Language of document : ECLI:EU:T:2009:381

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

2 de Outubro de 2009 (*)

«Agricultura – Organização comum dos mercados – Medidas transitórias a adoptar devido à adesão de novos Estados‑Membros – Regulamento (CE) n.° 832/2005, que estabelece medidas transitórias no sector do açúcar – Recurso de anulação – Colegialidade – Conceito de ‘existência’ – Circunstâncias que presidiram à constituição das existências – Fundamentação – Boa administração – Boa fé – Não discriminação – Direito de propriedade – Proporcionalidade»

No processo T‑324/05,

República da Estónia, representada por L. Uibo, na qualidade de agente,

recorrente,

apoiada por:

República da Letónia, representada inicialmente por E. Balode‑Buraka, e seguidamente por L. Ostrovska e K. Drēviņa, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por L. Visaggio e E. Randvere, e seguidamente por T. van Rijn, H. Tserepa‑Acombe e Randvere, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação do Regulamento (CE) n.° 832/2005 da Comissão, de 31 de Maio de 2005, relativo à determinação das quantidades excedentárias de açúcar, isoglicose e frutose no que respeita à República Checa, à Estónia, a Chipre, à Letónia, à Lituânia, à Hungria, a Malta, à Polónia, à Eslovénia e à Eslováquia (JO L 138, p. 3),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),

composto por: V. Tiili (relatora), presidente, F. Dehousse e I. Wiszniewska‑Białecka, juízes,

secretário: C. Kantza, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 22 de Abril de 2009,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

I –  Quanto à OCM do açúcar

1        A Organização comum de mercado no sector do açúcar (a seguir «OCM do açúcar») era regida na altura dos factos que deram lugar ao presente processo pelo Regulamento (CE) n.° 1260/2001 do Conselho, de 19 de Junho de 2001, que estabelece a organização comum de mercado no sector do açúcar (JO L 178, p. 1).

2        O segundo considerando do referido Regulamento refere que a OCM do açúcar visa estabilizar o mercado deste produto a fim de manter as garantias necessárias no que respeita ao emprego e ao nível de vida dos produtores de beterraba e de cana de açúcar da Comunidade Europeia. Para este efeito, regulamenta a produção e a importação do açúcar e prevê mecanismos de estabilização do mercado tendo em vista garantir o escoamento da produção comunitária.

3        Nos termos dos artigos 10.° e 11.° do Regulamento n.° 1260/2001, a produção comunitária de açúcar assenta na aplicação de um sistema de quotas. Este sistema inclui a fixação, para cada uma das regiões de produção da Comunidade, das quantidades a produzir, dos Estados‑Membros que as devem repartir, sob a forma de quotas de produção – quota A e quota B –, pelas diferentes empresas produtoras estabelecidas no seu território. Estas quantidades correspondem a uma campanha de comercialização anual que começa em 1 de Julho de um ano e termina em 30 de Junho do ano seguinte. O açúcar produzido por uma empresa no quadro das quotas A e B é designado, respectivamente, «açúcar A» e «açúcar B». Qualquer quantidade de açúcar produzida acima das quotas A e B é designada por «açúcar C».

4        As garantias de escoamento previstas no quadro da OCM do açúcar consistem, por um lado, num regime de apoio aos preços que assenta, nos termos dos artigos 6.° a 9.° do Regulamento n.° 1260/2001, num sistema de intervenção destinado a garantir os preços e o escoamento dos produtos, sendo os preços aplicados pelos organismos de intervenção fixados pelo Conselho da União Europeia e, por outro, num regime de restituições à exportação, previsto nos artigos 27.° a 30.° do Regulamento n.° 1260/2001, que visa permitir a comercialização da produção comunitária no mercado mundial – se essa comercialização se revelar necessária para estabilizar o mercado comunitário do açúcar – cobrindo a diferença entre os preços na Comunidade e os preços no mercado mundial.

5        O açúcar A e o açúcar B podem ser comercializados livremente no mercado comum e gozam das referidas garantias de escoamento, beneficiando o açúcar B de uma garantia a um preço mais baixo que o açúcar A. O açúcar C, em contrapartida, não é elegível para o regime de apoio aos preços nem para o das restituições à exportação. Em princípio, deve ser escoado fora da Comunidade para ser vendido no mercado mundial, nos termos do artigo 13.° do Regulamento n.° 1260/2001.

6        De acordo com o artigo 15.°, n.° 1, alíneas a) e b), do referido regulamento, antes do fim de cada campanha de comercialização, é verificada, designadamente, a quantidade previsível de açúcar A e B produzida por conta da campanha em curso, a quantidade previsível de açúcar escoada para consumo no interior da comunidade durante a campanha em curso e o excedente exportável subtraindo à primeira das duas quantidades a segunda. Este excedente exportável é, em princípio, o excedente relativamente ao qual são recebidas as restituições à exportação.

7        Nos termos dos artigos 15.° e 16.° do Regulamento n.° 1260/2001, a OCM do açúcar organiza o financiamento integral pelos próprios produtores dos encargos com o escoamento dos excedentes de açúcar, através de quotizações sobre a produção e quotizações complementares. Este regime de autofinanciamento constitui a contrapartida das garantias de escoamento da produção comunitária, impondo aos produtores a responsabilidade final pelos custos necessários para assegurar o escoamento das quantidades colocadas no mercado relativamente a uma determinada campanha. O montante das quotizações é fixado no termo de cada campanha em função de um balanço do funcionamento do mercado comunitário elaborado pela Comissão das Comunidades Europeias com base nos dados transmitidos pelos Estados‑Membros. O pagamento das restituições à exportação é uma das medidas financiadas pelos produtores em função da respectiva quota de produção.

II –  Quanto ao tratado de adesão e ao acto de adesão

8        Nos termos do artigo 2.°, n.° 3, do Tratado entre o Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a Irlanda, a República Italiana, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Portuguesa, a República da Finlândia, o Reino da Suécia, o Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte (Estados‑Membros da União Europeia) e a República Checa, a República da Estónia, a República de Chipre, a República da Letónia, a República da Lituânia, a República da Hungria, a República de Malta, a República da Polónia, a República da Eslovénia e a República Eslovaca relativo à adesão à União Europeia República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca (JO L 236, p. 17, a seguir «tratado de adesão»), assinado em Atenas em 16 de Abril de 2003:

«Sem prejuízo do disposto no n.° 2, as Instituições da União podem adoptar antes da adesão as medidas previstas no segundo parágrafo do n.° 2 do artigo 6.°, [...] no artigo 41.° [do Acto relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia]. Essas medidas só entram em vigor sob reserva e à data da entrada em vigor do presente Tratado.»

9        Por força do artigo 41.°, primeiro parágrafo, do Acto relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2003, L 236, p. 33, a seguir «acto de adesão»), anexo ao tratado de adesão:

«Se forem necessárias medidas transitórias para facilitar a passagem do regime existente [na República Checa, na República da Estónia, na República de Chipre, na República da Letónia, na República da Lituânia, na República da Hungria, na República de Malta, na República da Polónia, na República da Eslovénia e na República Eslovaca] para o regime decorrente da aplicação da Política Agrícola Comum nas condições estabelecidas no presente Acto, essas medidas serão adoptadas pela Comissão nos termos do n.° 2 do artigo 42.° do Regulamento [...] n.° 1260/2001 [...] ou, sempre que adequado, dos artigos correspondentes dos outros regulamentos relativos às organizações comuns de mercado no sector agrícola ou segundo o procedimento de comitologia pertinente determinado pela legislação aplicável. As medidas transitórias referidas no presente artigo podem ser tomadas durante um período de três anos a contar da data da adesão, sendo a sua aplicação limitada a esse período [...]»

10      Nos termos do anexo IV, ponto 4, n.° 2, do acto de adesão:

«Quaisquer existências de produtos, privadas ou públicas, em livre prática à data da adesão no território dos novos Estados‑Membros e que excedam o nível do que pode ser considerado como existência normal de reporte, devem ser eliminadas a expensas dos novos Estados‑Membros.

A noção de existência normal de reporte deve ser indicada para cada produto em função dos critérios e objectivos específicos de cada organização comum de mercado.»

 Antecedentes do litígio

I –  Quanto ao Regulamento n.° 60/2004

11      Em 14 de Janeiro de 2004, a Comissão adoptou, com base no artigo 2.°, n.° 3, do tratado de adesão, e no artigo 41.°, primeiro parágrafo, do acto de adesão, o Regulamento (CE) n.° 60/2004, que estabelece medidas transitórias no sector do açúcar devido à adesão da República Checa, da Estónia, de Chipre, da Letónia, da Lituânia, da Hungria, de Malta, da Polónia, da Eslovénia e da Eslováquia (JO L 9, p. 8).

12      No essencial, o Regulamento n.° 60/2004 institui, por derrogação transitória das regras comunitárias aplicáveis, um sistema de eliminação pela República Checa, pela República da Estónia, pela República de Chipre, pela República da Letónia, pela República da Lituânia, pela República da Hungria, pela República de Malta, pela República da Polónia, pela República da Eslovénia e pela República Eslovaca (a seguir «novos Estados‑Membros») de existências excedentárias de açúcar, de isoglicose e de frutose existentes nos referidos Estados.

13      Assim, o artigo 6.°, n.° 1 do Regulamento n.° 60/2004 dispõe que a Comissão determinará, o mais tardar até 31 de Outubro de 2004, para cada novo Estado‑Membro, em conformidade com o procedimento referido no n.° 2 do artigo 42.° do Regulamento n.° 1260/2001, a quantidade de açúcar tal qual ou contido em produtos transformados, de isoglicose e de frutose que supera a quantidade considerada como existência normal de reporte em 1 de Maio de 2004 (a seguir «quantidade excedentária») e que deve ser eliminada do mercado a expensas dos novos Estados‑Membros. O artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 60/2004 prevê também o modo como a Comissão deve determinar a quantidade excedentária. Para esse efeito, a Comissão deverá ter em conta a evolução durante o ano anterior à adesão relativamente aos anos anteriores no que se refere às quantidades importadas e exportadas de açúcar tal qual ou contido em produtos transformados, de isoglicose e de frutose, a produção, o consumo e as existências dos referidos produtos bem como as circunstâncias que presidiram à constituição dessas existências.

14      O artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 60/2004 dispõe que os novos Estados‑Membros em causa assegurarão, sem intervenção comunitária, a eliminação do mercado de uma quantidade de açúcar ou de isoglicose igual à quantidade excedentária que lhes for atribuída pela Comissão segundo o processo referido no n.° 1. A eliminação da quantidade excedentária pode ter lugar através da exportação sem restituição comunitária ou da utilização no sector dos combustíveis ou, por último, pela desnaturação, sem receber ajuda, para a alimentação animal, em conformidade com os títulos III e IV do Regulamento (CEE) n.° 100/72 da Comissão, de 14 de Janeiro de 1972, que estabelece as modalidades de aplicação relativas à desnaturação do açúcar para alimentação animal (JO L 12, p. 15; EE 03 F5 p. 139). Em qualquer caso, deve ser assegurada o mais tardar até 30 de Abril de 2005.

15      Nos termos do n.° 3 do mesmo artigo, para efeitos da aplicação do n.° 2, cada novo Estado‑Membro deve dispor, em 1 de Maio de 2004, de um sistema de identificação das quantidades excedentárias, comercializadas ou transformadas, de açúcar tal qual ou contido em produtos transformados, de isoglicose ou de frutose nos principais operadores em causa. O novo Estado‑Membro em questão deve utilizar este sistema para obrigar os operadores em causa a eliminar do mercado, a expensas destes últimos, uma quantidade de açúcar ou de isoglicose equivalente à sua quantidade excedentária. Os operadores em causa devem apresentar a prova dessa eliminação o mais tardar até 30 de Abril de 2005 e, em caso contrário, o novo Estado‑Membro cobrará um montante igual à quantidade em questão multiplicada pelos encargos de importação mais elevados aplicáveis ao produto em causa no período compreendido entre 1 de Maio de 2004 e 30 de Abril de 2005, majorado de 1,21 euros/100 kg em equivalente de açúcar branco ou matéria seca, montante esse que será imputado no seu orçamento nacional.

16      O artigo 6.°, n.° 4, do Regulamento n.° 60/2004 prevê que, quando as quantidades excedentárias sejam eliminadas através da exportação, os operadores em causa podem apresentar a respectiva prova até 31 de Julho de 2005.

17      O artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 60/2004 dispõe que, o mais tardar até 31 de Julho de 2005, os novos Estados‑Membros apresentarão à Comissão a prova da eliminação da quantidade excedentária que lhes tiver sido atribuída segundo o método referido no artigo 6.°, n.° 1, do mesmo regulamento. Se essa prova não for apresentada dentro do prazo relativamente à totalidade ou parte da quantidade excedentária em questão, o n.° 2 do mesmo artigo prevê que ao novo Estado‑Membro em questão será cobrado um montante correspondente à quantidade não eliminada multiplicada pelos encargos de importação mais elevados aplicáveis ao açúcar branco do código NC 1701 99 10 entre 1 de Maio de 2004 e 30 de Abril de 2005, montante esse que será atribuído ao orçamento comunitário até 30 de Novembro de 2005 e será tido em conta para o cálculo das quotizações à produção para a campanha de comercialização de 2004/2005.

18      O Regulamento n.° 60/2004 entrou em vigor em 1 de Maio de 2004, nos termos do seu artigo 9.°

II –  Quanto ao Regulamento n.° 651/2005

19      Em 28 de Abril de 2005, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 651/2005 que altera o Regulamento n.° 60/2004 (JO L 108, p. 3), com base no artigo 41.°, primeiro parágrafo, do acto de adesão.

20      As alterações ao Regulamento n.° 60/2004 introduzidas pelo Regulamento n.° 651/2005 afectam unicamente as datas e prazos de referência contidos no primeiro regulamento.

21      Assim, as datas referidas no artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, e no artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 60/2004, respectivamente 31 de Outubro de 2004 e 30 de Abril de 2005, passaram a 31 de Maio e 30 de Novembro de 2005. A data referida no n.° 3, segundo e terceiro parágrafos, do artigo acima referido, 30 de Abril de 2005, passa a 30 de Novembro de 2005. Do mesmo modo, a data citada na introdução do artigo 6.°, n.° 4, do Regulamento n.° 60/2004, 31 de Julho de 2005, passa a 28 de Fevereiro de 2006, e a citada no quarto parágrafo do mesmo artigo, 1 de Maio de 2005, passa a 30 de Novembro de 2005. Quanto à data referida no artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 60/2004, 31 de Julho de 2005, passa a 31 de Março de 2006 e o período referido no n.° 2, que ia de 1 de Maio de 2004 a 30 de Abril de 2005, passa a ser de 1 de Maio de 2004 a 30 de Novembro de 2005. Por último, a data de pagamento do montante devido ao orçamento comunitário é igualmente alterada, passando de 30 de Novembro de 2005 para 31 de Dezembro dos anos 2006 a 2009.

22      O Regulamento n.° 651/2005 entrou em vigor em 29 de Abril de 2005, nos termos do seu artigo 2.°

III –  Quanto ao regulamento impugnado

23      Em 31 de Maio de 2005, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 832/2005, relativo à determinação das quantidades excedentárias de açúcar, isoglicose e frutose no que respeita à República Checa, à Estónia, a Chipre, à Letónia, à Lituânia, à Hungria, a Malta, à Polónia, à Eslovénia e à Eslováquia (JO L 138, p. 3, a seguir «regulamento impugnado»). O artigo 1.° deste regulamento fixa as quantidades que devem ser eliminadas do mercado comunitário para cada um dos cinco novos Estados‑Membros relativamente aos quais tenha sido comprovada a existência de uma quantidade excedentária, ou seja, a República de Chipre, a República da Letónia, a República de Malta, a República Eslovaca e, por último, a República da Estónia. Relativamente a este Estado‑Membro, a quantidade excedentária foi fixada em 91 464 toneladas.

 Tramitação processual e pedidos das partes

24      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Agosto de 2005, a República da Estónia interpôs, nos termos do artigo 230.° CE, recurso de anulação do regulamento impugnado.

25      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 12 de Dezembro de 2005, a República da Letónia requereu que fosse admitida a sua intervenção no processo em apoio dos pedidos da República da Estónia, o que foi deferido por despacho do presidente da Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Fevereiro de 2006.

26      Em 27 de Março de 2006, a República da Letónia apresentou as suas alegações de intervenção.

27      Tendo a composição das secções do Tribunal de Primeira Instância sido alterada, o juiz‑relator foi afectado à Primeira Secção, à qual foi, por isso, atribuído o presente processo.

28      Em 12 de Fevereiro de 2009, o Tribunal de Primeira Instância colocou por escrito questões à Comissão, a qual deu cumprimento a esta solicitação no prazo fixado.

29      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) decidiu dar início à fase oral do processo.

30      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância na audiência de 22 de Abril de 2009.

31      A República da Estónia, apoiada, no primeiro pedido que formula, pela República da Letónia, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o regulamento impugnado;

–        condenar a Comissão nas despesas.

32      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a República da Estónia nas despesas.

 Questão de direito

33      A República da Estónia afirma que apenas 48 733 toneladas da quantidade excedentária que lhe foi atribuída pela Comissão nos termos do regulamento impugnado eram detidas por operadores económicos, dado que as 42 731 toneladas restantes eram constituídas por existências na posse dos agregados familiares estonianos para o respectivo consumo (a seguir «reservas domésticas»), conforme resulta dos mais recentes cálculos da Comissão com base em números não contestados por esta adiantados.

34      Neste contexto, a República da Estónia alega apenas que as reservas domésticas não deveriam ter sido incluídas na referida quantidade excedentária e requer a anulação do regulamento impugnado na medida em que o foram.

35      Para esse efeito, invoca oito fundamentos, apoiada em relação a alguns deles pela República da Letónia. O primeiro fundamento baseia‑se na violação do princípio da colegialidade. O segundo fundamento baseia‑se na violação do Regulamento n.° 60/2004. O terceiro fundamento assenta na violação do dever de fundamentação. O quarto fundamento baseia‑se na violação do princípio da boa administração. O quinto fundamento é baseado na violação do princípio da boa fé. O sexto fundamento baseia‑se na violação do princípio da não discriminação. O sétimo fundamento é baseado na violação do direito da propriedade. O oitavo fundamento baseia‑se na violação do princípio da proporcionalidade.

36      Além disso, a República da Letónia invocou um fundamento adicional nas suas alegações de intervenção baseado na violação dos direitos de defesa.

37      Por último, a República da Estónia requer ao Tribunal de Primeira Instância, a título preliminar, que ordene que a Comissão lhe remeta determinados documentos e lhe esclareça as diferenças entre esses documentos e um conjunto de documentos que a República da Estónia juntou ao processo. A Comissão, por seu turno, pede que o Tribunal de Primeira Instância mande desentranhar os referidos documentos dos autos. Estes dois pedidos devem ser analisados em primeiro lugar.

I –  Quanto aos pedidos apresentados a título preliminar pela República da Estónia e pela Comissão

A –  Quanto ao pedido preliminar da República da Estónia

1.     Argumentos das partes

38      A República da Estónia observa que determinados documentos em seu poder que deveriam ter sido apresentados à Comissão quando da reunião de 20 de Abril de 2005 (a seguir «anexo 18»), durante a qual a Comissão conferiu poderes a três dos seus membros para adoptar o regulamento impugnado, mostram que, para esta última, a questão de saber se as reservas domésticas faziam parte da quantidade excedentária da Estónia era unicamente política.

39      Para demonstrar a autenticidade do anexo 18, a República da Estónia solicitou à Comissão, em 27 de Junho de 2005, uma cópia dos documentos apresentados quando da reunião de 20 de Abril de 2005. Em resposta, recebeu, em 25 de Agosto de 2005, determinados documentos entre os quais uma comunicação dirigida à Comissão por um dos seus membros encarregado das questões da agricultura e do desenvolvimento rural, Fischer Boel (a seguir «comunicação de Fischer Boel»). Consta do anexo 18 uma versão incompleta desta comunicação. Ora, esta inclui elementos que provam que a Comissão não pretendia ter em conta a situação particular da República da Estónia, bem como um projecto de regulamento, que não se encontra nos documentos enviados pela Comissão. Consequentemente, a República da Estónia pede ao Tribunal que ordene à Comissão que lhe remeta a totalidade dos documentos que lhe foram apresentados na reunião de 20 de Abril de 2005 e lhe esclareça as diferenças entre o anexo 18 e os documentos enviados em 25 de Agosto de 2005 para que seja preservado o princípio da igualdade de armas.

40      A Comissão responde que já satisfez esse pedido. Esclarece que o anexo 18 é um conjunto de documentos preliminares que se inserem no quadro das discussões entre os seus serviços tendo em vista a reunião de 20 de Abril de 2005, que diferem dos documentos apresentados a final.

2.     Apreciação do Tribunal

41      É de notar que a República da Estónia não contesta, em última análise, que a Comissão lhe tenha enviado em 25 de Agosto de 2005 todos os documentos apresentados ao colégios dos membros da Comissão (a seguir «colégio») quando da reunião de 20 de Abril de 2005. Estes documentos figuram, com efeito, já no processo e foram juntos ao mesmo pela República da Estónia, a qual não afirmou que outros documentos, não comunicados pela Comissão, tivessem sido apresentados ao colégio quando da referida reunião. Em consequência, o pedido de apresentação de documentos formulada pela República da Estónia deve ser considerado como destituído de objecto e há que interpretar os seus argumentos unicamente no sentido de que, uma vez que os documentos que lhe foram enviados pela Comissão em 25 de Agosto de 2005 apresentam diferenças importantes relativamente aos que constituem o anexo 18 e aos quais teve acesso de um modo que não esclarece, a República da Estónia pede ao Tribunal que ordene à Comissão que esclareça a razão destas diferenças.

