na fase I só podem ser aceites em determinados tipos de situações. O problema de concorrência suscitado deve ser de tal forma claro e as soluções de tal maneira inequívocas que não é necessário empreender uma investigação aprofundada.»

155.
    A recorrente observa também que, no processo Volvo/Scania, já referido, a Comissão recusou uma proposta de compromissos apresentada pelas partes na concentração depois de ter constatado o seguinte:

«Não é possível concluir que a nova proposta eliminaria de uma forma óbvia e clara todos os problemas de concorrência identificados. A complexidade das novas propostas tornaria impossível, no curto prazo que resta antes do termo do prazo previsto no n.° 3 do artigo 10.° do regulamento das concentrações, que a Comissão as apreciasse efectivamente. Teria sido necessário uma nova investigação e igualmente a procura de pontos de vista de terceiros interessados nos termos das disposições relevantes do regulamento das concentrações.»

156.
    À luz destes elementos, a recorrente entende que a Comissão não podia, sem cometer um erro de direito, autorizar a operação de concentração no final da fase I. A recorrente considera, com efeito, que a Comissão não podia calcular, com suficiente grau de certeza, no final de apenas esta fase, que os compromissos aceites permitiam afastar todas as dúvidas quanto à compatibilidade da operação com o mercado comum.

157.
    Segundo a recorrente, três elementos demonstram que a Comissão não podia, no final da fase I, determinar com o grau de certeza exigido, que os compromissos acordados bastavam para resolver todos os problemas de concorrência suscitados pela operação de concentração.

158.
    Em primeiro lugar, a recorrente sublinha que, tanto quanto sabe, a Comissão nunca tinha anteriormente autorizado uma operação de concentração apenas com base em compromissos de licença de marca, tendo tais compromissos sido sempre utilizados pela Comissão acompanhados, ou em complemento, de outras soluções, tais como as alienações de activos. A recorrente observa, a este respeito, que a própria Comissão preconiza, no ponto 16 da sua comunicação sobre as soluções, que, «quando o problema de concorrência resulta de uma sobreposição horizontal, terá de ser alienada a actividade mais adequada». Segundo a recorrente, a Comissão não podia, por conseguinte, dispor de uma experiência que lhe permitisse determinar, com suficiente grau de certeza, se um mero compromisso de licença de marca era susceptível de resolver claramente os problemas de concorrência identificados.

159.
    Em segundo lugar, a recorrente alega que a Comissão não podia ter suficiente visibilidade quanto à eficácia dos compromissos aceites. Segundo a recorrente, contrariamente a um mero compromisso de alienação, cujos efeitos são facilmente avaliáveis pela Comissão, a eficácia de um compromisso de licença de marca é, pela sua própria natureza, mais difícil de avaliar, na medida em que depende de vários parâmetros, tais como o prazo da licença, o prazo de afastamento subsequente da marca, o perímetro exacto da licença. Além disso, o facto de as licenças da marca Moulinex poderem, no esquema dos compromissos previstos pela Comissão, ser concedidas a empresas diferentes consoante os produtos e os países em causa, é susceptível de complicar ainda mais a apreciação dos efeitos destes compromissos. Nesta medida, a recorrente entende que a Comissão não podia, sem recorrer a um procedimento de exame aprofundado, avaliar com suficiente grau de precisão se o terceiro ou os terceiros licenciados poderiam efectivamente constituir um verdadeiro contrapeso à SEB-Moulinex, após a operação, em cada uma das gamas de produtos e em cada país em causa.

160.
    Em terceiro lugar, a recorrente sublinha que o questionário destinado a apreciar a eficácia da versão alterada dos compromissos apresentados pela SEB foi enviado aos terceiros interessados em 20 de Dezembro de 2001, exigindo-se a resposta em 21 de Dezembro de 2001. Ora, na sua opinião, este prazo de resposta extremamente curto não podia de modo algum permitir aos terceiros inquiridos dar uma opinião precisa e circunstanciada sobre os efeitos previsíveis dos compromissos propostos. A recorrente admite que, em certos casos, se pode aceitar um prazo de resposta muito curto, quando se trata de compromissos cujos efeitos são facilmente avaliáveis, tais como as alienações de activos. Em contrapartida, quando se trata de compromissos complexos e, além disso, não praticados com frequência, um prazo de um dia não pode, de modo algum, considerar-se suficiente para permitir aos terceiros interessados apresentar uma opinião circunstanciada.

161.
    A Comissão contesta ter cometido um erro de direito ao decidir autorizar a operação de concentração no final da fase I e sem dar início ao procedimento de investigação aprofundado.

Apreciação do Tribunal

162.
    Há que constatar, liminarmente, que, quando a recorrente sustenta que a Comissão cometeu um erro de direito ao não dar início à fase II, dado que os compromissos apresentados pela SEB não eram suficientes para permitir afastar claramente todas as dúvidas sérias, coloca em questão a apreciação de natureza económica que levou a Comissão a aceitar os compromissos propostos pela SEB. Quanto a este aspecto, este fundamento confunde-se com o terceiro fundamento, assente num erro manifesto de apreciação quanto à capacidade dos compromissos de resolver os problemas de concorrência suscitados. Assim, este aspecto do presente fundamento será examinado no âmbito do terceiro fundamento.

163.
    Observe-se que, nos termos do considerando 8 do Regulamento n.° 1310/97, os compromissos assumidos durante a fase I podem ser aceites «quando o problema em termos de concorrência seja rapidamente identificável e possa ser facilmente sanado». De igual modo, no ponto 37 da comunicação sobre as soluções, repete-se que as soluções da fase I «se destinam a proporcionar uma resposta clara a uma preocupação de concorrência facilmente identificável».

164.
    No caso em apreço, há que constatar, no que respeita à natureza dos problemas de concorrência em questão, que a recorrente não identifica outros problemas de concorrência além dos identificados pela Comissão na decisão impugnada.

165.
    Observe-se, aliás, a este respeito, que a Comissão se baseou, no caso em apreço, numa análise concorrencial prudente. Com efeito, contrariamente ao que as partes notificantes sustentavam durante o procedimento administrativo, entendendo que a dimensão geográfica dos mercados era mundial, a Comissão optou, no final do considerando 30 da decisão impugnada, por uma definição nacional dos mercados geográficos «como sendo a mais verosímil no final da primeira fase». De igual modo, para apreciar a posição concorrencial da nova entidade depois da concentração, a Comissão somou as quotas de mercado da SEB e da Moulinex, admitindo que não haveria perdas de vendas por parte da Moulinex, apesar de o contexto da retoma ser susceptível de implicar tais perdas, e de se saber que a comercialização de certos modelos da Moulinex tinha cessado. No considerando 42 da decisão impugnada, a Comissão considerou, assim, que não se podia excluir «pelo menos no final de uma primeira fase de investigação, que a entidade resultante da fusão possa restaurar a capacidade concorrencial da Moulinex ao nível que tinha antes de ser colocada em recuperação».

166.
    Há, assim, que admitir que a Comissão identificou com precisão os problemas de concorrência suscitados pela operação de concentração em questão.

167.
    A recorrente refere três elementos para demonstrar que a Comissão não podia considerar com suficiente grau de certeza que os compromissos propostos permitiam afastar as dúvidas quanto à compatibilidade da operação de concentração e que, assim, cometeu um erro de direito ao autorizar a operação no final da fase I. Estes elementos respeitam, em primeiro lugar, à natureza dos compromissos, em segundo lugar, à insuficiente visibilidade de que a Comissão dispunha para apreciar a eficácia dos compromissos e, em terceiro lugar, ao prazo concedido aos terceiros para fazerem comentários sobre os compromissos.

168.
    No que respeita, em primeiro lugar, à natureza dos compromissos propostos, deve recordar-se que, no caso em apreço, tais compromissos consistem na celebração de acordos de licença exclusivos da marca Moulinex em nove Estados-Membros, para a totalidade das treze categorias de produtos em causa, por um prazo de cinco anos, e no compromisso do grupo SEB, durante o prazo do contrato de licença e durante um período de três anos após o seu termo, de se abster de qualquer comercialização sob a marca Moulinex.

169.
    Nem o Regulamento n.° 4064/89 nem a comunicação sobre as soluções prevêem expressamente o tipo de compromissos que pode ou deve ser aceite no final da fase II ou no âmbito da fase I. Visando o Regulamento n.° 4064/89 impedir a criação ou o reforço de estruturas de mercado susceptíveis de entravar significativamente a concorrência efectiva no mercado comum, os compromissos propostos devem, todavia, ser susceptíveis de permitir à Comissão concluir que a operação de concentração em questão não cria ou não reforça uma posição dominante. Deste ponto de vista, não há diferenças de natureza entre os compromissos assumidos durante a fase I e os assumidos durante a fase II, ainda que os primeiros, tendo em conta o facto de não ter sido efectuado um estudo de mercado aprofundado durante a fase I, devam não só permitir a conclusão de que a operação de concentração em questão não cria ou não reforça uma posição dominante, como também ser suficientes para afastar claramente todas as dúvidas sérias a esse respeito.

170.
    Ainda que a alienação de activos constitua frequentemente a solução mais adequada para corrigir facilmente um problema de concorrência, especialmente em caso de sobreposição horizontal, não se pode excluir, a priori, que um acordo de licença possa constituir uma medida adequada para corrigir os problemas de concorrência identificados. Assim, no seu acórdão de 25 de Março de 1999, Gencor/Comissão (T-102/96, Colect., p. II-753, n.° 319), o Tribunal de Primeira Instância admitiu que «não se pode excluir, a priori, que compromissos à primeira vista de natureza comportamental, como a não utilização de uma marca durante um certo período ou a disponibilização a terceiros concorrentes de uma parte da capacidade de produção da empresa resultante da concentração, ou mais genericamente o acesso a uma infra-estrutura essencial em condições não discriminatórias, sejam igualmente de natureza a impedir a criação ou o reforço de uma posição dominante».

171.
    A circunstância, sublinhada pela recorrente, de a Comissão nunca antes ter autorizado uma operação de concentração apenas com base em compromissos de licença de marca, não é pertinente. Com efeito, não se pode censurar a Comissão por ter aceite os compromissos propostos pela SEB pelo simples facto de nunca antes ter autorizado uma concentração apenas com base em compromissos de licença de marca, se estes forem susceptíveis de resolver eficazmente os problemas de concorrência identificados. Esta questão, que se relaciona com o conteúdo dos compromissos, será examinada no âmbito do fundamento assente na insuficiência dos compromissos.

172.
    Além disso, resulta dos autos que, durante o procedimento administrativo, vários terceiros, incluindo a De'Longhi, indicaram, aliás, à Comissão que um acordo de licença podia, em certas condições, ser suficiente para resolver os problemas de concorrência identificados no caso em apreço (v. n.° 149 supra).

173.
    Não se contesta que as marcas revestem uma importância primordial no sector afectado pela operação de concentração e que constituem um dos principais factores de escolha para os consumidores finais. As ofertas de retoma da Moulinex respeitavam quase exclusivamente, aliás, às marcas deste grupo, mais do que às unidades de produção, tendo a própria recorrente demonstrado interesse sobretudo na aquisição da marca Krups. Não se contesta que, no caso em apreço, uma alienação de activos corpóreos só teria tido uma incidência marginal sobre a estrutura da concorrência. Quanto a exigir a alienação dos activos incorpóreos constituídos pelos direitos de marca, tal equivaleria, no fundo, a proibir parcialmente a concentração, o que teria sido contrário ao princípio da proporcionalidade se os compromissos de licença de marca fossem susceptíveis de evitar a criação ou o reforço de uma posição dominante da SEB-Moulinex.

174.
    Há que constatar que a recorrente não demonstra que a Comissão não estava em condições de determinar se o ou os terceiro(s) licenciado(s) poderia(m) exercer um contrapeso real face à SEB-Moulinex. Deve observar-se, a este respeito, que, pelo contrário, a Comissão incluiu na versão final dos compromissos um considerando sobre a qualidade do licenciado e impôs que o ou os beneficiário(s) da licença lhe fosse(m) apresentado(s) para aprovação, que fosse(m) viável(eis) e independente(s) e que tivesse(m) a competência necessária para exercer uma concorrência efectiva no mercado em causa.

175.
    Por fim, ao contrário do que a recorrente alega, resulta dos compromissos propostos pela SEB que não poderá haver vários licenciados num só país, prevendo expressamente os compromissos, no ponto 1, alínea a), que a licença é exclusiva em cada um dos Estados-Membros em causa e, no ponto 1, alínea c), que a licença é concedida para todos os pequenos aparelhos electrodomésticos e que nem o licenciado nem a SEB poderão utilizar a marca Moulinex para outros produtos.

176.
    No que respeita, em segundo lugar, à crítica segundo a qual a Comissão não tinha suficiente visibilidade quanto à eficácia dos compromissos adoptados, bastará observar que, ainda que a eficácia de uma licença de marca dependa de vários factores mais difíceis de controlar do que uma alienação de activos, não se pode, porém, excluir, a priori, que a Comissão esteja em condições de apreciar os parâmetros pertinentes no âmbito da fase I.

177.
    Há que constatar, aliás, que a Comissão tomou precisamente em consideração todos os critérios citados pela recorrente e pôde testá-los no mercado. Na sequência do seu próprio exame e das respostas dadas pelos terceiros consultados, a Comissão pôde, assim, identificar melhor as insuficiências dos compromissos inicialmente propostos e introduzir-lhes as alterações necessárias no que respeita ao prazo da licença, ao prazo do posterior afastamento da marca e ao perímetro exacto da licença. A versão final dos compromissos prevê, assim, em particular:

-    o aumento de dois anos do prazo do acordo de licença e da posterior obrigação de não-concorrência, que tinham inicialmente uma duração prevista de três anos e um ano, respectivamente [ponto 1, alínea c), primeiro parágrafo, dos compromissos];

-    a extensão dos acordos de licença a todos os produtos em causa e a proibição da SEB de comercializar quaisquer produtos (mesmo os que não estejam em causa) sob a marca Moulinex nos nove Estados-Membros em questão [pontos 1, alínea a), e 1, alínea c), segundo parágrafo, dos compromissos];

-    a supressão da obrigação dos licenciados de se abastecerem junto da SEB nalguns dos produtos em causa (sem prejuízo do caso particular da Alemanha) [ponto 1, alínea d), dos compromissos];

-    a obrigação dos candidatos a licenciados de estarem actualmente presentes no mercado ou de serem potencialmente capazes de nele entrar [ponto 1, alínea g), dos compromissos].

178.
    Nestas circunstâncias, não se pode considerar que os compromissos eram de uma amplitude e complexidade tais que a Comissão estava impossibilitada de determinar com o grau de certeza pretendido que seria restabelecida uma concorrência efectiva no mercado, uma vez que a versão final dos compromissos reflecte, em grande medida, as críticas formuladas pelos terceiros. Há que constatar também que, pela mesma razão, os compromissos aceites pela Comissão eram suficientemente precisos para permitir à Comissão apreciar todos os seus elementos.

179.
    No que respeita, em terceiro lugar, ao prazo concedido aos terceiros para fazerem os seus comentários, deve recordar-se que, no ponto 34 da sua comunicação sobre as soluções, a Comissão prevê:

«34    Para poderem servir de base a uma decisão nos termos do n.° 2 do artigo 6.°, as propostas de compromissos devem satisfazer os seguintes requisitos:

    a)    devem ser apresentadas atempadamente, o mais tardar no último dia do prazo de três semanas;

    [...]

    Paralelamente à apresentação dos compromissos, as partes devem fornecer uma versão não confidencial dos referidos compromissos, para efeitos de inquérito de mercado.»

180.
    A recorrente queixa-se de ter tido que apresentar, até 21 de Dezembro de 2001, as suas observações sobre a versão alterada dos compromissos que lhe tinha sido submetida em 20 de Dezembro de 2001. Tal como a Comissão sublinha, resulta, todavia, dos autos que esta crítica não é sustentada pelos factos, uma vez que a carta da Comissão indica expressamente que o prazo concedido terminava em 2 de Janeiro de 2002 e não em 21 de Dezembro de 2001. Daqui decorre que os terceiros, incluindo a recorrente, dispuseram de um prazo de doze dias para apresentar as suas observações sobre a versão alterada dos compromissos. Este prazo é, manifestamente, mais do que suficiente, tendo em conta, em particular, os imperativos de celeridade do procedimento de controlo das operações de concentração. Assim, no acórdão Kaysersberg/Comissão, já referido, o Tribunal de Primeira Instância aprovou um prazo de 24 horas concedido aos terceiros para tomarem posição sobre a nova versão dos compromissos. Deve também observar-se que, se a recorrente contesta o prazo que lhe foi concedido para comentar as mais recentes propostas de compromissos, não contesta, em contrapartida, que, apesar do curto prazo que lhe foi concedido, pôde apresentar comentários escritos sobre a versão alterada dos compromissos. Por fim, a recorrente não invoca qualquer elemento apto a demonstrar de que modo um prazo mais longo lhe teria permitido aduzir elementos susceptíveis de alterar a decisão impugnada. É pertinente, a este respeito, observar que as críticas da recorrente perante o Tribunal são, essencialmente, as mesmas que formulou no decurso do procedimento administrativo. Nestas circunstâncias, há que concluir que a Comissão adoptou a decisão impugnada com completo conhecimento de causa, depois de ter consultado utilmente os terceiros quanto à eficácia das medidas propostas para resolver os problemas de concorrência identificados.

181.
    Resulta do que precede que nem os problemas de concorrência em causa, nem a natureza dos compromissos propostos pela SEB, nem o prazo concedido aos terceiros eram susceptíveis de impedir a Comissão de considerar que as dúvidas sérias podiam ser dissipadas no final da fase I.

182.
    Resulta do que precede que o fundamento assente em erro de direito cometido pela Comissão ao não dar início à fase II deve ser julgado improcedente.

III - Quanto ao terceiro fundamento, assente em erro manifesto de apreciação por os compromissos serem insuficientes para remediar os problemas de concorrência suscitados

183.
    A recorrente sustenta que a decisão impugnada enferma de um manifesto erro de apreciação na medida em que os compromissos assumidos pela SEB são insuficientes para atenuar os problemas de concorrência suscitados pela operação de concentração.

184.
    Este fundamento divide-se em cinco partes. A recorrente considera que a Comissão cometeu um manifesto erro de apreciação porque:

-    o compromisso de licença de marca não é, por natureza, susceptível de resolver os problemas de concorrência induzidos pela operação de concentração;

-    os compromissos têm uma duração insuficiente;

-    o compromisso de abastecimento sobre o mercado alemão e as condições associadas à possibilidade de abastecimento para todos os licenciados terão como efeito o reforço da posição da SEB-Moulinex;

-    o facto de a Comissão ter aceitado que a mesma marca possa ser explorada por empresas diferentes no seio da União Europeia é susceptível de provocar comportamentos colusórios entre a SEB-Moulinex e o ou os terceiro(s) licenciado(s);

-    não foi imposto qualquer compromisso em mercados que colocam, todavia, sérios problemas de concorrência.

185.
    A De'Longhi sustenta, por outro lado, que os compromissos efectuam uma repartição de mercado da marca Moulinex.

Quanto à primeira parte, consistente na alegação de que um compromisso de licença de marca não é, por natureza, susceptível de resolver os problemas de concorrência induzidos pela concentração

A - Argumentos das partes

186.
    A recorrente considera que o compromisso de licença de marca não é, por natureza, susceptível de resolver os problemas de concorrência no caso em apreço. Assim, um simples compromisso de licença de marca não permitiria compensar os efeitos negativos de uma quota de mercado da ordem dos 40% no mercado dos pequenos electrodomésticos de cozinha considerado no seu conjunto, fora de França.

187.
    A recorrente observa que, na sua comunicação sobre as soluções, a própria Comissão sublinhou que:

-    quando o problema de concorrência resulta de uma sobreposição horizontal, terá de ser alienada a actividade mais adequada (ponto 16);

-    em casos excepcionais, um pacote a alienar que inclua apenas marcas e activos ligados à produção pode ser suficiente para criar as condições de uma concorrência efectiva. Em tais circunstâncias, todavia, «a Comissão terá de estar convicta de que o adquirente poderá proceder à integração desses activos de forma eficaz e imediata» (ponto 18).

188.
    A recorrente observa que, em contrapartida, a Comissão não pretende nesta comunicação que uma licença de marca possa resolver, por si só, os problemas de sobreposições horizontais. Aliás, a Comissão nunca antes tinha imposto, como forma de compromisso, uma medida de licença de marca, não acompanhada de outras soluções, tais como a alienação de marcas e de actividades, a alienação de capacidades de produção, a transferência de uma parte do pessoal comercial, administrativo e da mão-de-obra associada à instalação industrial alienada [v., por exemplo, a Decisão 96/435/CE da Comissão, de 16 de Janeiro de 1996, relativa a um processo de aplicação do Regulamento n.° 4064/89 que declara uma concentração compatível com o mercado comum e com o funcionamento do Acordo EEE (Processo IV/M.623 - Kimberly-Clark/Scott) (JO L 183, p. 1).

