Language of document : ECLI:EU:T:2010:293

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública)

8 de Julho de 2010 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal da Função Pública − Função pública − Reapreciação do acórdão do Tribunal Geral – Litígio em condições de ser julgado»

No processo T‑12/08 P‑RENV‑RX,

que tem por objecto um recurso do despacho do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Primeira Secção) de 19 de Outubro de 2007, M/EMEA (F‑23/07, ainda não publicado na Colectânea), em que se pede a anulação deste despacho,

M, ex‑agente temporário da Agência Europeia de Medicamentos, residente em Browbourne (Reino Unido), representado por S. Orlandi, A. Coolen, J.‑N. Louis e É. Marchal, advogados,

recorrente,

sendo a outra parte no processo

Agência Europeia de Medicamentos (EMA), representada por V. Salvatore e N. Rampal Olmedo, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública),

composto por: M. Jaeger (relator), presidente, J. Azizi, N. J. Forwood, O. Czúcz e I. Pelikánová, juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Acórdão

1        O presente processo surge na sequência do acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 2009, Reapreciação M/EMEA (C‑197/09 RX‑II, ainda não publicado na Colectânea), pelo qual este, depois de ter declarado que o acórdão do Tribunal Geral de 6 de Maio de 2009, M/EMEA (T‑12/08 P, ainda não publicado na Colectânea, a seguir «acórdão reapreciado»), que tinha por objecto um recurso de um despacho do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Primeira Secção) de 19 de Outubro de 2007, M/EMEA (F‑23/07, ainda não publicado na Colectânea, a seguir «despacho recorrido»), afectava a unidade e a coerência do direito comunitário, anulou os n.os 3 e 5 do dispositivo do acórdão reapreciado, já referido, e remeteu o processo ao Tribunal Geral.

 Factos e tramitação processual em primeira instância

2        Resulta do acórdão reapreciado, n.° 1 supra, que M, agente temporário que entrou ao serviço da Agência Europeia de Medicamentos (EMA, denominada EMEA até 8 de Dezembro de 2009) em Outubro de 1996, foi vítima de um acidente de trabalho em Março de 2005, na sequência do qual ficou em licença por doença. O contrato de M com a EMA terminou em 15 de Outubro de 2006, uma vez que esta decidiu não o renovar.

3        Em 17 de Fevereiro de 2006, M pediu a constituição de uma comissão de invalidez, o que lhe foi recusado pela EMA por carta de 31 de Março de 2006. Em 3 de Julho de 2006, M apresentou uma reclamação dessa recusa, que foi indeferida por decisão de 25 de Outubro de 2006.

4        Entretanto, M apresentou, em 8 de Agosto de 2006, um novo pedido de constituição de uma comissão de invalidez, acrescentando ao pedido um relatório médico do Dr. W.

5        Por carta de 21 de Novembro de 2006, M pediu à EMA que precisasse se a decisão de 25 de Outubro de 2006, que confirmava a decisão de não submeter o seu caso à comissão de invalidez, constituía um indeferimento do pedido de 8 de Agosto de 2006.

6        Por carta de 29 de Novembro de 2006, a EMA comunicou a M que, na sua decisão de 25 de Outubro de 2006, tinha devidamente considerado que o pedido de 8 de Agosto de 2006 não podia entender‑se como um novo pedido, na acepção do artigo 59.°, n.° 4, do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias, e que esse pedido devia ser indeferido pelas razões expostas na referida decisão.

7        Por carta de 25 de Janeiro de 2007, M apresentou uma reclamação em que pedia a revogação da decisão de 25 de Outubro de 2006, na medida em que indeferia o seu pedido de 8 de Agosto de 2006. Além disso, no dia seguinte, dirigiu à EMA um pedido de indemnização por danos materiais e morais.

8        Por carta de 31 de Janeiro de 2007, a EMA indeferiu esta reclamação e este pedido.

9        Em 7 de Fevereiro de 2007, M interpôs recurso para o Tribunal da Função Pública, registado sob a referência F‑13/07, pedindo a anulação da decisão de 31 de Março de 2006, pela qual a EMA indeferiu o seu pedido de constituição de uma comissão de invalidez, assim como, na medida do necessário, da decisão de 25 de Outubro de 2006.