42      Ora, é de salientar que a Comissão já prestou os esclarecimentos solicitados.

43      Com efeito, a Comissão explicou que o anexo 18 é um conjunto de documentos preliminares, elaborados tendo em vista a reunião de 20 de Abril de 2005. Esclareceu igualmente que estes documentos diferem dos documentos apresentados a final ao colégio quando da referida reunião justamente devido ao seu carácter preliminar.

44      A explicação dada pela Comissão é compreensível e plausível. É inteiramente normal que o membro da Comissão que apresenta a esta documentos tendo em vista preparar a adopção de uma medida disponha de várias versões dos referidos documentos e escolha entre estas a que lhe parece mais adequada para ser apresentada ao colégio para efeitos da adopção da medida em questão. Daqui resulta que a explicação dada pela Comissão torna desnecessária a continuação da análise do pedido da República da Estónia.

B –  Quanto ao pedido preliminar da Comissão

1.     Argumentos das partes

45      A Comissão afirma que o anexo 18 é um conjunto de documentos internos e preliminares que se inserem no quadro das discussões entre os serviços e pede ao Tribunal de Primeira Instância que ordene o seu desentranhamento dos autos.

46      A este respeito, salienta que poderiam ser gravemente lesadas a franqueza e a transparência com que deve desenrolar‑se o debate no seu interior se os documentos internos, preliminares e preparatórios das deliberações do colégio, fossem disponibilizados às partes que impugnam nos órgãos jurisdicionais comunitários o resultado das referidas deliberações, designadamente na medida em que evidenciam pontos de vista expressos pelo serviço jurídico, merecendo estes últimos uma protecção particular, e isto quando foram obtidos de modo irregular.

47      Por outro lado, a fiscalização do órgão jurisdicional comunitário exerce‑se sobre o acto final e não sobre projectos ou documentos preparatórios, que apenas reflectem pontos de vista provisórios.

48      Por último, a República da Estónia nunca requereu o acesso ao anexo 18. O seu pedido de acesso aos documentos de 27 de Junho de 2005, aliás satisfeito, respeita unicamente aos documentos apresentados ao colégio na reunião de 20 de Abril de 2005 e aos que se referem à metodologia aplicada para determinação das quantidades excedentárias.

49      A República da Estónia contesta os argumentos da Comissão.

2.     Apreciação do Tribunal

50      Tendo em conta o facto de a Comissão ter expressamente admitido na audiência, na sequência de uma questão do Tribunal, que o anexo 18 não contém pareceres do seu serviço jurídico, como resulta, aliás, dos autos, há que considerar que o seu pedido de desentranhamento do referido anexo se baseia em três fundamentos, ou seja, em primeiro lugar, a natureza interna e preliminar desses documentos, em segundo, a obtenção dos referidos documentos por meios eventualmente irregulares e, em terceiro lugar, a irrelevância destes documentos para o presente processo.

51      No que se refere ao primeiro e segundo fundamentos, há que salientar que nem um eventual carácter confidencial dos documentos em questão nem o facto de poderem ter sido obtidos de modo irregular se opõem a que sejam mantidos nos autos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 74).

52      Efectivamente, por um lado, não existe qualquer disposição que preveja expressamente a proibição de tomar em consideração provas ilegalmente obtidas (acórdão Franchet e Byk/Comissão, já referido no n.° 51 supra, n.° 75).

53      Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância aceitou por vezes tomar em conta documentos em relação aos quais não estava demonstrado terem sido obtidos por meios legítimos (acórdão Franchet e Byk/Comissão, já referido no n.° 51 supra, n.° 78).

54      Assim, em determinadas situações, não foi necessário ao recorrente demonstrar que tinha obtido legalmente o documento confidencial invocado em apoio da sua tese. O Tribunal de Primeira Instância considerou, ao ponderar os interesses a proteger, que havia que apreciar se circunstâncias particulares, como o carácter decisivo da apresentação do documento para efeitos de assegurar a fiscalização da regularidade do processo de adopção do acto impugnado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Março de 2001, Dunnett e o./BEI, T‑192/99, Colect., p. II‑813, n.os 33 e 34) ou de demonstrar a existência de um desvio de poder (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Fevereiro de 1996, Lopes/Tribunal de Justiça, T‑280/94, ColectFP, pp. I‑A‑77 e II‑239, n.° 59), justificavam que um documento não fosse desentranhado (acórdão Franchet e Byk/Comissão, já referido no n.° 51 supra, n.° 79).

55      Por outro lado, o Tribunal de Justiça não excluiu que mesmo documentos internos possam, em certos casos, figurar legitimamente nos autos de um processo (despachos do Tribunal de Justiça de 19 de Março de 1985, Tordeur, 232/84, não publicado na Colectânea, n.° 8, e de 15 de Outubro de 1986, LAISA/Conselho, não publicado na Colectânea, n.° 5).

56      É de considerar que as circunstâncias que permitem manter estes documentos internos nos referidos autos são, designadamente, as que podem ser tomadas em consideração para manter nos autos de um processo documentos eventualmente obtidos por meios não legítimos e que são referidas no n.° 54 supra (v., neste sentido, acórdão Dunnett e o./BEI, já referido no n.° 54 supra, n.° 33).

57      Ora, à luz do que antecede, é de observar que o quadro específico do presente recurso permite considerar que os documentos que constituem o anexo 18 devem ser mantidos no processo. Efectivamente, foram invocados justamente para demonstrar a existência de várias irregularidades do processo da adopção do regulamento impugnado e a existência de desvio de poder, o que justifica que não se proceda ao seu desentranhamento nos termos da jurisprudência referida no n.° 54 supra.

58      No que respeita, por último, ao terceiro fundamento ao abrigo do qual a Comissão pede que o Tribunal de Primeira Instância desentranhe do processo o anexo 18 e segundo o qual os documentos que compõem o referido anexo não são pertinentes para a resolução do litígio, é de referir que a ausência de relevância de um documento para o tratamento de um processo não basta enquanto tal para justificar o seu desentranhamento dos autos.

59      Consequentemente, deve ser indeferido o pedido preliminar da Comissão.

II –  Quanto ao primeiro fundamento, baseado na violação do princípio da colegialidade

A –  Argumentos das partes

60      A República da Estónia afirma que o Tribunal de Justiça decidiu que o colégio não pode limitar‑se a manifestar a sua vontade de agir de determinada maneira sem ter intervenção na redacção do auto que manifesta a referida vontade e na sua apresentação definitiva. Este raciocínio aplica‑se por maioria de razão no presente caso, uma vez que o regulamento impugnado tem consequências sérias para um grande número de pessoas e para o orçamento dos Estados‑Membros em causa. O Tribunal de Justiça decidiu também que os actos que afectam a situação jurídica do destinatário devem ser analisados e adoptados pelo colégio. A República da Estónia conclui daqui que o artigo 13.° do Regulamento Interno da Comissão, que a autoriza a conferir poderes aos seus membros para adoptar o texto definitivo de um acto cuja substância a própria definiu quando das suas deliberações, deve ser interpretado no sentido de qualquer alteração na redacção de um regulamento e, designadamente da sua parte dispositiva, é proibida após a tomada de decisão pelo colégio.

61      Ora, o regulamento impugnado foi adoptado com violação do princípio da colegialidade na medida em que, quando da reunião da Comissão de 20 de Abril de 2005, em primeiro lugar, foi decidido encarregar Fischer Boel de efectuar contactos com os novos Estados‑Membros tendo em vista proceder a uma verificação final das suas quantidades excedentárias tendo designadamente em conta os últimos dados quantificados disponíveis e a questão de saber em que medida as reservas domésticas deviam ser incluídas no cálculo destas quantidades excedentárias. Em segundo lugar, foi decidido submeter ao comité de gestão do açúcar um projecto de regulamento fixando a quantidades excedentária de cada um dos novos Estados‑Membros. Em terceiro lugar, foi decidido conferir poderes a Fischer Boel para adoptar, em acordo com o presidente da Comissão e um terceiro membro desta, o referido projecto no caso de não haver parecer negativo do comité ou, se a evolução da situação o justificasse, adoptá‑lo ela própria através de procedimento verbal. Ora, o facto de terem sido conferidos poderes a Fischer Boel para adoptar o regulamento impugnado sem que o colégio tivesse aprovado um projecto definitivo viola o princípio da colegialidade.

62      Mesmo que a decisão do colégio só fosse necessária no que respeita ao conteúdo do regulamento impugnado e não à sua exacta redacção, é manifesto que Fischer Boel estava encarregada de decidir se as reservas domésticas deviam ser incluídas nas quantidades excedentárias. O âmbito do seu poder de apreciação revela‑se, aliás, claramente quando as quantidades excedentárias determinadas a título definitivo no regulamento impugnado são comparadas com as determinadas inicialmente no projecto de 20 de Abril de 2005, ou seja, para a República da Estónia, 91 464 toneladas em lugar de 91 466; para a República de Chipre, 40 213 toneladas em lugar de 40 249; para a República da Letónia, 10 589 toneladas em lugar de 20 080; para a República de Malta, 2 452 toneladas em lugar de 13 210 e, por último, para a República Eslovaca, 10 225 toneladas em lugar de 17 419. Por último, a comunicação de Fischer Boel e o documento metodológico anexo, que está na base da decisão do colégio e enquadra o mandato de Fischer Boel, contêm apenas orientações vagas, demonstram que podia ser aceite uma certa flexibilidade no que é considerado como sendo um reporte normal de existências e não esclarecem quais as circunstâncias especiais que justificavam a redução das quantidades excedentárias.

63      A própria Comissão está consciente desta situação, uma vez que na sua contestação observa, por um lado, que aprovou uma orientação e não uma decisão, e, por outro, que, em 19 de Maio de 2005, a República da Estónia tinha ainda a possibilidade de expor argumentos complementares. Por último, uma carta da Comissão de 22 de Agosto de 2005 mostra que as quantidades excedentárias de cada Estado‑Membro foram fixadas apenas na reunião de peritos de 19 de Maio de 2005, o que a Comissão confirma na sua contestação. Consequentemente, em 20 de Abril de 2005, a Comissão não podia adoptar o regulamento impugnado.

64      A Comissão contesta os argumentos da República da Estónia.

B –  Apreciação do Tribunal

65      Há que recordar que o funcionamento da Comissão se rege pelo princípio da colegialidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 Junho de 1994, Comissão/BASF e o., C‑137/92 P, Colect., p. I‑2555, n.° 62). Este princípio foi expressamente mencionado no artigo 217.° CE, n.° 1, na redacção alterada pelo Tratado de Nice, nos termos do qual a Comissão cumpre a sua missão no respeito das orientações políticas definidas pelo seu presidente, que decide da sua organização interna a fim de assegurar a coerência, a eficácia e a colegialidade da sua acção.

66      Nos termos de jurisprudência assente, o referido princípio decorre do artigo 219.° CE, nos termos do qual as deliberações da Comissão são tomadas pela maioria do número de membros previstos no artigo 213.° CE e a Comissão só pode reunir‑se validamente se estiver presente o número de membros fixado no seu regulamento interno. Assenta na igualdade dos membros da Comissão relativamente à participação na tomada de decisões e implica nomeadamente que as decisões sejam tomadas em comum e que todos os membro do órgão colegial sejam colectivamente responsáveis, no plano político, pelo conjunto das decisões tomadas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 1986, AKZO Chemie e AKZO Chemie UK /Comissão, 5/85, Colect., p. 2585, n.° 30, e Comissão/BASF e o., já referido no n.° 65 supra, n.° 63).

67      Não obstante, o recurso ao processo de habilitação para a adopção de medidas de gestão ou de administração é compatível com o princípio da colegialidade.

68      Efectivamente, limitado a categorias determinadas de actos de administração e de gestão, o que exclui por hipótese as decisões de princípio, este sistema de habilitação afigura‑se necessário, tendo em conta o aumento considerável do número de actos decisórios que a Comissão é chamada a tomar para estas em condições de cumprir a sua função (acórdão AKZO Chemie e AKZO Chemie UK/Comissão, já referido no n.° 66 supra, n.° 37, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Abril de 1995, AAC e o./Comissão, T‑442/93, Colect., p. II‑1329, n.° 84).

69      Há, portanto, que analisar se o regulamento impugnado deve ser considerado como uma medida de gestão ou de administração ou como uma decisão de princípio.

70      A este respeito, é de salientar que, apesar da sua natureza normativa, o regulamento impugnado tem como único objectivo determinar as quantidades excedentárias de alguns dos novos Estados‑Membros segundo o procedimento fixado para o efeito no Regulamento n.° 60/2004, do qual constitui um acto de execução. Não se pode considerar que a realização desse cálculo constitua uma decisão de princípio.

71      Efectivamente, como resulta da leitura dos n.os 13 a 17 supra, é no artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 60/2004, conforme alterado pelo Regulamento n.° 651/2005, que são definidos a quantidade excedentária e o método que a Comissão deve seguir para a determinar. É no artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 60/2004 que está previsto que a quantidade excedentária dessa forma calculada deve ser eliminada segundo regras precisas, e não em qualquer disposição do regulamento impugnado. Por último, é no artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 60/2004 que são indicadas as consequências que devem ser suportadas pelos novos Estados‑Membros se não derem cumprimento às obrigações impostas.

72      Todas as questões de princípio pertinentes foram, em consequência, reguladas no quadro do Regulamento n.° 60/2004, conforme alterado, estando o regulamento impugnado a este subordinado, limitando‑se a realizar um exercício contabilístico, embora de certa complexidade.

73      É de acrescentar que, na reunião de 20 de Abril de 2005, o colégio conferiu poderes a três dos membros para efectuar esse exercício contabilístico sem lhes conceder ao mesmo tempo a faculdade de adoptar novas decisões de princípio ou de reexaminar a oportunidade de aplicar as contidas no Regulamento n.° 60/2004, conforme resulta da acta 1698.ª reunião da Comissão de 20 de Abril de 2005.

74      Efectivamente, durante a referida reunião, o colégio aprovou desde logo a comunicação de Fischer Boel. Ora, a metodologia anexa a esta comunicação e com a mesma aprovada pelo colégio, longe de autorizar os membros habilitados a adoptar o regulamento impugnado a porem de parte questões de princípio fixadas no Regulamento n.° 60/2004, antes enquadra a sua margem de apreciação na tomada de decisão. Em particular, desenvolve os critérios de determinação das quantidades excedentárias que constam do Regulamento n.° 60/2004 e institui uma regra clara em função da qual as quantidades excedentárias resultam da variação da produção, a que há que acrescentar a variação das importações e subtrair a variação das exportações durante o período de Maio de 2003 a Abril de 2004, comparada com o resultado destas operações relativamente ao período equivalente dos três anos antecedentes.

75      É certo que a metodologia em questão se insere no quadro do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004, nos termos do qual a Comissão deve tomar em conta as condições em que as existências se constituíram quando da determinação dessas existências. Assim, é indicado no ponto 2, n.° 3, alínea b), terceiro parágrafo, da metodologia anexa à comunicação de Fischer Boel que pode ser aceite uma certa flexibilidade no que respeita ao que deve ser considerado existência normal de reporte. Contudo, esta menção de modo algum autoriza os membros da Comissão habilitados a calcular as quantidades excedentárias de determinados Estados‑Membros de um modo diferente do previsto pelo Regulamento n.° 60/2004. Estão unicamente autorizados a avaliar os dados contabilísticos fornecidos pelos referidos Estados com uma certa flexibilidade que permita apreciar as existências no seu contexto a fim de excluir do cálculo das quantidades excedentárias existências cuja presença possa ser explicada por razões não ligadas à especulação relativa à adesão destes Estados à União Europeia e não levantem riscos de perturbação no mercado.

76      Além disso, a comunicação de Fischer Boel dá uma resposta elaborada aos argumentos que a República da Estónia tinha invocado para demonstrar que as reservas domésticas foram constituídas em circunstâncias que merecem uma reavaliação das quantidades em causa nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004. Embora seja certo que os membros da Comissão a quem foram conferidos poderes podiam, nos termos da sua habilitação, manter contactos ulteriores com os novos Estados‑Membros com vista a rever os seus argumentos a esse respeito, não é menos verdade que, uma vez que a referida comunicação foi claramente aprovada pelo colégio, os membros em questão não podiam afastar‑se da orientação que ali tinha sido definida e, consequentemente, só podiam excluir as reservas domésticas do cálculo das quantidades excedentárias com base em elementos não abordados na referida comunicação, o que não fizeram.

77      Por outro lado, embora seja certo que os membros da Comissão habilitados podiam, nos termos da sua habilitação, manter contactos ulteriores com os novos Estados‑Membros com vista a rever os seus argumentos a esse respeito, não deixa de ser verdade que o colégio tinha reservado para si a possibilidade de adoptar ele próprio a decisão final se a situação o exigisse, o que só pode ser interpretado como tendo em vista uma situação em que devesse ser seguida uma abordagem divergente da exposta na comunicação de Fischer Boel. Ora, esta mudança de abordagem não teve lugar.

78      Por último, é de sublinhar, em qualquer caso, que, no respeito do princípio da colegialidade, deve ser reconhecido à Comissão o poder de confiar a alguns dos seus membros a tarefa de realizar um exercício contabilístico, por mais complexo que seja, para determinar as quantidades de um dado produto agrícola existente no território de certos Estados‑Membros, sob pena de causar sérios prejuízos à sua capacidade de gerir de modo eficaz a política agrícola comum, domínio que necessita de uma gestão simultânea rápida das informações relativas às produções, às reservas e a outras variáveis resultantes de exercícios de cálculo como os efectuados no quadro do regulamento impugnado.

79      Daqui resulta que improcede o presente fundamento.

III –  Quanto ao segundo fundamento, baseado na violação do Regulamento n.° 60/2004

80      A República da Estónia afirma que o regulamento impugnado foi adoptado com violação do Regulamento n.° 60/2004. A este respeito, invoca dois argumentos que podem ser apresentados em duas vertentes separadas. Em primeiro lugar, observa que o Regulamento n.° 60/2004 não permite a inclusão das reservas domésticas no cálculo das quantidades excedentárias. Em segundo lugar, salienta que a Comissão não teve em conta circunstâncias particulares que a caracterizam quando da determinação da sua quantidade excedentária, em violação do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004.

81      Contudo, a título preliminar, as partes discordam quanto ao carácter vinculativo do Regulamento n.° 60/2004 em relação ao regulamento impugnado. Dado que a procedência do presente fundamento depende desta questão, a mesma deve ser abordada antes de serem analisadas as duas vertentes referidas no número precedente.

A –  Quanto ao carácter vinculativo do Regulamento n.° 60/2004 relativamente ao regulamento impugnado

1.     Argumentos das partes

82      A República da Estónia afirma que, sendo o Regulamento n.° 60/2004 a base jurídica do regulamento impugnado, a violação do primeiro deve implicar a anulação do segundo, mesmo que tenham sido adoptados pela mesma instituição (acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Março de 1971, Deutsche Tradax, 38/70, Colect., p. 41; Recueil, p. 145, e de 29 de Março de 1979, ISO/Conselho, 118/77, Recueil, p. 1277), sem que importe a este respeito que o tenham sido segundo o mesmo processo.

83      A Comissão admite que o regulamento impugnado se baseia no Regulamento n.° 60/2004, mas considera que pode legalmente derrogar as disposições deste último regulamento, uma vez que ambos os regulamentos foram adoptados pela mesma instituição segundo o mesmo processo, ao contrário do que sucedeu com os actos que deram lugar à jurisprudência invocada pela República da Estónia. Por último, pode mesmo considerar‑se que o regulamento impugnado aplica directamente o acto de adesão, embora seja baseado no artigo 6.° do Regulamento n.° 60/2004, uma vez que a escolha desta base jurídica não teve influência no processo aplicável [acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, C‑491/01, Colect., p. I‑11453, n.os 93 a 98].

2.     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

84      É de referir que, ao adoptar o regulamento impugnado, a Comissão não realizou um exercício teórico de contabilidade, mas deu aplicação ao artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 60/2004 ao abrigo do qual devia determinar a quantidade de excedentária de cada novo Estado‑Membro. Este regulamento prevê igualmente as regras de eliminação das quantidades assim determinadas e as consequências para os novos Estados‑Membros da sua não eliminação, e isto unicamente na medida em que essas quantidades tenham sido fixadas de acordo com as suas disposições. O Regulamento n.° 60/2004 é, por último, referido entre as bases jurídicas do regulamento impugnado e nos considerandos 1 a 3 deste último. Nestas circunstâncias, é de concluir que o mesmo constitui um acto de execução do Regulamento n.° 60/2004. Ora, como a República da Estónia alega, o Tribunal de Justiça, no acórdão Deutsche Tradax, já referido no n.° 82 supra (n.° 10), concluiu que não se pode admitir que um regulamento de execução adoptado ao abrigo de uma habilitação contida numa disposição do regulamento de base de que deriva possa derrogar as disposições deste regulamento.

85      Como a Comissão observou, é certo que no referido acórdão o Tribunal de Justiça se pronunciou sobre dois regulamentos adoptados pelo Conselho segundo processos diferentes, o primeiro após consulta da Assembleia das Comunidades Europeias e o segundo sem essa consulta. Apesar disso, a regra desenvolvida nesse acórdão é inteiramente aplicável no presente caso.

86      Com efeito, em primeiro lugar, é de sublinhar que o Tribunal de Justiça de modo algum se referiu à existência de dois processos de adopção para chegar à conclusão acima referida.

87      Em segundo lugar, a referida conclusão foi retomada seguidamente na jurisprudência sem que o órgão jurisdicional que conhecia do processo se tenha interrogado sobre a diferença ou identidade dos processos de adopção dos actos perante si questionados (v., neste sentido, acórdão ISO/Conselho, já referido no n.° 82 supra, n.° 46, e acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Março de 1999, Espanha/Comissão, C‑179/97, Colect., p. I‑1251, n.° 20; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Junho de 1993, Devillez e o./Parlamento, T‑46/90, Colect., p. II‑699, n.° 25).