189.
    A título de exemplo, a recorrente refere-se à decisão da Comissão de 27 de Julho de 2001, relativa à compatibilidade com o mercado comum de uma operação de concentração (Processo N IV/M.2337 - Nestlé/Ralston Purina, JO C 239, p. 8), em que a Comissão teria exigido compromissos de alienação de marcas susceptíveis de eliminar as sobreposições horizontais de actividades das partes e de repor a nova entidade num nível de quota de mercado equivalente ao que a Ralston Purina detinha antes da operação. Além disso, a Comissão teria exigido a alienação de todos os produtos da gama abrangida pelos compromissos, de modo a permitir ao adquirente da marca evitar a concorrência indirecta da Nestlé/Ralston Purina. Medidas semelhantes teriam sido determinadas pela Comissão no processo Kimberly-Clark/Scott, já referido.

190.
    A Comissão contesta que um compromisso de licença de marca não seja susceptível de resolver os problemas de concorrência induzidos pela operação.

B - Apreciação do Tribunal

191.
    Recorde-se, antes de mais, que, tal como se observou no âmbito do fundamento anterior, nada permite excluir, a priori, que um compromisso de tipo comportamental, tal como um compromisso de licença de marca, seja susceptível de resolver os problemas de concorrência levantados por uma concentração e que a questão pertinente não é a de saber se a Comissão já aceitou operações de concentração apenas com base em compromissos de licença de marca mas sim a de saber se tais compromissos eram, no caso em apreço, adequados para impedir a criação ou o reforço de uma posição dominante.

192.
    É pacífico, a este respeito, que as marcas constituem o principal factor de concorrência nos mercados em causa. Muitos fabricantes optaram, aliás, por passar para o exterior a totalidade ou parte da sua produção, mantendo apenas as marcas, o pessoal de venda e as equipas de marketing.

193.
    Por outro lado, é pacífico que, sendo a duração de vida média dos pequenos produtos electrodomésticos da ordem dos três anos, uma licença de marca com um prazo de cinco anos, acompanhada de um prazo suplementar de três anos durante o qual a SEB proíbe qualquer comercialização sob a marca Moulinex de pequenos aparelhos electrodomésticos, é adequada para permitir aos licenciados fazer passar os clientes dos produtos da Moulinex para a sua própria marca, tanto mais que, nos termos dos compromissos, o ou os licenciados devem ser viáveis, independentes, ter competência para exercer uma concorrência efectiva no mercado em causa e, de qualquer modo, ser aprovados pela Comissão.

194.
    Deve também recordar-se que a concessão de uma licença de marca é uma solução que foi considerada e solicitada pelos terceiros à operação de concentração. Esta solução surgiu, portanto, como adequada para resolver os problemas de concorrência que se colocavam no caso em apreço.

195.
    Daqui decorre que, sem prejuízo da questão de saber se o compromisso tem uma duração suficiente, que será examinada adiante, os compromissos de licença de marca propostos pela SEB são susceptíveis de poder resolver os problemas de concorrência induzidos pela operação de concentração em questão.

196.
    Esta conclusão não é posta em causa pelos exemplos citados pela recorrente. Por um lado, várias alegações da recorrente enfermam de erros de facto. Assim, as quotas de mercado médias da SEB-Moulinex no sector dos pequenos electrodomésticos na Europa são inferiores a 30%, não sendo, portanto, de 40%. De igual modo, no processo Nestlé/Ralston Purina, a Comissão não exigiu alienações de marcas para os mercados espanhóis, tendo sim aceitado, como uma das duas opções, compromissos através dos quais as partes acordavam em conceder licenças de marca por um prazo total de cerca de oito anos (em duas fases), o que permitia estabelecer a nova marca no mercado (considerando 68 da decisão Nestlé/Ralston Purina, já referida). Por outro lado, de qualquer modo, a recorrente não demonstrou que os mercados e os problemas colocados por estas concentrações apresentavam características essencialmente análogas às do caso em apreço. A circunstância, a supor-se demonstrada, de a Comissão ter considerado que os compromissos que respeitavam apenas a licenças de marca não eram susceptíveis de resolver os problemas de concorrência levantados por uma determinada concentração, não implica que compromissos desse tipo não sejam suficientes para eliminar os riscos de criação ou de reforço de uma posição dominante decorrente de outra concentração operada noutro mercado, com características diferentes.

Quanto à segunda parte, consistente na alegação de que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao aceitar compromissos com duração insuficiente

A - Argumentos das partes

197.
    A recorrente alega que os compromissos aceites pela Comissão têm uma duração insuficiente. Segundo a recorrente, o retorno a uma concorrência efectiva implica, com efeito, que o eventual adquirente da marca Moulinex tenha os meios necessários para desenvolver as marcas em causa e que tenha incentivo para tal. Na decisão impugnada, (considerando 36), a própria Comissão reconhece, aliás, que «as marcas são um dos principais factores de escolha para os consumidores finais e constituem, portanto, um dos elementos fundamentais da concorrência entre produtores de pequenos electrodomésticos». Segundo a BaByliss, esta posição justifica-se pelo facto de a imagem de marca desempenhar um papel essencial para a fidelização da clientela pelos fabricantes, num sector em que as características tecnológicas dos produtos não constituem um factor determinante para a compra dos produtos pelo consumidor.

198.
    Neste contexto, a notoriedade das marcas é, na opinião da recorrente, um dos principais elementos dos mercados em causa e a manutenção de tal notoriedade num nível elevado pressupõe elevados investimentos publicitários, para vencer os hábitos dos consumidores e as barreiras associadas à reputação dos actores solidamente estabelecidos. Na opinião da recorrente, tais investimentos só podem ser economicamente amortizados a longuíssimo prazo e se todos os lucros dos investimentos aproveitarem aos seus autores. Como tal, se as empresas já activas no mercado podem contentar-se com esforços publicitários relativamente limitados, no sentido de manterem uma imagem já formada, já não é esse o caso de uma nova presença no mercado, nomeadamente perante um grupo poderoso, com marcas de grande notoriedade.

199.
    A recorrente alega que as publicações económicas demonstram de modo muito preciso que um industrial racional subinvestirá sistematicamente se só puder esperar a recuperação de uma parte do seu investimento. Por conseguinte, um adquirente que não seja proprietário das marcas e que se encontre, portanto, em posição de investir para aumentar a notoriedade das mesmas, sabendo que as deverá restituir posteriormente a um concorrente, não tem qualquer incentivo para manter ou desenvolver as marcas. Daí resulta um grande enfraquecimento das marcas retomadas. A duração da licença e do período de não exploração que se lhe deve seguir é, assim, na opinião da recorrente, determinante para a eficácia do compromisso.

200.
    A título de exemplo, a recorrente observa que, no processo Kimberly-Clark/Scott, já referido, em que a entidade que resultava da operação teria ocupado uma posição de líder no mercado do papel de limpeza no Reino Unido e na Irlanda, com uma quota de mercado acumulada situada entre os 50% e os 60%, a Comissão exigiu a celebração de um acordo de licença das marcas em causa com uma duração total de quinze anos.

201.
    Segundo a recorrente, a Decisão C (2001) 3014 final da Comissão, de 10 de Outubro de 2001, que declara uma operação de concentração incompatível com o mercado comum e o funcionamento do Acordo EEE (Processo COMP/M.2283 - Schneider-Legrand), consagra explicitamente esta abordagem, ao constatar:

«A investigação da Comissão confirmou o inconveniente de não beneficiar desde o princípio da sua própria marca e mostrou que um adquirente necessitaria de um longo período (da ordem dos sete anos) para levar a bom termo a substituição da marca proposta. Paralelamente, a investigação da Comissão mostra que um adquirente devia ter sido protegido através de cláusulas de não reentrada nos mercados em causa, sob a marca inicial, durante um período de mais de dez anos.»

202.
    A recorrente considera que os elementos utilizados pela Comissão para caracterizar a insuficiência dos compromissos propostos no processo Schneider-Legrand se podem transpor directamente para o caso em apreço.

203.
    A Comissão teria, assim, cometido um erro manifesto de apreciação ao aceitar, no caso em apreço, que um compromisso de licença de marca com um prazo de cinco anos associado a um compromisso da SEB de não exploração da marca Moulinex durante um prazo suplementar de três anos «dará ao licenciado a possibilidade de fazer passar os produtos da Moulinex para a sua marca própria, com perdas limitadas em prejuízo da SEB, quando esta puder reintroduzir a marca Moulinex nos mercados em causa».

204.
    A Comissão, apoiada pela SEB, contesta ter cometido um erro manifesto de apreciação ao aceitar compromissos com uma duração alegadamente insuficiente.

B - Apreciação do Tribunal

205.
    Há que recordar, com vista à apreciação das críticas da recorrente quanto à duração dos compromissos, que, nos termos do ponto 1, alínea a), segundo parágrafo, dos compromissos, estes têm como objecto autorizar a utilização da marca Moulinex associada a uma marca própria do licenciado, com o objectivo de lhe permitir, durante e após este período de «co-branding», estabelecer ou reforçar a sua própria marca no mercado em causa. Para este efeito, durante o prazo das licenças da marca Moulinex, o licenciado será autorizado a utilizar imediatamente a marca Moulinex associada à sua marca própria ou a utilizá-la por si só, temporariamente, para efectuar um «co-branding». Segundo esta mesma disposição, o licenciado será também livre de passar do «co-branding» para a sua própria marca em qualquer momento durante o prazo da licença.

206.
    Há também que recordar que, para assegurar este objectivo, os compromissos prevêem, nos termos do ponto 1, alínea g), terceiro parágrafo, que os licenciados devem ser operadores que dispõem de uma marca própria que possa ser associada à marca Moulinex, com excepção dos operadores que tenham uma actividade principal de venda a retalho.

207.
    Daqui resulta que o objectivo dos compromissos não é permitir a exploração da marca Moulinex, como tal, por cada um dos licenciados, mas sim permitir-lhes, no decurso de um período transitório durante o qual terão o direito de utilizar a sua própria marca associada à marca Moulinex, assegurar a passagem da marca Moulinex para as marcas próprias dos licenciados, para que estas possam exercer uma concorrência efectiva sobre a marca Moulinex depois desse período transitório, quando a SEB tenha novamente o direito de utilizar a marca Moulinex nos nove Estados-Membros em causa.

208.
    Consequentemente, ao contrário do que a recorrente sustenta, os compromissos não visam introduzir uma nova marca nos nove Estados-Membros em questão, mas sim permitir aos licenciados estabelecer ou reforçar a sua marca própria como marca efectivamente concorrente da marca Moulinex.

209.
    Por outro lado, sendo o objectivo dos compromissos permitir aos licenciados estabelecer ou reforçar a sua marca própria como marca efectivamente concorrente da marca Moulinex, a circunstância alegada pela recorrente, segundo a qual, considerando a sua forte quota de mercado actual, a sua carteira de marcas e a notoriedade da marca Moulinex, a SEB poderá reintroduzir facilmente a marca Moulinex nos nove Estados-Membros em questão, carece de pertinência. Com efeito, a questão não é a de saber se a SEB poderá reintroduzir a marca Moulinex nos Estados-Membros em questão - o que, de resto, há que supor para verificar a suficiência dos compromissos aceites na decisão impugnada - mas sim a de saber se os licenciados poderão estabelecer ou reforçar a sua própria posição como concorrentes efectivos da SEB.

210.
    Há que verificar, portanto, se a duração do período transitório instituído pelos compromissos é suficiente para atingir este objectivo.

211.
    A este respeito, há que observar, em primeiro lugar, que, nos termos do ponto 1, alínea c), primeiro parágrafo, dos compromissos, cada um dos contratos de licença da marca Moulinex nos nove Estados-Membros em questão terá um prazo de cinco anos. Por outro lado, nos termos da mesma disposição e do n.° 1, alínea c), segundo parágrafo, a SEB compromete-se, durante o prazo do contrato de licença e durante um período de três anos após o seu termo, a não comercializar sob a marca Moulinex, nos nove Estados-Membros em questão, pequenos aparelhos electrodomésticos que sejam abrangidos por qualquer uma das treze categorias de produtos em causa, bem como outros aparelhos de uso doméstico não incluídos nessas famílias de produtos, tais como aspiradores ou fornos de micro-ondas.

212.
    Resulta destas disposições que, contrariamente ao que a recorrente sugere, a duração total dos compromissos por força dos quais a SEB não poderá comercializar produtos sob a marca Moulinex é não de cinco mas de oito anos, a saber, o prazo de cinco anos de um primeiro período durante o qual o licenciado terá o direito exclusivo de utilizar a marca Moulinex por si só ou associada à sua própria marca e o prazo de três anos de um segundo período, durante o qual a SEB se absterá de qualquer comercialização sob a marca Moulinex nos países em causa. Daqui decorre que, durante oito anos, a SEB não terá o direito de utilizar a marca Moulinex nesses Estados-Membros.

213.
    Resulta também das referidas disposições que qualquer utilização da marca Moulinex cessará, nos nove Estados-Membros em questão, durante um período mínimo de três anos e, pelo menos teoricamente, de oito anos no máximo. Com efeito, nos termos dos compromissos, cada licenciado é livre de escolher o momento em que decide passar do «co-branding» para a sua própria marca. Nas suas alegações de interveniente, a SEB indicou assim ao Tribunal que os actuais candidatos à concessão de uma licença tinham em vista passar do «co-branding» para a sua própria marca após um período de três a quatro anos, o que terá como consequência o desaparecimento da marca Moulinex durante um período de cerca de cinco anos nos Estados-Membros em questão.

214.
    Esta ausência da marca Moulinex dos espaços de venda permitirá aos licenciados estabelecer de modo duradouro a notoriedade da sua própria marca. Além disso, esta inexistência implica também que a SEB não poderá recuperar automaticamente as posições detidas pela Moulinex quando puder reintroduzir a marca nos mercados em causa após o período de afastamento.

215.
    Por outro lado, há que recordar que, no considerando 140 da decisão impugnada, a Comissão constatou, sem que a recorrente a contradissesse quanto a este aspecto, que a duração média da vida dos pequenos aparelhos electrodomésticos é da ordem dos três anos.

216.
    Verifica-se, assim, que a duração dos compromissos abrangerá um período correspondente a quase três ciclos de produtos, ao passo que o período durante o qual a marca Moulinex não será utilizada corresponde a pelo menos um ciclo de produtos.

217.
    Observe-se, a este respeito, que a Comissão sublinhou, com razão, sem que a recorrente a contradissesse quanto a este aspecto, que num mercado próximo do dos produtos em causa, a saber, o dos grandes electrodomésticos, a Whirlpool conseguiu a passagem da marca Philips para a marca Whirlpool em três anos, entre 1990 e 1993, o que corresponde ao ciclo de vida do produto. Esta passagem efectuou-se enquanto a marca Philips continuou a estar presente e a ser apoiada pela Philips em mercados adjacentes. A Comissão observou também, a título de comparação, que em mercados de produtos semelhantes a Dyson se tornou líder do mercado britânico dos aspiradores em menos de cinco anos, a Colgate atingiu uma quota de mercado significativa no mercado francês das escovas de dentes eléctricas e a Moulinex, inicialmente ausente do sector dos aparelhos de cozinha eléctrica (refeições informais) conseguiu em cinco anos obter uma quota de mercado entre 5% e 15% nos diferentes países europeus.

218.
    Há também que observar que, na sua comunicação relativa às restrições directamente relacionadas e necessárias às operações de concentração (JO 2001, C 188, p. 5, ponto 15), a Comissão indicou que, em caso de cessão de uma empresa, o prazo aceitável da proibição de concorrência imposta ao vendedor para assegurar a transferência para o comprador do valor completo dos activos cedidos é de um máximo de três anos quando a cessão da empresa abranja a clientela e o saber-fazer e de dois anos quando abranja unicamente a clientela. Ora, no caso em apreço, o período durante o qual a SEB se absterá de utilizar a marca Moulinex nos territórios dos licenciados será de oito anos.

219.
    Contrariamente ao que a recorrente sustenta, longe de subinvestir sistematicamente pelo facto de não se tornar proprietário da marca, o licenciado será, pelo contrário, incitado a investir fortemente no desenvolvimento da sua própria marca, de que será proprietário, depois de ter beneficiado, numa primeira fase, do apoio da marca Moulinex para a lançar ou reforçar. Não sendo o objectivo do compromisso explorar a marca Moulinex durante um período de cinco anos, mas sim permitir a passagem da marca Moulinex para outras marcas, o ou os licenciados terão então o maior interesse em investir na sua própria marca, a fim de prolongar no tempo as vantagens retiradas da exploração da marca Moulinex durante os primeiros anos. O período de associação entre as duas marcas é apenas, portanto, uma etapa necessária para a passagem para a marca própria do licenciado. Nestas condições, a recuperação do investimento continuará muito para além do prazo de oito anos previsto pelos compromissos e não cessará na data em que a SEB poderá reutilizar a marca Moulinex.

220.
    Em segundo lugar, há que observar que, nos termos do ponto 1, alínea g), primeiro parágrafo, os licenciados devem ser «operadores actualmente presentes no mercado ou potencialmente capazes de nele entrar, viáveis, independentes, sem qualquer relação com o grupo SEB, com a competência e a motivação necessárias para exercer uma concorrência activa e efectiva nos mercados em causa». Além disso, como já se recordou atrás, nos termos do ponto 1, alínea g), terceiro parágrafo, os licenciados devem dispor de uma marca própria que possa ser associada à marca Moulinex, com excepção dos operadores que tenham uma actividade principal de venda a retalho.

221.
    Há que constatar que estas disposições, ao limitarem a concessão das licenças a operadores já presentes no mercado, ou susceptíveis de nele penetrarem a curto prazo, e detentores de uma marca própria, são susceptíveis de contribuir de modo eficaz para que os licenciados se tornem concorrentes efectivos dentro do prazo previsto pelos compromissos. Tal é ainda reforçado pelo facto de os operadores com uma actividade principal de venda a retalho, apesar de disporem de marcas próprias, serem excluídos do círculo dos beneficiários potenciais de uma licença da marca Moulinex, nos termos do ponto 1, alínea g), terceiro parágrafo, dos compromissos. Com efeito, nos considerandos 27, alínea d), e 37, da decisão impugnada, a Comissão constatou, sem que a recorrente a contradissesse quanto a este aspecto, que as marcas próprias destes operadores, a saber, as «marcas de distribuidores», têm uma presença diminuta nos mercados em causa.

222.
    Tendo em conta estas circunstâncias, há que concluir que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que a duração dos compromissos é suficiente para permitir aos licenciados da marca Moulinex estabelecer ou reforçar a sua própria marca como marca efectivamente concorrente da marca Moulinex nos nove Estados-Membros em questão.

223.
    As críticas da recorrente quanto à duração dos compromissos devem, assim, ser julgadas improcedentes.

224.
    Esta conclusão não é posta em causa pelas duas decisões citadas pela recorrente. Com efeito, as características dos dois mercados visados nos processos Kimberly-Clark/Scott e Schneider/Legrand não são comparáveis às dos mercados em causa no processo em apreço pelo que, como já se referiu atrás, a comparação alegada pela recorrente carece de pertinência.

225.
    Assim, no caso Kimberly-Clark/Scott, a longa duração dos compromissos (licença por um prazo máximo de dez anos acompanhada de um período de não utilização de cinco anos) era justificada, segundo a afirmação da Comissão não contestada pela Kimberly-Clark, porque a introdução de uma nova marca no mercado do papel higiénico, do papel de cozinha e dos lenços de papel era particularmente difícil, dado que só havia duas marcas importantes (Kleenex e Andrex), gozando as outras marcas de pouca promoção e pouca fidelidade por parte da clientela. Em contrapartida, no caso em apreço, há marcas estabelecidas para as quais os clientes das marcas Moulinex poderão passar.

226.
    De igual modo, no processo Schneider/Legrand, além do facto de a decisão da Comissão ter sido anulada pelo Tribunal de Primeira Instância, a proposta das partes de conceder uma opção para utilização de várias marcas durante três anos tinha sido recusada, porque o inquérito de mercado tinha revelado que um adquirente necessitaria de um período da ordem dos sete anos para levar a bom termo a substituição da marca proposta, por o tempo de vida dos produtos eléctricos «de baixa tensão» ser muito longo, ao passo que o dos pequenos aparelhos electrodomésticos é curto. Além disso, a Schneider propunha que a marca, no mesmo mercado nacional, fosse dividida e utilizada pela Schneider e pelo licenciado, ao passo que, no caso em apreço, não haverá produtos da marca Moulinex provenientes de duas empresas diferentes no mesmo mercado, visto que os compromissos prevêem uma licença exclusiva e uma proibição subsequente de utilização da marca Moulinex.

Quanto à terceira parte, consistente na alegação de que o compromisso de abastecimento sobre o mercado alemão e as condições associadas à possibilidade de abastecimento para todos os licenciados terão como efeito o reforço da posição da SEB-Moulinex

A - Argumentos das partes

227.
    A recorrente sustenta que, no que respeita aos robots de cozinha na Alemanha, a obrigação do licenciado da marca Moulinex de, durante um prazo de dois anos, se abastecer em todos os aparelhos abrangidos por esta família junto da SEB, a um nível equivalente a 65% das vendas feitas pela Moulinex nesta família de produtos em 2000, é susceptível de reforçar ainda mais a posição da SEB-Moulinex no mercado alemão.