10      De seguida, em 19 de Março de 2007, M interpôs um outro recurso para o Tribunal da Função Pública, registado sob a referência F‑23/07, pedindo, por um lado, a anulação da decisão de 25 de Outubro de 2006 e, por outro, a condenação da EMA no pagamento de 100 000 euros a título de indemnização por perdas e danos, por faltas imputáveis ao serviço.

11      O primeiro recurso foi julgado manifestamente inadmissível pelo Tribunal da Função Pública pelo despacho de 20 de Abril de 2007, L/EMEA (F‑13/07, ainda não publicado na Colectânea) por apresentação intempestiva da reclamação prévia.

12      No âmbito do segundo recurso, a EMA suscitou, em requerimento separado, uma excepção de inadmissibilidade, nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, aplicável mutatis mutandis ao Tribunal da Função Pública, por força do artigo 3.°, n.° 4, da Decisão 2004/752/CE, Euratom do Conselho, de 2 de Novembro de 2004, que institui o Tribunal da Função Pública da União Europeia (JO L 333, p. 7), até à entrada em vigor do Regulamento de Processo deste último, que viria a ocorrer em 1 de Novembro de 2007.

13      No despacho recorrido, proferido ao abrigo do referido artigo 114.°, o Tribunal da Função Pública julgou o recurso inadmissível, sem iniciar a fase oral do processo e sem remeter a apreciação da excepção de inadmissibilidade para a decisão final.

14      Quanto ao pedido de anulação da decisão de 25 de Outubro de 2006, na medida em que a EMA havia indeferido o pedido de M de 8 de Agosto de 2006, o Tribunal da Função Pública considerou que era inadmissível, uma vez que a referida decisão devia considerar‑se meramente confirmativa da decisão constante da carta da EMA de 31 de Março de 2006 e que o pedido de anulação dessa decisão já havia sido julgado inadmissível pelo despacho L/EMEA, n.° 11 supra.

15      O pedido de indemnização foi também julgado inadmissível, nomeadamente em virtude da conexão estreita entre este pedido e o pedido de anulação anteriormente apreciado.

 Recurso no Tribunal Geral

16      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de Janeiro de 2008, M interpôs recurso do despacho recorrido, nos termos do artigo 9.° do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça.

17      Nessa ocasião, M pediu ao Tribunal Geral não apenas que anulasse esse despacho, mas também que decidisse de mérito. A EMA, por sua vez, pediu que fosse negado provimento ao recurso por ser manifestamente improcedente, limitando a sua argumentação à inadmissibilidade do recurso de M.

18      Depois de ter deferido um pedido de M para ser ouvido na fase oral do processo, o Tribunal Geral, no acórdão reapreciado, n.° 1 supra, anulou o despacho recorrido, considerando que este enfermava de erro de direito, na medida em que o Tribunal da Função Pública tinha julgado inadmissíveis os pedidos de anulação e de indemnização de M.

19      Considerando que o processo estava em condições de ser julgado, nos termos do artigo 13.°, n.° 1, do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral, em seguida, decidiu o litígio. Julgou o pedido de anulação admissível e procedente e anulou a decisão de 25 de Outubro de 2006. Também julgou admissível o pedido de indemnização de M e condenou a EMA no pagamento de uma indemnização de 3 000 euros pelos danos morais por ele sofridos.

20      A este propósito, o Tribunal Geral observou, no n.° 100 do acórdão reapreciado, n.° 1 supra, que na petição que apresentara no Tribunal da Função Pública, M tinha alegado que a EMA, ao manter a sua recusa de instaurar o procedimento de invalidez, o tinha colocado num estado de inquietação e de incerteza. No n.° 104 do acórdão referido, o Tribunal Geral considerou que M tinha sofrido danos morais insusceptíveis de serem totalmente reparados pela anulação da decisão de 25 de Outubro de 2006.