88      Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça já anulou um regulamento adoptado pela instituição que adoptou o regulamento de base por motivos contrários à tese avançada pela Comissão.

89      Efectivamente, no acórdão ISO/Conselho, já referido no n.° 82 supra, o Tribunal de Justiça anulou um regulamento do Conselho que aplicava um direito antidumping definitivo a determinados produtos importados do Japão, designadamente rejeitando um argumento do Conselho segundo o qual o regulamento em causa era uma medida sui generis, baseada directamente no artigo 113.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 133.° CE), e não sujeita às disposições do seu regulamento de base, o Regulamento (CEE) n.° 459/68 do Conselho, de 5 de Abril de 1968, relativo à defesa contra as práticas de dumping, prémios e subvenções por parte de países não membros da Comunidade Económica Europeia (JO L 103, p. 38). O Tribunal de Justiça concluiu que este argumento ignorava o facto de que todo o processo que levou à adopção do regulamento antidumping em causa se tinha desenrolado segundo o modo previsto pelo regulamento de base acima referido e entendeu que o Conselho, após ter adoptado um regulamento geral para dar aplicação a um dos objectivos do artigo 113.° do Tratado CE, não podia derrogar as regras assim estabelecidas ao aplicá‑las a casos particulares (n.° 46 do acórdão).

90      Ora, o processo previsto no artigo 113.° do Tratado CE para adopção das medidas de defesa comercial, entre as quais as que devem ser adoptadas em caso de dumping, é o referido no n.° 4 da mesma disposição, nos termos do qual o Conselho delibera por maioria qualificada. Além disso, decorre de uma leitura conjugada do n.° 1 e do n.° 2, alínea a), do artigo 17.° do Regulamento n.° 459/68 que, quando resulta do apuramento definitivo da matéria de facto e da investigação realizada em conformidade com as outras disposições do referido regulamento que existe dumping e prejuízo, e quando os interesses da Comunidade necessitam de uma acção comunitária, a Comissão submete uma proposta ao Conselho após ter ouvido os pareceres expressos no comité correspondente e o regulamento antidumping em causa é, eventualmente, adoptado pelo Conselho, que delibera por maioria qualificada.

91      Daqui resulta que o Conselho tinha adoptado o regulamento antidumping em questão decidindo por maioria qualificada, mesmo que este regulamento tenha sido precedido de outros actos processuais, tal como deveria ter feito para alterar o Regulamento n.° 459/68, o que exclui a procedência da tese da Comissão.

92      Esta conclusão não é contrariada pelo facto de, no acórdão ISO/Conselho, já referido no n.° 82 supra, o Tribunal de Justiça ter chegado à conclusão de que Conselho ignorou num caso particular a aplicação das regras gerais, e isto mesmo que se pudesse considerar que o regulamento impugnado não aplica as regras gerais contidas no Regulamento n.° 60/2004 no que respeita a um caso particular, mas no que respeita a todas situações às quais estas regras devem ser aplicadas.

93      Com efeito, no acórdão ISO/Conselho, já referido no n.° 82 supra, o Tribunal de Justiça deu como assente que o Conselho, após adoptar um regulamento geral para dar execução a um dos objectivos do artigo 113.° do Tratado CE, não pode derrogar as regras assim estabelecidas ao aplicar as mesmas a casos particulares por dois motivos. Esses motivos são o de que permitir uma derrogação desse tipo, em primeiro lugar, perturbaria o sistema legislativo da Comunidade e, em segundo, quebraria a igualdade dos particulares perante a lei. Ora, se o segundo motivo pressupõe que o regulamento de execução possa ser aplicado no tempo a numerosos destinatários, tal não é o caso no que respeita ao primeiro motivo, que pode perfeitamente ser invocado no quadro do presente processo.

94      Em todo o caso, é de realçar que mesmo que a tese da Comissão fosse exacta e que o conceito de «existências» visado no Regulamento n.° 60/2004 pudesse ser alterado quando da adopção do regulamento impugnado, a Comissão deveria explicitar as razões pelas quais era necessário proceder a essa alteração. Contudo, a Comissão nem sequer tentou sustentar que tinha apresentado essa fundamentação, apesar de se referir várias vezes ao facto de, com o regulamento impugnado, pretender dar aplicação ao Regulamento n.° 60/2004.

95      Além disso, deve ser considerada improcedente a tese da Comissão segundo a qual se pode considerar que o regulamento impugnado aplica directamente o acto de adesão. A própria Comissão reconhece que o referido regulamento é expressamente baseado no artigo 6.° do Regulamento n.° 60/2004, como demonstra o facto de esta disposição figurar na exposição de motivos do regulamento impugnado. Tendo a Comissão feito a escolha da base jurídica que entendeu mais adequada no presente caso, ou seja o artigo 6.° do Regulamento n.° 60/2004, é também e designadamente à luz desta disposição que deve ser analisada a legalidade do regulamento impugnado (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Abril de 2008, SIDE/Comissão, T‑348/04, Colect., p. II‑625, n.° 69).

96      Por último, é de referir que o acórdão British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, já referido no n.° 83 supra, invocado pela Comissão em apoio da sua tese, não serve de apoio à mesma. Efectivamente, o referido acórdão respeita a um acto que tinha sido adoptado com fundamento em duas bases jurídicas. O Tribunal de Justiça conclui unicamente que, apesar de uma dessas bases jurídicas ser incorrecta, a outra base jurídica visada permitia adoptar o acto em causa, motivo pelo qual considerou o referido acto válido. Ora, este raciocínio não é aplicável no presente processo.

97      Deve, por isso, concluir‑se que a legalidade do regulamento impugnado depende designadamente do respeito por este último das disposições do Regulamento n.° 60/2004, com base no qual foi adoptado. É à luz desta conclusão que há que analisar as duas vertentes que constituem o presente fundamento.

B –  Quanto à primeira vertente

98      A República da Estónia afirma que o artigo 6.° do Regulamento n.° 60/2004 prevê unicamente a obrigação de eliminar as quantidades excedentárias calculadas a partir do açúcar detido pelos operadores comerciais e não das reservas domésticas. Para fundamentar esta tese, que a Comissão contesta, a República da Estónia subdivide a primeira parte do segundo fundamento em cinco partes que há que analisar separadamente.

1.     No que respeita ao significado do termo «existência»

a)     Argumentos das partes

99      A República da Estónia observa que a redacção do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 60/2004 exclui as reservas domésticas do cálculo da quantidade excedentária.

100    Efectivamente, a própria definição do termo «existência», ou seja «provisão ou reserva acumulada; especialmente: produtos alimentares detidos no entreposto de um vendedor ou de um fabricante», remete unicamente para as quantidades detidas pelos operadores. Do mesmo modo, a «Concepts and Definitions Database» (base de dados de conceitos e definições) do Eurostat (Serviço de Estatísticas das Comunidades Europeias) não inclui os retalhistas e os agregados familiares.

101    Por outro lado, a utilização do termo «existência» nos regulamentos relativos à OCM do açúcar exclui as reservas domésticas, como demonstra o artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 1998/78 da Comissão, de 18 de Agosto de 1978, que estabelece as regras de aplicação do sistema de compensação dos custos de armazenagem no sector do açúcar (JO L 231, p. 5; EE 03 F14 p. 261), o artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 189/77 da Comissão, de 28 de Janeiro de 1977, que estabelece modalidades de aplicação do regime de existências mínimas no sector do açúcar (JO L 25, p. 27; EE 03 F11 p. 118), os artigos 8.° e 12.° do Regulamento (CE) n.° 2038/1999 do Conselho, de 13 de Setembro de 1999, que estabelece a organização comum de mercado no sector do açúcar (JO L 252, p. 1), e o Anexo III, ponto XI, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1260/2001 ou o artigo 10.°, n.° 4, deste último regulamento. Esta definição resulta mesmo do ponto 7 do documento de trabalho da Comissão de 16 de Fevereiro de 2000 intitulado «Forecast balance sheet 2006/2007 of the Sugar Management Committee» (Balanço de previsões 2006/2007 do comité de gestão do açúcar).

102    Ora, em conformidade com o princípio da interpretação sistemática, um mesmo termo deve ser interpretado, salvo indicação em contrário, da mesma maneira e, em todo o caso, o Anexo IV, ponto 4, n.° 2, do acto de adesão dispõe que a determinação do reporte normal de existências deve ser efectuada segundo critérios próprios de cada organização comum de mercado.

103    É também de sublinhar que um determinado conceito pode, no espaço jurídico comunitário, ter um significado particular (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 1982, Cilfit e o., 283/81, Recueil, p. 3415, n.° 19) e que, num mesmo domínio jurídico, o Tribunal de Justiça interpreta de modo idêntico um conceito que figura em diferentes disposições (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Março de 1982, Levin, 53/81, Recueil, p. 1035, n.os 6 e segs.).

104    Por último, a República da Estónia considera que uma interpretação contrária à sua tese implica que o termo «existência» possa englobar o açúcar, que, normalmente, se enquadra no conceito de «consumo», ou seja, o açúcar vendido aos agregados familiares para uso destes. Contudo, o artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 60/2004 contém no mesmo parágrafo os termos «consumo» e «existências» e seria pouco provável que a Comissão tivesse utilizado estes dois termos se o segundo abrangesse o primeiro, uma vez que tal tornaria supérfluo o conceito de «consumo», que, em todo o caso, é sinónimo de aquisição e não de ingestão do açúcar pelo consumidor.

105    A Comissão contesta os argumentos da República da Estónia.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

106    A título preliminar, é de referir que o princípio da eliminação das quantidades excedentárias que o Regulamento n.° 60/2004 pretende pôr em prática é estabelecido por uma norma de direito primário, ou seja o Anexo IV, ponto 4, n.° 2, do acto de adesão, para o qual remete o sétimo considerando do referido regulamento, e no qual o termo «existência» ocupa uma posição central. Deve, por isso, considerar‑se que o conceito de «existência», visado no Regulamento n.° 60/2004, decorre do referido no Anexo IV, ponto 4, n.° 2, do acto de adesão.

107    A República da Estónia considera que o termo «existência», assim circunscrito, deve ser objecto de uma interpretação estrita, limitada às reservas constituídas pelos operadores comerciais, enquanto a Comissão preconiza uma interpretação alargada que inclui igualmente as reservas domésticas.

108    Contudo, nem a Comissão nem a República da Estónia se podem apoiar em qualquer documento susceptível de demonstrar que a intenção dos autores do acto de adesão ou a da Comissão quando da redacção do Regulamento n.° 60/2004 era conferir ao termo «existência» o significado que invocam.

109    Na ausência de trabalhos preparatórios que exprimam claramente a intenção dos autores de uma disposição, o órgão jurisdicional comunitário apenas se pode basear no alcance do texto tal como foi elaborado e atribuir‑lhe o sentido que resultar da sua interpretação literal e lógica (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Junho de 1961, Simon/Tribunal de Justiça, 15/60, Colect. 1954‑1951, p. 607; Recueil, p. 223, p. 244). Consequentemente, há que analisar o sentido habitualmente reconhecido ao referido termo para determinar se corresponde ao proposto pela Comissão ou ao proposto pela República da Estónia.

110    Ora, no quadro da interpretação literal de uma disposição, há que ter em conta que os textos de direito comunitário são redigidos em várias línguas e que as diversas versões linguísticas fazem igualmente fé. A interpretação de uma disposição de direito comunitário implica assim uma comparação das versões linguísticas (acórdão Cilfit e o., já referido no n.° 103 supra, n.° 18, e acórdão de Tribunal de Primeira Instância de 6 de Outubro de 2005, Sumitomo Chemical e Sumika Fine Chemicals/Comissão, T‑22/02 e T‑23/02, Colect., p. II‑4065, n.° 42).

111    A este respeito, é de referir que o termo «existência» não tem um significado unívoco nas diferentes versões linguísticas dos actos jurídicos em causa.

112    Assim, o termo «existência» foi utilizado nas versões francesa e inglesa do acto de adesão e do Regulamento n.° 60/2004. Nas versões espanhola, italiana, polaca e estoniana, os termos utilizados foram, respectivamente, «existencias», «scorta», «zapas» e «varu».

113    Uma análise do significado habitual de cada um destes termos revela que, em italiano, em polaco e em estónio, o termo «existência» pode ser utilizado indistintamente para as reservas constituídas pelos operadores comerciais e pelas constituídas pelos agregados familiares. Em inglês, em francês e em espanhol, o referido termo enquadra‑se sobretudo na linguagem comercial, mas pode igualmente referir‑se às reservas constituídas pelos agregados familiares.

114    Consequentemente, embora tanto a tese da Comissão como a da República da Estónia tenham um certo apoio na análise das diferentes versões linguísticas do acto de adesão e do Regulamento n.° 60/2004, a da Comissão afigura‑se mais plausível.

115    Além disso, é de referir que, para a interpretação de uma disposição de direito comunitário, há que ter em conta não apenas os termos da mesma, mas igualmente o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que se enquadra (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 1983, Merck, 292/82, Recueil, p. 3781, n.° 12), e o conjunto das disposições do direito comunitário (acórdãos Cilfit e o., já referido no n.° 103 supra, n.° 20, e Sumitomo Chemical e Sumika Fine Chemicals/Comissão, já referido no n.° 110 supra, n.° 47).

116    Em especial, é de recordar que, mesmo quando as diversas versões linguísticas contêm elementos que parecem apoiar determinada interpretação, na medida em que um texto, lido no seu conjunto, seja ambíguo, há que examinar a função dos termos controvertidos à luz das finalidades da regulamentação em causa (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1980, Roudolff, 803/79, Recueil, p. 2015, n.° 7).

117    Consequentemente, dado que a utilização do termo «existência» não é isenta de uma certa ambiguidade, há que o interpretar em função da finalidade do Regulamento n.° 60/2004, que, no que respeita à eliminação das quantidades excedentárias, só pode ser concordante com a do anexo IV, ponto 4, n.° 2, do acto de adesão.

118    Quanto ao anexo IV, ponto 4, n.° 2, do referido acto, é de sublinhar que, no acórdão de 15 de Janeiro de 2002, Weidacher (C‑179/00, Colect., p. I‑501), o Tribunal de Justiça pronunciou‑se sobre a obrigação que incumbia à República da Áustria, a República da Finlândia e ao Reino da Suécia (a seguir «novos Estados‑Membros de 1995»), quando da adesão dos referidos Estados à União Europeia em 1995 (a seguir «adesão de 1995»), de eliminar as suas expensas as existências de produtos agrícolas que se encontravam em livre prática no seu território e cuja quantidade ultrapassava a que podia ser considerada uma existência normal de reporte nos termos do artigo 145.°, n.° 2, do acto relativo às condições de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 1994, C 241, p. 9), conforme alterado (a seguir «acto de adesão de 1994»), cuja redacção é muito próxima da do anexo IV, ponto 4, n.° 2, do acto de adesão. O Tribunal de Justiça concluiu assim que os autores do acto de adesão de 1994 tinham considerado que a presença em 1 de Janeiro de 1995 nos novos Estados‑Membros de 1995 de existências anormais de produtos abrangidos pela organização comum do mercado agrícola constituía um factor de perturbação do bom funcionamento dos mecanismos previstos por essa organização, designadamente devido ao seu impacto na formação dos preços (n.os 20 e 21 do acórdão).

119    Daqui resulta que o objectivo do anexo IV, ponto 4, n.° 2, do acto de adesão é designadamente, no que respeita ao açúcar, evitar quaisquer perturbações do bom funcionamento dos mecanismos previstos pela OCM do açúcar e, em especial, as que têm incidência na formação dos preços e são provocadas pela acumulação de quantidades de açúcar anormais nos novos Estados‑Membros antes da sua adesão à União Europeia.

120    Deve, por isso, analisar‑se se, como a Comissão afirma, a acumulação de importantes reservas domésticas nos novos Estados‑Membros antes da adesão constitui uma fonte potencial de perturbação dos mecanismos da OCM do açúcar.

121    A este respeito, é de recordar que a OCM do açúcar assenta, no essencial, como resulta do que foi exposto nos n.os 1 a 6 supra, num sistema de atribuição de quotas a cada Estado‑Membro, quotas essas que este, por sua vez, deve repartir pelos produtores situados no seu território.

122    Estas quotas são calculadas em função da previsão da procura interna, que é um número resultante da soma dos consumos previsíveis de cada Estado‑Membro em função de dados históricos. Ora, a existência de reservas domésticas anormalmente elevadas num ou vários desses Estados é susceptível de originar uma diferença significativa entre as referidas quotas e a quantidade consumida a final. Efectivamente, os agregados familiares destes Estados‑Membros substituem no seu consumo habitual as quantidades em reserva pelas quantidades que de outra forma adquiririam ao preço do mercado comunitário e que se enquadrariam nas quantidades cuja produção foi autorizada pela Comissão sob a forma de quotas A e B, cujo preço é garantido no âmbito da OCM do açúcar.

123    A única forma de garantir o preço de intervenção às referidas quantidades não adquiridas no mercado é fazer funcionar os mecanismos comunitários de intervenção, através da aquisição das referidas quantidades ao preço garantido ou da sua exportação por intermédio dos mecanismos de restituição à exportação.

124    No que respeita à compra ao preço garantido, é de referir que, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1260/2001, durante toda a campanha de comercialização, o organismo de intervenção designado por cada Estado‑Membro produtor de açúcar tem a obrigação de adquirir, em condições a determinar em conformidade com o n.° 5 do referido artigo, o açúcar branco e o açúcar bruto produzidos dentro da quota, fabricados a partir de beterraba ou cana de açúcar colhidas na Comunidade, que lhe forem oferecidos, desde que anteriormente tenha sido celebrando, no que respeita ao açúcar em causa, um contrato de armazenagem entre o vendedor e o referido organismo.

125    No considerando 36 do Regulamento n.° 1260/2001 é recordado que as despesas assumidas pelos Estados‑Membros na sequência das obrigações decorrentes da aplicação do referido regulamento competem à Comunidade, em conformidade com o artigo 2.° do Regulamento (CE) n.° 1258/1999 do Conselho, de 17 de Maio de 1999, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 160, p. 103), aplicável até à entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2007, do Regulamento (CE) n.° 1290/2005 do Conselho, de 21 de Junho de 2005, relativo ao financiamento da política agrícola comum (JO L 209, p. 1), e, consequentemente, aos factos em causa no presente processo. Nos termos da referida disposição, as intervenções destinadas à regularização dos mercados agrícolas no âmbito da organização comum dos mercados agrícolas são financiadas ao abrigo da Secção «Garantia» do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA). Em consequência, a aquisição de quantidades de açúcar pelos organismos de intervenção implica um determinado prejuízo para o orçamento comunitário.

126    Quanto à exportação através das restituições aplicáveis, a leitura do artigo 15.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 1260/2001 permite concluir, como foi referido no n.° 6 supra, que a diferença entre a quantidade previsível de açúcar A e de açúcar B produzida na campanha em curso e a quantidade previsível de açúcar escoada para consumo no interior da Comunidade durante a referida campanha é, em princípio, exportada até ao fim da campanha em questão.

127    Daqui resulta que qualquer quantidade de açúcar produzida dentro das quotas A e B e não comercializada devido à existência de quantidades excedentárias não eliminadas nos novos Estados‑Membros deve, em princípio, ser exportada para fora da Comunidade. Os operadores que efectuam essa operação poderão recorrer às restituições à exportação referidas nos artigos 27.° a 30.° do Regulamento n.° 1260/2001, que são suportadas pelos produtores nos termos dos artigos 15.° e 16.° do referido regulamento. Efectivamente, os produtores em questão devem suportar os prejuízos ocasionados pela exportação, através de cotizações à produção, em conformidade com o artigo 15.°, n.os 3 a 5, do Regulamento n.° 1260/2001 e, se estas não forem suficientes para o efeito, através de uma cotização complementar, em conformidade com o artigo 16.° do referido regulamento.

128    O prejuízo económico desta forma suportado pelos produtores é, por outro lado, contrário a um dos objectivos da OCM do açúcar, uma vez que, nos termos do segundo considerando do Regulamento n.° 1260/2001, as medidas adequadas à estabilização do mercado do açúcar visam, designadamente, assegurar aos produtores de beterraba e de cana de açúcar da Comunidade a manutenção das garantias necessárias no que diz respeito ao seu emprego e nível de vida, devendo o preço de intervenção ser fixado a um nível que lhes assegure uma remuneração justa, respeitando ao mesmo tempo os interesses dos consumidores.

129    Resulta do que antecede que a eventual substituição, após a adesão dos novos Estados‑Membros à União Europeia, das quantidades que teriam sido adquiridas pelos agregados familiares no mercado comunitário por reservas domésticas nos Estados‑Membros onde existam teria efeitos nocivos para a estabilidade e o financiamento da OCM do açúcar e constituiria uma perturbação significativa deste.

130    A gravidade da referida perturbação não deve ser subestimada. Efectivamente, se as reservas domésticas devessem ser excluídas do conceito de «existência», na acepção do Regulamento n.° 60/2004, os nacionais dos novos Estados‑Membros cujo preço do açúcar é notoriamente inferior ao preço comunitário teriam interesse em constituir as maiores reservas possíveis a fim de retardar as consequências, a nível dos preços, da aplicação da OCM do açúcar no seu Estado de residência. Na medida em que, na totalidade dos novos Estados‑Membros, o preço do açúcar era inferior ou muito inferior ao preço comunitário, a interpretação proposta pela República da Estónia levaria a criar um ambiente propício à constituição maciça de reservas domésticas, o que implicaria uma redução muito importante, ou mesmo o desaparecimento em certos casos, do consumo de açúcar nos referidos Estados durante o período imediatamente após a adesão destes Estados à União Europeia.