228.
    Em primeiro lugar, a recorrente alega que tal obrigação assegura à SEB-Moulinex um escoamento garantido para a sua produção. Nesta medida, permite à SEB-Moulinex beneficiar de maiores economias de escala e contribui, assim, para baixar os seus custos marginais de produção.

229.
    Em segundo lugar, a recorrente considera que o facto de a SEB aceitar fornecer o licenciado nas condições económicas médias de cessão interna praticadas no seio do grupo SEB, entre as sociedades industriais e as filiais comerciais no(s) território(s) em questão, impedirá o licenciado de recorrer às fontes de abastecimento menos onerosas que poderia identificar. Assim, o licenciado só poderá exercer uma concorrência através dos preços contra a SEB, se agir sobre o nível da sua margem.

230.
    Em terceiro lugar, a recorrente é de opinião que esta medida é susceptível de retirar ao licenciado qualquer incentivo para apresentar uma proposta tecnologicamente inovativa, porque permite à SEB, líder no mercado, definir as normas técnicas dos diferentes produtos, eliminando, assim, qualquer concorrência quanto às características dos mesmos.

231.
    Por fim, em quarto lugar, a recorrente considera que esta medida não é indispensável à actividade do licenciado. Em especial, entende que o simples facto de conceder ao licenciado a possibilidade de se abastecer junto da SEB, tal como se prevê quanto aos outros países, bastaria para lhe permitir exercer a sua actividade, apesar de não dispor da capacidade de produção necessária.

232.
    Nestas condições, a recorrente conclui que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao aceitar um compromisso susceptível de induzir um reforço da posição da SEB-Moulinex no mercado alemão.

233.
    A título subsidiário, a recorrente sublinha que os aspectos do compromisso relativo ao abastecimento junto da SEB-Moulinex podem restringir ainda mais a concorrência através dos preços nos segmentos de mercado em causa.

234.
    Por um lado, observa que o compromisso prevê a possibilidade do licenciado de se abastecer junto da SEB-Moulinex num ou em vários dos produtos ou países em causa. Porém, no caso de o licenciado se pretender abastecer junto da SEB em produtos Moulinex, «tal fornecimento deverá então corresponder a um volume de 65% das vendas sob a marca Moulinex em 2000» (considerando 132 da decisão impugnada). Na opinião da BaByliss, tal obrigação assegura à SEB um escoamento garantido, ao eliminar qualquer liberdade do licenciado de escolher as suas fontes de abastecimento.

235.
    Por outro lado, a recorrente alega que o facto de obrigar o licenciado a abastecer-se junto da SEB-Moulinex a um nível equivalente, pelo menos, a 65% das vendas feitas pela Moulinex durante o ano 2000, é susceptível de induzir um efeito de homogeneização dos preços de venda da SEB-Moulinex e do licenciado quanto aos produtos em causa. Segundo a recorrente, o licenciado compartilhará, efectivamente, com a SEB-Moulinex, a totalidade dos seus custos de produção, e numa proporção provavelmente muito significativa das suas necessidades totais do produto em questão. Tal grau de semelhança das estruturas de custos é susceptível de levar a um alinhamento mecânico ou colusório dos preços de venda dos produtos em questão, na medida em que a concorrência através dos preços só poderá ser exercida nos custos de comercialização e no nível da margem do licenciado. A recorrente considera que quanto mais concentrados forem os mercados situados a jusante do mercado da venda dos produtos acabados maiores serão os riscos de comportamentos colusórios. Segundo a recorrente, a Comissão sublinha explicitamente a existência de tais riscos nas suas orientações sobre a aplicação do artigo 81.° do Tratado CE aos acordos de cooperação horizontal (JO 2001, C 3, p. 2).

236.
    A Comissão contesta que o compromisso de abastecimento no mercado alemão tenha como efeito reforçar a posição da SEB-Moulinex no mercado alemão.

B - Apreciação do Tribunal

237.
    Essencialmente, a recorrente contesta, por um lado, a obrigação de abastecimento imposta ao licenciado alemão quanto aos robots de cozinha e, por outro, a possibilidade de todos os licenciados nos nove Estados-Membros de celebrarem um contrato para abastecimento em qualquer dos produtos visados pela decisão.

238.
    No que respeita à obrigação de abastecimento imposta ao licenciado na Alemanha, há que recordar, antes de mais, que, segundo a decisão, não contestada pela recorrente quanto a este aspecto, tal obrigação tem como objectivo manter a actividade industrial das empresas locais para assegurar o nível de emprego que lhe está associado.

239.
    Note-se, seguidamente, que esta obrigação respeita apenas a um produto, os robots de cozinha, num único país, e durante um período limitado de dois anos. Há que observar, além disso, que a Comissão não constatou qualquer posição dominante da SEB-Moulinex neste mercado dos robots de cozinha na Alemanha, detendo a nova entidade, com efeito, apenas 20% a 30% deste mercado. Sublinhe-se, ainda, que a obrigação de abastecimento só respeita a um equivalente de 65% das vendas feitas pela Moulinex em 2000, pelo que o licenciado mantém a possibilidade de se abastecer junto de um terceiro ou de fabricar ele próprio o produto em causa quanto ao resto das suas vendas. A inovação tecnológica não será, portanto, entravada, na medida em que nada impede o licenciado de desenvolver os seus próprios produtos, paralelamente aos produtos adquiridos junto da SEB e com vista à substituição dos aparelhos fornecidos pela SEB, tendo em conta a curta duração do compromisso de abastecimento.

240.
    Por fim, prevendo a cláusula dos compromissos que a SEB deve vender ao licenciado a um preço de transmissão correspondente ao preço de custo industrial acrescido das despesas, longe de afectar a capacidade concorrencial do licenciado, é, pelo contrário, susceptível de lhe garantir um preço vantajoso. De qualquer modo, ao contrário do que a argumentação da recorrente pressupõe, a SEB não é um concorrente do licenciado sobre o qual incide a referida obrigação de abastecimento em produtos Moulinex, uma vez que, por força dos compromissos, a SEB não pode vender nenhum produto Moulinex no mercado alemão durante o prazo da licença e durante o período de três anos após o seu termo.

241.
    Daqui decorre que, contrariamente ao que a recorrente afirma, a obrigação de abastecimento limitada, tal como é prevista no compromisso, não tem como efeito reforçar a posição da SEB-Moulinex nem afectar a eficácia da licença.

242.
    No que respeita à crítica relativa ao abastecimento junto da SEB quanto a outros mercados que não o dos robots de cozinha na Alemanha, bastará observar que não se trata de uma obrigação para os licenciados, mas de uma mera faculdade que estes são livres de exercer, consoante os seus interesses. Quanto ao facto de, em caso de uso desta faculdade, os licenciados terem a obrigação de adquirir certas quantidades mínimas, não parece susceptível de pôr em causa a incontestabilidade da cláusula.

243.
    Daqui resulta que a crítica da recorrente deve ser julgada improcedente.

Quanto à quarta parte, consistente na alegação de que o facto de a Comissão ter aceitado que a marca Moulinex possa ser explorada por empresas diferentes consoante os países da União Europeia é susceptível de provocar uma coordenação dos comportamentos entre a SEB-Moulinex e o(s) licenciado(s)

A - Argumentos das partes

244.
    Segundo a recorrente, o facto de a Comissão ter aceitado que a mesma marca possa ser explorada por empresas diferentes no seio da União Europeia é susceptível de provocar comportamentos colusórios entre a SEB-Moulinex e o ou os licenciado(s).

245.
    A recorrente considera, com efeito, que não é possível separar a exploração de uma marca única através do território dos Estados-Membros sem estabelecer um regime de coordenação nos planos comercial, de marketing e publicitário e sem que a própria perenidade dessa marca seja posta em perigo. Segundo a recorrente, esta abordagem foi, nomeadamente, consagrada em termos muito explícitos pelo Ministro da Economia francês no processo Pernod-Ricard/Coca-Cola (despacho de 24 de Novembro de 1999, relativo ao projecto de aquisição pela sociedade Coca-Cola dos activos do grupo Pernod-Ricard referentes às bebidas da marca Orangina) e confirmada pelo Conseil d'État francês (acórdão do Conseil d'État de 6 de Outubro de 2000, sociedade Pernod-Ricard). De igual modo, a Comissão costuma sublinhar, segundo a recorrente, a necessidade de coordenar as abordagens comerciais e de marketing nos mercados muito próximos (decisão Schneider/Legrand, já referida, considerando 796).

246.
    Ora, no caso em apreço, a recorrente observa que a Comissão não considerou, na decisão impugnada, as possibilidades de colusão decorrentes do facto de as licenças de marca poderem ser atribuídas a empresas diferentes, consoante os países e os produtos em causa.

247.
    A Comissão sustenta que a crítica da recorrente é infundada.

B - Apreciação do Tribunal

248.
    Recorde-se que é pacífico que os mercados dos pequenos aparelhos electrodomésticos são de dimensão nacional. Com efeito, tal como se refere no considerando 27 da decisão impugnada, as «características» dos produtos podem variar consoante os Estados-Membros, devido às particularidades e às preferências dos consumidores; as relações entre clientes e fornecedores estabelecem-se principalmente numa base nacional; a maioria dos fabricantes de grandes marcas dispõe das suas próprias organizações locais de venda por Estado-Membro; as estruturas de distribuição são nacionais.

249.
    Nestas condições, foi com razão que a Comissão considerou que a mesma marca pode ser explorada por operadores diferentes consoante os Estados-Membros, tendo cada um as suas próprias organização e estratégia em matéria de marketing, de publicidade e de organização das vendas, e que o licenciado poderá gerir a marca Moulinex independentemente da SEB e desenvolver a sua própria marca sem ter de se concertar com a SEB nem com os outros licenciados.

250.
    Por outro lado, a SEB não poderá conceder uma licença a outro licenciado para o mesmo território nem explorar ela própria a marca Moulinex neste território. Não haverá, portanto, substrato para coordenação de comportamentos concorrenciais relativamente à marca Moulinex. Além disso, a escolha dos licenciados deverá ser aprovada pela Comissão. Por fim, de qualquer modo, a Comissão poderá zelar pelo afastamento de eventuais riscos de coordenação dos comportamentos entre licenciados evocados pela recorrente.

251.
    Daqui decorre que a crítica da recorrente não é procedente.

252.
    Esta conclusão não é posta em causa pelos processos citados pela recorrente, já que as características dos mercados em questão naqueles casos e neste são completamente diferentes. Assim, no processo Pernod-Ricard/Coca-Cola, a independência do licenciado não tinha sido estabelecida, ao passo que, no caso em apreço, o licenciado deverá ser independente para poder ser aprovado pela Comissão. Além disso, segundo o Conseil d'État, os dois mercados de bebidas gasosas sem álcool «fora de casa» e «alimentares» em França não estavam «compartimentados» e tratava-se de dois mercados de produtos vizinhos e não de dois mercados geográficos distintos, como no caso em apreço, com dimensões e características nacionais. Além disso, o risco de coordenação entre o licenciado e a sociedade Coca-Cola estava longe de se poder excluir, sobretudo porque o proprietário da marca continuava a exercer o controlo de qualidade dos produtos e a proceder à embalagem e à publicidade. Esta situação não é, portanto, comparável à operação de concentração em causa, uma vez que os diferentes mercados nacionais são distintos e que os licenciados terão a maior liberdade para exercer o controlo de qualidade dos produtos, proceder à embalagem e à publicidade e terão a possibilidade de desenvolverem a sua própria marca no seu interesse.

253.
    Daqui decorre que a quarta parte deste fundamento não é procedente.

Quanto à quinta parte, consistente na alegação de que a Comissão autorizou a operação sem compromissos quanto a mercados que suscitam problemas de concorrência sérios

A - Argumentos das partes

254.
    A recorrente censura a Comissão por não ter imposto qualquer compromisso em mercados que apresentam, todavia, sérios problemas de concorrência. Observa, por exemplo, que não foi exigido nenhum compromisso quanto ao mercado italiano, quando a SEB-Moulinex detinha, após a operação, uma quota de 65% a 75% no mercado dos jarros eléctricos e de 40% a 50% nos mercados das refeições informais e dos robots de cozinha. De igual modo, a recorrente observa que, na Noruega, a SEB-Moulinex detinha, após a operação, uma quota de 55% a 65% no mercado das fritadeiras, das máquinas de café expresso e das refeições informais e de 70% a 80% nos mercados dos minifornos.

255.
    Segundo a recorrente, foram constatadas situações igualmente problemáticas nos mercados britânicos, irlandeses, espanhóis, finlandeses e noruegueses.

256.
    A recorrente considera que os compromissos exigidos pela Comissão não são suficientes para resolver os problemas de concorrência suscitados pela operação.

257.
    A título de comparação, a recorrente observa que uma quota de mercado equivalente noutros segmentos levou à imposição de compromissos por parte da Comissão. Observa, assim, que foi exigido um compromisso para Portugal, quando a SEB-Moulinex detinha, após a operação, uma quota de 65% a 75% no mercado dos minifornos, das refeições informais e dos robots de cozinha e de 40% a 50% no mercado das cafeteiras eléctricas e das fritadeiras. Além disso, observa que a Comissão se pronunciou por compromissos em segmentos de mercado em que a nova entidade detinha uma quota de mercado menor.

258.
    Em resposta à questão escrita do Tribunal que a convidava a precisar a natureza das suas críticas no que respeita aos mercados britânicos, irlandeses, espanhóis, finlandeses e noruegueses, a recorrente expõe o seguinte:

259.
    Quanto à Espanha, a recorrente observa que a operação conferiu à SEB-Moulinex uma posição de mercado que ultrapassa os 35%, ou mesmo os 40%, de quota de mercado em quatro mercados de pequenos electrodomésticos de cozinha. A Comissão concluiu, todavia, no final da sua análise, pela compatibilidade da operação no mercado espanhol, observando que:

-    a entidade não poderia comportar-se de modo anticoncorrencial, na medida em que faria face a concorrentes significativos;

-    qualquer tentativa de comportamento anticoncorrencial nos mercados em causa seria punida através de menores compras de produtos da SEB-Moulinex nos mercados que não os dos jarros eléctricos e dos fornos de bancada, em que a nova entidade realizava entre 85% e 95% do seu volume de negócios.

260.
    A recorrente considera que a Comissão não demonstrou a inexistência de dúvidas sérias quanto à compatibilidade da operação com o mercado comum, permitindo excluir a imposição de compromissos neste país, na medida em que:

-    em cada um dos Estados-Membros principalmente analisados na decisão impugnada (Portugal, Bélgica, Países Baixos, Grécia), a Comissão concluiu pela existência de dúvidas sérias, que tornavam necessária a imposição de compromissos, baseando-se, nomeadamente, no valor representado pelos mercados em que a SEB-Moulinex detinha uma quota de mercado cumulativa superior a 40%, em proporção do valor total de todos os mercados da gama cozinha (Portugal, Bélgica, Países Baixos, Grécia) - a Comissão pôde assim determinar que na Bélgica, por exemplo, os seis mercados em que a SEB-Moulinex detinha uma quota de mercado de mais de 40% após a operação representavam, na totalidade, 44% do valor de todos os mercados em causa da gama cozinha;

-    em particular, no que respeita à Grécia, a Comissão exigiu compromissos à SEB apesar do facto, nomeadamente, de os quatro mercados em que a SEB-Moulinex detinha uma quota de mercado acumulada de mais de 40% representarem, em valor, 24% de todos os mercados da gama cozinha.

261.
    Como tal, na opinião da recorrente, a Comissão não podia, no que respeita à Espanha, concluir pela inexistência de risco de comportamentos anticoncorrenciais por parte da SEB-Moulinex nos mercados em causa sem avaliar precisamente o valor representado pelos mercados em que a SEB-Moulinex detinha uma quota superior a 40% em Espanha, relativamente a todos os mercados da «família cozinha». Ora, segundo a recorrente, a Comissão limitou-se, na sua análise, a avaliar a quota que apenas dois mercados em que a SEB-Moulinex detinha uma posição significativa (os mercados dos jarros eléctricos e dos fornos de bancada) representavam no volume de negócios total realizado pela SEB-Moulinex em todos os mercados da gama cozinha. Segundo a recorrente, a apreciação da Comissão é, portanto, errada, porque não tomou em consideração, no seu cálculo, o volume de negócios relativo aos mercados dos robots de cozinha e das refeições informais, quando a posição da SEB-Moulinex nestes mercados era, respectivamente, de 55% a 65% e de 35% a 45%.

262.
    Por todas estas razões, a recorrente considera que a Comissão não podia concluir, com base, apenas, nos elementos expostos na decisão impugnada, que a realização da operação SEB-Moulinex não suscitava nenhuma dúvida séria quanto à sua compatibilidade com o mercado comum em Espanha e excluir, assim, a imposição de compromissos neste país.

263.
    Estes argumentos desenvolvidos pela recorrente aplicam-se, na sua opinião, mutatis mutandis, à situação concorrencial no mercado finlandês. Com efeito, segundo a recorrente, a Comissão não mediu o valor representado pelos mercados em que a SEB-Moulinex detinha uma quota de mercado cumulativa superior a 40% em proporção do valor total de todos os mercados da gama cozinha. Acresce que a Comissão se limitou, segundo a recorrente, a apreciar a situação concorrencial no mercado das torradeiras para concluir pela inexistência de riscos sérios para a concorrência nos mercados em causa na Finlândia, sem tomar em conta a existência de três outros mercados de produtos em que a SEB-Moulinex detinha uma quota de mercado superior a 40% após a operação (o dos minifornos: de 35% a 45%, o das máquinas de café expresso: de 40% a 50%, e o dos barbecues-grelhadores: de 40% a 50%). Além disso, segundo a recorrente, a Comissão não teve em conta, como o fez na sua análise relativa ao mercado grego, o facto de a nova entidade deter também uma posição forte no mercado dos processadores culinários na Finlândia (de 30% a 40%).

264.
    No que respeita à Itália, a recorrente observa que idênticos argumentos se podem opor à análise que a Comissão fez da situação concorrencial neste Estado-Membro. Assim, segundo a recorrente, se a Comissão fez referência ao valor que os mercados dos jarros eléctricos e das refeições informais representavam em Itália relativamente ao valor de toda a «família cozinha», não tomou em consideração o mercado dos robots de cozinha em que a SEB-Moulinex detinha uma quota de mercado de 40% a 50%. Segundo a recorrente, a Comissão não podia, nestas condições, concluir validamente que a operação não suscitava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado comum em Itália.

265.
    No que respeita ao Reino Unido e à Irlanda, a recorrente considera que a Comissão não aplicou ao mercado britânico todos os critérios de valor e/ou de volume de negócios relativos que tinha adoptado na sua análise da situação concorrencial nos outros países. Sustenta que a Comissão não mediu, assim, o alcance dos riscos que a operação de concentração induziria nos mercados britânico e irlandês. Com efeito, limitando-se, para afastar a existência de riscos concorrenciais, a aplicar o limiar de exame de 40% e a anotar a existência de um concorrente com uma quota de mercado de 15% a 25% e de uma sobreposição de actividade limitada, a Comissão não analisou, de modo algum, o impacto sobre a concorrência da conjugação de posições de mercado significativas da SEB-Moulinex no mercado das fritadeiras (de 30% a 40%), das panelas a vapor (de 30% a 40%) e dos ferros de engomar (de 35% a 45%), após a operação em causa.

266.
    A Comissão contesta a afirmação da recorrente segundo a qual não foi assumido qualquer compromisso nos mercados que apresentavam problemas sérios de concorrência.

267.
    A Comissão sublinha, em primeiro lugar, que, ao contrário do que a recorrente sustenta, resulta do considerando 137 da decisão impugnada que «a SEB aperfeiçoou os seus compromissos, alargando a licença da marca a todos os pequenos produtos electrodomésticos para a [...] Noruega».

268.
    Seguidamente, no que respeita ao mercado italiano, entende que a recorrente não se pode fundar exclusivamente nas quotas de mercado da entidade nos mercados dos robots de cozinha, das refeições informais e dos jarros eléctricos para daí deduzir que eram necessários compromissos. Segundo a Comissão, há que ter em conta todos os elementos pertinentes para determinar se a operação de concentração cria ou reforça uma posição dominante no mercado comum. Assim, no mercado dos robots de cozinha, havia três concorrentes importantes que podiam fazer face à nova entidade. Do mesmo modo, tal como resulta da decisão, a posição das partes nos mercados das refeições informais e dos jarros eléctricos em Itália deve ser relativizada, na medida em que certos concorrentes das partes detinham posições importantes em vários outros mercados de produtos, tais como o dos fornos de bancada, o das fritadeiras ou o das máquinas de café expresso. A Comissão entende que qualquer tentativa de comportamento anticoncorrencial nos mercados das refeições informais e dos jarros eléctricos seria punida através de menores compras de produtos da SEB e da Moulinex nos outros mercados.