 Reapreciação pelo Tribunal de Justiça

21      Na sequência da proposta do primeiro advogado‑geral de que fosse reapreciado o acórdão em causa, n.° 1 supra, a Secção especial prevista no artigo 123.°‑B do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, por decisão de 24 de Junho de 2009 (C‑197/09 RX, ainda não publicada na Colectânea), decidiu que se devia proceder à reapreciação. Esta última tinha por objecto, tal como resulta do n.° 2 do dispositivo da decisão do Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 2009, a questão de saber se o acórdão reapreciado, n.° 1 supra, afectava a unidade ou a coerência do direito comunitário, na medida em que o Tribunal Geral, na qualidade de tribunal de recurso em segunda instância, tinha interpretado o conceito de «litígio em condições de ser julgado», na acepção do artigo 61.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 13.°, n.° 1, do respectivo anexo I, de modo a permitir‑lhe avocar um processo e nele proferir decisão de mérito, apesar de o recurso que lhe foi submetido ter como objecto a fiscalização do tratamento dado em primeira instância a uma excepção de inadmissibilidade e de, no litígio que foi avocado, não ter havido discussão contraditória nesse Tribunal, nem no Tribunal da Função Pública na qualidade de tribunal de primeira instância.

22      No acórdão Reapreciação M/EMEA, n.° 1 supra, o Tribunal de Justiça observou liminarmente que resultava da sua decisão de 24 de Junho de 2009 que a reapreciação tinha exclusivamente por objecto a condenação da EMA no pagamento de uma indemnização de 3 000 euros a M, para reparação dos danos morais alegados, não sendo a anulação da decisão de 25 de Outubro de 2006 e a improcedência do recurso quanto ao restante objecto do processo de reapreciação (acórdão Reapreciação M/EMEA, n.° 1 supra, n.° 26).

23      De seguida, no que diz respeito ao conceito de «litígio em condições de ser julgado», o Tribunal de Justiça recordou que, em princípio, um litígio não está em condições de ser julgado quanto à matéria do recurso interposto no Tribunal de Primeira Instância quando este Tribunal tenha julgado o recurso inadmissível, acolhendo uma excepção de inadmissibilidade sem reservar a respectiva apreciação para a apreciação do mérito (acórdão Reapreciação M/EMEA, n.° 1, supra, n.° 29). Esclareceu que só em circunstâncias especiais se poderia proceder de forma diferente, circunstâncias essas que, no entanto, não se verificavam no caso vertente (acórdão Reapreciação M/EMEA, n.° 1 supra, n.os 30 a 33).

24      Por conseguinte, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.os 34 a 37 do acórdão Reapreciação M/EMEA, n.° 1 supra, que o Tribunal Geral tinha interpretado erradamente o conceito de «litígio em condições de ser julgado», na acepção do artigo 61.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 13.°, n.° 1, do anexo do referido Estatuto e tinha violado esta última disposição ao considerar que, no caso concreto, o litígio estava em condições de ser julgado no que se refere ao pedido de reparação dos danos morais alegados por M.

25      Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que, ao pronunciar‑se sobre o pedido indemnizatório de M sem ter dado a oportunidade à EMA de apresentar as suas observações sobre este pedido, o Tribunal Geral tinha desrespeitado o princípio do contraditório (acórdão Reapreciação M/EMEA, n.° 1 supra, n.os 38 a 59).

26      Depois de ter reconhecido que os erros identificados no acórdão reapreciado, n.° 1 supra, afectavam a unidade e a coerência do direito comunitário, o Tribunal de Justiça anulou o referido acórdão na medida em que, nos n.os 3 e 5 do seu dispositivo, o Tribunal Geral tinha condenado a EMA no pagamento de uma indemnização de 3 000 euros a M, bem como nas despesas do processo no Tribunal da Função Pública e nas da instância no Tribunal Geral.

27      Dado que a lesão da unidade e da coerência do direito comunitário resultava, no caso em apreço, de uma interpretação errada do conceito de «litígio em condições de ser julgado» e do desrespeito do princípio do contraditório, o Tribunal de Justiça considerou não poder decidir ele próprio definitivamente o litígio, por força da última frase do primeiro parágrafo do artigo 62.°‑B do Estatuto do Tribunal de Justiça.

28      Por conseguinte, embora tenha decidido quanto às despesas atinentes ao processo de reapreciação, o Tribunal de Justiça remeteu o processo ao Tribunal Geral no que diz respeito ao pedido de indemnização dos danos morais alegadamente sofridos por M, nos termos do artigo 62.°‑B do Estatuto do Tribunal de Justiça, para permitir à EMA apresentar os seus argumentos quanto à justeza deste pedido (acórdão Reapreciação M/EMEA, n.° 1 supra, n.° 71).