131    Importa referir a este respeito que a diferença entre as quotas autorizadas e o consumo comunitário subsequente à adesão não poderia ser evitado pela limitação das quotas atribuídas aos produtores comunitários de forma a ter em conta o consumo anormalmente reduzido que seria de esperar por parte dos Estados‑Membros que constituíram ou podiam constituir reservas domésticas significativas.

132    Efectivamente, as quotas de produção são determinadas, na lógica do Regulamento n.° 1260/2001, uma única vez para todo o período de aplicação do referido regulamento, nos termos do seu artigo 11.°, n.° 2, e isto à data da adopção do regulamento, ou seja muito antes da adesão. Em consequência, o único meio de adaptar a produção comunitária à procura previsível, uma vez que as quotas para os antigos Estados‑Membros já foram atribuídas, seria conceder aos novos Estados‑Membros quotas mais reduzidas do que as que lhe foram atribuídas se o consumo desses Estados, no decurso do período imediatamente a seguir à adesão, pudesse ser qualificado de normal em relação às campanhas de comercialização recentes.

133    Ora, as quotas de produção atribuídas aos novos Estados‑Membros foram fixadas no anexo II, ponto 32, alíneas c) e d), do acto de adesão e, consequentemente, numa data em que não era ainda possível conhecer a dimensão das reservas domésticas constituídas nos novos Estados‑Membros, uma vez que estas podiam ser constituídas até à data da adesão destes últimos à União Europeia.

134    Por outro lado, calcular as quotas comunitárias em função de uma procura anormalmente reduzida mais não faz, em substância, do que retardar a plena aplicação da OCM do açúcar nos novos Estados‑Membros em prejuízo dos produtores para os quais a OCM do açúcar pretende preservar, segundo a redacção clara do considerando 2 do Regulamento n.° 1260/2001, o emprego e o nível de vida. Ora, resulta dos artigos 2.° e 10.° do acto de adesão que este se baseia no princípio da aplicação imediata e integral das disposições do direito comunitário aos novos Estados‑Membros, só sendo admitidas derrogações na medida em que estejam expressamente previstas nas disposições transitórias (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça de 9 de Dezembro de 1982, Metallurgiki Halyps/Comissão, 258/81, Recueil, p. 4261, n.° 8, e de 3 de Dezembro de 1998, KappAhl, C‑233/97, Colect., p. I‑8069, n.° 15).

135    Por último, é de referir, a título exaustivo, que, nos documentos enviados pela República da Estónia à Comissão em língua inglesa no período que antecedeu à adopção do período que antecedeu à adopção do regulamento impugnado, a própria República da Estónia se referiu por várias vezes às reservas domésticas como «existência».

136    É, assim, de concluir que o termo «existência», na acepção do Regulamento n.° 60/2004 e do anexo IV, ponto 4, n.° 2, do acto de adesão, não deve ser interpretado, ao contrário do que afirma a República da Estónia, no sentido de que exclui em princípio as reservas domésticas.

137    Esta conclusão não é contrariada por nenhuma das afirmações da República da Estónia.

138    Efectivamente, no que respeita, em primeiro lugar, à afirmação de que o Tribunal de Justiça interpreta de forma idêntica um conceito que figura em disposições diferentes que se enquadram no mesmo domínio jurídico e que os regulamentos relativos à OCM do açúcar não permitem considerar que as reservas domésticas fazem parte das existências, é de referir, sem ser necessário analisar se, nos referidos regulamentos, o termo «existência» é sempre utilizado a respeito das reservas constituídas pelos operadores comerciais, que a interpretação de um termo que figura numa disposição em conformidade com o modo como foi utilizado nas normas que se enquadram no mesmo domínio jurídico não pode conduzir a atribuir‑lhe um significado que não corresponda ao objecto da disposição de que faz parte, sob pena de esta ficar privada de parte do seu efeito útil.

139    Por outro lado, os órgãos jurisdicionais comunitários nunca se pronunciaram sobre a questão de saber se o termo «existência», conforme é visado nos diferentes regulamentos relativos à OCM do açúcar, apenas é aplicável às reservas constituídas pelos operadores.

140    Por último, as disposições invocadas pela República da Estónia não servem de apoio à sua tese.

141    Assim, a primeira das referidas disposições, o artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1998/78, dispõe:

«2.      Considera‑se, na acepção do presente regulamento:

a)      Como triturador, aglomerador, cristalizador, aquele:

–        cuja actividade consiste em produzir, a partir do açúcar em bruto, unicamente açúcares das posições 17.01 e 17.02 da pauta aduaneira comum, que apresentem outras características físicas para além das do açúcar utilizado,

–        para o qual, durante uma campanha açucareira, a média das existências verificadas no final de cada mês nos armazéns aprovados não seja inferior a 200 toneladas;

b)      Como comerciante especializado aquele:

–        em que uma das actividades essenciais consiste em negociar o açúcar em grosso e que compra, por campanha açucareira, uma quantidade mínima de 10 000 toneladas de açúcar comunitário ou de açúcar preferencial ou do conjunto dos dois, para sua revenda em bruto,

–        que não exerça a profissão de retalhista de açúcar,

–        para o qual, durante uma campanha açucareira, a média das existências constatadas no final de cada mês nos seus armazéns aprovados não seja inferior a 500 toneladas.»

142    Não é possível concluir que esta disposição limite o conceito de «existências» apenas às reservas constituídas pelos operadores comerciais. Dado que o Regulamento n.° 1998/78 prevê, designadamente, um sistema relativo à compensação dos custos de armazenagem de determinadas entidades, é compreensível que o mesmo defina quais são as entidades que se enquadram nas categorias abrangidas pelo sistema de compensação em questão. Não obstante, do mesmo não resulta que apenas as pessoas assim definidas possam deter existências.

143    A segunda disposição invocada pela República da Estónia, o artigo 1.° do Regulamento n.° 189/77, prevê:

«1.      A existência mínima:

–        deve ser constantemente mantida no decurso de cada mês em causa;

–        não pode incluir açúcar que seja objecto de um reporte em conformidade com as disposições do artigo 31.° do Regulamento (CEE) n.° 3330/74, desde que os custos de armazenagem para esse açúcar não sejam reembolsados […]

2.      A produção de açúcar, para efeitos do disposto na alínea a) do artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 1488/76, e a existência mínima referida no n.° 1, serão estabelecidas em conformidade com as disposições do artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 700/73.»

144    Não é possível concluir que esta disposição limita o conceito de «existências» apenas às reservas constituídas pelos operadores comerciais. Por outro lado, o Regulamento n.° 189/77 remete para o artigo 18.° do Regulamento (CEE) n.° 3330/74 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1974, relativo à organização comum do mercado no sector do açúcar (JO L 359, p. 1), que prevê a obrigação de todos os produtores de açúcar, e não todos os operadores, constituírem uma existência mínima em função, designadamente, das suas quotas de produção. Ora, a República da Estónia não explica por que razão se deve inferir do facto de uma norma de direito comunitário obrigar os produtores de um produto a constituir existências que apenas os operadores visados o possam fazer.

145    As terceira e quarta disposições invocadas pela República da Estónia, os artigos 8.° e 12.° do Regulamento n.° 2038/1999, dispõem:

«Artigo 8.°

1.      É previsto, nos termos do presente artigo, um regime de perequação dos custos de armazenagem, que comporta um reembolso mediante um montante uniforme (forfaitaire) e um financiamento deste último por meio duma quotização.

2.      Os custos de armazenagem:

–        do açúcar branco,

–        do açúcar bruto,

–        dos xaropes obtidos antes de o açúcar atingir o estado sólido,

–        dos xaropes obtidos por dissolução do açúcar no estado sólido,

produzidos a partir da beterraba ou da cana colhidas na Comunidade, serão reembolsados, mediante um montante uniforme pelos Estados‑Membros.

Os Estados‑Membros cobram uma quotização de cada fabricante de açúcar, conforme o caso:

–        por unidade de peso de açúcar produzido,

–        por unidade de peso de xaropes referidos no primeiro parágrafo, produzidos acima do açúcar no estado sólido e escoados no estado em que se encontrem.

O montante do reembolso é o mesmo para toda a Comunidade. Esta regra de uniformidade aplica‑se igualmente para a quotização.

3.      O n.° 2 não é aplicável nem aos açúcares adicionados de aromas e de corantes do código NC 1701, nem aos xaropes adicionados de aromatizantes e de corantes do código NC 2106 90 59.

4.      O Conselho, deliberando por maioria qualificada sob proposta da Comissão:

a)      Adoptará as regras gerais para a aplicação do presente artigo;

b)      Fixará, ao mesmo tempo que os preços de intervenção derivados, o montante do reembolso.

5.      O montante da quotização será fixado anualmente nos termos do artigo 48.° As outras modalidades de aplicação do presente artigo serão adoptadas nos mesmos termos.

[…]

Artigo 12.°

1.      Com vista a assegurar o aprovisionamento regular do conjunto ou de uma das zonas da Comunidade, é prevista a obrigação permanente de manter no território europeu da Comunidade uma reserva mínima:

a)      De açúcar de beterraba produzido na Comunidade;

b)      De açúcar de cana produzido nos departamentos franceses ultramarinos e de açúcar preferencial indicado no artigo 40.°

A reserva mínima de açúcar indicada na alínea a) do parágrafo precedente será igual, durante um determinado período, a uma percentagem da quota A de cada empresa açucareira ou à mesma percentagem da sua produção de açúcar A desde que esta seja inferior à sua quota A.

A percentagem fixada pode ser reduzida.

A reserva mínima de açúcar indicada na alínea b) do primeiro parágrafo será igual a uma percentagem da quantidade de açúcar em causa que uma empresa tenha refinado durante um período determinado.

2.      O Conselho, deliberando por maioria qualificada sob proposta da Comissão, adoptará as regras gerais para a aplicação do presente artigo e nomeadamente a data e a percentagem indicadas no segundo parágrafo do n.° 1, bem como a percentagem e o período indicados no quarto parágrafo do n.° 1.

Segundo o mesmo procedimento, pode ser prevista uma obrigação equivalente à obrigação de manter uma reserva mínima dos produtos indicados no n.° 1, alíneas f) e h), do artigo 1.°

3.      As modalidades de aplicação do presente artigo, nomeadamente a redução da percentagem indicada no terceiro parágrafo do n.° 1, serão adaptadas nos termos do artigo 48.°»

146    Assim, estas disposições dizem respeito a uma obrigação dos produtores de açúcar, e não de todos os operadores do sector, de constituir uma existência mínima em função, designadamente, das suas quotas de produção e das quantidades efectivas refinadas. Ora, como foi referido no n.° 144 supra, a República da Estónia não explica por que razão se deve inferir de o facto de uma norma de direito comunitário obrigar os produtores de um produto a constituir existências que apenas os operadores visados o possam fazer.

147    A quinta disposição invocada pela República da Estónia, ou seja, o anexo III, ponto IX, n.° 1, do Regulamento n.° 1260/2001, prevê:

«O contrato prevê o pagamento ao vendedor de um suplemento de preço sempre que:

a)      Ocorra um aumento do preço da beterraba aquando da transição de uma campanha açucareira para outra e,

b)      O aumento do preço de intervenção do açúcar motivado pelo aumento do preço da beterraba não seja deduzido das reservas existentes no momento da transição.

[…]»

148    Ora, esta disposição não define expressa nem implicitamente o conceito de «existência» nem limita a sua possível utilização apenas às reservas constituídas por operadores.

149    A sexta disposição invocada pela República da Estónia, ou seja, o artigo 10.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1260/2001, prevê:

«Para efeitos do n.° 3, deve ser determinada, antes de 1 de Outubro, em relação a cada campanha de comercialização, a quantidade garantida no âmbito das quotas com base nas previsões de produção, importação, consumo, armazenagem, reporte e saldo exportável, bem como na perda média previsível a cargo do regime de autofinanciamento nos termos do n.° 1, alínea d), do artigo 15.° Quando estas previsões apontarem para um excedente exportável, a título da campanha de comercialização em causa, superior ao máximo previsto no acordo acima referido, a quantidade garantida é reduzida da diferença, nos termos do procedimento previsto no n.° 2 do artigo 42.° Esta diferença é repartida pelo açúcar, a isoglicose e o xarope de inulina, em função da percentagem representada pela soma das quotas A e B de cada produto na Comunidade. A diferença é em seguida repartida por Estado‑Membro e por produto, com recurso ao coeficiente de repartição correspondente fixado no quadro seguinte […]»

150    Ora, é de salientar que esta disposição também não define, de modo expresso ou implícito, o conceito de «existências» nem limita a sua possível utilização apenas às reservas constituídas por operadores.

151    Por último, a República da Estónia não esclarece de que modo a sua tese é justificada pelo ponto 7 do documento de trabalho da Comissão de 16 de Fevereiro de 2006 intitulado «Forecast balance sheet 2006/2007 of the Sugar Management Committee», o qual, embora mencione o termo «existência», contém apenas um número.

152    No que se refere, em segundo lugar, à afirmação da República da Estónia segundo a qual o artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 60/2004 contém no mesmo parágrafo os termos «consumo» e «existências» e que é pouco provável que a Comissão tenha utilizado estes dois termos se o segundo incluísse o primeiro, é de referir que se trata de uma afirmação incorrecta.

153    Efectivamente, é de referir desde logo que o artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 60/2004, que visa definir o conceito de «existências anormais», dispõe que a Comissão deve ter em conta, entre outros elementos, a produção, o consumo e as existências de açúcar e de isoglicose. Assim, resulta desta disposição que o nível das existências é um elemento que deve ser tido em consideração para determinar se se está perante existências anormais, fazendo, por isso, o termo «existência» parte simultaneamente do conceito a definir e da própria definição. Independentemente de isto poder evidenciar uma técnica legislativa pouco precisa, tal sugere que a presença do conceito «consumo» simultaneamente no conceito a definir e na definição do termo «existência» é possível na lógica do Regulamento n.° 60/2004.

154    Em todo o caso, a utilização do termo «consumo» nesta disposição deve ser entendida em sentido macroeconómico, na medida em que o Regulamento n.° 60/2004 tem designadamente por objectivo evitar perturbações da OCM do açúcar no seu conjunto.

155    Ora, a questão essencial para distinguir, do ponto de vista macroeconómico, as quantidades que devem ser consideradas consumidas das quantidades que devem ser consideradas armazenadas na acepção do Regulamento n.° 60/2004 é a de saber se o açúcar comprado é utilizado de uma forma tal que o comprador deva obter quantidades de açúcar suplementares para cobrir eventuais necessidades futuras. Efectivamente, se a compra do açúcar é de uma importância tal que implica que as necessidades futuras do referido produto serão cobertas pelo açúcar então adquirido, as quantidades desta forma adquiridas tem o mesmo efeito sobre o consumo futuro que as existências já constituídas pelos operadores e devem, por isso, ser equiparadas a estas.

156    Tendo em conta o que antecede, é de afastar a primeira subdivisão da primeira parte.

2.     No que respeita à leitura sistemática do Regulamento n.° 60/2004

a)     Argumentos das partes

157    A República da Estónia afirma que a tese segundo a qual as reservas domésticas não podem ser tidas em conta no cálculo da sua quantidade excedentária é confirmada pela leitura sistemática do Regulamento n.° 60/2004. Assim, os considerandos 5, 6 e 8 do referido regulamento, tal como o considerando 1 do regulamento impugnado, apenas se referem à necessidade de impedir a especulação proveniente, como qualquer perturbação do mercado, necessariamente da revenda do açúcar armazenado, e não do açúcar detido pelos agregados familiares. Por essa razão, o preço do açúcar passou na Estónia, depois da adesão, de 0,35 euro par kg a cerca de 1,10 euros por quilo para, em seguida, permanecer estável ao passo que, em caso de especulação, teria flutuado.

158    A República da Estónia sublinha que o artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 60/2004 dispõe que a totalidade de quantidade excedentária deve ser eliminada do mercado através de uma das modalidades que prevê. Ora, nenhuma dessas modalidades pode ser executada pelos agregados familiares para eliminar as suas reservas, as quais, por outro lado, já foram eliminadas do mercado. Assim, a obrigação de eliminar as reservas dos agregados familiares não pode ser respeitada através do pagamento do montante referido no artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 60/2004. Este pagamento poderá constituir uma sanção ou um subsídio, mas não permite proceder à eliminação do açúcar ou evitar as perturbações do mercado. Do mesmo modo, a referida disposição apenas se aplicaria se a obrigação de eliminação não tivesse sido respeitada pelos operadores e o artigo 1.° do regulamento impugnado impusesse expressamente a eliminação da quantidade excedentária em conformidade com o artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 60/2004, o que impediria o cumprimento desta obrigação através do pagamento do referido montante.

159    Acresce que o artigo 6.°, n.° 3, do Regulamento n.° 60/2004, que contém o mecanismo que permite respeitar a obrigação prevista no artigo 6.°, n.° 2, do referido regulamento, mostra que este último não prevê a inclusão das reservas domésticas nas quantidades excedentárias, uma vez que o referido artigo 6.°, n.° 3, impõe que os novos Estados‑Membros adoptem um sistema de identificação das quantidades excedentárias com vista a respeitar a obrigação de eliminação que apenas respeita aos operadores comerciais. O artigo 6.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 60/2004 impõe que os novos Estados‑Membros obriguem unicamente os operadores a eliminar do mercado uma quantidade equivalente de açúcar ou de isoglicose da sua quantidade excedentária individual.

160    Por último, a República da Estónia considera incorrecto concluir que existe uma obrigação decorrente do acto de adesão ou do Regulamento n.° 60/2004 de impedir os agregados familiares de adquirirem quantidades de açúcar. Com efeito, tal não resulta das suas disposições ao que acresce que, dado o acto de adesão e o Regulamento n.° 60/2004 terem entrado em vigor em 1 de Maio de 2004, os mesmos não podiam impor obrigações aos novos Estados‑Membros antes da sua adesão à União Europeia.

161    A Comissão contesta os argumentos da República da Estónia.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

162    Em primeiro lugar, é de recordar que o princípio da eliminação das quantidades excedentárias que o Regulamento n.° 60/2004 pretende pôr em prática está estabelecido pelo anexo IV, ponto 4, n.° 2, do acto de adesão, sendo seu objectivo evitar todas as perturbações do bom funcionamento dos mecanismos previstos pela OCM do açúcar e, designadamente, os causados pelos elementos que tenham incidência na formação dos preços e provocados pela acumulação de quantidades anormais de açúcar nos novos Estados‑Membros antes da adesão (v. n.° 119 supra).

163    Em consequência, há que considerar, ao contrário do que afirma a República da Estónia, que o Regulamento n.° 60/2004 não visa unicamente combater a especulação ligada ao simples comércio, mas igualmente prevenir perturbações dos mecanismos previstos pela OCM do açúcar e remediar eventuais efeitos nocivos para a estabilidade desta provocados pela existência de quantidades anormais de açúcar nos novos Estados‑Membros, acumuladas antes da adesão.

164    Ora, como se concluiu nos n.os 121 a 129 supra, a existência de reservas domésticas consideráveis constitui uma ameaça importante de perturbação da OCM do açúcar.

165    Por outro lado, como a Comissão indica, é claramente referido no considerando 7 do Regulamento n.° 60/2004, o objectivo de eliminar do mercado as existências de açúcar superiores ás existências de reporte normais, a expensas do novo Estado‑Membro. Por outro lado, é precisado no considerando 8 do referido regulamento que é do interesse tanto da Comunidade como dos novos Estados‑Membros impedir a acumulação de existências excedentárias e, em todo o caso, identificar os operadores ou indivíduos implicados em importantes movimentos comerciais especulativos. Tal confirma, como a Comissão correctamente referiu, que o objectivo do Regulamento n.° 60/2004 não consiste unicamente em prevenir a especulação ligada ao simples comércio, mas de um modo mais geral assegurar a eliminação dos excedentes de açúcar comprovados nos novos Estados‑Membros.

166    Por último, é errado afirmar que a análise do mercado estónio do açúcar durante o período posterior à adesão confirma a inexistência de risco de perturbação. Com efeito, o facto de, após a adesão, o preço do açúcar no referido mercado ter passado de 0,35 euros por quilo a cerca de 1,10 euros por quilo para, em seguida, permanecer estável não é senão uma consequência lógica da aplicação da OCM do açúcar na Estónia. A referida OCM fixa um preço mínimo para o açúcar abaixo do qual nenhum operador tem interesse em vender açúcar produzido no quadro da quota que lhe foi atribuída e abaixo do qual não pode vender açúcar produzido à margem da referida quota, uma vez que incumbe ao operador em causa uma obrigação de exportação sem restituição da parte da Comunidade. Nestas condições, é perfeitamente compreensível que o preço do açúcar na Estónia tenha aumentado após a adesão para, seguidamente, permanecer estável sem que daí se deva tirar a conclusão de que não existe risco de perturbação do mercado.

167    Por outro lado, a perturbação do mercado do açúcar que pode ser provocada pela existência de reservas domésticas anormais não está ligada à venda do açúcar abaixo do preço garantido pela OCM do açúcar, mas, como já foi realçado nos n.os 121 a 129 supra, à eventual queda do consumo nos Estados‑Membros em que foram constituídas essas reservas, o que levaria a um distanciamento entre as quotas atribuídas no quadro da OCM do açúcar e o consumo comunitário, em prejuízo dos produtores e, eventualmente, do orçamento comunitário.

168    Em segundo lugar, há que referir que as conclusões que a República da Estónia extrai da impossibilidade prática de eliminar as reservas domésticas em conformidade com as modalidades referidas no artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 60/2004 derivam de uma interpretação errada do referido regulamento.