269.
    Por outro lado, a situação nestes mercados, particularmente questionados pela recorrente, é, segundo a Comissão, completamente diferente da situação dominante em Portugal, na medida em que, no mercado português, a nova entidade detém quotas de mercado superiores a 40% em dez das onze categorias de produtos. A nova entidade teria acumulado em Portugal um poder inigualável praticamente em todos os mercados de produtos em causa que não teria podido ser compensado por outros produtores nem pelos distribuidores.

270.
    Por fim, a argumentação da recorrente segundo a qual a Comissão ignorou os problemas de concorrência nos mercados britânicos, irlandeses, espanhóis, finlandeses e noruegueses é, na opinião da Comissão, inadmissível, por força do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, na medida em que não contém a menor explicação ou fundamentação.

271.
    Em resposta às questões escritas colocadas pelo Tribunal, a Comissão recorda, antes de mais, o raciocínio que seguiu para chegar à conclusão de que a existência de dúvidas sérias em Portugal, na Grécia, na Bélgica, nos Países Baixos, na Alemanha, na Áustria, na Dinamarca, na Suécia e na Noruega justificava a imposição dos compromissos que abrangiam todos os mercados de produtos nestes nove países e de que não era necessário impor compromissos para a Itália, a Espanha, o Reino Unido, a Irlanda ou a Finlândia, tendo em conta a inexistência de qualquer dúvida séria constatada nestes países.

272.
    Antes de expor o seu raciocínio em quatro etapas, a Comissão observa que, para efectuar a sua análise, se baseou na sua prática decisória e nas informações sobre o funcionamento do mercado apresentadas no âmbito da sua investigação.

273.
    A Comissão constatou, assim, que há dois elementos essenciais para o funcionamento da concorrência nos mercados em causa: dispor de uma marca reconhecida (considerando 36 da decisão impugnada) e ter acesso aos clientes revendedores (v., por exemplo, o considerando 35 da decisão impugnada), que são os mesmos para todas as categorias de produtos.

274.
    No que respeita ao primeiro elemento, a Comissão refere-se à sua Decisão 98/602/CE, de 15 de Outubro de 1997, que declara uma operação de concentração compatível com o mercado comum e com o funcionamento do Acordo EEE (Processo IV/M.938 - Guiness/Grand Metropolitan) (JO 1998, L 288, p. 24), em que sublinhou que «o possuidor de uma carteira de marcas líder pode beneficiar de algumas vantagens» e que, em especial «a sua posição em relação aos seus clientes é mais forte, uma vez que poderá fornecer uma gama de produtos e representará uma maior proporção das suas actividades» (considerando 38 e seguintes da decisão). A mesma decisão explica, no considerando 41, que «a importância destas vantagens e o seu efeito potencial na estrutura concorrencial do mercado depende de diversos factores, incluindo: se o possuidor da carteira tem o líder da marca ou uma ou mais marcas líder num determinado mercado; as quotas de mercado das várias marcas, em especial em relação às quotas de concorrentes; a importância relativa dos mercados individuais em que as partes têm quotas significativas e marcas no conjunto da gama de mercados do produto objecto da carteira; e/ou o número de mercados em que o possuidor da carteira tem um líder da marca ou a marca líder».

275.
    O poder de negociação dos distribuidores é, na opinião da Comissão, o segundo elemento importante para o funcionamento da concorrência no mercado em causa. A Comissão afirma que a SEB indicou, a este respeito, que «qualquer tentativa [da sua parte] de aumentar os preços nas diferentes linhas de produtos [...] em que a sua quota de mercado teórica exceda os 35% é susceptível de implicar represálias por parte dos compradores profissionais nas outras linhas de pequenos produtos electrodomésticos, represálias essas que serão tanto mais fortes quanto respeitarão então a dois terços das vendas de pequenos aparelhos electrodomésticos».

276.
    Para chegar à conclusão de que não era necessário impor compromissos que abrangessem a Itália, a Espanha, o Reino Unido, a Irlanda e a Finlândia, a Comissão afirma que tomou em consideração, sucessivamente, quatro factores decorrentes da identificação das condições de concorrência próprias da operação em causa.

277.
    Segundo a Comissão, o primeiro factor respeitava à determinação dos mercados em que a nova entidade dispunha de quotas de mercado superiores a 40%. O segundo visava determinar a existência de uma sobreposição significativa entre as partes em questão no mercado do produto em causa (v. considerandos 86 a 88, 90 a 92, 95, 97, 98, 101, 102, 107, 110, 111, 113, 121 e 123 da decisão impugnada). O terceiro factor consistia em determinar a posição da entidade resultante da fusão relativamente aos seus concorrentes (v. considerandos 87, 92, 96 a 98, 101, 102, 105, 107, 110, 111, 113, 116, 119 e 123 da decisão impugnada). Por fim, o último factor respeitava à determinação da importância do mercado de produtos em causa relativamente à totalidade das vendas da entidade resultante da fusão e, correlativamente, à possibilidade de os distribuidores exercerem represálias (v. considerandos 83, 97, 101, 102, 105, 110, 116, 119 e 123 da decisão impugnada). A Comissão explica que a tomada em consideração deste último factor, dito de «efeito de gama», se revelou necessária na análise da concorrência, na medida em que as mesmas marcas e os mesmos clientes intermediários estão presentes em todos os mercados de produtos de um mesmo país.

278.
    A Comissão afirma que, ao tomar em consideração os diferentes critérios acima referidos, considerou que a operação de concentração suscitava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado comum em Portugal, nos Países Baixos, na Bélgica e na Grécia quanto a todos os produtos. No que respeita ao primeiro factor, observou que a nova entidade detinha quotas de mercado superiores a 40% quanto à maioria dos produtos da gama (considerandos 48, 55, 63 e 72 da decisão impugnada). Seguidamente, constatou (considerandos 83 e seguintes da decisão impugnada) que os mercados em que a entidade detinha quotas superiores a 40% representavam mais de 50% do total das vendas da entidade resultante da fusão. Quanto aos efeitos de gama, considerou que, nestas condições, reforçavam ainda mais o poder de mercado que as partes podiam deter sobre os mercados em causa. Foi por esta razão que impôs compromissos que abrangiam todos os mercados de produtos destes países.

279.
    Quanto aos outros países, como não satisfaziam o primeiro critério, a Comissão examinou então se a operação de concentração implicava uma sobreposição significativa entre as partes nos mercados de produtos em causa. Começou por afastar a existência de dúvidas sérias nos mercados de produtos em que a sobreposição era mínima, não implicando, portanto, a transacção alterações sensíveis para a situação concorrencial. Segundo a Comissão, era esse o caso da Finlândia quanto aos fornos de bancada (considerando 87), da Alemanha quanto às refeições informais (considerando 88 da decisão), da Finlândia, da Noruega e da Suécia quanto ao mercado das máquinas de café expresso (considerando 90 da decisão). No mercado das refeições informais e dos robots de cozinha em Espanha, as sobreposições eram extremamente limitadas. A Comissão afirma que, neste âmbito, teve em conta a posição combinada das partes face aos seus concorrentes. Por exemplo, no mercado dos robots de cozinha em Itália, a entidade resultante da fusão só eliminaria o quarto actor do mercado. Não havendo sobreposição significativa entre as partes e tendo em conta a forte posição dos concorrentes (Braun: de 10% a 20%, Philips: de 10% a 20%, De'Longhi: de 0% a 10%), a Comissão considerou que a operação não suscitava dúvidas sérias neste mercado (considerando 121 da decisão impugnada).

280.
    Relativamente a estes mesmos países, a Comissão procurou depois determinar quais eram os países em que a transacção teria um impacto em termos de efeito de gama que alterasse substancialmente as relações de força ente a SEB-Moulinex e a procura. Para tanto, avaliou a importância do ou dos mercados de produtos em causa afectados pela transacção, em relação com a totalidade das vendas da entidade resultante da fusão nesse mesmo país. Quando estas relações eram reduzidas, ou seja, inferiores a 10%, a Comissão considerou que a capacidade de represália dos clientes revendedores não era alterada pela transacção e se mantinha num nível suficiente para fazer funcionar o efeito de gama em seu proveito. Neste âmbito, a Comissão, segundo afirma, tomou em consideração, naturalmente, o facto de os clientes revendedores disporem de oferta alternativa no mercado nacional (v. considerandos 116, 119, 122 e 123 da decisão impugnada). Em contrapartida, expressou dúvidas sérias quanto a todos os mercados relativamente aos quais a transacção implicava uma alteração sensível da posição das partes face à procura.

281.
    Em especial, no que respeita aos mercados dos jarros eléctricos e das refeições informais em Itália, a Comissão considerou, tendo em conta a reduzida percentagem do volume de negócios que estes mercados de produtos representavam para a entidade resultante da fusão e a possibilidade, para os clientes revendedores, de optarem por marcas alternativas e de grande renome, que a operação não podia suscitar dúvidas sérias (considerandos 115 a 117 e 121 a 124 da decisão impugnada).

282.
    Em resposta à questão do Tribunal no sentido de saber se a conclusão da Comissão relativamente à Itália teria sido alterada se, para determinar a capacidade dos revendedores de «punir» um eventual comportamento anticoncorrencial da SEB-Moulinex, o mercado dos robots de cozinha tivesse sido acrescentado aos dos jarros eléctricos e das refeições informais, a Comissão afirmou que a operação de adicionar estes três mercados não tem qualquer justificação e que, de qualquer modo, mesmo que tivesse tido que adicionar os mercados referidos, não teria alterado a sua conclusão.

283.
    Com efeito, em Itália, cada um dos mercados dos jarros eléctricos e das refeições informais representava apenas, segundo a Comissão, 0% a 10% do valor da totalidade da «família cozinha» dos pequenos electrodomésticos. O mercado das refeições informais representava 0% a 10% do valor da totalidade da «família cozinha» dos pequenos electrodomésticos. O mercado dos robots de cozinha representava 25% a 35% do valor da totalidade da «família cozinha» dos pequenos electrodomésticos. Estes três mercados, conjuntamente, representariam, portanto, 30% a 40% do valor da totalidade da «família cozinha» dos pequenos electrodomésticos em Itália.

284.
    Devido à forte presença de concorrentes no mercado dos robots de cozinha tais como a Braun, a Philips e a De'Longhi, era de excluir, segundo a Comissão, que a concentração levasse à criação ou ao reforço de uma posição dominante. Além disso, devido à inexistência de poder de mercado no mercado dos robots de cozinha, a adição da posição da SEB-Moulinex neste mercado e das posições detidas nos mercados dos jarros eléctricos e das refeições informais não se justificava.

285.
    De qualquer modo, a Comissão acrescenta que a sua conclusão não teria sido alterada, tendo em conta as características particulares que o mercado italiano apresenta. Segundo a Comissão, este mercado distingue-se pela presença de dois fortes operadores históricos (v. considerando 123 da decisão): por um lado a Saeco, líder mundial das máquinas de café expresso, que detém 60% a 70% do mercado italiano e, por outro lado, a De'Longhi, que é líder em quatro mercados de produtos, a saber, os fornos de bancada, as fritadeiras, as torradeiras e os barbecues-grelhadores, representando estes quatro mercados, conjuntamente, 30% a 40% do valor da totalidade da «família cozinha» dos pequenos electrodomésticos em Itália.

286.
    Todavia, a Comissão precisa que o eventual efeito dissuasivo que os clientes revendedores podem exercer depende em grande parte do valor representado pelos mercados de produtos em que a SEB-Moulinex dispõe de uma quota de mercado de pelo menos 40% relativamente à totalidade das vendas da SEB-Moulinex. Indica-se, assim, no considerando 123 da decisão impugnada que «qualquer tentativa de comportamento anticoncorrencial nestes mercados seria, portanto, punida através de menos compras dos produtos da SEB e da Moulinex nos outros mercados em que a entidade resultante da fusão realiza 90% a 100% do seu volume de negócios, o que poderia retirar a rentabilidade a qualquer aumento de preços pelas partes».

287.
    A Comissão acrescenta que há que ter em conta não só a pressão concorrencial exercida pelos actuais concorrentes no mercado em causa, como também a potencial pressão por parte das empresas presentes nos mercados vizinhos. Por exemplo, no mercado italiano dos robots de cozinha, a forte presença dos actuais concorrentes que são a Braun, a Philips e a De'Longhi, limitaria o poder da nova entidade. Além disso, a Saeco poderia entrar a qualquer momento neste mercado de produtos devido ao seu peso determinante nos mercados vizinhos.

288.
    No que respeita à hipótese, que à primeira vista não foi considerada pela Comissão, de a concorrência ser afectada através de uma diminuição de preços, a Comissão considera que esta questão deve ser apreciada na perspectiva das práticas que visam excluir do mercado outras empresas, uma vez que os diferentes produtos a que a concentração respeita são «bens independentes ou substitutos» e que, como tal, uma baixa de preços temporária poderia levar certos concorrentes a abandonar o mercado ou impedir a entrada de novos concorrentes, tanto mais que os fabricantes se dirigem à mesma procura intermediária, os clientes revendedores, para todos os produtos em causa.

289.
    Na sequência da questão do Tribunal quanto a este aspecto, a Comissão respondeu que nenhum dos elementos de que tomou conhecimento durante a investigação permitia considerar que decorreriam práticas desse tipo da operação em causa. Com efeito, segundo a Comissão, uma empresa só poderá intentar lançar-se nessas práticas se puder suportar financeiramente, de modo durável, preços inferiores ao custo marginal, com a convicção de que tal levará à eliminação de concorrentes.

290.
    Ora, não há nenhum elemento, segundo a Comissão, que indique que a SEB era financeiramente mais sólida do que os seus concorrentes ou que tinha custos marginais inferiores. Além disso, um concorrente afastado do mercado pode regressar no caso de os preços voltarem a um nível que torne a actividade novamente viável, uma vez que terá sempre a sua marca, elemento essencial da concorrência no mercado dos pequenos electrodomésticos.

291.
    A Comissão afirma, além disso, que não é certo que uma baixa de preços baste para impedir a entrada de novos concorrentes como a recorrente, que considera, nas observações que dirigiu ao Tribunal datadas de 28 de Junho de 2002 e de 25 de Julho de 2002, nos pontos 7 e 11, que as suas quotas de mercado poderiam atingir [...%] em [...] se lançasse a sua actividade em 2002.

292.
    Por fim, a Comissão sustenta que o facto de um fornecedor se lançar numa política da baixa de preços que tem como efeito afastar concorrentes é influenciado pelo comportamento dos distribuidores. Com efeito, o incentivo que um fornecedor poderia ter para se lançar neste tipo de política seria reduzido dado que os preços de venda ao público dos pequenos electrodomésticos seriam determinados pelos distribuidores, os quais poderiam, em caso de baixa de preços pelos fornecedores, manter a mesma política de venda a retalho e obter, deste modo, um lucro adicional, em detrimento dos fornecedores.

293.
    Por conseguinte, a Comissão afirma ter limitado a sua análise aos efeitos imediatos e certos da operação de concentração e não ter tomado em conta efeitos posteriores e mais incertos no caso em apreço, tais como as práticas de exclusão.

294.
    No que respeita à possível determinação pelos revendedores da escolha dos produtos em causa pelos consumidores finais, a Comissão começa por observar que o inquérito de mercado revelou que os consumidores tinham uma manifesta preferência pelos produtos de marcas de renome, ainda que, por um lado, sejam mais caros do que os produtos de marcas desconhecidas e que, por outro, como já se disse atrás, o acesso à distribuição fosse um exercício indispensável para concorrer nos mercados em causa.

295.
    A Comissão afirma que, durante as suas investigações, pôde identificar as características determinantes das relações entre fabricantes e revendedores e, deste modo, a possibilidade que os revendedores têm de determinar a escolha dos consumidores finais.

296.
    A Comissão sublinha a importância das políticas de referenciamento dos produtos, que consistem, para os distribuidores, em evitar competir entre eles com os mesmos modelos e em procurar referências específicas, para evitar que o consumidor compare com demasiado rigor os preços de venda entre as lojas.

297.
    A Comissão refere, além disso, que a recorrente, na resposta que deu às questões da Comissão, datada de 30 de Novembro de 2001, indica, no ponto 11, que «um bom produto, com uma boa relação qualidade preço, não tem qualquer hipótese de estar presente no mercado se a distribuição não o referenciar».

298.
    Os revendedores determinam assim, na opinião da Comissão, a escolha dos consumidores, quer pela sua capacidade de influenciar o referenciamento dos produtos quer para decidir dos preços de venda e das promoções aplicadas aos produtos vendidos.

B - Apreciação do Tribunal

1. Quanto à admissibilidade

299.
    A recorrente sustenta que a Comissão autorizou a operação sem compromissos para mercados que suscitavam problemas de concorrência sérios.

300.
    A Comissão e a SEB consideram que este fundamento, tal como foi desenvolvido pela recorrente na sequência das questões escritas do Tribunal e durante a audiência, é inadmissível por força do artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, segundo o qual é proibida a dedução de novos fundamentos no decurso da instância, e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do mesmo regulamento, segundo o qual a petição inicial deve indicar o objecto do litígio e conter a exposição sumária dos fundamentos do pedido, a fim de respeitar o direito de defesa.

301.
    Recorde-se a este respeito, em primeiro lugar, que a petição contém expressamente o fundamento assente no facto de a Comissão ter autorizado a operação sem compromissos em mercados que apresentavam problemas sérios de concorrência. Só proibindo o artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo a dedução de novos fundamentos, resulta daqui que a questão prévia de admissibilidade deve ser indeferida.

302.
    Quanto aos mercados italianos, a Comissão respondeu, aliás, a este fundamento quanto ao mérito, na sua contestação, sem suscitar objecções quanto à sua admissibilidade.

303.
    Porém, nas respostas às questões escritas do Tribunal, a Comissão alegou depois que, no que respeita à Itália e, por maioria de razão, aos outros países em que a Comissão não impôs compromissos, a recorrente não criticou o argumento da Comissão segundo o qual os clientes revendedores terão a possibilidade de punir qualquer tentativa de comportamento anticoncorrencial.

304.
    Se há que admitir que a argumentação exposta na petição era lacónica, em especial quanto aos mercados britânicos, irlandeses, espanhóis, finlandeses e noruegueses, relativamente aos quais a recorrente se limitou a indicar que também aí se tinham constatado situações problemáticas, o certo é que os desenvolvimentos que a recorrente fez dessa argumentação, tanto nas suas respostas às questões escritas do Tribunal que a convidavam a precisar a natureza das suas críticas, como durante a audiência, não podem ser considerados um novo fundamento inadmissível, mas apenas elementos susceptíveis de comprovar o mérito do fundamento invocado na petição. Esta constatação aplica-se também aos desenvolvimentos relativos aos mercados italianos.

305.
    Em segundo lugar, a objecção baseada no artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo deve também ser rejeitada. Com efeito, nos termos desta disposição, o fundamento é exposto na petição de modo sumário. Além disso, o objectivo desta disposição é respeitar o direito de defesa. Ora, há que constatar que a Comissão teve plenas possibilidades de responder às críticas avançadas pela recorrente quanto a este aspecto. Em especial, há que observar que, logo na sua contestação, a Comissão tinha exposto a tese segundo a qual não havia que impor compromissos nos mercados italianos porque qualquer tentativa de comportamento anticoncorrencial da SEB-Moulinex seria punida por menores compras de produtos da SEB e da Moulinex nos outros mercados em Itália. A Comissão foi também convidada pelo Tribunal a responder por escrito a uma série de questões relativas a estas críticas. Por fim, na audiência, a Comissão pôde ainda expor em pormenor o mérito da sua posição nesta matéria.

306.
    Em terceiro lugar, quanto à alegação da Comissão de que o Tribunal suscitou ele próprio um novo fundamento, não deduzido pela recorrente, bastará recordar que o fundamento assente na falta de compromissos em países que apresentavam problemas de concorrência foi efectivamente formulado pela recorrente na sua petição. Foi só na sequência da argumentação avançada pela Comissão na sua contestação que o Tribunal considerou necessário, a título de medidas de organização do processo previstas pelo artigo 64.° do Regulamento de Processo, colocar uma série de questões escritas no sentido de esclarecer a argumentação respectiva de cada uma das partes. Além disso, há que recordar, a este respeito, que o Tribunal de Justiça já declarou (acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Novembro de 1998, Parlamento/Gutiérrez de Quijano y Lloréns, C-252/96 P, Colect., p. I-7421, n.° 30), que resulta à evidência da simples leitura do artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, no contexto do título II, capítulo I, deste regulamento, intitulado «Da fase escrita», que se trata de uma disposição que se impõe às partes e não ao Tribunal de Primeira Instância.

307.
    Resulta do que precede que o fundamento assente na ausência de compromissos em mercados que apresentavam problemas sérios de concorrência é admissível, inclusivamente na parte em que visa os mercados espanhóis, britânicos, irlandeses, finlandeses e noruegueses.