 Quanto ao processo remetido após a reapreciação

 Tramitação processual

29      Por carta de 22 de Dezembro de 2009, a Secretaria do Tribunal Geral, nos termos do artigo 121.°‑C, n.° 1, do Regulamento de Processo, convidou as partes a apresentar, no prazo de um mês a contar da notificação do acórdão Reapreciação M/EMEA, n.° 1 supra, as suas observações escritas sobre as conclusões a inferir deste último para a solução do litígio.

30      A EMA apresentou as suas observações na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de Janeiro de 2010.

31      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de Janeiro de 2010, M pediu ao Tribunal Geral apoio judiciário, nos termos do artigo 95.° do Regulamento de Processo, para efeitos do presente processo.

32      Por despacho de 11 de Março de 2010, o Tribunal Geral (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública) concedeu apoio judiciário a M.

33      M apresentou as suas observações sobre o acórdão Reapreciação M/EMEA, n.° 1 supra, em 25 de Março de 2010.

 Questão de direito

34      Como decorre do n.° 2 do dispositivo do acórdão Reapreciação M/EMEA, n.° 1 supra, e do n.° 26 da respectiva fundamentação, apenas foram anulados os n.os 3 e 5 do dispositivo do acórdão reapreciado, n.° 1 supra, relativos, respectivamente, à condenação da EMA no pagamento a M de uma indemnização de 3 000 euros para reparação dos danos morais alegados e às despesas, enquanto os outros números do dispositivo do acórdão reapreciado, que anularam o despacho recorrido bem como a decisão da EMA de 25 de Outubro de 2006, na medida em que tinha indeferido o pedido de M de 8 de Agosto de 2006, e negaram provimento ao recurso quanto ao restante, transitaram em julgado.

35      Nas observações de 21 de Janeiro e de 25 de Março de 2010, apresentadas pelas partes no âmbito do presente processo nos termos do artigo 121.°‑C, n.° 1, do Regulamento de Processo, M e a EMA pronunciaram‑se em particular sobre a questão de saber se as circunstâncias do caso permitiam considerar que os danos morais invocados por M eram dissociáveis da ilegalidade que fundamentou a anulação da decisão de 25 de Outubro de 2006 e deviam assim ser objecto de indemnização.

36      O Tribunal Geral nota que, admitindo que a apresentação das observações por M e pela EMA após a reapreciação é suficiente para colmatar a violação do princípio do contraditório declarada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Reapreciação M/EMEA, n.° 1 supra, não é despiciendo o facto de, no acórdão referido, o Tribunal de Justiça ter declarado igualmente que o acórdão reapreciado, n.° 1 supra, estava viciado pelo facto de o Tribunal Geral ter interpretado erradamente o conceito de «litígio em condições de ser julgado».

37      Ora, quanto à questão de saber se o presente litígio está em condições de ser julgado pelo Tribunal Geral, decorre do n.° 30 do acórdão Reapreciação M/EMEA, n.° 1 supra, que o tribunal de recurso pode, em certas condições, decidir de mérito um recurso mesmo que o processo em primeira instância se tenha limitado a uma excepção de inadmissibilidade, julgada procedente nessa sede. Pode ser esse o caso quando, por um lado, a anulação do acórdão ou do despacho recorridos implica necessariamente uma certa solução quanto ao mérito do recurso em questão ou, por outro, quando a apreciação do mérito do recurso de anulação assenta em argumentos esgrimidos pelas partes no quadro do recurso na sequência de um raciocínio do juiz de primeira instância.

38      Todavia, como decorre dos n.os 32 a 34, 36 e 37 do acórdão Reapreciação M/EMEA, n.° 1 supra, não se verificam essas circunstâncias especiais no caso vertente, pelo que o litígio não está em condições de ser julgado, na acepção do artigo 61.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 13.°, n.° 1, do anexo do referido estatuto. Assim, o Tribunal Geral só pode remeter o processo para o Tribunal da Função Pública, para que este julgue o pedido de indemnização dos danos morais alegadamente sofridos por M, depois de a EMA se ter pronunciado sobre a justeza daquele pedido.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública)

decide:

1)      O processo é remetido ao Tribunal da Função Pública da União Europeia, para que este julgue o pedido de indemnização dos danos morais alegadamente sofridos por M.

2)      Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Jaeger

Azizi

Forwood

Czúcz

 

      Pelikánová

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de Julho de 2010.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.