169    Com efeito, a tese da República da Estónia assenta, no essencial, na premissa de que, nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 60/2004, as mesmas quantidades excedentárias que existem no novo Estado‑Membro, conforme confirmadas pela Comissão, devem ser as que serão eliminadas pelo mesmo, as suas expensas e em conformidade com as modalidades referidas no mesmo artigo. Tal pressupõe uma identidade entre o açúcar considerado excedentário e o açúcar que deve ser eliminado.

170    Ora, tal premissa é errada.

171    Com efeito, o artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 60/2004 prevê que o novo Estado‑Membro em questão assegurará a eliminação do mercado de uma quantidade de açúcar ou de isoglicose, sem intervenção comunitária, igual à quantidade excedentária determinada pela Comissão. O referido Estado‑Membro não deve, assim, eliminar o açúcar considerado excedentário em 1 de Maio de 2004, mas uma quantidade de açúcar, mesmo adquirida ou produzida após essa data, equivalente à quantidade que foi considerada excedentária pela Comissão.

172    Esta interpretação é confirmada pelo facto de a Comissão, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 60/2004, na versão anterior à alteração resultante da adopção do Regulamento n.° 651/2005, determinar o mais tardar até 31 de Outubro de 2004, para cada novo Estado‑Membro, a quantidade de açúcar em bruto ou de açúcar sob a forma de produtos transformados, isoglicose ou frutose, que ultrapassa a quantidade considerada existência de reporte normal em 1 de Maio de 2004 e que deve ser eliminada do mercado a expensas dos novos Estados‑Membros. Nos termos do n.° 2 da mesma disposição, o novo Estado‑Membro em causa assegurará a eliminação do mercado de uma quantidade de açúcar ou de isoglicose, sem intervenção comunitária, igual à quantidade excedentária referida no n.° 1, o mais tardar até 30 de Abril de 2005. Resulta da leitura conjugada destas duas disposições que a Comissão dispõe de um prazo de seis meses a partir de 1 de Maio de 2004 para determinar a quantidade excedentária que existia nessa data e que o Estado‑Membro em causa dispõe ainda de seis meses para eliminar uma quantidade equivalente à referida quantidade excedentária.

173    É, por isso, perfeitamente possível que as quantidades excedentárias existentes no território do Estado‑Membro em causa em Maio de 2004 tenham sido escoadas antes do final de Outubro de 2004 e, por maioria de razão, antes do final de Abril de 2005.

174    É certo que, nos termos do artigo 6.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 60/2004, as autoridades competentes do novo Estado‑Membro devem dispor, em 1 de Maio de 2004, para aplicação do n.° 2, de um sistema de identificação das quantidades excedentárias, comercializadas ou transformadas de açúcar em bruto ou de produtos transformados, isoglicose e frutose, pelos principais operadores em causa. Contudo, tal não garante que as mercadorias excedentárias na posse dos referidos operadores não escapem ao controlo destes últimos e não sejam exportadas para fora do seu território e mesmo do território do Estado‑Membro em causa. Por outro lado, esta disposição apenas respeita aos principais operadores, deixando fora do sistema de identificação assim criado as quantidades excedentárias de açúcar na posse dos operadores menos significativos, quantidades essas que, isoladamente, teriam necessariamente um peso menor na totalidade da quantidade excedentária constatada mas que, uma vez que reunidas, podem representar uma parte não desprezível, ou mesmo substancial, da referida quantidade excedentária.

175    Por outro lado, nos termos do artigo 6.°, n.° 3, segundo, terceiro e quarto parágrafo, do Regulamento n.° 60/2004, o novo Estado‑Membro utiliza este sistema para obrigar os operadores em causa a eliminar do mercado a suas próprias expensas uma quantidade equivalente de açúcar ou de isoglicose da sua quantidade excedentária individual, devendo os operadores em questão apresentar a respectiva prova. Caso essa prova não seja apresentada, o novo Estado‑Membro cobrará aos referidos operadores um determinado montante a imputar ao orçamento nacional, calculado em função da quantidade que deve ser eliminada. Contudo, esta obrigação apenas respeita aos operadores principais.

176    Por último, o artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 60/2004, por força do qual os Estados‑Membros apresentarão à Comissão a prova de que a quantidade excedentária referida no n.° 1 do artigo 6.° foi eliminada do mercado em conformidade com o artigo 6.°, n.° 2, precisando o método utilizado para o efeito, não faz referência às quantidades eliminadas pelos operadores principais nos termos do n.° 3, mas a uma quantidade que engloba necessariamente estas últimas mas pode ser superior, ou seja, a quantidade equivalente à quantidade excedentária constatada para o Estado‑Membro em causa.

177    Daqui resulta que a obrigação de eliminação que incumbe aos novos Estados‑Membros em relação aos quais a Comissão constatou a existência de quantidades excedentárias não se refere ao açúcar excedentário acumulado em 1 de Maio de 2004, mas simplesmente a uma quantidade equivalente a esse açúcar.

178    Consequentemente, mesmo que uma parte da quantidade excedentária constatada em relação República da Estónia ou em relação a qualquer outro novo Estado‑Membro tenha sido armazenada sob a forma de reservas domésticas anormais e, como a República da Estónia afirma, embora a eliminação destas reservas não seja possível segundo as modalidades de eliminação referidas no artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 60/2004, o Estado‑Membro em questão pode ainda cumprir a sua obrigação de eliminação obtendo uma quantidade de açúcar equivalente à das suas reservas domésticas para a eliminar em conformidade com as referidas modalidades e, em seguida, apresentar a prova à Comissão. Esta quantidade pode ser adquirida, eventualmente, ao preço do mercado comunitário, aos operadores comerciais situados no Estado‑Membro em causa ou a outros operadores comunitários. Ao assim proceder, o Estado‑Membro em questão provoca um aumento da procura comunitária igual à diminuição artificial gerada pelas suas reservas domésticas e compensa o efeito negativo da existência das mesmas para a estabilidade da OCM do açúcar.

179    Se o Estado‑Membro em causa não cumprir a sua obrigação de eliminação da quantidade excedentária constatada pela Comissão, será obrigado, nos termos do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 60/2004, a pagar ao orçamento comunitário um montante preciso calculado em função da quantidade não eliminada.

180    Esta disposição, como a Comissão realça, institui um sistema que tem por objectivo assegurar que os custos adicionais necessários para fazer face às eventuais perturbações do mercado do açúcar decorrentes da existência de quantidades excedentárias não eliminadas não sejam suportados pelo orçamento nem pelos produtores comunitários, mas pelos Estados‑Membros em causa, no respeito do ponto 4, n.° 2, do anexo IV do acto de adesão, nos termos do qual a eliminação das quantidades excedentárias deve ser feita a expensas dos referidos Estados, sendo consequência lógica desta última disposição que os encargos ligados à não eliminação das quantidades excedentárias devam também ser imputados aos Estados‑Membros que as deveriam ter eliminado.

181    Por último, é de rejeitar o argumento da República da Estónia segundo o qual as reservas domésticas já formam eliminadas do mercado na medida em que foram vendidas aos consumidores. Efectivamente, as modalidades de eliminação permitidas pelo Regulamento n.° 60/2004 são unicamente as previstas no seu artigo 6.°, n.° 2, como a própria República da Estónia sublinha, e a simples venda no interior do Estado‑Membro em causa não figura entre essas modalidades.

3.     No que respeita ao conceito de «existência» adoptado quando das adesões anteriores

a)     Observações preliminares

182    Os artigos 86.° e 254.° do Acto relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados (JO 1985, L 302, p. 23, a seguir «acto de adesão de 1985») prevêem, no que respeita à adesão destes dois Estados (a seguir «novos Estados‑Membros de 1986») à Comunidade Europeia (a seguir «adesão de 1986»), que quaisquer existências de produtos que se encontrem em livre prática nos territórios espanhol e português em 1 de Março de 1986 e cuja quantidade ultrapasse a pode ser considerada como representando uma existência normal de reporte deve ser eliminada pelos Estados em causa a suas expensas. O artigo 142.°, n.° 2, do acto de adesão de 1994 e o artigo 7.° do Regulamento (CEE) n.° 3577/90 do Conselho, de 4 de Dezembro de 1990, relativo às medidas transitórias e às adaptações necessárias no sector da agricultura na sequência da unificação alemã (JO L 353, p. 23), têm um conteúdo equivalente, mutatis mutandis, no que respeita às existências que se encontravam respectivamente no território dos novos Estados‑Membros de 1995 quando da adesão destes últimos à União Europeia em 1995 e no território da antiga República Democrática alemã quando da reunificação alemã. Estas quatro disposições e o anexo IV, ponto 4, n.° 2, do acto de adesão são semelhantes.

183    As disposições que fixaram o conteúdo concreto da obrigação de eliminação das quantidades excedentárias no quadro, por um lado, das adesões de 1986 e de 1995 e quando da reunificação alemã e, por outro, no da adesão dos novos Estados‑Membros em 2004 apresentam, contudo, diferenças importantes.

184    Com efeito, o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 3770/85 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, relativo às existências de produtos agrícolas que se encontram em Espanha (JO L 362, p. 18; EE 03 F39 p. 234), dispõe que se considera existência de produtos qualquer quantidade de produtos pertencente ao Reino de Espanha ou a qualquer pessoa singular ou colectiva ou por eles detida, com excepção das quantidades mínimas. O artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 3771/85 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, relativo às existências de produtos agrícolas que se encontram em Portugal (JO L 362, p. 21; EE 03 F39 p. 237) é idêntico, mutatis mutandis, ao artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 3770/85 no que respeita à República Portuguesa. Assim, estas duas disposições introduzem uma regra de minimis no conceito de «existência» adoptado quando da adesão de 1986, centrado na importância da quantidade colocada em reserva e não na qualidade do seu detentor.

185    Nenhuma disposição das normas relativas à adesão de 1995 ou das relativas à reunificação alemã estabelece uma regra de minimis idêntica no que respeita ao açúcar. Contudo, uma regra deste tipo resulta dos artigos 6.° do Regulamento (CE) n.° 3300/94 da Comissão, de 21 de Dezembro de 1994, que estabelece medidas transitórias no sector do açúcar na sequência da adesão da Áustria, da Finlândia e da Suécia (JO L 341, p. 39), e do artigo 2.°, primeiro parágrafo, do Regulamento (CEE) n.° 2761/90 da Comissão, de 27 de Setembro de 1990, relativo as existências de produtos agrícolas que se encontram no território da antiga República Democrática alemã (JO L 267, p. 1), como adiante se analisará.

186    Em contrapartida, o Regulamento n.° 60/2004 não contém uma regra de minimis que permita expressamente excluir as quantidades mínimas.

187    Uma segunda diferença importante entre os sistemas de eliminação de excedentes de açúcar aplicados, por um lado, quando das adesões de 1986 e de 1995 e da reunificação alemã e, por outro, quando da adesão de 2004 é o método de determinação das quantidades excedentárias.

188    No que respeita à adesão de 1986, nos termos do artigo 5.°, n.° 1, dos Regulamentos n.os 3770/85 e 3771/85, salvo disposições especiais relativas a determinados produtos, considera‑se existência normal de reporte a existência de funcionamento necessária para cobrir as necessidades do mercado em causa durante um período a determinar, sendo estas necessidades avaliadas, nomeadamente, em função do consumo, da transformação e das exportações tradicionais, tendo em conta os critérios e os objectivos próprios de cada organização comum de mercado.

189    Nos termos do artigo 8.°, n.os 1, e 2, alínea a), dos Regulamentos n.os 3770/85 e 3771/85, as modalidades de aplicação dos referidos regulamentos abrangem designadamente a fixação das existências referidas nos artigos 86.° e 254.° do acto de adesão de 1985 para os produtos cujas quantidades ultrapassam a existência normal de reporte. Por essa razão, o artigo 2.° do Regulamento (CEE) n.° 579/86 da Comissão, de 28 de Fevereiro de 1986, que estabelece as regras relativas às existências de produtos do sector do açúcar que se encontrem em 1 de Março de 1986 em Espanha e em Portugal (JO L 57, p. 21), que dá aplicação, no sector do açúcar, aos Regulamentos n.os 3770/85 e 3771/85, não fixa os excedentes atribuídos pela Comissão ao Reino de Espanha e à República Portuguesa, mas a existência normal de reporte para estes Estados na data da sua adesão à Comunidade. São em seguida estes últimos que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 3.° e 4.° do Regulamento n.° 579/86, devem proceder ao cálculo das suas quantidades excedentárias. Para tanto, devem proceder a um recenseamento das existências que se encontrem em livre prática no seu território à data da adesão de 1986 com base nas declarações dos detentores das quantidades de açúcar ou de isoglicose de pelo menos 3 toneladas, devendo estas ser efectuadas antes de 13 de Março de 1986 junto das autoridades competentes. Em seguida, os Estados em causa devem assegurar a exportação para fora da Comunidade, até 1 de Janeiro de 1987, de uma quantidade igual à diferença entre a quantidade recenseada e a existência normal de reporte fixada pela Comissão.

190    Consequentemente, na medida em que o recenseamento é efectuado unicamente em relação às quantidades superiores a 3 toneladas, a obrigação de eliminação só respeita na prática a uma quantidade equivalente à diferença entre o conjunto das reservas individuais de mais de 3 toneladas existentes no Estado‑Membro em causa e a existência normal de reporte determinada pela Comissão, conforme prevê a regra de minimis enunciada no artigo 3.°, n.° 2, dos Regulamentos n.° 3770/85 e n.° 3771/85.

191    No essencial, o sistema instituído pelas as disposições pertinentes relativas à adesão de 1995 é idêntico ao do Regulamento n.° 579/86. Assim, no que respeita a adesão de 1995, os artigos 5.°, 6.° e 7.° do Regulamento n.° 3300/94 são respectivamente equivalentes, mutatis mutandis, aos artigos 2.°, 3.° e 4.° do Regulamento n.° 579/86. Os artigos 6.° e 7.° do Regulamento n.° 3300/94 aplicam uma regra de minimis equivalente à estabelecida pelos artigos 3.° e 4.° do Regulamento n.° 579/86.

192    O sistema criado pelas disposições pertinentes relativas à reunificação alemã apresenta também muitas semelhanças com o do Regulamento n.° 579/86. Contudo, há duas diferenças fundamentais.

193    Assim, em primeiro lugar, nos termos do artigo 2.° do Regulamento n.° 2761/90, a República Federal da Alemanha procederá a um recenseamento e à elaboração de um inventário para determinação das existências privadas de determinados produtos, incluindo o açúcar, que se encontrem no território da antiga República Democrática Alemã no dia da unificação, excluindo quantidades mínimas. Mas o segundo parágrafo desta mesma disposição prevê que, para a execução do parágrafo anterior, a República Federal da Alemanha pode igualmente utilizar métodos estatísticos. Ora, esta possibilidade não era oferecida aos novos Estados‑Membros de 1986 nem aos de 1995 quando das adesões anteriores.

194    Em segundo lugar, o Regulamento n.° 2761/90 não estabelece a obrigação por parte da República Federal da Alemanha de eliminar as quantidades recenseadas ou calculadas por via estatística que ultrapassem uma existência de reporte normal, obrigação essa, contudo referida no artigo 7.° do Regulamento n.° 3577/90.

195    Em todo o caso, todos os sistemas descritos apresentam uma diferença fundamental em relação ao sistema instituído pelo Regulamento n.° 60/2004. Com efeito, neste último regulamento, não está previsto que incumba a Comissão fixar as existências normais de reporte de cada novo Estado‑Membro para seguidamente o obrigar a proceder ao recenseamento das quantidades superiores à 3 toneladas existentes no seu território e a calcular, comparando o número assim obtido com o número correspondente às existências normais de reporte determinado pela Comissão, a sua própria quantidade excedentária (sistema das adesões de 1986 e de 1995). Também não compete ao novo Estado‑Membro em causa a realização de um recenseamento das suas existências constituídas por quantidades não mínimas (sistema da reunificação alemã). Pelo contrário, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 60/2004, a Comissão determina directa e unilateralmente a quantidade excedentária de cada novo Estado‑Membro.

196    Acresce que resulta desta mesma disposição que a Comissão não efectua o cálculo das quantidades excedentárias com base num eventual recenseamento dos principais detentores de existências em cada Estado‑Membro, mas tomando designadamente em conta a evolução observada no decurso do ano que antecedeu a adesão relativamente aos anos precedentes no que respeita às quantidades importadas e exportadas de açúcar em bruto ou de açúcar sob a forma de produtos transformados, como a isoglucose e a fructose, à produção, ao consumo e às existências de açúcar e de isoglucose e, por último, as circunstâncias em que se constituíram as existências.

197    Isto implica que a Comissão calcule a quantidade excedentária de cada novo Estado‑Membro utilizando as estatísticas macroeconómicas disponíveis e não observando directamente a situação real das existências a nível microeconómico. Por esse motivo é que é referido no considerando 9 do Regulamento n.° 60/2004 que, para a determinação das existências e a eliminação das existências excedentárias identificadas como tais, os novos Estados‑Membros devem comunicar à Comissão as estatísticas mais recentes em matéria de trocas comerciais, de produção e de consumo dos produtos em causa, mas não um recenseamento com base no qual o cálculo seja realizado.

198    Não obstante, é introduzida neste sistema uma certa flexibilidade, na medida em que os resultados das análises macroeconómicas podem ser modulados em função de circunstâncias em que se constituíram as existências, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004.

199    É à luz de todas estas considerações que deve ser apresentada, e seguidamente analisada, a argumentação das partes.

b)     Argumentos das partes

200    A República da Estónia afirma que a exclusão das reservas domésticas do conceito de «existência» está em conformidade com o anexo IV, ponto 4, n.° 2, do acto de adesão, designadamente na medida em que esta disposição é quase idêntica às adoptadas quando das adesões de 1986 e de 1995 nos termos das quais os novos Estados‑Membros de 1986 e de 1995 estavam sujeitos a obrigações de eliminação dos seus excedentes equivalentes à obrigação que incumbe aos novos Estados‑Membros, dado que estas últimas disposições excluem manifestamente as reservas domésticas do conceito de «existências que devem ser eliminadas», só tendo sido tidas em conta as existências que excediam 3 toneladas para efeitos de determinar as quantidades excedentárias dos novos Estados‑Membros de 1986 e de 1995.

201    Isto prova que o conceito de «existências privadas» que consta do anexo IV, ponto 4, n.° 2, do acto de adesão não se refere aos agregados familiares, mas aos operadores comerciais, dado que as reservas domésticas na Estónia são em média de 72 kg por agregado familiar.

202    Em especial, a adesão de 1995 e a de 2004 não podem ser consideradas diferentes no que respeita às reservas domésticas pelo facto de, quando desta última, os riscos serem mais significativos devido à dimensão dos mercados dos novos Estados‑Membros. Com efeito, tal só seria verdade na hipótese de as reservas domésticas dos novos Estados‑Membros representarem um risco sério para o funcionamento do mercado. Ora, as 43 000 toneladas de reservas domésticas na Estónia são irrelevantes quando comparadas com as 13 420 682 toneladas das quotas A e B na União Europeia.

203    Por último, se a Comissão pretendia actuar de forma diferente, deveria tê‑lo indicado expressamente, designadamente quando comunicou a sua vontade de tratar a questão das existências agrícolas tendo em conta a experiência adquirida nas adesões precedentes, como evidencia o documento da Comissão de 30 de Janeiro de 2002 relativo às existências (a seguir «SIP») e é confirmado por uma carta de 20 de Agosto de 2003 dirigida ao embaixador da República da Estónia.

204    A Comissão contesta os argumentos da República da Estónia.

c)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

205    A tese da República da Estónia consiste, no essencial, em afirmar que, na medida em que as disposições adoptadas quando das adesões de 1985 e de 1995 e quando da reunificação alemã instituíram um sistema de eliminação de quantidade excedentárias do qual foram na prática excluídas as quantidades mínimas, o conceito de «existências» visado pelas referidas obrigações, substancialmente idêntico ao referido no anexo IV, ponto 4, n.° 2, do acto de adesão, não pode abranger as quantidades mínimas como as constituídas pelas reservas domésticas.

206    Esta tese não pode ser admitida.

207    Com efeito, os protocolos e anexos de um acto de adesão constituem disposições de direito primário que, a menos que o acto de adesão disponha em sentido diferente, só podem ser suspensos, alterados ou revogados segundo os procedimentos previstos para a revisão dos tratados originais (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Setembro de 2003, Áustria/Conselho, C‑445/00, Colect., p. I‑8549, n.° 62).

208    Ora, em princípio, o alcance de uma disposição de direito primário não é susceptível de ser interpretado à luz das disposições de direito derivado que as instituições eventualmente adoptaram para sua aplicação. Pelo contrário, é o direito derivado que deve ser interpretado, se essa interpretação for necessária e na medida do possível, no sentido da sua conformidade com as disposições de direito originário (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 1986, Klensch e o., 201/85 e 202/85, Colect., p. 3477, n.° 21).

209    A este respeito, é de salientar que nem as disposições, referidas no n.° 182 supra, que previam uma obrigação de eliminação das quantidades excedentárias no quadro das adesões de 1986 e de 1995 e da reunificação alemã nem o ponto 4, n.° 2, do anexo IV do acto de adesão limitam o conceito de «existência» às quantidades com uma certa dimensão.

210    Por outro lado, quando uma disposição de direito comunitário é susceptível de ser objecto de várias interpretações, há que privilegiar a que possa salvaguardar o seu efeito útil (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2000, Comissão/França, C‑434/97, Colect., p. I‑1129, n.° 21). Consequentemente, se existirem dúvidas quanto à dimensão mínima das quantidades visada pelo conceito de «existência» constante das referidas obrigações, há que as afastar optando pela interpretação que possa assegurar o efeito útil das referidas obrigações.