2. Quanto ao mérito

308.
    Recorde-se, antes de mais, que, na decisão impugnada, a Comissão constatou que a concentração suscitava dúvidas sérias em certos mercados de produtos em Portugal, na Grécia, na Bélgica, nos Países Baixos, na Alemanha, na Áustria, na Dinamarca, na Suécia e na Noruega (considerando 128 da decisão impugnada). Por conseguinte, impôs compromissos nestes países.

309.
    Há que recordar, seguidamente, que, segundo a decisão impugnada, a Comissão adoptou uma definição nacional dos mercados geográficos em causa (considerando 30) e considerou que cada uma das treze categorias de produtos constituía um mercado distinto (considerandos 17 a 25 da decisão impugnada). Daqui resulta que a análise da situação concorrencial deve, pelo menos numa primeira fase, ser efectuada separadamente, mercado por mercado, tanto em termos de geografia como em termos de produtos. Porém, as licenças exclusivas da marca Moulinex previstas pelos compromissos em cada um destes nove Estados respeitam sempre à totalidade dos treze mercados de produtos, ainda que as dúvidas sérias só tenham sido constatadas num ou noutro mercado de produtos. Efectivamente, a Comissão considerou, com razão, no considerando 141 da decisão impugnada, que a extensão dos compromissos de licença exclusiva à totalidade dos pequenos produtos electrodomésticos e, portanto, a produtos quanto aos quais a Comissão não tinha suscitado dúvidas sérias, era necessária para assegurar a eficácia e a viabilidade das soluções previstas pelos compromissos, não podendo a mesma marca ser detida, simultaneamente, num mesmo mercado geográfico por dois operadores diferentes.

310.
    Daqui resulta que a constatação de que a concentração suscitava dúvidas sérias num só mercado de produtos de um país bastava para impor um compromisso para todos os mercados de produtos desse país. Assim, resulta dos considerandos 113, 114 e 128 da decisão impugnada que foram impostos compromissos na Suécia, apesar de a Comissão ter considerado que a concentração só suscitava dúvidas sérias no mercado das fritadeiras na Suécia.

311.
    No que respeita aos mercados em Itália, em Espanha, no Reino Unido, na Irlanda e na Finlândia, a Comissão considerou, em contrapartida, que a concentração só alterava marginalmente as condições da concorrência e, portanto, não impôs compromissos quanto a estes países.

312.
    A recorrente sustenta, essencialmente, que se colocavam problemas sérios de concorrência em certos mercados na Noruega, em Itália, em Espanha, no Reino Unido, na Irlanda e na Finlândia e que a Comissão, em conformidade com a análise da situação concorrencial que tinha efectuado nos Estados-Membros afectados pelos compromissos, devia também ter imposto compromissos quanto a estes mercados.

313.
    Em resposta às questões escritas do Tribunal, a Comissão explicou que efectuou a sua análise tomando em conta, sucessivamente, quatro factores que decorrem da identificação das condições de concorrência próprias da operação em causa, a saber:

-    em que mercados dispõe a nova entidade de quotas de mercado superiores a 40%;

-    será que existe uma sobreposição significativa entre as partes no mercado de produtos em questão;

-    qual é a posição da entidade fusionada relativamente aos seus concorrentes;

-    qual é a importância do mercado de produtos em causa relativamente à totalidade das vendas da entidade fusionada e, correlativamente, em que medida os distribuidores podem exercer um contrapeso (a seguir «efeito de gama»)?

314.
    Antes de examinar se esta análise em quatro etapas leva, como a Comissão sustenta, ao afastamento de dúvidas sérias relativamente a cada um dos mercados geográficos em que não impôs compromissos, há que verificar, antes de mais, se a Comissão aplicou efectivamente tal análise na decisão para apreciar os efeitos da concentração nos diferentes mercados.

a) Quanto às quatro etapas da análise

- Quanto ao limiar de domínio de 40%

315.
    Resulta da decisão impugnada, nomeadamente dos considerandos 44, 48, 55, 56, 63, 72 e 83, que, em conformidade com a primeira etapa mencionada pela Comissão nas suas respostas às questões do Tribunal, toda a análise da situação concorrencial da decisão se baseia na consideração de que uma quota de mercado de 40% era um sinal de domínio. Atingindo ou ultrapassando a entidade resultante da fusão SEB-Moulinex o limiar dos 40% de quota de mercado num mercado de produtos, havia que considerar, sem prejuízo do exame dos três outros factores, que detinha uma posição dominante e deviam ser impostos compromissos. A Comissão, tal como precisou nas respostas às questões do Tribunal, constatou até a existência de uma posição dominante no mercado dos robots de cozinha na Grécia, quando a entidade SEB-Moulinex apenas dispunha aí de uma quota de mercado de 39%. Mais ainda, resulta dos considerandos 55, 58, 62 e 128 da decisão impugnada que a Comissão considerou que a concentração suscitava dúvidas sérias no mercado das torradeiras na Bélgica, quando as partes apenas dispunham de uma quota de mercado de 20% a 30% e tinham de fazer face à concorrência da Philips que detinha uma quota de mercado de 25% a 35%.

- Quanto à ausência de sobreposição significativa

316.
    Segundo a explicação fornecida pela Comissão na sua resposta às questões escritas do Tribunal, a Comissão analisou seguidamente, quanto aos mercados em que a quota de mercado da nova entidade era superior a 40%, se havia uma sobreposição significativa entre as partes nos mercados de produtos em causa. A Comissão sustenta que, quando constatou que não havia sobreposição ou que esta era mínima, afastou a existência de dúvidas sérias quanto ao mercado de produtos em causa, por a operação não provocar alterações sensíveis na situação concorrencial.

317.
    Segundo o que indicou na sua resposta às questões escritas colocadas pelo Tribunal, a inexistência de sobreposição significativa levou efectivamente a Comissão a afastar a existência de dúvidas sérias quanto a uma série de mercados de produtos em que a sobreposição era mínima [v., nomeadamente, o mercado dos fornos de bancada na Finlândia (considerando 87 da decisão impugnada), o mercado das refeições informais na Alemanha (considerando 88 da decisão impugnada), o mercado das máquinas de café expresso na Noruega e na Suécia (considerando 90 da decisão impugnada)].

318.
    A inexistência de sobreposição significativa entre as partes é, como a Comissão correctamente sustenta, susceptível de afastar as dúvidas sérias mesmo quanto aos mercados de produtos em que a entidade detém uma quota de mercado superior a 40% visto que, neste caso, não é a concentração que cria ou reforça a posição dominante, mas esta já existia.

319.
    Há, todavia, que introduzir duas reservas.

320.
    Por um lado, mesmo quando a sobreposição é reduzida, a concentração implica um reforço da posição dominante e só devem, portanto, afastar-se as dúvidas sérias se a sobreposição for realmente insignificante.

321.
    Há que observar, a este respeito, que a decisão se limita a indicar as quotas de mercado em escalões de 10%. Ora, se se pode efectivamente considerar que não há sobreposição significativa quando a quota de mercado está perto de 0%, não poderá ser assim quando está perto dos 10%, devendo, neste caso, constatar-se a criação ou o reforço da posição dominante neste caso. A decisão não permite, assim, ao Tribunal exercer validamente a sua fiscalização da legalidade. Além disso, quando o Tribunal convidou expressamente a Comissão, nas questões escritas que lhe apresentou, a precisar a quota de mercado exacta detida pela SEB-Moulinex nos mercados dos jarros eléctricos e das refeições informais em Itália, a Comissão limitou-se, nas suas respostas, a repetir as indicações em escalões de 10% contidas na decisão.

322.
    A impossibilidade de exercer uma fiscalização eficaz da decisão, devido ao carácter demasiado vago dos dados nela contidos, resulta, de resto, das constatações efectuadas na própria decisão. Com efeito, com base na mesma consideração de que uma das partes na concentração detinha uma quota de mercado de 0% a 10%, a Comissão tanto afastou as dúvidas sérias devido à inexistência de sobreposição significativa, como constatou a existência de tais dúvidas.

323.
    É esse, nomeadamente, o caso dos robots de cozinha na Grécia. Com efeito, neste mercado, onde a nova entidade só dispunha de uma quota de mercado combinada muito ligeiramente abaixo do limiar de domínio (39%, v. considerando 72 da decisão impugnada e a resposta às questões do Tribunal), a Comissão não afastou a existência de dúvidas sérias, apesar de uma sobreposição que variava entre 0% e 10%, sendo a quota de mercado para os produtos em questão da Moulinex de 30% a 40% e a da SEB apenas de 0% à 10% (v. tabela anexa à decisão impugnada).

324.
    De igual modo, a Comissão constatou a existência de dúvidas sérias no mercado dos ferros de engomar nos Países Baixos em que as partes na concentração dispunham de uma quota de mercado combinada da ordem dos 40% a 50% com uma sobreposição limitada de 0% a 10% para a Moulinex.

325.
    Noutros mercados de produtos em que a entidade resultante da fusão dispunha de uma quota de mercado de 40% a 50%, a Comissão considerou também que a concentração suscitava dúvidas sérias apesar do facto de uma das partes só deter uma quota de mercado de 0% a 10%. É esse o caso, nomeadamente, do mercado dos barbecues na Alemanha (considerando 97), em que as partes têm, além disso, de fazer face a concorrentes importantes, nomeadamente a Severin, que dispõe de uma quota de mercado de 25% a 35%, dos ferros de engomar com e sem caldeira na Bélgica (v. considerandos 55, 56 e 59 da decisão impugnada), e dos mercados das fritadeiras, das torradeiras e das cafeteiras eléctricas em Portugal (v. considerandos 48, 49 e 54 da decisão impugnada).

326.
    Por outro lado, se a inexistência de sobreposição significativa é uma razão válida para afastar as dúvidas sérias quando a Comissão examina, numa primeira fase, a situação concorrencial ao nível de um mercado de produtos individual, já não haverá, em contrapartida, que ter em conta este elemento ao nível do exame mais global da situação na totalidade dos mercados de produtos de um determinado país.

327.
    Há que observar, aliás, a este respeito que, em várias ocasiões, a Comissão se apoiou na circunstância de uma das partes na concentração deter posições fortes em mercados em que a outra apenas tinha uma presença reduzida, e vice-versa, para concluir que a concentração suscitava dúvidas sérias. Assim, no caso da Grécia, a Comissão sublinhou, no considerando 73 da decisão impugnada:

«Só nas sanduicheiras e aparelhos para ‘gaufres’ é que as partes detinham simultaneamente quotas de mercado muito importantes (de 30% a 40% e de 20% a 30%). A concentração tem, portanto, como efeito adicionar à posição da Moulinex nas máquinas de café expresso posições significativas de domínio nos mercados das fritadeiras, jarros eléctricos, sanduicheiras e robots de cozinha.»

- Quanto à posição da entidade resultante da fusão relativamente aos seus concorrentes

328.
    A Comissão afirma ter tido em conta, seguidamente, a posição combinada das partes na concentração face aos seus concorrentes para concluir que a operação não suscitava dúvidas sérias.

329.
    Observe-se a este respeito, em primeiro lugar, que, sendo o limiar de domínio adoptado pela decisão de 40%, a mera constatação de que a entidade resultante da fusão fará face a concorrentes num mercado de produtos não implica que a concentração não suscite dúvidas sérias quanto a esse mercado. A presença de concorrentes só pode constituir um factor susceptível, eventualmente, de atenuar, ou mesmo eliminar, a posição dominante detida pela entidade resultante da fusão no caso de estes concorrentes deterem uma posição forte, susceptível de exercer um verdadeiro contrapeso.

330.
    Recorde-se, seguidamente, que os mercados em causa são mercados caracterizados por uma estrutura sobretudo oligopolista e que algumas empresas dispõem simultaneamente de uma ampla gama de produtos e de uma presença pan-europeia. Tal como se indica no considerando 32 da decisão impugnada, trata-se, essencialmente, de actores como a SEB, a Moulinex, a Philips, a Bosch, a Braun ou a De'Longhi. Nestas condições, a presença num dado mercado de um ou outro destes concorrentes não constitui uma circunstância particular susceptível de justificar, como tal, que a concentração não suscita dúvidas nesse mercado. O mesmo se passa com as empresas que ou dispõem de uma ampla gama de produtos, mas estão presentes apenas em certos Estados (Taurus em Espanha ou Morphy no Reino Unido), ou de um número limitado de produtos (Saeco quanto às máquinas de café expresso).

331.
    Resulta, aliás, da decisão impugnada que em quase todos os mercados em que Comissão considerou que a concentração suscitava dúvidas sérias observou, todavia, a presença de um ou mais destes concorrentes.

332.
    Daí decorre que a presença de um ou outro destes concorrentes em mercados em que a entidade resultante da fusão dispunha de uma quota de mercado igual ou superior a 40% não podia, por si só, afastar a existência de dúvidas sérias e que só poderia, eventualmente, ter este efeito se os concorrentes dispusessem de quotas de mercado suficientemente fortes para constituírem um verdadeiro contrapeso face à posição detida pela SEB-Moulinex e eliminarem, assim, as dúvidas sérias.

333.
    Há que observar, a este respeito, que a Comissão concluiu, aliás, pela existência de dúvidas sérias numa série de mercados em que os concorrentes das partes na concentração dispunham de quotas de mercado não despiciendas.

334.
    Assim, no mercado das fritadeiras na Grécia, a Comissão não afastou a existência de dúvidas sérias quanto à compatibilidade da operação apesar de o principal concorrente das partes na concentração, a De'Longhi, deter uma quota de mercado de 35% a 45%, o que constituía uma posição não só muito importante, como até equivalente à detida pela SEB-Moulinex (v. considerando 72 da decisão impugnada).

335.
    De igual modo, a Comissão concluiu pela existência de dúvidas sérias no mercado dos ferros de engomar com e sem caldeira nos Países Baixos quando a SEB-Moulinex, que detinha uma quota de mercado de 40% a 50% (v. considerando 63 da decisão impugnada), tinha que fazer face à concorrência da Philips, que detinha uma quota de mercado de 35% a 45% (v. considerando 67 da decisão impugnada).

336.
    A Comissão recusou-se ainda a afastar a existência de dúvidas sérias, apesar da presença de concorrentes com posições importantes, nos mercados dos jarros eléctricos e dos ferros de engomar na Bélgica. No primeiro mercado, a nova entidade detinha uma quota de mercado de 35% a 45% (v. considerando 55 da decisão impugnada) e o principal concorrente, a Braun, uma quota de mercado de 20% a 30% (v. considerando 58 da decisão impugnada). No segundo mercado, a nova entidade detinha uma quota de mercado de 40% a 50% (v. considerando 55 da decisão impugnada) e o principal concorrente, a Philips, uma quota de mercado de 25% a 35% (v. considerando 59 da decisão impugnada).

337.
    Por fim, no mercado das torradeiras na Bélgica, em que o principal concorrente, a Philips, detinha uma quota de mercado de 25% a 35% (v. considerando 58 da decisão impugnada), a Comissão não afastou a existência de dúvidas sérias quanto à compatibilidade da operação, quando a nova entidade apenas dispunha de uma quota de mercado de 20% a 30% (v. considerando 55 da decisão impugnada), ou seja, uma quota de mercado não só sensivelmente inferior ao limiar de domínio estabelecido pela Comissão, como também inferior à quota do principal concorrente.

338.
    Resulta do que precede que, segundo a análise efectuada pela Comissão na decisão impugnada, a presença de concorrentes, mesmo quando dispunham de quotas de mercado bastante importantes, não foi considerada, em princípio, susceptível de afastar a conclusão de que a concentração suscitava dúvidas sérias.

- Quanto ao efeito de gama

339.
    Recorde-se liminarmente que cada mercado de produtos constitui um mercado distinto. Daqui resulta que as condições de concorrência em cada mercado de produtos, em cada Estado-Membro, deviam, em princípio, se apreciadas de modo independente, relativamente às condições dominantes nos outros mercados ou no conjunto deles. Quanto aos nove Estados-Membros abrangidos pelos compromissos, se é certo que a Comissão desenvolveu por vezes a sua análise com considerações relativas à situação global da concorrência no conjunto dos mercados de produtos de um dado mercado geográfico, começou sempre por constatar, porém, a existência de dúvidas sérias em certos mercados de produtos, apreciando cada mercado de produtos separadamente.

340.
    Assim, relativamente a Portugal, à Grécia, aos Países Baixos e à Bélgica, a Comissão, depois de ter constatado a existência de dúvidas sérias numa série de mercados de produtos, considerou, além disso, que, tendo em conta a combinação de posições significativas de domínio, as partes na concentração poderiam alargar o seu poder de mercado a todos os outros mercados de produtos (considerandos 54, 62, 71 e 82 da decisão impugnada).

341.
    Segundo o considerando 83 da decisão impugnada, o risco de criação de um poder de mercado em toda a gama de produtos pode ser excluído quando os mercados de produtos em que a entidade resultante da fusão dispõe de uma quota de mercado superior a 40% não representam mais do que 35% do volume de negócios combinado das partes. Todavia, esta distinção entre os países em que a entidade resultante da fusão poderia alargar o seu poder de mercado a todos os mercados de produtos e aqueles em que a concentração só suscita dúvidas sérias em certos mercados de produtos, ou mesmo num só (como é o caso da Suécia), é, na realidade, irrelevante quando, como já se viu atrás, os mesmos compromissos foram impostos nas duas hipóteses.

342.
    O carácter distinto dos diferentes mercados de produtos não pode, todavia, considerar-se absoluto, e pode revelar-se necessário ponderar a apreciação relativa a um mercado de produtos particular à luz da situação concorrencial que existe no conjunto dos outros mercados de produtos do Estado-Membro em questão.

343.
    Esta tomada em consideração da situação concorrencial mais global justificava-se tanto mais quanto, no caso em apreço, é pacífico que a marca constitui o factor de concorrência mais importante nos mercados em causa e que a notoriedade da marca aproveita a todos os produtos em que seja aposta. De igual modo, a Comissão pode ser levada, para apreciar a posição concorrencial ocupada por uma empresa, a ter em conta a carteira de marcas por ela detida ou a circunstância de deter quotas de mercado importantes em vários mercados de produtos em causa (a seguir «efeito de carteira»).

344.
    Observe-se, a este respeito, que a Comissão tomou em consideração, no caso em apreço, este efeito de carteira. Em toda a decisão impugnada, à excepção da análise consagrada aos países não abrangidos pelos compromissos, a Comissão sublinhou, com efeito, o facto de o poder da entidade resultante da fusão ser acentuado por uma carteira de marcas única, quando os seus concorrentes apenas dispõem de uma só marca, por uma forte presença em muitos mercados e pela sobreposição das posições detidas pela SEB e pela Moulinex.

345.
    Expõe-se, assim, no considerando 52 da decisão impugnada que, «[t]endo em conta a importância, atrás discutida, das marcas neste tipo de mercado, o peso das partes em quase todos os mercados em causa, a gama de produtos e a carteira de marcas da nova entidade, é pouco verosímil que os concorrentes possam pôr em causa as posições das partes e exercer uma pressão concorrencial suficiente sobre a nova entidade».

346.
    Há que observar que este efeito de carteira funciona não só relativamente ao consumidor e aos concorrentes, como também, e talvez até sobretudo, relativamente aos clientes revendedores. A Comissão explica, assim, nomeadamente, no considerando 53 da decisão impugnada, que «[o] mesmo se passa quanto aos clientes revendedores que, apesar do seu poder de negociação teórico (através de uma ameaça de não referenciamento, por exemplo), não poderão disciplinar o comportamento das partes em resposta a uma subida de preços»; que, «[c]om efeito, a carteira de marcas e a presença uniformemente forte da nova entidade em todos os mercados de produtos em causa serão tais que poderá dissuadir os clientes revendedores de se oporem a uma subida de preços, por exemplo através de uma ameaça de não referenciamento das marcas da nova entidade»; que «[a] entidade resultante da fusão pode, por exemplo, conceder descontos combinados ou com efeito de limiar» e que, «[de] igual modo, a posição preponderante das marcas SEB e Moulinex tornará difícil a uma revendedor dispensar a presença delas nas suas linhas de produtos». Estas observações, desenvolvidas no âmbito da análise dos mercados em Portugal, são também reproduzidas a respeito dos mercados na Bélgica (considerandos 60 e 61 da decisão impugnada), nos Países Baixos (considerandos 69 e 70 da decisão impugnada), na Grécia (considerandos 80 e 81 da decisão impugnada). Há ainda que observar a este respeito que, se a Comissão foi levada a considerar, devido ao efeito de carteira, que a nova entidade SEB-Moulinex poderia alargar o seu poder de mercado a todos os mercados de produtos nestes quatro países, embora só dispusesse de quotas de mercado inferiores ao limiar dos 40%, o efeito de carteira é, por maioria de razão, susceptível de confirmar que a concentração suscita dúvidas sérias nos mercados em que a nova entidade detém quotas de mercado superiores a 40%.

347.
    Na sua prática decisória anterior, a Comissão tinha já sublinhado a necessidade de tomar em conta o efeito de carteira, no sentido de determinar o verdadeiro poder de mercado de uma empresa. Assim, na sua decisão Guiness/Grand Metropolitan, já referida, a Comissão tinha explicado que o possuidor de uma carteira de marcas líder pode beneficiar de algumas vantagens e, em especial, que dispõe de uma posição mais forte em relação aos seus clientes, uma vez que poderá fornecer uma gama de produtos que representa uma maior proporção das suas actividades.

348.
    Nas observações que apresentou à Comissão (anexo 2 da carta de 3 de Dezembro de 2001), a De'Longhi tinha, aliás, chamado a atenção da Comissão para os perigos resultantes da concentração no seio de um mesmo grupo industrial de todas as marcas principais e de uma gama completa de produtos. A interveniente tinha exposto, nomeadamente, a este respeito:

«[O] aspecto que suscita mais preocupação para a De'Longhi é a relação que existirá, após a concentração, entre a SEB-Moulinex e os grandes distribuidores, tendo em conta o poder de negociação acrescido de que o adquirente disporá nos mercados em que terá uma posição dominante. Este poder será ainda mais importante, devido à gama completa de produtos e de marcas de que disporá após a operação [...] Não há quaisquer dúvidas de que a SEB-Moulinex alargará consideravelmente a sua carteira de produtos de modo tal que poderá, em certos casos, fornecer uma gama completa, o que gerará efeitos negativos, em especial no que respeita aos canais de distribuição».

349.
    Nas suas respostas às questões escritas do Tribunal, a Comissão indicou que a presença das mesmas marcas e dos mesmos clientes intermediários em todos os mercados de produtos de um mesmo país implicava a necessária tomada em consideração dos efeitos de gama na análise da concorrência. Segundo a Comissão, se a concentração contribui para conceder às partes posições fortes em mercados de produtos que representam no total uma percentagem marginal do seu volume de negócios, a entidade resultante da concentração não terá incentivo para exercer a sua força nesses mercados, uma vez que as represálias que deverá esperar noutros mercados de produtos, onde não está em posição de força, representam perdas de lucros claramente superiores aos benefícios que poderia obter nos mercados em que está em posição de força. Quando as vendas da entidade resultante da fusão nos mercados dominados representam menos de 10% da totalidade das vendas da entidade resultante da fusão no mesmo país, a Comissão indicou, nas suas observações escritas dirigidas ao Tribunal e durante a audiência, que considerou que a capacidade de represália dos clientes revendedores não era alterada pela transacção e se mantinha num nível suficiente para fazer funcionar o efeito de gama em seu proveito. A Comissão entende pela expressão «efeito de gama» que qualquer tentativa de comportamento anticoncorrencial da SEB-Moulinex nos mercados em que a entidade resultante da fusão detém uma posição dominante seria punida através de menores compras, por parte dos clientes revendedores, dos seus produtos nos outros mercados.

350.
    Segundo a Comissão, o efeito de gama só permite afastar as dúvidas sérias se o volume de negócios realizado pelas partes na concentração nos mercados de produtos dominados representar apenas uma percentagem marginal do volume de negócios total que realizam no mesmo país. A Comissão estabeleceu esta percentagem marginal do volume de negócios realizado nos mercados dominados num máximo de 10%, para além do qual o efeito de gama já não pode ser exercido. Este limite de 10% não é contestado. Assim, no considerando 123 da decisão impugnada, a Comissão explicou que qualquer tentativa de comportamento anticoncorrencial nos mercados dos jarros eléctricos e das refeições informais em Itália, onde as partes detêm, respectivamente, quotas de mercado combinadas de 65% a 75% e de 40% a 50%, seria, portanto, punida através de menores compras de produtos da SEB e da Moulinex nos outros mercados em Itália em que a entidade resultante da fusão realiza 90% a 100% do seu volume de negócios, o que significa que os mercados dominados só representam 0% a 10% do seu volume de negócios. No que respeita à Espanha e à Finlândia, a Comissão constatou, respectivamente, nos considerandos 116 e 119 da decisão impugnada, que a entidade realizava 85% a 95% do seu volume de negócios nos mercados não dominados, o que significa que os mercados dominados representam 5% a 15% do seu volume de negócios, ou seja, eventualmente, um pouco mais de 10%. Nas suas respostas às questões escritas do Tribunal, a Comissão confirmou expressamente, porém, que foi quando a proporção entre as vendas nos mercados dominados e a totalidade das vendas no mesmo país era baixa, ou seja, inferior a 10%, que considerou que a capacidade de represália dos revendedores podia ser exercida. Na audiência, a Comissão confirmou, novamente, este limite máximo de 10% abaixo do qual o efeito de gama, na sua opinião, podia funcionar.

351.
    Há que sublinhar que esta percentagem relativa do volume de negócios que permite o funcionamento do efeito de gama, fixada em 10%, não deve confundir-se com a percentagem relativa do volume de negócios inferior a 35% mencionada no considerando 83 da decisão impugnada. O limite de 35% indicado no considerando 83 da decisão impugnada respeita, com efeito, à questão diferente de saber a partir de que nível a percentagem do volume de negócios realizada nos mercados dominados é de tal modo importante que as partes poderiam alargar o seu poder de mercado a todos os outros mercados do país em questão. No considerando 83, a Comissão constatou que, quando as percentagens relativas do volume de negócios combinado das partes realizado nos mercados dominados eram inferiores a 35%, podiam afastar-se as dúvidas sérias de criação de um poder de mercado em toda a gama de produtos para esses países e restava apenas, portanto, analisar os mercados de produtos individuais. Esta questão, além de, como já se disse atrás, não parecer pertinente para o caso em apreço, uma vez que os mesmos compromissos foram impostos independentemente de as partes disporem de um poder de mercado num só mercado de produtos ou na totalidade dos mercados de produtos do país em questão, não deve, de qualquer modo, confundir-se com a questão de saber se os revendedores podem punir as partes na concentração no caso de estas tentarem abusar da posição dominante de que dispõem em certos mercados. Enquanto o limite de 35% é o limite a partir do qual a Comissão considerou que havia um risco de extensão da posição dominante à totalidade dos mercados de produtos de um país, o limite de 10% é o limite até ao qual o domínio detido pelas partes num mercado de produtos é, segundo a Comissão, pelo contrário, colocado em perigo pela possibilidade de represálias por parte dos revendedores.

352.
    O efeito de gama, tal como a Comissão o aplica no caso em apreço, suscita as seguintes observações.

353.
    A título liminar, há que recordar que, tendo a Comissão considerado que cada mercado de produtos constitui um mercado distinto, a análise da situação concorrencial deve, em princípio, ser efectuada mercado por mercado. Como tal, se, como já se indicou atrás, se pode revelar necessário afinar a análise da situação concorrencial num mercado de produtos através de dados relativos a outros mercados de produtos, ou mesmo a outros países, não deixa de ser verdade que, sendo o princípio o da apreciação autónoma de cada mercado, qualquer derrogação ou reserva a este princípio deve ser baseada em indícios precisos e concordantes susceptíveis de demonstrar a existência de tais interacções.

354.
    Em primeiro lugar, há que observar que, enquanto a noção de efeito de carteira visa apreciar a verdadeira posição concorrencial de uma entidade resultante da concentração e, eventualmente, concluir que esta detém uma posição dominante apesar de uma quota de mercado que, por si só, não gera uma posição dominante, ao tomar em consideração não só a soma das quotas de mercado respectivas das partes, como também o poder adicional que resulta do facto de a nova entidade dispor de um número de marcas importante e estar presente em muitos mercados, o efeito de gama, tal como foi invocado pela Comissão para justificar a inexistência de dúvidas sérias nos países não abrangidos pelos compromissos visa, pelo contrário, relativizar o poder da entidade que resulta da concentração e afastar, assim, a constatação da existência de uma posição dominante a que se chega pela soma das quotas de mercado.

355.
    Deve recordar-se, a este respeito, que é pacífico que cada uma das partes na concentração gozava de posições fortes em muitos mercados e dispunha de várias marcas de renome. Ora, a concentração, além da soma das quotas de mercado a que deu origem, teve como efeito ampliar a carteira de marcas e o número de mercados em que a SEB e a Moulinex estavam presentes, reforçando, assim, o poder de mercado de que dispunham, em especial face a clientes revendedores. A Comissão observou, assim, em várias ocasiões, na decisão impugnada, que as posições fortes já detidas pela SEB e pela Moulinex antes da operação em muitos mercados de produtos são ainda mais reforçadas por um aumento das quotas de mercado e de marcas em vários outros mercados (v., nomeadamente, os considerandos 46, 47, 50 a 52, 56, 60, 69, 73, etc.).

356.
    Em segundo lugar, a Comissão fez prova bastante da alegação segundo a qual qualquer tentativa de comportamento anticoncorrencial nos mercados dominados seria punida através de menores compras de produtos da SEB-Moulinex nos outros mercados.

357.
    Com efeito, tal como a De'Longhi alegou na audiência, a hipótese considerada pela Comissão de um conflito entre a SEB-Moulinex e os revendedores não é mais plausível do que a de um acordo entre eles no sentido de maximizar os respectivos interesses.

358.
    Aliás, a Comissão não demonstrou sequer de que modo a hipótese em que se baseou, a saber, a de um aumento dos preços praticado pela SEB-Moulinex, é necessariamente susceptível de afectar os interesses dos revendedores e, como tal, de os incitar a punir a SEB-Moulinex.

359.
    Interrogada pelo Tribunal quanto aos motivos económicos em que assenta o factor de «efeito de gama», a Comissão reconheceu que não dispunha de estudos económicos a este respeito. Além de uma referência à sua decisão Guiness/Grand Metropolitan, a qual, como já se referiu atrás, aplica a noção, muito diferente, de efeito de carteira, a Comissão limitou-se, na realidade, a mencionar que esta tese tinha sido avançada pelas partes na concentração na sua notificação.

360.
    Além disso, a Comissão considerou apenas a hipótese de um aumento de preços por parte da SEB-Moulinex. Ora, esta é susceptível de adoptar outros tipos de comportamentos anticoncorrenciais. Assim, a concentração permitirá, nomeadamente, à entidade SEB-Moulinex realizar economias de escala e diversas medidas de racionalização, gerando, assim, uma redução dos custos que poderá aproveitar, por exemplo, para proceder a reduções de preço, ou conceder uma margem superior aos revendedores, a fim de ampliar a sua posição. De igual modo, a SEB-Moulinex poderia incitar os revendedores a deixar de comprar aos seus concorrentes.

361.
    Por fim, a afirmação de que os revendedores podem punir a SEB-Moulinex em caso de aumento de preços assenta no postulado, não demonstrado, de que os revendedores determinam a escolha dos consumidores finais. Tendo os revendedores como função a revenda aos consumidores finais dos produtos que compram, a possibilidade de punirem a SEB-Moulinex reduzindo as suas compras de produtos da SEB-Moulinex nos outros mercados deve ser moderada, tanto mais que a marca é o factor de escolha preponderante de concorrência nos mercados em causa.

362.
    Em terceiro lugar, cabe observar que o efeito de gama, tal como a Comissão o concebe, na medida em que consiste em prever que os revendedores podem punir qualquer comportamento anticoncorrencial da nova entidade, equivale mais a constatar que os revendedores poderão impedir a SEB-Moulinex de cometer um abuso do que a demonstrar que a entidade resultante da fusão não terá uma posição dominante. Ora, o Regulamento n.° 4064/89 visa proibir não o abuso de uma posição dominante mas sim a criação ou o reforço de tal posição.

363.
    Resulta do que precede que a Comissão não demonstrou suficientemente o mérito da sua teoria do efeito de gama tal como a invoca para justificar a inexistência de dúvidas sérias nos países não abrangidos pelos compromissos.

364.
    Por outro lado, mesmo admitindo que a Comissão tivesse podido recorrer a esta teoria para não constatar a existência de dúvidas sérias em certos mercados apesar da forte posição neles detida pela entidade, por estes mercados só representarem uma pequena percentagem relativamente à totalidade dos mercados em questão, devia, de qualquer modo, tomar em consideração todos os mercados em que as partes detinham uma posição dominante e, em especial, aqueles em que a SEB-Moulinex detinha uma quota de mercado superior a 40%, mas quanto aos quais a Comissão afastou a existência de dúvidas sérias devido à inexistência de sobreposição significativa das quotas de mercado das partes.

365.
    Com efeito, mesmo que a concentração não crie ou não reforce sensivelmente a posição dominante detida por uma das partes antes da concentração, não deixa de ser verdade que a nova entidade dispõe de tal posição dominante nestes mercados. A inexistência de sobreposição não elimina a posição dominante. Assim, não se pode considerar que um revendedor pode punir a entidade que resulta de uma concentração realizada entre duas empresas que dispõem, cada uma delas, de um monopólio em metade dos mercados em causa.

b) Quanto aos países não abrangidos pelos compromissos

366.
    Há agora que examinar, à luz das observações atrás desenvolvidas, se as razões invocadas pela Comissão são susceptíveis de justificar a constatação de que a concentração não suscitava dúvidas sérias no que respeita aos mercados de produtos em causa em Itália, em Espanha, na Finlândia, no Reino Unido e na Irlanda ou se, como a recorrente sustenta, a Comissão não podia aprovar a concentração sem impor compromissos nesses mercados geográficos.

367.
    Neste âmbito, há que recordar, como se referiu atrás no n.° 315, que a presença, num mercado geográfico distinto, de um único mercado de produtos em causa em que a concentração suscitava dúvidas sérias foi suficiente, nos termos da decisão impugnada, para implicar automaticamente a imposição de compromissos quanto a todos os mercados de produtos em causa nesse mercado geográfico.

- Na Noruega

368.
    Há que constatar que a crítica da recorrente assenta numa leitura incorrecta da decisão impugnada, uma vez que esta conclui, precisamente, pela existência de dúvidas sérias em certos mercados de produtos em causa na Noruega e prevê, por conseguinte, que os compromissos abrangerão também a Noruega (considerando 137 da decisão impugnada).

369.
    Quanto a este aspecto, o fundamento é, portanto, manifestamente improcedente.

- Em Espanha

370.
    Recorde-se que, nos termos do considerando 115 da decisão impugnada, as quotas de mercado combinadas das partes na concentração em Espanha são de 40% a 50% (das quais 5% a 15% cabem à SEB) para os jarros eléctricos e de 75% a 85% (dos quais 0% a 10% cabem à SEB) para os fornos de bancada.

371.
    Porém, a Comissão concluiu, no considerando 116 da decisão impugnada, que estas posições muito fortes não permitiam à nova entidade comportar-se de modo anticoncorrencial. Esta conclusão baseia-se apenas na consideração de que, «uma vez que concorrentes tais como a De'Longhi, a Taurus, a Bosch e a Philips têm posições significativas em muitos mercados de produtos, incluindo os dois mercados de produtos em causa [...] os clientes revendedores dispõem de marcas alternativas com grande renome e presentes em toda a gama dos pequenos electrodomésticos, em substituição das marcas das partes», pelo que «qualquer tentativa de comportamento anticoncorrencial nestes mercados seria, portanto, punida através de menos compras dos produtos da SEB e da Moulinex nos outros mercados em que a entidade resultante da fusão realiza 85% a 95% do seu volume de negócios».

372.
    Daqui decorre que, neste mercado geográfico, a Comissão afastou a existência de dúvidas sérias com base em dois factores, a saber, em primeiro lugar, a posição da entidade resultante da fusão relativamente aos seus concorrentes e, seguidamente, o efeito de gama.

373.
    No que respeita, em primeiro lugar, à posição da entidade resultante da fusão relativamente aos seus concorrentes, há que observar, antes de mais, que, ao contrário do que a Comissão indica, no mercado dos jarros eléctricos, muitos concorrentes, como a De'Longhi, a Taurus, a Bosch e a Philips, não podem ter posições significativas quando a SEB-Moulinex detém quotas de mercado de 75% a 85%. Com efeito, nestas circunstâncias, a pressão concorrencial exercida sobre a SEB-Moulinex resulta ou de um único concorrente que detém, no máximo, uma quota de mercado da ordem dos 20%, que já é quase quatro vezes menor do que a das partes na concentração, ou de vários concorrentes, mas cujas quotas de mercado são então, necessariamente, muito pequenas, e, de qualquer modo, de importância mínima relativamente à quota das partes. Há que observar, aliás, que em nenhum dos mercados de produtos, mesmos nos países abrangidos pelos compromissos, a nova entidade detém uma posição tão forte quanto a que detém no mercado dos fornos de bancada em Espanha.

374.
    Há que constatar, portanto, que a Comissão não mencionou no caso em apreço nenhum factor particular capaz de explicar que, apesar das quotas de mercado de 40% a 50% (das quais 5% a 15% cabem à SEB) detidas pelas partes relativamente aos jarros eléctricos e de 75% a 85% (das quais 0% a 10% cabem à SEB) relativamente aos fornos de bancada, a operação não suscitava dúvidas sérias.

375.
    No que respeita, em segundo lugar, ao efeito de gama, recorde-se que, pelos fundamentos atrás expostos nos n.os 364 e 365, este não permite afastar a existência de dúvidas sérias.

376.
    De qualquer modo, mesmo admitindo, como a Comissão sustenta no considerando 116 da decisão impugnada e nas suas respostas às questões escritas do Tribunal, que o efeito de gama permitia afastar a existência de dúvidas sérias quando, num dado mercado geográfico, o volume de negócios realizado pela SEB-Moulinex nos mercados de produtos em causa em que a entidade resultante da fusão dispunha de uma quota de mercado superior a 40% era inferior a 10% do seu volume de negócios total na totalidade dos mercados de produtos em causa nesse mercado geográfico, há que constatar que a Comissão não demonstrou, nem na decisão impugnada nem perante o Tribunal, que era esse o caso da Espanha.

377.
    É certo que resulta do considerando 116 da decisão impugnada que os mercados dos jarros eléctricos e dos fornos de bancada em Espanha representavam, no máximo, 5% a 15% do volume de negócios total realizado pela entidade resultante da fusão em todos os mercados dos produtos em causa em Espanha. Deve observar-se, todavia, que, nos termos dos considerandos 88 e 92 da decisão impugnada, a nova entidade dispunha também de uma quota de mercado superior a 40% nos mercados das refeições informais e dos robots de cozinha. O quadro n.° 2 elaborado pela Comissão em resposta às questões do Tribunal menciona, assim, que os mercados em que a entidade SEB-Moulinex dispunha de uma quota de mercado superior a 40%, incluindo os mercados das refeições informais e dos robots de cozinha, representavam 25% a 35% da totalidade das suas vendas em Espanha. Ora, pelas razões atrás expostas nos n.os 364 e 365, a Comissão devia ter tomado em conta estes mercados para apreciar a possibilidade de uma punição por parte dos revendedores.

378.
    Há ainda que observar que a entidade SEB-Moulinex detém uma quota de mercado superior a 40% em nada menos do que quatro mercados de produtos em causa em Espanha. Recorde-se, a este respeito que, no considerando 43 da decisão impugnada, a Comissão indicou que os efeitos da concentração sobre a concorrência podiam dividir-se em quatro categorias, a saber, a França, cujo exame foi remetido às autoridades nacionais, os países onde a concentração só alterava marginalmente as condições de concorrência, os países onde a concentração só suscitava dúvidas sérias num certo número de mercados de produtos, e, por fim, os quatro países (Portugal, Grécia, Bélgica e Países Baixos) onde a concentração levava a uma combinação de quotas de mercados em níveis por vezes elevados numa grande parte das categorias de produtos em causa, pelo que as partes poderiam alargar o seu poder de mercado a todos os outros mercados em causa. Ora, a entidade SEB-Moulinex detém em Espanha quotas de mercado superiores a 40% em nada menos do que quatro mercados de produtos, ou seja, em tantos mercados de produtos como na Grécia, que se inclui, todavia, entre os países quanto aos quais a Comissão considerou que a concentração suscitava dúvidas sérias num grande número de mercados.

379.
    Por fim, tal como a De'Longhi e a recorrente alegaram, com razão, na audiência, a Comissão absteve-se de examinar o efeito de carteira provocado pela concentração e, em especial, o facto de esta ter permitido que as fortes posições detidas pela SEB nos mercados dos jarros eléctricos, das refeições informais e dos ferros de engomar se apoiassem nas detidas pela Moulinex nos mercados das torradeiras, das cafeteiras, dos fornos de bancada e dos processadores culinários. De igual modo, a decisão impugnada não explica por que razão a circunstância de a nova entidade vir a deter, em resultado da concentração, uma panóplia de quatro marcas não é susceptível de reforçar o seu poder de mercado quando, em várias ocasiões, nos mercados geográficos abrangidos pelos compromissos, a Comissão teve o cuidado de sublinhar que a SEB-Moulinex detém duas marcas ao passo que os seus concorrentes só têm uma.

380.
    Resulta do que precede que os factores referidos nos considerandos 115 e 116 da decisão impugnada não permitiam à Comissão afastar a existência de dúvidas sérias nos mercados dos jarros eléctricos e dos fornos de bancada em Espanha.

- Na Finlândia

381.
    Recorde-se que, nos termos do considerando 118 da decisão impugnada, a quota de mercado combinada das partes na concentração é de 45% a 55% no mercado finlandês das torradeiras. Embora esta quota de mercado seja superior ao limiar dos 40%, a Comissão considerou que a operação de concentração não suscitava dúvidas sérias neste país, uma vez que, dada a presença de concorrentes como a Philips e a Bosch, qualquer tentativa de comportamento anticoncorrencial neste mercado corria o risco de ser punida através de menores compras de produtos da SEB-Moulinex nos outros mercados em que a entidade resultante da fusão realiza 85% a 95% do seu volume de negócios.