211    Ora, como foi precisado no n.° 119 supra, o objectivo das obrigações em causa é designadamente, no que respeita ao açúcar, evitar quaisquer perturbações do bom funcionamento dos mecanismos previstos pela OCM do açúcar e, em especial, as causadas por elementos que tenham incidência na formação dos preços e provocadas pela acumulação de quantidades de açúcar anormais nos novos Estados‑Membros antes da adesão. Assim, as referidas obrigações seriam privadas do seu efeito útil se as quantidades mínimas fossem desde logo excluídas do conceito de «existências», na medida em que poderia ocorrer uma perturbação de mercado se as quantidades mínimas armazenadas fossem de tal forma numerosas que, conjuntamente, constituíssem uma parte substancial do mercado em causa.

212    Tal não se opõe a que a Comissão, no quadro das medidas que adopta para instituir um sistema de eliminação destinado a assegurar o efeito útil das obrigações mencionadas nos n.os 182 e 209 supra, decida, por razões de simplificação administrativa e de proporcionalidade, limitar as obrigações que decorrem do referido sistema às quantidades armazenadas de particular importância, se considerar que, ao assim proceder, não compromete o objectivo imperativo de evitar qualquer perturbação do mercado. A decisão da Comissão a este respeito só pode depender dos riscos que, em seu entender cada adesão apresenta para a estabilidade do mercado.

213    È unicamente nesta perspectiva que há que ter em conta a existência de diferenças importantes entre as disposições que definiram o conteúdo concreto da obrigação de eliminação das quantidades excedentárias no quadro, por um lado, das adesões de 1986 e de 1995 e da reunificação alemã e, por outro, da adesão de 2004.

214    Quanto ao argumento da República da Estónia baseado no facto de a Comissão dever explicar por que razão tinha decidido actuar de maneira diferente em relação às adesões anteriores, trata‑se, na realidade, de uma acusação baseada na violação do dever de fundamentação e, consequentemente, será analisada no âmbito do terceiro fundamento.

215    Deve, assim, ser afastada a terceira subdivisão da primeira parte.

4.     No que respeita à interpretação do artigo 32.° CE

a)     Argumentos das partes

216    A República da Estónia refere que artigo 32.°, n.° 1, CE, exclui os agregados familiares da política agrícola comum. As reservas domésticas não podem, reger‑se pelas normas relativas à referida política, incluindo o Regulamento n.° 60/2004. Por outro lado, os agregados familiares não podem abusar dos mecanismos da OCM do açúcar, revendendo as referidas reservas a um preço mais elevado, ou exportando‑as com restituição da parte da Comunidade. A razão da aquisição de 1 000 000 toneladas de açúcar pelos organismos de intervenção não é a existência de 43 000 toneladas de reservas domésticas na Estónia, mas um nível de restituições à exportação mais baixo do que previsto e, sobretudo, o aumento da produção de açúcar por hectare, que atingiu na campanha de 2004/2005 um rendimento de 9,10 toneladas por hectare em lugar de 8,17 toneladas por hectare conforme previsto, como é confirmado pela desclassificação pela Comissão de cerca de 1 900 000 toneladas para a campanha 2005/2006.

217    A Comissão contesta os argumentos da República da Estónia.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

218    É verdade que, como refere a República da Estónia, o artigo 32.°, n.° 1, CE dispõe que «[o] mercado comum abrange a agricultura e o comércio de produtos agrícolas». É igualmente verdade que o n.° 4 do mesmo artigo dispõe que «[o] funcionamento e desenvolvimento do mercado comum para os produtos agrícolas devem ser acompanhados da adopção de uma política agrícola comum».

219    É de recordar a este respeito que o âmbito da competência comunitária em matéria agrícola deve ser interpretado à luz do artigo 33.° CE, que enuncia os objectivos da política agrícola comum, e do artigo 34.° CE, que dispõe, designadamente, que, a fim de atingir os objectivos definidos no artigo 33.° CE, é criada uma organização comum dos mercados agrícolas e que esta organização pode abranger todas as medidas necessárias para atingir os referidos objectivos (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1979, Stölting, 138/78, Colect., p. 369, e de 23 de Fevereiro de 1988, Reino Unido/Conselho, 68/86, Colect., p. 855, n.° 9).

220    Os objectivos da política agrícola enunciados no artigo 33.° CE visam, em particular, assegurar um nível de vida equitativo à população agrícola, designadamente pelo aumento do rendimento individual dos que trabalham na agricultura, e estabilizar os mercados.

221    Daqui resulta que os objectivos da política agrícola devem ser concebidos de forma a permitir às instituições comunitárias o cumprimento das suas responsabilidades tendo em conta mecanismos necessários para prevenir as perturbações dos mercados e assegurar o rendimento individual considerado adequado para os que trabalham no sector.

222    Nos termos do artigo 34.°, n.° 2, CE, a organização comum, sob uma das formas previstas no n.° 1 do mesmo artigo, pode abranger todas as medidas necessárias para atingir os objectivos definidos no artigo 33.° CE, designadamente regulamentações dos preços, subvenções tanto à produção como à comercialização dos diversos produtos, medidas de armazenamento e de reporte e mecanismos comuns de estabilização das importações ou das exportações.

223    Conforme resulta do que já foi previamente concluído, o controlo das quantidades anormais de açúcar colocadas em reserva nos novos Estados‑Membros antes da sua adesão a União Europeia, no que se incluem as reservas domésticas, é uma condição imperativa para evitar eventuais perturbações da OCM do açúcar, em consequência, designadamente, da queda artificial previsível da procura causada pela substituição das quantidades que seriam adquiridas no mercado pelas referidas reservas, isto em prejuízo dos rendimentos dos produtores comunitários e do orçamento comunitário.

224    Daqui resulta que a tomada em consideração das reservas domésticas para calcular a totalidade das quantidades excedentárias nos novos Estados‑Membros, necessária para evitar a ocorrência dos problemas acima referidos, se enquadra nas medidas a adoptar no âmbito da política agrícola comum. A tese da República da Estónia deve por isso ser posta de parte.

5.     No que respeita à interpretação do conceito de «detentores de existências excedentárias» adoptada pelo Tribunal de Justiça

a)     Argumentos das partes

225    Segundo a República da Estónia, o Tribunal de Justiça restringiu a conceito de «detentores de existências excedentárias» apenas aos operadores comerciais (acórdão Weidacher, já referido no n.° 118 supra, n.° 42). Esta interpretação foi efectuada num contexto normativo idêntico ao do presente processo. Em especial, o Tribunal de Justiça remeteu para o artigo 4, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 3108/94 da Comissão, de 19 de Dezembro de 1994, relativo as medidas transitórias a adoptar, devido à adesão da Áustria, da Finlândia e da Suécia, no que respeita ao comercio de produtos agrícolas (JO L 328, p. 42), cujo conteúdo, no que respeita ao conceito de «existência excedentária», é idêntico, no essencial, ao do Regulamento n.° 60/2004.

226    A Comissão contesta os argumentos da República da Estónia.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

227    É verdade que, como afirma a República da Estónia, o Tribunal de Justiça adoptou, no acórdão Weidacher, já referido no n.° 118 supra, uma definição de conceito de «detentor de existências excedentárias» na acepção do Regulamento n.° 3108/94 que abrange apenas os operadores comerciais. O Tribunal concluiu que o referido conceito, na acepção do artigo 4.° do mesmo regulamento, abrange qualquer pessoa que tenha o poder de colocar o produto armazenado no mercado e daí obter lucro (n.° 45 do acórdão).

228    Contudo, a interpretação do referido acórdão pela República da Estónia é incorrecta, mesmo que o artigo 145.°, n.° 2, do acto de adesão de 1994, que prevê que os novos Estados‑Membros de 1995 devem eliminar os excedentes a suas expensas, e o anexo IV, ponto 4, n.° 2, do acto de adesão sejam muito similares e o Regulamento n.° 60/2004 vise dar aplicação a este último.

229    A este respeito, em primeiro lugar, é de salientar que no acórdão Weidacher, já referido no n.° 118 supra, o Tribunal de Justiça não definiu o conceito de «detentor de existências excedentárias» a que se refere o artigo 145.°°, n.° 2, do acto de adesão de 1994, nem mesmo o referido numa disposição de execução deste último. Com efeito, o artigo 4.° do Regulamento n.° 3108/94 não impõe nenhuma obrigação de eliminação de qualquer quantidade de produtos agrícolas, mas, unicamente, a tributação das existências excedentárias constatadas. É esta a razão pela qual o Tribunal de Justiça se limitou a indicar que a referida disposição permite atenuar o peso da obrigação dos novos Estados‑Membros de 1995, prevista no artigo 145.°, n.° 2, do acto de adesão de 1994, de eliminar essas existências a suas expensas, sem afirmar que a mesma podia constituir uma norma de execução deste acto.

230    Ora, a este respeito, é de notar que o facto de os detentores de existências excedentárias só serem tributados pela posse destas existências se forem operadores comerciais não implica necessariamente que o conceito de «existências excedentárias que devem ser eliminadas» apenas possa abranger as existências na posse dos operadores comerciais.

231    Por outro lado, há uma diferença fundamental entre a aplicação de um imposto sobre a posse de existências excedentárias, que, na prática, só pode visar as pessoas que detenham uma quantidade mínima, e a tomada em consideração das quantidades excedentárias existentes num Estado‑Membro, que pode incluir quantidades mínimas se, como no presente caso, for feita com base na observação de determinadas variáveis macroeconómicas.

232    Em consequência, o facto de o Tribunal de Justiça ter precisado que os detentores de existências que deviam ser tributados nos termos do Regulamento n.° 3108/94 eram operadores comerciais não implica necessariamente que as quantidades que não estejam na posse dos referidos operadores não possam ser contabilizadas a título de quantidades excedentárias no quadro da adopção do regulamento impugnado.

233    Em segundo lugar, importa salientar que o Tribunal de Justiça, no acórdão Weidacher, já referido no n.° 118 supra, não pretendia responder à questão de saber se o conceito de «detentores de existências excedentárias» referido no artigo 4.° do Regulamento n.° 3108/94 abrangia unicamente operadores que detêm quantidades anormais de um produto ou também os agregados familiares que constituíram reservas anormais. O Tribunal de Justiça pretendia apenas determinar se, como afirmou o Governo austríaco no processo que deu lugar ao referido acórdão, apenas a pessoa que tem o poder de dispor da mercadoria pode ser considerada detentora da mesma na acepção do artigo 4.° do Regulamento n.° 3108/94 ou, como a Comissão indica, se o termo «detentores», na acepção da referida disposição, designa a pessoa que exerce o controlo efectivo sobre as existências ou que as detêm real e materialmente, o que inclui credor pignoratício ou o transportador, que não detém necessariamente o poder de delas dispor livremente (n.os 40, 41 e 43 do acórdão). Foi unicamente neste contexto que o Tribunal de Justiça referiu que o conceito de «detentores», na acepção do artigo 4.° do Regulamento n.° 3108/94, visava pessoas que, em 1 de Janeiro de 1995, tinham o poder de colocar o produto armazenado no mercado com vista a realizar um lucro que a tributação em causa pretendia precisamente neutralizar (n.° 42 do acórdão). Consequentemente, não há que fazer uma interpretação extensiva desta conclusão.

234    Em terceiro lugar, é de referir que a definição de «detentor de existências excedentárias» adoptada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Weidacher, já referido no n.° 118 supra, não exclui unicamente as pessoas que não são operadores comerciais, mais também os operadores comerciais que não podem retirar um lucro anormal da venda do produto armazenado. Assim, o Tribunal de Justiça concluiu que era de interpretar o conceito de «detentores», na acepção do artigo 4.° do Regulamento n.° 3108/94, no sentido de que visa pessoas que, à data de 1 de Janeiro de 1995, tinham o poder de colocar o produto armazenado no mercado com vista a realizar um lucro que a tributação em causa no processo principal pretendia precisamente neutralizar (n.° 42 do acórdão), ou seja um lucro decorrente das vantagens económicas de que poderiam beneficiar os operadores que tivessem constituído existências excedentárias a baixo preço (n.° 22 do acórdão). Contudo, o artigo 145.°, n.° 2, do acto de adesão de 1994 obrigava os novos Estados‑Membros de 1995 a eliminar as quantidades excedentárias existentes no seu território e não unicamente as que davam origem a um lucro anormal para os seus detentores. Por essa razão, por exemplo, as disposições combinadas dos artigos 5.° a 7.° do Regulamento n.° 3300/94 impunham à República da Áustria a eliminação das quantidades de açúcar, calculadas com base na soma das existências superiores a 3 toneladas, que ultrapassassem a quantidade de referência de 294 177 toneladas, apesar de o preço do açúcar até 1995 ser superior ao preço comunitário, segundo a Comissão.

235    Em quarto lugar, a interpretação do Tribunal de Justiça no acórdão Weidacher, já referido n.° 118 supra, não pode ser analisada abstraindo de que a mesma foi efectuada num contexto normativo muito diferente do do presente caso. Com efeito, as disposições combinadas dos artigos 5.° a 7.° do Regulamento n.° 3300/94 tinham limitado na prática a obrigação de eliminação das existências excedentárias às quantidades calculadas unicamente com base na soma das existências individuais superiores a 3 toneladas e que ultrapassassem as existências normais de reporte determinadas pela Comissão para cada novo Estado‑Membro de 1995. Seria assim inadequado considerar que o conceito de «detentor» na acepção do artigo 4.° do Regulamento n.° 3108/94 conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça visava pessoas diferentes dos operadores comerciais, quando a Comissão limitou seguidamente na prática a obrigação de eliminação dos excedentes às quantidades superiores a 3 toneladas.

236    Atento o que antecede, é de concluir que a definição em causa adoptada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Weidacher, já referido no n.° 118 supra, não implica que as reservas domésticas devam ser excluídas do cálculo das quantidades excedentárias de um novo Estado‑Membro, na acepção do Regulamento n.° 60/2004. A tese da recorrente e, consequentemente, a primeira parte do seu segundo fundamento devem ser rejeitadas.

C –  Quanto à segunda parte

237    A República da Estónia alega que o regulamento impugnado, ao incluir na quantidade excedentária que lhe foi atribuída as reservas domésticas, violou o artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004, nos termos do qual a Comissão deve ter em conta as circunstâncias particulares em que foram constituídas as existências quando da determinação das quantidades excedentárias, o que a Comissão contesta.

238    A este respeito, a República da Estónia salienta que a Comissão era obrigada a tomar em conta três circunstâncias específicas relativas à sua situação, designadamente a posição particular do açúcar na economia e na cultura estónias, a alteração do método ao nível da determinação das quantidades excedentárias e a contribuição da Comunidade para a constituição dessas quantidades.

239    Por fim, a República da Letónia afirma que a Comissão não tomou suficientemente em conta o desenvolvimento da economia dos novos Estado‑Membros.

240    Há que analisar de modo independente, em primeiro lugar, os argumentos avançados pela República da Estónia baseados na não tomada em consideração pela Comissão de cada uma destas três circunstâncias e, em segundo lugar, o argumento apresentado pela República da Letónia. A título preliminar, há que determinar o alcance do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004.

1.     Observações preliminares quanto ao alcance do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004

241    Há que recordar que, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 60/2004, para determinar as quantidades excedentárias dos novos Estados‑Membros, a Comissão toma designadamente em conta a evolução durante o ano anterior à adesão relativamente aos anos anteriores no que se refere às quantidades importadas e exportadas de açúcar em bruto ou contido em produtos transformados, como a isoglucose e a fructose, à produção, ao consumo e às existências de açúcar e de isoglucose e, por último, às circunstâncias que presidiram à constituição das existências (v. n.° 13 supra).

242    Os Regulamentos que fixaram o quadro normativo da eliminação das quantidades excedentárias de açúcar quando das adesões de 1986 e de 1995, ou seja, respectivamente, os Regulamentos n.° 579/86 e n.° 3300/94, não contêm uma disposição análoga à do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004. Com efeito, por força destes dois regulamentos, todas as quantidades resultantes da adição das existências superiores a 3 toneladas que excedam as existências normais de reporte calculadas pela Comissão serão automaticamente consideradas quantidades excedentárias.

243    O sistema instituído pelo Regulamento n.° 60/2004 prevê, assim, uma real flexibilidade em comparação com os sistemas instituídos quando das adesões anteriores, na medida em que permite que uma certa reserva de açúcar não seja contabilizada a título de quantidade excedentária em função das circunstâncias em que essa reserva foi constituída.

244    Apesar disso, é de sublinhar que o Regulamento n.° 60/2004 não explica quais são as circunstâncias particulares de constituição das existências que a Comissão deve ter em conta nem o papel que as mesmas devem desempenhar na apreciação da Comissão.

245    Nestas condições, é de recordar que, como foi referido no n.° 115 supra, para a interpretação de uma disposição de direito comunitário, há que ter em conta não apenas os termos da mesma, mas igualmente o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte, bem como o conjunto das disposições do direito comunitário. O conceito de «circunstâncias que presidiram à constituição das existências» deve, assim, ser interpretado à luz do objectivo do Regulamento n.° 60/2004.

246    A este respeito, é de salientar que o objectivo das medidas instituídas pelo Regulamento n.° 60/2004 é designadamente evitar perturbações do mercado comunitário do açúcar em detrimento do orçamento comunitário e dos produtores (v. n.° 163 supra). Consequentemente, há que concluir que a tomada em consideração das circunstâncias que presidiram à constituição das existências nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004 não pode ter como efeito gerar um risco de perturbação do mercado.

247    Há, por isso, que concluir que o artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004 permite apenas excluir do cálculo das quantidades excedentárias determinadas existências constituídas, que devem ser tomadas em conta a título quantidades excedentárias segundo os restantes critérios referidos no artigo 6.°, n.° 1, do referido regulamento, mais que não constituem um risco de perturbação do mercado nas circunstâncias do presente processo. É o que sucede, por exemplo, com a constituição de existências na previsão de uma subida muito significativa do consumo ou pelo facto de, por razões particulares, o nível das existências durante o período imediatamente anterior a adesão ser anormalmente baixo.

248    Em contrapartida, não resulta da redacção do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004 que as circunstâncias em causa devam ser unicamente específicas da situação de um Estado‑Membro em particular.

249    É à luz destas considerações que a presente parte deve ser analisada.

2.     Quanto à importância do consumo de açúcar na Estónia

a)     Argumentos das partes

250    A República da Estónia refere que, no que respeita ao consumo de açúcar, a situação na Estónia difere da que se verifica nos restantes Estados‑Membros. Em primeiro lugar, os estónios têm um rendimento médio muito mais baixo que o dos nacionais dos antigos Estados‑Membros, e gastam com alimentação, bebidas e tabaco uma percentagem que representa o dobro do que é gasto por estes últimos. Em segundo lugar, 96% dos doces em calda, 92% das compotas e 54% dos sumos de frutas são de produção caseira na Estónia, sendo o consumo de açúcar por pessoa cerca de 20% superior ao dos antigos Estados‑Membros. Em terceiro lugar, a Estónia não produz açúcar e, até à adesão, não cobrava direitos aduaneiros sobre o referido produto, equivalendo o preço na Estónia a um terço do preço comunitário. Devido a este conjunto de elementos, bem como às dificuldades de abastecimento enfrentadas por este Estado após a sua independência da União Soviética, os estónios foram muito sensíveis ao preço do açúcar. Consequentemente, na medida em que estavam convencidos de que o açúcar iria aumentar após a adesão da República da Estónia à União Europeia, adquiriram quantidades de açúcar até cerca de 30 kg por habitante e de 72 kg por agregado familiar em média, tendo as importações totais passado de 65 478 toneladas em 2002/2003 a 160 023 toneladas em 2003/2004. Em contrapartida, em Malta e em Chipre, únicos outros Estados não produtores de açúcar entre os novos Estados‑Membros, não existe produção tradicional de doces em calda e o rendimento por habitante é mais elevado. Assim, o aumento do preço do açúcar não constitui um encargo comparável para os nacionais destes dois novos Estados‑Membros, que por isso não constituíram reservas.

251    A Comissão contesta os argumentos da República da Estónia.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

252    A tese da República da Estónia equivale, no essencial, a afirmar que a Comissão deveria ter tido em conta que os consumidores estónios tinham um interesse evidente e mesmo essencial em constituir importantes reservas domésticas na previsão da alta esperada do preço do açúcar na Estónia após a adesão.

253    A este respeito, é de salientar que é efectivamente exacto que os consumidores estónios tinham, durante o período imediatamente anterior à adesão, um grande interesse em constituir reservas de açúcar para retardar, na medida do possível, o impacto no seu orçamento da alta prevista, de cerca de 300%, do preço desse produto após a adesão.

254    Contudo, a tomada em consideração dessa circunstância para excluir as reservas assim constituídas do conceito de «quantidade excedentária» impediria que se alcançasse o objectivo visado pelo Regulamento n.° 60/2004, ou seja prevenir perturbações no mercado do açúcar ligadas à constituição de quantidades excedentárias (v. n.° 163 supra).

255    Em consequência, a existência de razões objectivas que tornavam interessante a constituição de reservas domésticas não pode ser considerada uma circunstância na qual as existências foram constituídas para efeitos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004.

256    Quanto argumento de que o açúcar é muito mais utilizado na Estónia que nos outros Estados‑Membros, é de referir que, mesmo que isso se revele exacto, tal não implica de modo nenhum que os excedentes constituídos sob a forma de reservas domésticas não sejam susceptíveis de criar um risco de perturbação do mercado comunitário do açúcar após a adesão.

257    Por outro lado, não resulta claramente do processo que a importância do açúcar no consumo e na cultura estónias tenha tido um papel tão fundamental na constituição das reservas domésticas como pretende a República da Estónia. Com efeito, segundo a própria República da Estónia, o consumo per capita de açúcar no seu território é apenas 20% superior à média comunitária.

258    Por último, as medidas instituídas pela Comissão por força do Regulamento n.° 60/2004 não impedem que a República da Estónia permita aos seus nacionais um consumo elevado de açúcar mas, unicamente, que constituam reservas de dimensão anormal, que, na prática, retardam a aplicação integral da OCM do açúcar no seu território, em prejuízo, designadamente, dos produtores e do orçamento comunitários.