382.
    Resulta daí que, neste mercado geográfico, foi apenas através da aplicação do efeito de gama que a Comissão considerou que a operação não suscitava dúvidas sérias no mercado das torradeiras na Finlândia. Ora, pelos fundamentos atrás expostos nos n.os 364 e 365, o efeito de gama não permitia afastar a existência de dúvidas sérias.

383.
    De qualquer modo, mesmo admitindo, como a Comissão sustenta no considerando 119 da decisão impugnada e nas suas respostas às questões escritas do Tribunal, que o efeito de gama tenha permitido afastar a existência de dúvidas sérias quando, num dado mercado geográfico, o volume de negócios realizado pela SEB-Moulinex nos mercados de produtos em causa em que a entidade resultante da fusão dispunha de uma quota de mercado superior a 40% era inferior a 10% do seu volume de negócios total na totalidade dos mercados de produtos em causa nesse mercado geográfico, há que constatar que a Comissão não demonstrou, nem na decisão impugnada nem perante o Tribunal, que era esse o caso da Finlândia.

384.
    Com efeito, se, segundo o considerando 119 da decisão impugnada, o mercado das torradeiras só representava 5% a 15% do volume de negócios realizado pela nova entidade na totalidade dos mercados de produtos em causa na Finlândia, há que observar, todavia, que a nova entidade dispunha também de uma quota de mercado superior a 40% nos mercados finlandeses das máquinas de café expresso (de 40% a 50%), dos fornos de bancada (de 35% a 45%), e dos barbecues (de 40% a 50%) (considerandos 87, 90 e 91 da decisão impugnada). O quadro n.° 2 elaborado pela Comissão em resposta às questões do Tribunal menciona, assim, que os mercados em que a SEB-Moulinex dispunha de uma quota de mercado superior a 40%, incluindo os mercados das máquinas de café expresso, dos fornos de bancada e dos barbecues, representavam 10% a 20% da totalidade das suas vendas na Finlândia. Ora, pelas razões atrás expostas nos n.os 364 e 365, a Comissão devia ter tomado em conta estes mercados para apreciar a possibilidade de uma punição por parte dos revendedores.

385.
    Há ainda que observar que a entidade SEB-Moulinex detém uma quota de mercado superior a 40% em nada menos do que quatro mercados de produtos em causa na Finlândia, ou seja, em tantos mercados de produtos como na Grécia, que se inclui entre os países quanto aos quais a Comissão considerou que a concentração suscitava dúvidas sérias num grande número de mercados.

386.
    Por fim, tal como a De'Longhi e a recorrente alegaram, com razão, na audiência, a Comissão absteve-se de examinar o efeito de carteira provocado pela concentração e, em especial, o facto de esta ter permitido que as fortes posições detidas pela SEB nos mercados dos barbecues e das torradeiras se apoiassem nas detidas pela Moulinex nos mercados dos fornos de bancada, das cafeteiras, das máquinas de café expresso, dos robots de cozinha e das torradeiras. De igual modo, a decisão não explica por que razão a circunstância de a nova entidade vir a deter, em resultado da concentração, uma panóplia de quatro marcas não é susceptível de reforçar o seu poder de mercado quando, em várias ocasiões, nos mercados geográficos abrangidos pelos compromissos, a Comissão teve o cuidado de sublinhar que a SEB-Moulinex detém duas marcas ao passo que os seus concorrentes só têm uma.

387.
    Resulta do que precede que os factores referidos nos considerandos 87, 90, 91 e 118 a 120 da decisão impugnada não permitiam à Comissão afastar a existência de dúvidas sérias nos mercados dos fornos de bancada, das máquinas de café expresso, dos barbecues e das torradeiras na Finlândia.

- Em Itália

388.
    Recorde-se que, nos termos dos considerandos 121 a 124 da decisão impugnada, a nova entidade deterá uma quota de mercado superior a 40% em Itália em três mercados de produtos, a saber, o dos robots de cozinha, o das refeições informais e o dos jarros eléctricos.

389.
    No que respeita, em primeiro lugar, ao mercado dos robots de cozinha, a Comissão constatou, assim, no considerando 121 da decisão impugnada, que as quotas de mercado combinadas das partes eram de 40% a 50%, das quais 0% a 10% cabem à SEB, que as partes estariam sujeitas à concorrência, nomeadamente, da Braun (de 10% a 20%), da Philips (de 0% a 10%) e da De'Longhi (de 0% a 10%) e concluiu que a operação de concentração teria um impacto reduzido sobre a concorrência ao eliminar o quarto actor do mercado.

390.
    Daqui decorre que só um dos factores avançados pela Comissão a levou a afastar a existência de dúvidas sérias em Itália, a saber, a posição de mercado da entidade resultante da fusão relativamente aos seus concorrentes.

391.
    Porém, pelos fundamentos atrás expostos no n.° 329, salvo no caso de se demonstrar que esses concorrentes detinham uma posição forte capaz de exercer um verdadeiro contrapeso face à SEB-Moulinex, a circunstância de a entidade SEB-Moulinex dever fazer face a três concorrentes era, em si, completamente irrelevante num mercado cujo líder dispunha de uma quota de mercado de 40% a 50%.

392.
    Ora, no caso em apreço, dois dos três concorrentes mencionados no mercado dos robots de cozinha, a saber, a Philips e a De'Longhi, detinham apenas uma posição marginal de 0% a 10%. Quanto ao terceiro, a saber, a Braun, dispunha, é certo, de uma quota de mercado mais representativa, de 10% a 20%, mas que não deixava de ser, no entanto, entre duas e quatro vezes inferior à detida pela nova entidade. Por contraste, há que observar que a Comissão considerou reveladora da existência de dúvidas sérias, nomeadamente no considerando 51 da decisão impugnada, no que respeita à posição da nova entidade em Portugal, a circunstância de as partes na concentração serem líderes do mercado com quotas de mercado pelo menos duas vezes maiores do que as do seu concorrente mais próximo.

393.
    De igual modo, o facto de a concentração ter um impacto reduzido sobre a concorrência ao eliminar o quarto actor do mercado não é convincente. Com efeito, a SEB só tinha uma pequena quota de mercado (de 0% a 10%), tal como dois dos outros concorrentes da Moulinex, a saber, a Philips e a De'Longhi, só a Braun tendo uma quota de mercado superior, embora modesta. Há que constatar que, nestas circunstâncias, a eliminação do quarto concorrente não produz efeitos substancialmente diferentes dos que teriam resultado da eliminação do segundo ou do terceiro concorrente.

394.
    Como tal, resulta do que precede que o factor referido no considerando 121 da decisão impugnada não permitia à Comissão afastar a existência de dúvidas sérias no mercado dos robots de cozinha em Itália.

395.
    No que respeita, em segundo lugar, ao mercado das refeições informais, a Comissão constatou, no considerando 122 da decisão impugnada, que a quota combinada das partes na concentração seria de 40% a 50% (da qual 0% a 10% cabe à Moulinex), sendo a Philips, com uma quota de mercado de 0% a 10%, o único concorrente identificado pelas partes. No que respeita ao mercado dos jarros eléctricos, a Comissão constatou, no mesmo considerando da decisão impugnada, que a quota combinada das partes na concentração seria de 65% a 75% (da qual 15% a 25% cabe à Moulinex), à frente da De'Longhi, da Philips e da Braun, todas com 0% a 10%. Porém, no considerando 123 da decisão impugnada, a Comissão constatou que só representando os mercados dos jarros eléctricos e das refeições informais, cada um, cerca de 0% a 5% do valor da totalidade da «família cozinha» dos pequenos electrodomésticos, os clientes revendedores teriam a possibilidade de punir qualquer tentativa de comportamento anticoncorrencial nestes mercados através de menores compras de produtos da SEB-Moulinex nos outros mercados em que a entidade resultante da fusão realizava 90% a 100% do seu volume de negócios. Segundo a Comissão, esta possibilidade de punição retira a rentabilidade a qualquer aumento de preços pelas partes nos dois mercados em causa. Por conseguinte, considerou que a operação de concentração não suscitava dúvidas sérias nestes mercados.

396.
    Daqui decorre que, neste mercado, a Comissão afastou a existência de dúvidas sérias apenas com base no efeito de gama. É certo que a Comissão mencionou, no considerando 122 da decisão impugnada, a posição da entidade resultante da fusão relativamente aos seus concorrentes. Porém, este factor não levou a Comissão a afastar a existência de dúvidas sérias nos mercados em causa. Há que constatar, aliás, que a Comissão não se podia basear neste factor. Com efeito, no que respeita ao mercado das refeições informais, há que observar que, contrariamente ao mercado dos robots de cozinha, a Comissão só identificou um concorrente e não três. Além disso, não se pode excluir, com base nos dados constantes da decisão impugnada, que a concentração agrupa os dois primeiros actores do mercado, uma vez que tanto a Moulinex como a Philips tinham quotas de mercado situadas entre 0% e 10%. Quanto ao mercado dos jarros eléctricos, os elementos referidos na decisão impugnada não parecem poder justificar a inexistência de dúvidas sérias na medida em que, se é certo que restam três concorrentes, a concentração reagrupa os dois primeiros operadores do mercado, que deterão uma quota de mercado de 65% a 75%, ou seja, cerca de três quartos do mesmo.

397.
    Quanto ao efeito de gama, expuseram-se atrás, nos n.os 364 e 365, as razões pelas quais este não pode permitir à Comissão afastar a existência de dúvidas sérias. A este respeito, há que precisar que a circunstância, sublinhada pela Comissão, de que em Itália a De'Longhi era líder em quatro outros mercados de produtos em causa e que a Saeco dispunha de uma quota de mercado de 60% a 70% no mercado das máquinas de café expresso não é pertinente. Com efeito, por definição, o facto de a SEB-Moulinex não dispor de uma quota de mercado superior a 40% fora dos mercados dos robots de cozinha, das refeições informais e dos jarros eléctricos significa necessariamente que, nesses outros mercados, outros operadores são susceptíveis de dispor, eventualmente, de posições fortes.

398.
    De qualquer modo, mesmo admitindo, como a Comissão sustenta no considerando 123 da decisão impugnada e nas suas respostas às questões escritas do Tribunal, que o efeito de gama tenha permitido afastar a existência de dúvidas sérias quando, num dado mercado geográfico, o volume de negócios realizado pela SEB-Moulinex nos mercados de produtos em causa, em que a entidade resultante da fusão dispunha de uma quota de mercado superior a 40%, era inferior a 10% do seu volume de negócios total na totalidade dos mercados de produtos em causa nesse mercado geográfico, há que constatar que a Comissão não demonstrou, nem na decisão impugnada nem perante o Tribunal, que era esse o caso da Itália.

399.
    É certo que resulta do considerando 123 da decisão impugnada que os mercados das refeições informais e dos jarros eléctricos em Itália representavam, no máximo, 0% a 10% do volume de negócios total realizado pela entidade resultante da fusão em todos os mercados dos produtos em causa em Itália. Deve observar-se, todavia, que, nos termos do considerando 121 da decisão impugnada, a nova entidade dispunha também de uma quota de mercado superior a 40% nos mercados dos robots de cozinha. O quadro n.° 2 elaborado pela Comissão em resposta às questões do Tribunal menciona, assim, que os mercados em que a SEB-Moulinex dispunha de uma quota de mercado superior a 40%, incluindo o mercado dos robots de cozinha, representavam 25% a 35%, e até 30% a 40%, segundo a resposta da Comissão à questão escrita do Tribunal, da totalidade das suas vendas em Itália. Ora, além do facto de, pelas razões atrás expostas, a Comissão não poder afastar a existência de dúvidas sérias neste mercado de produtos apenas com base no critério adoptado no considerando 121 da decisão impugnada, a Comissão devia, de qualquer modo, como já se referiu atrás, ter tomado em conta este mercado para apreciar a possibilidade de uma punição por parte dos revendedores, uma vez que a nova entidade nele detinha uma quota de mercado superior a 40%.

400.
    Por fim, tal como a De'Longhi e a recorrente alegaram, com razão, na audiência, a Comissão absteve-se de examinar o efeito de carteira provocado pela concentração e, em especial, o facto de esta ter permitido que as fortes posições detidas pela SEB nos mercados dos jarros eléctricos, das refeições informais, dos barbecues e dos ferros de engomar se apoiassem nas detidas pela Moulinex nos mercados das cafeteiras, dos jarros eléctricos, das panelas a vapor e dos robots de cozinha. De igual modo, a decisão impugnada não explica por que razão a circunstância de a nova entidade vir a deter, em resultado da concentração, uma panóplia de quatro marcas não é susceptível de reforçar o seu poder de mercado quando, em várias ocasiões, nos mercados geográficos abrangidos pelos compromissos, a Comissão teve o cuidado de sublinhar que a SEB-Moulinex detém duas marcas ao passo que os seus concorrentes só têm uma.

401.
    Por estes motivos, há que concluir que o factor adoptado no considerando 123 da decisão impugnada não permitia à Comissão afastar a existência de dúvidas sérias nos mercados das refeições informais e dos jarros eléctricos em Itália.

402.
    Por conseguinte, no que respeita à Itália, o fundamento é procedente.

- No Reino Unido e na Irlanda

403.
    Recorde-se que, nos termos dos considerandos 125 e 126 da decisão impugnada, a Comissão indica que as partes na concentração dispõem de uma quota de mercado cumulativa de 35% a 45% no mercado dos ferros de engomar com e sem caldeira no Reino Unido e na Irlanda. Tal como resulta, nomeadamente, do quadro n.° 2 apresentado pela Comissão, esta quota de mercado é superior a 40%. Na decisão impugnada, a Comissão concluiu, todavia, que a operação de concentração não suscitava dúvidas sérias no Reino Unido e na Irlanda porque, por um lado, só alterava «marginalmente as condições de concorrência com um fraco acréscimo de quotas de mercado» (acréscimo de 0% a 5%) e, por outro, «as partes na concentração terão que fazer face, nomeadamente, à Philips (quota de mercado de 15% a 25%)».

404.
    Daqui resulta que, neste mercado geográfico, a Comissão afastou a existência de dúvidas sérias com base em dois factores, a saber, em primeiro lugar a inexistência de sobreposição significativa e, seguidamente, a posição da entidade resultante da fusão relativamente aos seus concorrentes.

405.
    No que respeita, em primeiro lugar, à inexistência de sobreposição significativa, deve recordar-se que, devido ao carácter vago dos dados, o Tribunal não pode verificar se este factor permitia afastar a existência de dúvidas sérias. Por outro lado, há que constatar que, mesmo que o acréscimo de quotas de mercado seja fraco é, todavia, suficiente para conferir uma quota de mercado superior ao limiar de domínio de 40% adoptado na decisão.

406.
    No que respeita, em segundo lugar, à posição da entidade resultante da fusão relativamente aos seus concorrentes, sendo a Philips um dos quatro operadores identificados no considerando 32 da decisão impugnada como dispondo tanto de uma ampla gama de produtos do sector dos pequenos electrodomésticos, como de uma presença pan-europeia, o facto de estar presente no mercado em questão não constitui um elemento particular. De igual modo, como já se observou atrás, não se pode conceber que uma empresa que dispõe de uma quota de mercado da ordem dos 40% não enfrente concorrentes.

407.
    Por outro lado, há que observar que, se a Comissão salientou o fraco acréscimo das quotas de mercado quanto aos ferros de engomar com e sem caldeira, em contrapartida, tal como a recorrente alegou, com razão, não analisou o impacto sobre a concorrência da conjugação das posições significativas da SEB-Moulinex em muitos mercados e, em especial, no mercado das fritadeiras (em que a SEB passa de 15% a 25% para 30% a 40%), no mercado das panelas a vapor (em que a SEB passa de 25% a 35% para 35% a 40%), no mercado das refeições informais (em que a SEB passa de 15% a 25% para 25% a 35%) e no mercado das máquinas de café expresso (em que a SEB passa de 0% a 10% para 20% a 30%). Se a nova entidade não atinge o limiar de domínio em nenhum destes mercados, que não suscitam, portanto, dúvidas sérias, este poder significativo em muitos mercados é, todavia, susceptível, tendo em conta o efeito de carteira atrás descrito, de reforçar o domínio de que goza no mercado dos ferros de engomar com e sem caldeira.

408.
    Finalmente, tal como a recorrente sublinha, com razão, há que constatar que a Comissão não aplicou ao mercado geográfico em causa o critério do volume de negócios relativo que adoptou, aliás, na sua análise da situação concorrencial noutros mercados geográficos, na fase da aplicação do efeito de gama. Com efeito, se a Comissão afastou, incorrectamente, a existência de dúvidas sérias nos mercados de produtos em causa em Itália, em Espanha e na Finlândia, com fundamento em que os mercados de produtos em causa em que a SEB-Moulinex detinha uma posição dominante representavam menos de 10% do seu volume de negócios total em todos os mercados de produtos em causa nestes mercados geográficos, não retirou, em contrapartida, qualquer consequência do facto de o mercado dos ferros de engomar com e sem caldeira representar 35% a 40% do volume de negócios total realizado pela SEB-Moulinex com todos os mercados de produtos em causa no Reino Unido e na Irlanda.

409.
    Por fim, como a De'Longhi e a recorrente alegaram, com razão, na audiência, a Comissão absteve-se de examinar o efeito de carteira provocado pela concentração e, em especial, o facto de esta ter permitido que as fortes posições detidas pela SEB nos mercados das fritadeiras, dos fornos de bancada, das refeições informais, das panelas a vapor e dos ferros de engomar se apoiassem nas detidas pela Moulinex nos mercados das fritadeiras, das máquinas de café expresso e dos robots de cozinha. De igual modo, a decisão impugnada não explica por que razão a circunstância de a nova entidade vir a deter, em resultado da concentração, uma panóplia de cinco marcas não é susceptível de reforçar o seu poder de mercado quando, em várias ocasiões, nos mercados geográficos abrangidos pelos compromissos, a Comissão teve o cuidado de sublinhar que a SEB-Moulinex detém duas marcas ao passo que os seus concorrentes só têm uma.

410.
    Por estas razões, há que concluir que os factores referidos nos considerandos 125 e 126 da decisão impugnada não permitiam à Comissão afastar a existência de dúvidas sérias no mercado dos ferros de engomar com e sem caldeira no Reino Unido e na Irlanda.

c) Conclusão

411.
    Resulta do que precede que a decisão impugnada deve ser anulada no que respeita aos mercados em Itália, em Espanha, na Finlândia, no Reino Unido e na Irlanda.

Quanto à crítica assente na alegação de que os compromissos operam uma repartição de mercado da marca Moulinex

A - Argumentos das partes

412.
    Na audiência, a De'Longhi alegou, pela primeira vez, que os compromissos aceites na decisão impugnada levam a uma repartição do mercado da marca Moulinex. Salientou que esta repartição de mercado é reforçada pelo ponto 1, alínea c), último parágrafo, dos compromissos, que proíbe aos licenciados a exportação dos produtos que comercializam sob a marca Moulinex para os territórios de outros licenciados e para os da SEB.

413.
    Segundo a De'Longhi, esta repartição de mercado não é abrangida pelo Regulamento (CE) n.° 240/96 da Comissão, de 31 de Janeiro de 1996, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [81.°] do Tratado a certas categorias de acordos de transferência de tecnologia (JO L 31, p. 2), e, por conseguinte, é proibida pelo artigo 81.°, n.° 1.

414.
    Tendo a De'Longhi chamado a atenção da Comissão para esta problemática durante o procedimento administrativo, entende que a Comissão devia ter verificado se os compromissos não suscitavam dúvidas a este respeito.

415.
    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela SEB, conclui pedindo que a argumentação da De'Longhi seja julgada improcedente.

B - Apreciação do Tribunal

416.
    Há que observar que, ao sustentar que os compromissos operam uma repartição de mercado da marca Moulinex, a De'Longhi invoca um fundamento que não foi deduzido pela recorrente.

417.
    Ora, se os artigos 40.°, terceiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça e 116.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, não impedem que o interveniente apresente novos argumentos ou argumentos diferentes dos da parte que apoia, sob pena de a sua intervenção se limitar a repetir os argumentos invocados na petição, não se pode admitir que estas disposições lhe permitam alterar ou deformar o quadro do litígio definido pela petição, invocando novos fundamentos (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 1961, De Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg/Alta Autoridade, 30/59, Colect. 1954-1961, p. 551; de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C-313/90, Colect., p. I-1125, n.° 22; e de 8 de Julho de 1999, Chemie Linz/Comissão, C-245/92 P, Colect., p. I-4643, n.° 32; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Junho de 1995, Siemens/Comissão, T-459/93, Colect., p. II-1675, n.° 21; de 25 de Junho de 1998, British Airways e o./Comissão, T-371/94 e T-394/94, Colect., p. II-2405, n.° 75; de 1 de Dezembro de 1999, Boehringer/Conselho e Comissão, T-125/96 e T-152/96, Colect., p. II-3427, n.° 183; e de 28 de Fevereiro de 2002, Atlantic Container Line e o./Comissão, T-395/94, Colect., p. II-875, n.° 382).

418.
    Como tal, há que considerar que, devendo os intervenientes, por força do artigo 116.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, aceitar o processo no estado em que este se encontra no momento da sua intervenção e não podendo as conclusões do seu pedido de intervenção, por força do artigo 40.°, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, ter outro objecto que não o apoio das conclusões de uma das partes principais, a De'Longhi, como interveniente, não tem legitimidade para invocar o presente fundamento assente na repartição de mercado operada pelos compromissos. Consequentemente, o presente fundamento invocado pela De'Longhi deve ser julgado inadmissível.

419.
    De qualquer modo, mesmo que fosse admissível - quod non - o fundamento invocado pela De'Longhi seria improcedente.

420.
    Resulta do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, que, quando a Comissão aprecia, no âmbito do seu exame da compatibilidade de uma operação com o mercado comum, se uma operação de concentração cria ou reforça uma posição dominante, na acepção do n.° 2 desta disposição, deve «[ter em conta] a necessidade de preservar e desenvolver uma concorrência efectiva no mercado comum, atendendo, nomeadamente, à estrutura de todos os mercados em causa e à concorrência real ou potencial de empresas situadas no interior ou no exterior da Comunidade».

421.
    É verdade, consequentemente, como a De'Longhi alegou, que, no âmbito do procedimento de aplicação do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão não pode aceitar compromissos que sejam contrários às regras da concorrência instituídas pelo Tratado, por afectarem a preservação ou o desenvolvimento de uma concorrência efectiva no mercado comum. Neste contexto, a Comissão deve apreciar a compatibilidade destes compromissos, nomeadamente, à luz dos critérios do artigo 81.°, n.os 1 e 3, CE (que, por referência ao artigo 83.° CE, constitui uma das bases jurídicas do Regulamento n.° 4064/89) (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Novembro de 2002, Lagardère e Canal +/Comissão, T-251/00, Colect., p. II-4825, n.° 85).

422.
    Todavia, no caso em apreço, há que recordar, em primeiro lugar, que, nos termos do ponto 1, alínea c), último parágrafo, dos compromissos, se prevê que «o ou os licenciados se obrigam a só comercializar os produtos com a marca Moulinex no ou nos territórios que lhe tenham sido concedidos e aos quais os produtos se destinam». Ao contrário do que a De'Longhi sustenta, não resulta dos termos desta cláusula que os compromissos imponham explicitamente uma proibição de exportação aos licenciados da marca Moulinex para os outros Estados-Membros. Esta cláusula pode, com efeito, ser interpretada no sentido de que se limita a obrigar os licenciados a comercializar os produtos com a marca Moulinex no território que lhes foi concedido. Ora, uma cláusula que obriga um licenciado a concentrar a venda dos produtos abrangidos pela licença no seu território não tem, em princípio, como objecto ou como efeito restringir a concorrência, na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE.

423.
    Em segundo lugar, há que constatar que, mesmo que a cláusula em litígio devesse ser interpretada, como a De'Longhi sustenta, no sentido de que proíbe aos licenciados exportar os produtos com a marca Moulinex para outros Estados-Membros, a De'Longhi não provou que esta cláusula fosse contrária, no caso em apreço, ao artigo 81.°, n.° 1, CE. Com efeito, a De'Longhi não explica de que modo, considerando a dimensão geográfica nacional dos mercados de produtos em causa e a inexistência de importações paralelas significativas entre Estados-Membros, a cláusula em litígio seria susceptível de restringir de modo considerável a concorrência no mercado em causa na Comunidade ou de afectar de modo significativo o comércio entre os Estados-Membros, na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE. Ora, segundo jurisprudência constante, mesmo um acordo que contém uma protecção territorial absoluta escapa à proibição do artigo 81.°, n.° 1, CE, quando só afecta o mercado de modo insignificante (acórdãos do Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 1969, Völk, 5/69, Colect. 1969-1970, p. 95, n.° 7; de 7 de Junho de 1983, Musique diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 85; e de 28 de Abril de 1998, Javico, C-306/96, Colect., p. I-1983, n.° 17).

424.
    Além disso, a De'Longhi não demonstra que um licenciado da marca Moulinex que não fosse protegido contra a concorrência, pelo menos activa, por parte de outros licenciados para o espaço territorial que lhe foi concedido poderia ser levado a aceitar o risco da comercialização dos produtos com a referida marca em «co-branding» com a sua própria marca. Deve recordar-se a este respeito que o objectivo dos compromissos é permitir aos licenciados, no decurso de um período transitório durante o qual terão o direito de utilizar a sua própria marca associada à marca Moulinex, assegurar a passagem dos clientes dos produtos da marca Moulinex para a sua própria marca, para que as marcas dos licenciados possam exercer uma concorrência efectiva sobre a marca Moulinex depois desse período transitório, quando a SEB tiver novamente o direito de utilizar a marca Moulinex nos nove Estados-Membros em questão. Ora, há que admitir que, em tal contexto, a inexistência de qualquer protecção dos licenciados contra a concorrência, pelo menos activa, dos outros licenciados poderia ser prejudicial para o reforço das marcas concorrentes da marca Moulinex e poderia, assim, afectar a concorrência no mercado em causa no território da Comunidade. Consequentemente, não se pode considerar que as disposições da cláusula em litígio, quando proíbem as vendas activas, têm necessariamente um carácter restritivo da concorrência, na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 1982, Nungesser/Comissão, 258/78, Recueil p. 2015, n.° 57, e de 6 de Outubro de 1982, Coditel e o., 262/81, Recueil p. 3381, n.° 15).

425.
    Resulta destas considerações que a crítica da De'Longhi, assente na repartição de mercado operada pelos compromissos, é inadmissível e, de qualquer modo, improcedente.

IV - Quanto ao quarto fundamento, assente na alegação de que a Comissão cometeu um erro de direito ao não examinar se o nível irrisório do preço pago pela SEB pela retoma da Moulinex e a comparticipação financeira da República Francesa eram susceptíveis de reforçar a posição da SEB nos mercados em causa em detrimento dos seus concorrentes

Argumentos das partes

426.
    A recorrente considera que a Comissão cometeu um erro de direito ao não examinar se o nível irrisório do preço pago pela SEB pela retoma da Moulinex e a comparticipação financeira do Estado francês eram susceptíveis de reforçar a posição da SEB nos mercados em causa, em detrimento dos seus concorrentes.

427.
    Constata que, na decisão impugnada, a Comissão se limitou a observar, sem mais explicações, que, à luz de um exame preliminar do dispositivo previsto pelas autoridades francesas, não se verificava que as intervenções públicas previstas no âmbito do processo de recuperação da empresa fossem medidas que beneficiassem a SEB. Ora, na opinião da recorrente, o nível irrisório do preço pago pela SEB era manifestamente susceptível de permitir um reforço da posição da nova entidade, após a transacção.

428.
    A recorrente recorda, a este respeito, que, no seu acórdão de 31 de Janeiro de 2001, RJB Mining/Comissão (T-156/98, Colect., p. II-337), o Tribunal de Primeira Instância anulou a decisão da Comissão, por esta não ter examinado se, e em que medida, o poder comercial da nova entidade podia ser reforçado pelo nível irrisório do preço de compra. A Comissão tem portanto, segundo a recorrente, a obrigação de determinar se o nível do preço de compra é susceptível de reforçar a posição da nova entidade após a operação, independentemente de as modalidades de financiamento serem ou não susceptíveis de ser qualificadas como auxílio, na acepção do Tratado.

429.
    No caso em apreço, a recorrente observa, em primeiro lugar, que a Comissão estava perfeitamente informada das condições financeiras do plano de retoma da SEB. Em especial, tinha conhecimento da desproporção evidente que havia entre o preço de compra da Moulinex (15 milhões de euros) e o valor real dos activos comprados (estimado em mais de 850 milhões de euros). Segundo a recorrente, a Comissão tinha também conhecimento de que esta desproporção se explicava, em especial, pelo facto de a República Francesa ter aceitado assumir o encargo das indemnizações por despedimento, diminuindo, assim, as dívidas da Moulinex e permitindo, portanto, à SEB, por um lado, comprar esta última por um preço que não reflectia de modo algum o valor real da sociedade e, por outro, dispor de fundos adicionais para reforçar ainda mais a sua posição de mercado.

430.
    A título de comparação, a recorrente salienta que:

-    tinha inicialmente apresentado uma proposta de retoma no montante de 100 milhões de euros, somente para os activos da Krups (ou seja, um montante quase sete vezes superior ao oferecido pela SEB para todas as actividades da Krups e da Moulinex);

-    apresentou junto da Comissão, por carta de 29 de Novembro de 2001, uma oferta que compreendia a retoma de todos os trabalhadores da Moulinex, especificando que, no caso de o objectivo de rentabilidade não poder ser atingido, poderia proceder a reduções de pessoal. Ora, resultava destas negociações que o despedimento dos 3 600 trabalhadores não retomados pela SEB era susceptível de implicar um encargo financeiro da ordem dos 175 milhões de euros;

-    apresentou aos administradores judiciais da Moulinex uma oferta de retoma dos activos da Moulinex não retomados pela SEB por um preço de 150 000 euros.

431.
    A recorrente entende que as condições financeiras particularmente vantajosas da retoma da Moulinex pela SEB permitiram a esta última beneficiar de sinergias resultantes de uma operação de crescimento externo sem ter de suportar os custos respectivos. Segundo a recorrente, as medidas tomadas pelas autoridades francesas beneficiaram claramente a SEB, ao permitirem-lhe utilizar, no âmbito da sua actividade comercial, os recursos financeiros que, de outro modo, deveria ter afectado à aquisição da Moulinex.

432.
    Por conseguinte, a recorrente considera que, mesmo sem ter que determinar se a comparticipação financeira pública constituía ou não um auxílio de Estado, na acepção do Tratado, a Comissão era obrigada a determinar se as condições financeiras da retoma da Moulinex eram em si mesmas, directa ou indirectamente, susceptíveis de reforçar a posição de mercado da nova entidade SEB-Moulinex.

433.
    Daqui resulta, segundo a recorrente, que a Comissão cometeu um erro de direito ao limitar-se a um «exame preliminar» do impacto das medidas de financiamento tomadas pelas autoridades públicas francesas e ao concluir, com base numa análise superficial, «que as intervenções públicas previstas no âmbito do processo de recuperação» não tinham beneficiado a SEB.

434.
    A Comissão sustenta que o fundamento é manifestamente improcedente.

Apreciação do Tribunal

435.
    A recorrente apresenta, essencialmente, duas críticas. Censura a Comissão por não ter examinado se a SEB não reforçou a sua posição, por um lado, por só pagar um preço irrisório e, por outro, por a República Francesa ter aceitado assumir o encargo das indemnizações por despedimento.

436.
    Quanto ao preço de retoma pago pela SEB, cabe observar, antes de mais, que o mesmo foi apreciado soberanamente pelo tribunal de commerce de Nanterre no âmbito do processo de recuperação e que, com base nos critérios da lei francesa, o tribunal considerou que a SEB apresentou a oferta que melhor permitia proteger os interesses dos credores.

437.
    Há que constatar, seguidamente, que a recorrente não demonstrou, de modo algum, que o preço pago pela SEB era irrisório. Limita-se a invocar o valor de balanço dos activos da Moulinex em 2000 adquiridos pela SEB e as suas próprias ofertas.

438.
    Ora, por um lado, a avaliação do valor real de uma empresa é uma operação complexa que comporta também, nomeadamente, apreciações subjectivas, e o valor indicado no balanço não equivale necessariamente nem ao valor real nem ao valor de retoma de uma empresa. Em especial, o valor de retoma da Moulinex no final de 2001, quando se encontrava em perspectivas de liquidação, não pode considerar-se equivalente ao resultante das contas consolidadas publicadas pela Moulinex quase dois anos antes.

439.
    Por outro lado, as ofertas da recorrente não demonstram de modo algum o nível irrisório do preço oferecido pela SEB. Há que observar que a recorrente ofereceu, sucessivamente, os preços de 100 milhões de euros, 1 euro e 150 000 euros. No que respeita à primeira oferta, cabe observar que apenas respeitava aos direitos sobre a marca Krups e excluía expressamente qualquer passivo. Não pode, portanto, ser tomada em consideração para apreciar a oferta de retoma por parte da SEB. Há que constatar, seguidamente, que os montantes variam consideravelmente consoante o perímetro da oferta e que a recorrente nem sequer indica qual das ofertas respeita aos mesmos activos que os retomados pela SEB nem de que modo as suas ofertas seriam susceptíveis de determinar o valor dos elementos da Moulinex retomados pela SEB. Nestas condições, não se pode fazer qualquer apreciação do preço de 15 milhões de euros pago pela SEB pela aquisição da Moulinex.

440.
    No que respeita à crítica assente em que a assunção pela República Francesa das indemnizações por despedimento teria permitido à SEB adquirir a Moulinex sem ter de suportar todas as dívidas desta, há que observar, antes de mais, que, ao contrário da situação que se verificava no processo que deu origem ao acórdão RJB Mining/Comissão, já referido, invocado pela recorrente, a Comissão pediu às autoridades francesas, por cartas de 27 de Setembro e de 9 Novembro de 2001, que lhe transmitissem informações sobre uma eventual intervenção da República Francesa no âmbito da apresentação à falência e da retoma do grupo Moulinex. Há que salientar, seguidamente, que a República Francesa respondeu, por nota de 16 de Novembro de 2001, que não estava prevista qualquer intervenção pública do Estado a favor do grupo Moulinex e que só estavam previstas medidas de reclassificação em benefício directo dos trabalhadores. Não resulta dos autos, aliás, que as indemnizações por despedimento tenham sido assumidas pela República Francesa e a recorrente não fornece quaisquer elementos susceptíveis de demonstrar que a República Francesa assumiu dívidas que incumbiam à SEB. A Comissão sublinhou, aliás, sem ser contestada, que teria sido absurdo que a República Francesa pagasse indemnizações por despedimento, uma vez que, em França, todas as empresas são obrigadas, por lei, a subscrever um seguro contra os risco de não pagamento, em caso de processo colectivo, de montantes devidos em execução dos contratos de trabalho, pelo que, em caso de insolvência, devia ter sido o seguro, e não a República Francesa, a pagar tais indemnizações. De qualquer modo, segundo as afirmações da Comissão e da República Francesa, não contestadas pela recorrente, as eventuais intervenções públicas não respeitavam aos activos retomados pela SEB e não têm, portanto, qualquer incidência sobre o valor dos bens adquiridos pela SEB.

441.
    Por fim, não se pode considerar que a Comissão seja obrigada a levar a bom termo um procedimento em matéria de auxílio de Estado no âmbito de cada procedimento de concentração, que tem de concluir dentro de prazos estritos. Se o Tribunal de Primeira Instância concluiu pela anulação da decisão da Comissão no acórdão RJB Mining/Comissão, já referido, com fundamento em que a Comissão não tinha examinado se o nível do preço de compra era susceptível de reforçar a posição da nova entidade, foi devido às circunstâncias muito particulares deste processo, em que o próprio preço de compra tinha sido notificado como auxílio pelas autoridades alemãs. Esta situação não pode comparar-se à de uma concentração entre duas sociedades privadas, tal como a que está em causa no caso em apreço.

442.
    Daqui decorre que o fundamento é improcedente.

Quanto às despesas

443.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal pode repartir as despesas ou decidir que cada parte suporte as suas próprias despesas, se as partes obtiverem vencimento parcial ou por razões excepcionais. No caso em apreço, tendo a recorrente e a Comissão obtido vencimento parcial, cabe decidir que suportarão as suas próprias despesas.

444.
    Em aplicação do artigo 87.°, n.° 4, terceiro parágrafo, do Regulamento de Processo, a SEB e a De'Longhi, intervenientes, suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1.
    A Decisão SG (2002) D/228078 da Comissão, de 8 de Janeiro de 2002, pela qual a Comissão decidiu não se opor à concentração entre a SEB e a Moulinex e declará-la compatível com o mercado comum e com o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, sob reserva do cumprimento dos compromissos propostos (Processo COMP/M.2621 - SEB/Moulinex), é anulada no que respeita aos mercados de Itália, de Espanha, da Finlândia, do Reino Unido e da Irlanda.

2.
    Quanto ao mais, é negado provimento ao recurso.

3.
    A recorrente e a Comissão suportarão as suas próprias despesas.

4.
    A SEB SA e a De'Longhi SpA suportarão as suas próprias despesas.

Lenaerts
Azizi
Jaeger

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 3 de Abril de 2003.

O secretário

O presidente

H. Jung

K. Lenaerts

Índice

     Enquadramento jurídico

II - 2

     Factos na origem do litígio

II - 4

         I - Empresas em causa

II - 4

         II - Processo nacional

II - 5

         III - Procedimento perante a Comissão

II - 5

     Decisão impugnada

II - 7

         I - Mercados de produtos em causa

II - 8

         II - Mercados geográficos em causa

II - 8

         III - Importância da marca

II - 8

         IV - Análise concorrencial

II - 8

         V - Compromissos das partes na concentração

II - 10

         VI - Auxílios de Estado

II - 14

     Tramitação processual e pedidos das partes

II - 15

     Quanto à admissibilidade

II - 16

         I - Argumentos das partes

II - 16

         II - Apreciação do Tribunal

II - 19

     Quanto ao mérito

II - 25

         I - Quanto ao primeiro fundamento, assente em violação de formalidades essenciais, por a Comissão ter aceite a apresentação de compromissos tardios por parte da SEB

II - 26

             Argumentos das partes

II - 26

             Apreciação do Tribunal

II - 27

         II - Quanto ao segundo fundamento, assente em erro de direito cometido pela Comissão ao autorizar a operação de concentração sem dar início à fase II

II - 32

             Argumentos das partes

II - 32

             Apreciação do Tribunal

II - 35

             III - Quanto ao terceiro fundamento, assente em erro manifesto de apreciação por os compromissos serem insuficientes para remediar os problemas de concorrência suscitados

II - 40

             Quanto à primeira parte, consistente na alegação de que um compromisso de licença de marca não é, por natureza, susceptível de resolver os problemas de concorrência induzidos pela concentração

II - 40

                 A - Argumentos das partes

II - 40

                 B - Apreciação do Tribunal

II - 41

            Quanto à segunda parte, consistente na alegação de que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao aceitar compromissos com duração insuficiente

II - 43

                 A - Argumentos das partes

II - 43

                 B - Apreciação do Tribunal

II - 44

             Quanto à terceira parte, consistente na alegação de que o compromisso de abastecimento sobre o mercado alemão e as condições associadas à possibilidade de abastecimento para todos os licenciados terão como efeito o reforço da posição da SEB-Moulinex

II - 49

                 A - Argumentos das partes

II - 49

                 B - Apreciação do Tribunal

II - 50

             Quanto à quarta parte, consistente na alegação de que o facto de a Comissão ter aceitado que a marca Moulinex possa ser explorada por empresas diferentes consoante os países da União Europeia é susceptível de provocar uma coordenação dos comportamentos entre a SEB-Moulinex e o(s) licenciado(s)

II - 51

                 A - Argumentos das partes

II - 51

                 B - Apreciação do Tribunal

II - 52

             Quanto à quinta parte, consistente na alegação de que a Comissão autorizou a operação sem compromissos quanto a mercados que suscitam problemas de concorrência sérios

II - 53

                 A - Argumentos das partes

II - 53

                 B - Apreciação do Tribunal

II - 62

                     1. Quanto à admissibilidade

II - 62

                     2. Quanto ao mérito

II - 64

                     a) Quanto às quatro etapas da análise

II - 65

                     - Quanto ao limiar de domínio de 40%

II - 65

                     - Quanto à ausência de sobreposição significativa

II - 66

                     - Quanto à posição da entidade resultante da fusão relativamente aos seus concorrentes

II - 68

                     - Quanto ao efeito de gama

II - 70

                     b) Quanto aos países não abrangidos pelos compromissos

II - 76

                     - Na Noruega

II - 76

                     - Em Espanha

II - 77

                     - Na Finlândia

II - 79

                     - Em Itália

II - 80

                     - No Reino Unido e na Irlanda

II - 84

                     c) Conclusão

II - 85

             Quanto à crítica assente na alegação de que os compromissos operam uma repartição de mercado da marca Moulinex

II - 86

                 A - Argumentos das partes

II - 86

                 B - Apreciação do Tribunal

II - 86

         IV - Quanto ao quarto fundamento, assente na alegação de que a Comissão cometeu um erro de direito ao não examinar se o nível irrisório do preço pago pela SEB pela retoma da Moulinex e a comparticipação financeira da República Francesa eram susceptíveis de reforçar a posição da SEB nos mercados em causa em detrimento dos seus concorrentes

II - 89

             Argumentos das partes

II - 89

             Apreciação do Tribunal

II - 90

     Quanto às despesas

II - 92


1: Língua do processo: francês.