259    A este respeito, se a República da Estónia considerava que era essencial garantir aos seus cidadãos um abastecimento temporário de açúcar a um preço inferior ao resultante da aplicação da OCM do açúcar no seu território, consequência directa da sua decisão de aderir a União Europeia, deveria ter requerido, no quadro das suas negociações com a União Europeia com vista a adesão, como fez, por exemplo, a República de Malta, e como resulta do anexo XI, n.° 4, alínea a), do acto de adesão, que lhe fosse concedida a faculdade de subvencionar a aquisição de uma determinada quantidade de açúcar pelos seus nacionais durante um determinado período.

260    Há, por isso, que concluir que a República da Estónia não demonstrou que a Comissão violou o artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004 ao não tomar em conta o papel do açúcar e o seu consumo no seu território.

3.     Quanto à alteração pela Comissão dos critérios aplicados quando das adesões anteriores

a)     Argumentos das partes

261    A República da Estónia considera que, quando das adesões anteriores, a Comissão não incluiu as reservas domésticas no cálculo das quantidades excedentárias, mas, unicamente, as quantidades superiores a 3 toneladas. O método aplicado no presente processo constitui assim uma alteração fundamental e só se revelou claramente após a adesão dos novos Estados‑Membros à União Europeia, data a partir da qual os excedentes foram determinados. Isto impediu a República da Estónia de evitar a formação de reservas domésticas. Por outro lado, a Comissão suscitou a expectativa legítima de que as referidas reservas não seriam contabilizadas a título de quantidades excedentárias, remetendo de forma reiterada para as adesões anteriores. Isto resulta do facto de, no SIP, a Comissão ter indicado que apenas os operadores deveriam ser impedidos de constituir existências e que a obrigação de eliminar as existências excedentárias incumbia unicamente a estes. Estas remissões não são contrariadas pelo acto de adesão, cuja redacção, no que respeita às quantidades excedentárias, é quase idêntica às disposições equivalentes adoptadas quando das adesões anteriores.

262    A Comissão contesta os argumentos da República da Estónia.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

263    Com o presente argumento, a República da Estónia suscita, no essencial, duas questões diferentes.

264    Em primeiro lugar, afirma que o facto de, quando das adesões anteriores, as quantidades excedentárias dos novos Estados‑Membros de 1986 e de 1995 terem sido calculadas unicamente a partir de quantidades superiores a 3 toneladas existentes no seu território constitui uma circunstância em que as existências foram constituídas, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004.

265    Em segundo lugar, a República da Estónia afirma que a Comissão lhe criou uma confiança legítima relativamente ao facto de as reservas domésticas não serem contabilizadas a título de quantidades excedentárias.

266    No que respeita à primeira questão, é de referir que a República da Estónia não indica claramente qual a conclusão que daí pretende extrair. A interpretação mais plausível dos seus argumentos é a de que entende que o facto de, quando das adesões anteriores, os excedentes dos novos Estados‑Membros de 1986 e de 1995 terem sido calculados unicamente a partir de quantidades superiores a 3 toneladas implica que a Comissão deveria ter procedido da mesma forma quando da determinação das quantidades excedentárias no âmbito da adopção do regulamento impugnado.

267    Contudo, há que sublinhar desde logo que as modalidades de cálculo de quantidades excedentárias adoptadas quando das adesões anteriores não podem ser consideradas circunstâncias que presidiram à constituição das existências nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004.

268    Por outro lado, tendo em conta o que foi exposto nos n.os 245 a 248 supra, a tomada em consideração das circunstâncias que presidiram à constituição das existências não pode ter por efeito originar um risco de perturbação dos mecanismos previstos pela OCM do açúcar. Ora, se toda a quantidade de açúcar inferior a 3 toneladas devesse, por esse motivo, ser excluída do cálculo das quantidades excedentárias de um novo Estado‑Membro, a quantidade total de açúcar existente no território desse Estado no dia da adesão poderia ser muito significativa, o que comprometeria o objectivo do Regulamento n.° 60/2004, que consiste em evitar toda a perturbação dos referidos mecanismos.

269    Assim, há que considerar que o facto de a Comissão, nas disposições de execução das obrigações de eliminação de quantidades excedentárias que constam dos actos de adesão de 1985 e de 1994, ter limitado o alcance das referidas obrigações às quantidades superiores a 3 toneladas mostra unicamente que a Comissão considerou que a existência de quantidades excedentárias calculadas a partir de quantidades inferiores não representava um risco para a estabilidade do mercado comunitário do açúcar, tendo em conta as circunstâncias particulares que existiam quando das referidas adesões. Ora, esse procedimento não pode decidir antecipadamente a questão de saber se a existência de quantidades excedentárias calculadas a partir de quantidades inferiores a 3 toneladas é susceptível de dar lugar a um risco de perturbação dos mecanismos da OCM do açúcar no contexto da adesão.

270    Quanto à segunda questão, é de recordar que o princípio da protecção da confiança legítima só pode ser invocado contra uma regulamentação comunitária na medida em que a própria Comunidade tenha previamente criado uma situação susceptível de dar origem a uma confiança legítima (v. acórdão Weidacher, já referido no n.° 118 supra, n.° 31 e jurisprudência citada). O referido princípio, que faz parte dos princípios fundamentais da Comunidade, pressupõe que a instituição comunitária em causa tenha dado aos interessados garantias precisas que tenham feito nascer fundadas esperanças por parte destes (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Outubro de 2001, Martinez e o./Parlamento, T‑222/99, T‑327/99 e T‑329/99, Colect., p. II‑2823, n.° 183).

271    Ora, há que referir que a Comunidade, no presente caso, não criou previamente uma situação susceptível de dar lugar a uma confiança legitima por parte da República da Estónia ou dos operadores estónios quanto ao facto de as reservas domésticas não serem tomadas em conta para o cálculo da quantidade excedentária da Estónia.

272    Com efeito, embora seja indicado no n.° 8, n.° 1, alínea 2), do SIP que a questão das quantidades excedentárias deve ser abordada tendo em conta a experiência adquirida quando das adesões de 1986 e de 1995 e da reunificação alemã, tal não implica que as medidas adoptadas quando da adesão de 2004 devam ser idênticas às adoptadas por ocasião das adesões anteriores.

273    Por outro lado, as disposições aplicáveis quanto às adesões de 1986 e de 1995 que são citadas, a título informativo, no ponto 8, n.° 1, alínea 2), do SIP são as que constam dos actos de adesão de 1985 e de 1994, e prevêem uma obrigação de eliminação das quantidades excedentárias não sujeita a uma regra de minimis contrariamente às suas disposições de execução, que introduziram uma regra desse tipo.

274    Consequentemente, a República da Estónia não conseguiu apresentar qualquer documente que desse conta de garantias precisas da parte da Comissão de que as reservas domésticas não seriam tidas em conta quando do cálculo da quantidade excedentária estónia. Também não conseguiu apresentar qualquer prova de garantias precisas da parte da Comissão de que as medidas de execução da obrigação de eliminação constante do anexo IV, n.° 4, n.° 2, do acto de adesão seriam idênticas às medidas adoptadas nos termos das disposições equivalentes dos actos de adesão de 1985 e 1994.

275    Nestas circunstâncias, a República da Estónia não podia ignorar o carácter muito aberto da redacção do anexo IV, ponto 4, n.° 2, do acto de adesão, nos termos do qual os novos Estados‑Membros eram obrigados a assegurar a suas expensas a eliminação de todas as quantidades excedentárias existentes no seu território.

276    É, assim, de concluir que o facto de as reservas domésticas não terem sido incluídas no cálculo das quantidades excedentárias quando das adesões anteriores não pode ser considerado como uma circunstância que presidiu à constituição das existências quando da adesão de 2004, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004.

4.     Quanto à contribuição da Comissão para a constituição das reservas domésticas na Estónia

a)     Argumentos das partes

277    A República da Estónia afirma que, no decurso do ano que antecedeu a adesão, 87% das importações estónias de açúcar provinham da União Europeia e eram incentivadas por subsídios comunitários considerados ilegais pelo órgão de resolução de litígios da Organização Mundial do Comércio (OMC), o que é contrário ao princípio da boa‑fé. A Comissão impediu mesmo a República da Estónia de limitar as importações comunitários como medida de salvaguarda, quando isso teria evitado a constituição de excedentes, dado que as referidas importações não eram substituíveis no decurso de um período tão reduzido.

278    A Comissão rejeita os argumentos da República da Estónia.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

279    A tese da República da Estónia parte, essencialmente, da premissa de que a existência de reservas domésticas e, de modo mais geral, da quantidade excedentária da Estónia, se deve designadamente ao facto de a União Europeia ter subvencionado exportações de açúcar para o seu território. Conclui daí que a Comissão é obrigada a tomar em consideração esta circunstância nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004 para excluir as reservas domésticas do cálculo da sua quantidade excedentária.

280    Esta tese não pode ser aceite.

281    Com efeito, mesmo pressupondo que possa ser estabelecida uma relação de causa e efeito entre a constituição das reservas domésticas na Estónia e as exportações comunitários subvencionadas para a República da Estónia, esta relação não torna menos perigosa para a estabilidade da OCM do açúcar a existência das referidas reservas. As mesmas são susceptíveis de provocar perturbações no mercado comunitário do açúcar, pelas razões referidas nos n.os 121 a 134 supra, e isto sejam quais forem os motivos pelos quais foram constituídas.

282    Consequentemente, tendo em conta as considerações constantes dos n.os 245 a 248 supra, é de concluir que a existência de exportações comunitárias subvencionadas para a República da Estónia não deve ser tomada em consideração como circunstância que presidiu à constituição das existências nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004.

283    Por outro lado, e em qualquer caso, a premissa na qual se baseia a tese da República da Estónia é errada.

284    Com efeito, é pacífico entre as partes que o preço do açúcar no mercado internacional equivalia, antes da adesão, a menos de um terço do preço comunitário. Consequentemente, mesmo se Comissão tivesse disposto de meios para eliminar qualquer possibilidade de a República da Estónia se abastecer de açúcar junto dos operadores comunitários, os importadores estónios manteriam de qualquer forma interesse evidente em se dirigir aos produtores de açúcar não comunitários para constituir existências ou para as escoar na Comunidade alargada com grande lucro, ou para fornecer aos nacionais estónios as quantidades pedidas por estes para constituírem reservas domésticas.

285    A República da Estónia considera que esta alteração das fontes de abastecimento não seria possível, na medida em que os importadores estónios teriam dificuldades em substituir de um dia para o outro os seus fornecedores tradicionais comunitários por fornecedores estabelecidos fora da Comunidade.

286    Este argumento não pode ser aceite. Com efeito, a República da Estónia não adianta qualquer razão pela qual fosse manifesto que, num mercado como o do açúcar, um operador experimentado não estivesse em condições de adquirir no mercado internacional quantidades significativas de açúcar no prazo de três meses e meio, que vai da data da publicação no Jornal Oficial do Regulamento n.° 60/2004 até à data de adesão dos novos Estados‑Membros à União Europeia, e isto tanto mais que os operadores estónios teriam podido pagar pelo açúcar não comunitário o dobro do preço de mercado e, consequentemente, conservar uma grande margem comercial.

287    Por outro lado, é de referir que nada indica que os operadores estónios não tenham podido constituir excedentes antes da data da publicação do Regulamento n.° 60/2004 com vista à sua venda na Comunidade alargada ou no mercado interno. Ora, neste caso, a adopção pela Comissão de medidas que desencorajassem as exportações comunitárias para a Estónia não bastaria para assegurar a eliminação dos referidos excedentes.

288    Consequentemente, são de rejeitar todos os argumentos da República da Estónia.

5.     Quanto à tomada em consideração insuficiente pela Comissão do desenvolvimento da economia dos novos Estados‑Membros.

a)     Argumentos das partes

289    A República da Letónia considera que a Comissão não tomou suficientemente em conta, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004, o desenvolvimento económico dos novos Estados‑Membros e a rapidez objectiva do crescimento das necessidades de recursos ligada à do crescimento do poder de compra dos habitantes e ao desenvolvimento do sector do turismo. Assim, o essencial da quantidade excedentária da Letónia resulta de um aumento da capacidade de produção e do consumo, o que não foi tido em conta nas fórmulas rígidas da Comissão. Acresce que esta deveria ter determinado não apenas a quantidade excedentária de cada novo Estado‑Membro, mas também a sua existência de reporte normal em 1 de Maio de 2004, o que teria além disso garantido que as circunstâncias que presidiram à constituição das existências fossem objecto de uma análise apropriada. Ao assim proceder, a Comissão violou igualmente o princípio da protecção da confiança legítima.

290    A Comissão contesta os argumentos da República da Letónia.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

291    O artigo 115.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal faz depender a admissibilidade de um pedido de intervenção do respeito, nomeadamente, da condição prevista no artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do mesmo regulamento, nos termos da qual a petição deve designadamente conter uma exposição sumária dos fundamentos do pedido. Por esse motivo, deve explicitar em consiste o fundamento em que se baseia o recurso, pela que a sua simples enunciação abstracta não obedece às exigências do Estatuto do Tribunal de Justiça e do Regulamento de Processo (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Janeiro de 1995, Viho/Comissão, T‑102/92, Colect., p. II‑17, n.° 68, e de 10 de Setembro de 2008, Itália/Comissão, T‑181/06, não publicado na Colectânea, n.° 139).

292    À luz destas considerações, é de concluir que os elementos invocados pela República da Letónia em apoio da sua tese são demasiado vagos para serem analisados. Com efeito, é impossível determinar com base nos referidos argumentos o modo como a Comissão deveria ter tomado em conta a evolução da economia dos novos Estados‑Membros para alterar em conformidade o seu cálculo das quantidades excedentárias com base num consumo alegadamente superior.

293    Por outro lado, o essencial dos argumentos da República da Letónia respeita, em substância, à sua própria evolução económica e, mesmo que fossem procedentes, não teriam qualquer incidência na questão de saber se, quando do cálculo da quantidade excedentária a atribuir à República da Estónia, a Comissão tomou suficientemente em conta as condições em que foram constituídas as existências no seu território.

294    Tendo em conta o que antecede, há que concluir que devem ser julgados improcedentes tanto a alegação da República da Letónia como o presente fundamento no seu conjunto.

IV –  Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

A –  Argumentos das partes

295    A República da Estónia considera que a Comissão não explicou no regulamento impugnado por que razões as reservas domésticas foram incluídas na quantidade excedentária em causa, o que é ainda mais grave tendo em conta as circunstâncias do caso em análise.

296    A este respeito, em primeiro lugar, afirma que, quando uma medida tem em vista um caso em particular, as exigências de fundamentação são mais rigorosas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 1982, Lion e o., 292/81 e 293/81, Recueil, p. 3887, n.os 18 e segs., e de 11 de Maio de 1983, Klöckner‑Werke/Comissão, 311/81 e 30/82, Recueil, p. 1549, n.os 30 e segs.). Considera que o regulamento impugnado diz respeito apenas a cinco novos Estados‑Membros e refere‑se a uma única situação que não é susceptível de se repetir, ou seja a transição do regime em vigor nesses Estados para a OCM do açúcar. Ora, quando o número de pessoas é determinado e não existem possibilidades de aplicação futuras, um regulamento constitui na realidade um feixe de decisões.

297    Em segundo lugar, a República da Estónia sublinha que uma decisão deve ser detalhada de maneira circunstanciada, designadamente quando produz efeitos sérios e significativos. Ora, dado que o montante a pagar pela República da Estónia caso não elimine as suas quantidades excedentárias é de 45,7 milhões de euros, ou seja 1,35% do seu orçamento, a Comissão está sujeita a um dever de fundamentação acrescido.

298    Em terceiro lugar, a República da Estónia realça que, por comparação com as adesões anteriores, a Comissão alterou a sua prática ao nível do cálculo das quantidades excedentárias e introduziu um método atípico no contexto da política agrícola comum, quando a alteração de uma pratica exige igualmente uma fundamentação detalhada.

299    Por último, em quarto lugar, o regulamento impugnado não contém qualquer fundamentação quanto ao modo como as circunstâncias particulares a que se refere o artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004 foram tidas em conta, com excepção de uma indicação apodíctica no considerando 3. Isto impede qualquer fiscalização da legalidade do regulamento impugnado, ao passo que, por o artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004 conferir à Comissão um amplo poder de apreciação, o nível de fundamentação exigido nesta situação seria mais elevado.

300    A este respeito, a República da Estónia refere que os fundamentos pelos quais as reservas domésticas foram incluídas no cálculo das quantidades excedentárias em causa não lhe foram comunicados, mesmo no quadro do comité de gestão do açúcar ou na reunião de 19 de Maio de 2005, e convida a Comissão a enviar ao Tribunal os documentos apresentados quando dessa reunião.

301    A Comissão contesta os argumentos da República da Estónia.

B –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

302    É de referir que o regulamento impugnado não é o acto normativo que previu que as reservas domésticas seriam tomadas em conta como quantidades excedentárias.

303    Com efeito, o acto normativo que consagrou essa tomada em conta é apenas o Regulamento n.° 60/2004. Este regulamento instituiu um sistema de cálculo de quantidades excedentárias muito diferente dos criados pelos Regulamentos n.° 579/86 e n.° 3300/94 relativamente às adesões de 1986 e de 1995 e que se baseavam designadamente na organização de um recenseamento pelas autoridades nacionais das quantidades superiores à 3 toneladas existentes no respectivo território para seguidamente as comparar a uma quantidade fixada pela Comissão à titulo de existência normal de reporte e dessa forma eliminar qualquer eventual excedente (v. n.os 195 e 196 supra).

304    A este respeito, é de referir que está claramente indicado no considerando 7 do Regulamento n.° 60/2004 que a determinação das existências excedentárias será efectuada pela Comissão com base na evolução do comércio e das tendências da produção e do consumo nos novos Estados‑Membros, entre em 1 de Maio de 2000 e 30 de Abril de 2004. Quanto ao considerando 9 do mesmo regulamento, ali se indica que, para a determinação das existências excedentárias, os novos Estados‑Membros devem apresentar à Comissão as estatísticas mais recentes sobre o comércio, a produção e o consumo dos produtos em causa (v. n.° 197 supra).

305    O artigo 6.° do Regulamento n.° 60/2004 dispõe assim que, para determinar as quantidades excedentárias, ter‑se‑á nomeadamente em conta a evolução durante o ano anterior à adesão relativamente aos anos anteriores no que se refere às quantidades importadas e exportadas de açúcar em bruto ou contido em produtos transformados, de isoglicose ou de frutose, à produção, ao consumo e às existências de açúcar e isoglicose e, por último, às circunstâncias que presidiram à constituição das existências.

306    É por isso manifesto que, como já foi atrás explicado, o Regulamento n.° 60/2004 fixa um método de determinação das quantidades excedentárias centrado na observação das tendências macroeconómicas e não na das quantidades efectivamente colocadas em reserva num Estado‑Membro em especial. Este regulamento inclui igualmente uma cláusula de flexibilidade final que permite modificar o resultado dessa análise em função de circunstâncias particulares que justifiquem a exclusão de determinadas quantidades de açúcar, desde que a existência destas quantidades não constitua um risco de perturbação dos mecanismos da OCM do açúcar, conforme resulta da interpretação do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004 efectuada nos n.os 245 a 248 supra. A própria Comissão, no anexo I da comunicação de Fischer Boel, refere que o objecto desse anexo é fixar uma metodologia para determinar as quantidades excedentárias dos novos Estados‑Membros ao nível macroeconómico, conforme exige o artigo 6.° do Regulamento n.° 60/2004, que não contém qualquer disposição que exclua as quantidades mínimas do cálculo das quantidades excedentárias.

307    O considerando 3 do regulamento impugnado menciona as variáveis macroeconómicas que foram tidas em conta na prática pela Comissão para o cálculo das quantidades excedentárias. Assim, é ali referido que, de um modo geral, a Comissão considera que as quantidades excedentárias de açúcar resultam do aumento da produção, ao qual há que acrescentar as importações e subtrair as exportações, no período compreendido entre 1de Maio de 2003 e 30 de Abril de 2004, comparativamente à média das mesmas quantidades em período idêntico dos três anos anteriores.

308    É igualmente manifesto que este método de determinação das quantidades excedentárias implica necessariamente a tomada em consideração das reservas domésticas da mesma forma que as constituídas pelos operadores. Com efeito, no que respeita à República da Estónia, Estado não produtor de açúcar, a quantidade excedentária calculada relativamente à campanha 2003/2004 deve necessariamente resultar da diferença entre as importações efectuadas durante a campanha e a média das importações efectuadas nas três campanhas anteriores à qual há que subtrair a diferença entre as exportações efectuadas nesta campanha e a média das exportações efectuadas nas três campanhas anteriores. Ora, este método, que toma em conta, em princípio, unicamente as importações e as exportações, não permite excluir as reservas domésticas da quantidade assim obtida, a não ser que se considere que a existência dessas reservas é uma circunstância que presidiu à constituição das existências para efeitos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004.

309    O facto de este método ter efectivamente sido aplicado resulta não apenas dos considerandos do regulamento impugnado mas também, e de modo mais nítido, dos documentos apresentados várias vezes à República da Estónia quando do comité de gestão do açúcar e, em último lugar, na reunião do grupo de peritos de 19 de Maio de 2005, tendo estes documentos sido apresentados antes da adopção do referido regulamento e sendo do conhecimento da República da Estónia.

310    Nestas circunstâncias, há que concluir, por um lado, que o regulamento impugnado está suficientemente fundamentado quanto à questão de saber por que razão as reservas domésticas não foram excluídas do cálculo da quantidade excedentária da Estónia e, por outro, que a fundamentação do referido regulamento não tinha forçosamente de conter as razões pelas quais a Comissão se afastou da prática adoptada nas adesões anteriores, na medida em o facto de se afastar dessa prática é uma consequência lógica e necessária do Regulamento n.° 60/2004, cuja legalidade não foi posta em causa pela República da Estónia no âmbito do presente recurso.

V –  Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da boa administração

A –  Argumentos das partes

311    A República da Estónia afirma que a Comissão violou o princípio da boa administração ao adoptar o regulamento impugnado, uma vez que, sendo este um feixe de cinco decisões relativas aos novos Estados‑Membros em questão, era obrigada a preparar cuidadosamente e imparcialmente a sua decisão. A Comissão não tomou em conta as circunstâncias particulares relativas à situação da República da Estónia apesar de delas ter sido informada. Fischer Boel tomou esta decisão com base em considerações alheias ao processo, cometendo assim um abuso de poder. Procurou, por um lado, evitar o risco de que outros novos Estados‑Membros contestassem as bases de cálculo relativas a outros produtos ou invocassem circunstâncias particulares e, por outro, evitar criar precedentes para as adesões futuras.

312    Por outro lado, a Comissão deveria ter avaliado o impacto do seu próprio comportamento sobre a situação criada, designadamente na medida em que tinha declarado que utilizaria o mesmo método de cálculo das anteriores adesões.

313    Por último, em virtude do princípio da boa administração, o colégio deveria, antes de tomar qualquer decisão, estar ao corrente dos factos essenciais. Contudo, pronunciou‑se sobre a questão da inclusão das reservas domésticas na quantidade excedentária da Estónia quando a versão definitiva da comunicação de Fischer Boel não incluía os argumentos da República da Estónia relativos designadamente às graves consequências desta decisão sobre o seu orçamento, nem as considerações de Fischer Boel sobre a matéria, nem dados quantificados efectivos, nem uma comparação com a República de Malta e a República do Chipre.

314    A Comissão considera que o presente fundamento improcede.

B –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

315    Há que referir que, pelo presente fundamento, embora invocando o princípio da boa administração, por um lado, a República da Estónia retoma no essencial as razões pelas quais considera que a Comissão a violou o artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 60/2004 ao adoptar o regulamento impugnado sem ter em conta circunstâncias particulares relativas à sua situação. Este argumentos foram analisados e considerados improcedentes no âmbito da segunda parte do segundo fundamento. Por outro lado, a República da Estónia retoma as razões pelas quais entende que o princípio da colegialidade foi violado no caso em análise. Estes argumentos foram examinados e considerados improcedentes no quadro do primeiro fundamento.

316    Há, por isso, que considerar o presente fundamento improcedente na íntegra.

VI –  Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do princípio da boa fé

A –  Argumentos das partes

317    A República da Estónia alega que o princípio de boa fé proíbe os signatários de um acordo internacional de adoptarem actos que privem esse acordo do seu objecto e da sua finalidade. Consequentemente, após a assinatura do acto de adesão, a Comissão era obrigada a abster‑se de qualquer medida susceptível de favorecer uma qualquer perturbação do mercado ou a especulação. Ora, a Comissão não tomou medidas contra o aumento das exportações comunitárias e impediu a República da Estónia de o fazer. Isto é tanto mais grave quanto a Comissão indicou que teria em conta os efeitos sobre as existências causados pela liberalização das trocas comerciais entre os Estados candidatos e a União Europeia e que aplicaria os mesmos princípios das adesões anteriores.

318    A Comissão contesta os argumentos da República da Estónia.

B –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

319    No quadro do presente fundamento, a República da Estónia adianta no essencial os mesmos argumentos que invocou no âmbito do segundo e do quarto fundamentos. Estes argumentos devem, por isso, ser julgados improcedentes pelas mesmas razões.

VII –  Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do princípio da não discriminação

320    A República da Estónia afirma que o regulamento impugnado viola o princípio da não discriminação sob três aspectos, que há que analisar separadamente.

A –  Discriminação em relação à República de Malta e à República de Chipre

1.     Argumentos das partes

321    A República da Estónia entende que foi tratada de forma discriminatória em relação à República de Malta e à República de Chipre, por estes dois novos Estados‑Membros e ela própria terem sido tratados da mesma maneira, ao passo que metade da quantidade excedentária da Estónia é constituída por reservas domésticas enquanto as quantidades excedentárias maltesa e cipriota são detidas apenas por operadores. Esta discriminação resulta igualmente da leitura do anexo 18 e é tanto mais grave quanto, como mostra a evolução do cálculo do excedente maltês entre o projecto de regulamento (13 210 toneladas) e o regulamento impugnado (2 452 toneladas), foram efectivamente tidas em conta circunstâncias particulares em relação à República de Malta.

322    A Comissão contesta os argumentos da República da Estónia.

2.     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

323    A tese da República da Estónia consiste, no essencial, em afirmar que a quantidade excedentária da Estónia foi calculada da mesma maneira que os excedentes cipriota e maltês, quando circunstâncias particulares da sua situação deveriam ter conduzido a Comissão a conceder‑lhe um tratamento diferenciado. Contudo, as razões pelas quais a República da Estónia considera dever beneficiar desse tratamento não são susceptíveis de apoiar a sua tese.

324    Com efeito, essas razões são, no essencial, as invocadas para afirmar que a Comissão deveria ter tido em conta o papel particular do consumo do açúcar na República da Estónia, expostas no quadro da segunda parte do segundo fundamento. Ora, na medida em que se concluiu que essas razões não podiam levar a Comissão a excluir as reservas domésticas da República da Estónia do cálculo da quantidade excedentária desta última, como foi salientado nos n.os 252 a 260 supra, não se pode considerar que, ao não tomar em conta as referidas razões, a Comissão tenha tratado a República da Estónia de modo discriminatório.

325    Por outro lado, na medida em que o argumento da República da Estónia pode ser entendido no sentido de que a Comissão reduziu a quantidade excedentária maltesa tendo em conta a existência de uma circunstância particular relativa à situação da República de Malta ao passo que não o fez com a República da Estónia, é de referir que a existência desta condição especifica, que não é mencionada no regulamento impugnado, não pode afectar a legalidade do cálculo da quantidade excedentária da Estónia nem evidenciar uma discriminação para com a República da Estónia.

326    Com efeito, a República da Estónia não indica se a redução a que a República de Malta teve direito lhe devia igualmente ser concedida pelo facto de a sua situação e a da República de Malta, que a permitiu a esta última obter a redução em causa, se enquadrarem na mesma circunstância particular.

327    Por outro lado, se o argumento da República da Estónia devesse ser entendido no sentido de que a quantidade excedentária total da República de Malta foi reduzida incorrectamente, seria de sublinhar que esse erro por parte da Comissão, caso fosse demonstrado, não pode por em causa o regulamento impugnado em relação à República da Estónia. Efectivamente, este Estado‑Membro não pode pedir a aplicação de um método de cálculo da sua quantidade excedentária diferente do método que lhe era aplicável e, em todo caso, o erro cometido só teria incidência sobre o regulamento impugnado no que se refere à República de Malta (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça do 14 de Março de 2002, Itália/Conselho, C‑340/98, Colect., p. I‑2663, n.os 90 e 91).

328    Deve assim concluir‑se que a República da Estónia não conseguiu demonstrar que, ao adoptar o regulamento impugnado, a Comissão a tratou de forma discriminatória em relação à República de Malta e à República de Chipre.

B –  Discriminação em relação a determinados Estados‑Membros que aderiram anteriormente à Comunidade

1.     Argumentos das partes

329    A República da Estónia considera ter sido tratada de forma discriminatória em relação aos Estados‑Membros que aderiram anteriormente à Comunidade, e seguidamente à União Europeia, uma vez que, em situações de facto e de direito idênticas, as reservas domésticas destes últimos não foram tidas em conta para a determinação das suas quantidades excedentárias, o que a Comissão contesta.

2.     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

330    É de referir que as medidas transitórias a adoptar matéria agrícola por ocasião de cada alargamento devem ser adaptadas aos riscos concretos de perturbações dos mercados agrícolas que esse alargamento pode implicar. Consequentemente, as instituições não são obrigadas a aplicar medidas transitórias idênticas no quadro de dois alargamentos sucessivos.

331    Em especial, a Comissão podia tomar em conta, entre as diferenças existentes quando dos alargamentos de 1995 e de 2004, o facto de o objectivo de evitar perturbações do mercado comunitário do açúcar devido à acumulação de excedentes ser mais difícil de alcançar em 2004, em função da dimensão muito mais significativa dos mercados dos novos Estado‑Membros e da sua capacidade de produção muito superior, bem como do facto de certos novos Estados‑Membros, como a República da Estónia, não aplicarem qualquer direito à importação de açúcar, podendo este produto ser simplesmente adquirido no mercado internacional, elementos estes que a Comissão refere nos seus articulados sem ser contestada neste ponto pela República da Estónia. Acresce que as diferenças de preço entre a Comunidade e os novos Estados‑Membros eram, também elas, muito grandes. A conjugação destes dois elementos tornava o risco de destabilização do mercado do açúcar substancialmente mais significativo e justificava, consequentemente, a adopção de medidas transitórias mais severas.

332    Deve, por isso, concluir‑se que a República da Estónia não conseguiu demonstrar que a Comissão a tratou de forma discriminatória relativamente aos Estados‑Membros que aderiram à Comunidade, e seguidamente à União Europeia, quando das adesões anteriores.

C –  Discriminação em relação ao conjunto dos antigos Estados‑Membros

1.     Argumentos das partes

333    A República da Estónia considera ter sido tratada de forma discriminatória em relação ao conjunto dos antigos Estados‑Membros. Com efeito, nos termos do regulamento impugnado, é obrigada a exigir que os seus operadores eliminem uma quantidade de açúcar além da sua quantidade excedentária para cumprir a sua obrigação de eliminação, dado que é impossível eliminar as reservas domésticas. Consequentemente, os seus operadores estão numa situação menos favoráveis do que os dos antigos Estados‑Membros. Por último, se o Regulamento n.° 60/2004 dever ser interpretado de modo a que seja a República da Estónia a assumir as consequências da existência das referidas reservas, pagando o montante referido no artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 60/2004, então a República da Estónia será objecto de uma discriminação relativamente aos antigos Estados‑Membros, que nunca não tiveram de suportar um encargo desse tipo.

334    A Comissão, a título principal, considera que os argumentos da República da Estónia são dirigidos contra o Regulamento n.° 60/2004 e não contra o regulamento impugnado, sendo por isso inadmissíveis e, subsidiariamente, contesta os referidos argumentos.

2.     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

335    Sem que seja necessário que o Tribunal se pronuncie sobre a admissibilidade dos argumentos da República da Estónia, há que salientar que os operadores estónios não são obrigados, nos termos do Regulamento n.° 60/2004, a eliminar uma quantidade de açúcar superior ao seu excedente individual. Compete unicamente à própria República da Estónia assegurar a eliminação de uma quantidade de açúcar equivalente à quantidade excedentária determinada pela Comissão (v. n.° 171 supra).

336    No que respeita à alegada discriminação de que seria objecto a República da Estónia em relação aos antigos Estados‑Membros, na medida em que tem de pagar o montante referido no artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 60/2004 caso não consiga eliminar uma quantidade de açúcar equivalente ao seu excedente, é de referir que a situação da agricultura nos novos Estados‑Membros era radicalmente diferente da que existia nos antigos Estados‑Membros (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 2007, Polónia/Conselho, C‑273/04, Colect., p. I‑8925, n.° 87). Em consequência, é de concluir que, no que se refere à existência de quantidades excedentárias, a situação dos antigos Estados‑Membros e a da República da Estónia antes do alargamento não podem ser consideradas equiparáveis.

337    Efectivamente, os operadores situados nos antigos Estados‑Membros e os situados na Estónia estavam sujeitos antes do alargamento a normas, quotas e mecanismos de apoio à produção diferentes. Por outro lado, enquanto as instituições comunitárias podiam impedir a formação de existências excedentárias no território dos antigos Estados‑Membros através de medidas previstas no quadro da OCM do açúcar, não podiam impedir a formação de existências excedentárias no território dos novos Estados‑Membros antes da sua adesão à União Europeia. É por essa razão que o anexo IV, ponto 4, n.os 1 a 4, do acto de adesão prevê a obrigação de os novos Estados‑Membros eliminarem as suas expensas as suas existências excedentárias sem prever uma obrigação paralela para os antigos Estados‑Membros, o que foi aceite pela República da Estónia ao assinar o acto de adesão.

338    Deve, por isso, concluir‑se que a República da Estónia não demonstrou a existência de uma discriminação no que lhe respeita relativamente aos antigos Estados‑Membros.

339    O presente fundamento deve, assim, ser julgado improcedente na íntegra.

VIII –  Quanto ao sétimo fundamento, relativo à violação do direito de propriedade

A –  Argumentos das partes

340    A República da Estónia afirma que o regulamento impugnado viola o direito de propriedade, reconhecido e protegido no quadro do mercado comum agrícola, ao qual só podem ser introduzidas restrições se obedecerem a objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e não constituírem uma intervenção desproporcionada que afecte a sua própria substância. Ora, obrigar os cidadãos estónios a eliminar o açúcar adquirido para seu consumo constitui uma intervenção desse tipo, uma vez que este açúcar não pode dar origem a um risco de especulação ou de perturbação do mercado. Por outro lado, tal constitui uma expropriação sem que, em contrapartida, os agregados familiares, simples consumidores, beneficiem directamente da OCM do açúcar. Por último, se os operadores forem obrigados a eliminar uma quantidade que exceda a sua existência excedentária individual, tal constituirá igualmente uma violação do direito de propriedade.

B –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

341    É de rejeitar desde logo a tese da República da Estónia.

342    Com efeito, nenhuma disposição do Regulamento n.° 60/2004 obriga os agregados familiares estónios a eliminar qualquer quantidade de açúcar nem os operadores estónios eliminar uma quantidade suplementar de açúcar em relação à sua quantidade excedentária individual. Apenas a República da Estónia é obrigada a assegurar a eliminação de uma quantidade de açúcar equivalente à quantidade excedentária determinada pela Comissão ou pagar o montante referido no artigo 7.°, n.° 2, do mesmo regulamento caso não consiga cumprir a sua obrigação.

343    Tendo em conta o que antecede, é de concluir que a República da Estónia não demonstrou qualquer violação do direito de propriedade decorrente da adopção do regulamento impugnado.

IX –  Quanto ao oitavo fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

A –  Argumentos das partes

344    A República da Estónia afirma que o regulamento impugnado viola o princípio da proporcionalidade, uma vez que a eliminação das reservas domésticas não é necessária para evitar a especulação e as perturbações do mercado, objectivos prosseguidos pelo Regulamento n.° 60/2004. Efectivamente, por um lado, a existência destas reservas só criaria um risco de perturbação se pudessem ser revendidas, o que não está ao alcance dos agregados familiares, como prova o facto de o preço do açúcar na Estónia ter triplicado após a adesão para seguidamente se estabilizar. Por outro lado, estas reservas não incentivam a especulação, como demonstra o facto de nunca ter sido tomadas em conta nas adesões anteriores. Por último, a inclusão das referidas reservas na quantidade excedentária atribuída à República da Estónia tem por efeito duplicar o montante a pagar em caso de incumprimento das obrigações previstas pelo Regulamento n.° 60/2004.

345    A República da Letónia acrescenta que, tendo em conta os erros de cálculo da Comissão, o regulamento impugnado não pode alcançar o objectivo prosseguido pelo Regulamento n.° 60/2004, que não é agravar o orçamento dos novos Estados‑Membros, mas os das empresas que armazenaram açúcar para fins especulativos utilizando as diferenças relativas aos direitos de importação.

B –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

346    As considerações desenvolvidas nos n.os 121 a 129 e 162 a 167 supra levam necessariamente a rejeitar os argumentos adiantados pela República da Estónia.

347    Quanto aos argumentos da República da Letónia, é de referir que não permitem identificar os alegados erros de cálculo da Comissão que não permitiriam alcançar o objectivo prosseguido pelo regulamento impugnado e pelo Regulamento n.° 60/2004. Por outro lado, é de referir que, ao contrário do que afirma a República da Letónia, o objectivo destes regulamentos não é agravar o orçamento das empresas que armazenaram açúcar para fins especulativos utilizando as diferenças relativas aos direitos de importação e não o dos novos Estados‑Membros, mas prevenir as possíveis perturbações da OCM do açúcar, após a adesão destes últimos, decorrentes da existência de excedentes no seu território e isto, designadamente, garantindo que estes excedentes sejam eliminados a expensas exclusivas dos referidos Estados.

348    O presente fundamento deve por isso, ser julgado improcedente.

X –  Quanto ao primeiro fundamento adicional invocado pela República da Letónia, relativo à violação dos direitos de defesa

A –  Argumentos das partes

349    A República da Letónia indica que não teve possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista sobre o regulamento impugnado e de apresentar as suas objecções num prazo razoável relativamente à metodologia a partir da qual as quantidades excedentárias foram calculadas, o que a Comissão contesta.

B –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

350    A República da Letónia invoca, no essencial, uma violação dos seus próprios direitos de defesa. Os argumentos são, consequentemente, inoperantes uma vez que, mesmo que tivessem fundamento, não poderiam ter qualquer incidência na legalidade do regulamento impugnado no que respeita à República da Estónia.

351    O presente fundamento deve, por isso, ser julgado improcedente.

XI –  Quanto ao segundo fundamento adicional invocado pela República da Letónia, relativo à violação do princípio da protecção da confiança legítima

A –  Argumentos das partes

352    A República da Letónia entende que a Comissão violou o princípio da protecção da confiança legítima, uma vez que deveria ter determinado, para cada novo Estado‑Membro, não apenas a quantidade excedentária correspondente, mas também a existência normal de reporte em 1 de Maio de 2004, o que a Comissão contesta.

B –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

353    Há que recordar que o artigo 40.°, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao processo no Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 53.°, primeiro parágrafo, do Estatuto, e o artigo 116.°, n.° 4, do Regulamento de Processo conferem ao interveniente o direito de expor de modo autónomo não apenas argumentos, mas também fundamentos, desde que estes venham em apoio dos pedidos de uma das partes principais e não tenham uma natureza completamente alheia às considerações em que se baseia o litígio tal como foi constituído entre a parte recorrente e a parte recorrida, o que levaria à alteração do objecto (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Junho de 2005, Regione autonoma della Sardegna/Comissão, T‑171/02, Colect., p. II‑2123, n.° 152).

354    Ora, o presente fundamento adicional invocado pela República da Letónia é de natureza totalmente alheia às considerações desenvolvidas em apoio dos fundamentos invocados pela República da Estónia no quadro do presente recurso e deve ser julgado inadmissível. Com efeito, embora República da Estónia tenha adiantado, no quadro da segunda parte do segundo fundamento, um argumento que pode em parte ser interpretado como relativo à violação do princípio da protecção da confiança legítima, fê‑lo com referência à circunstância de, quando das adesões anteriores, as quantidades inferiores a 3 toneladas não terem sido tomadas em conta no cálculo das quantidades excedentárias, e não a uma pretensa confiança legítima de que devia ser calculada a existência normal de reporte e não a quantidade excedentária.

355    A título exaustivo, é de referir que, embora o anexo IV, ponto 4, n.° 2, do acto de adesão disponha que qualquer existência de produtos em livre prática no território dos novos Estados‑Membros à data da adesão e que ultrapasse a quantidade que pode ser considerada como constituindo um reporte normal de existências deve ser eliminada a expensas dos referidos Estados, esta disposição não obriga a Comissão a calcular essa quantidade excedentária em duas etapas, ou seja, calculando inicialmente a existência normal de reporte e em seguida a quantidade que ultrapassa esse número e deve ser eliminada.

356    A este respeito, é de referir que, quando exerce as competências que o Conselho, ou os autores do acto de adesão, lhe conferem em matéria de política agrícola comum para execução das regras que estabelece, a Comissão pode fazer uso de um amplo poder de apreciação, pelo que apenas o carácter manifestamente inadequado de uma medida adoptada nesse domínio em relação ao objectivo que a instituição competente pretende prosseguir pode afectar a legalidade dessa medida (v. acórdão Weidacher, já referido no n.° 118 supra, n.° 26 e jurisprudência citada). Consequentemente, é de concluir que a Comissão é livre de, no uso dessa ampla margem de apreciação, aplicar um método de cálculo simplificado do qual pode resultar de forma directa a quantidade excedentária a eliminar. Cabia à República da Letónia demonstrar que o método escolhido pela Comissão é manifestamente inadequado. Não obstante, os argumentos que a República da Letónia invoca a este respeito não são susceptíveis de pôr em causa a justeza do método utilizado pela Comissão. Com efeito, a República da Letónia limita‑se a afirmar, sem de modo algum fundamentar a sua afirmação, por um lado, que, se a Comissão tivesse aplicado o método que ela considere adequado, poderia melhor garantir que as circunstâncias da constituição das reservas seriam correctamente analisadas e, por outro, que, ao assim proceder, violou o princípio da protecção da confiança legítima sem referir qualquer garantia precisa por parte da Comissão que indicasse que esta procederia do modo que a República da Letónia considera adequado.

357    Daqui resulta que o fundamento adicional invocado pela República da Letónia deve igualmente ser julgado improcedente.

358    Atendendo ao que precede, há que negar provimento ao recurso na totalidade.

 Quanto às despesas

359    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Tendo a República de Estónia sido vencida, há que a condenar nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

360    A República da Letónia suportará as suas próprias despesas, nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República da Estónia é condenada a suportar as suas próprias despesas e as efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias.

3)      A República da Letónia suportará as suas próprias despesas.

Tiili

Dehousse

Wiszniewska‑Białecka

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 2 de Outubro de 2009.

Assinaturas


* Língua do processo: estónio.