Language of document : ECLI:EU:T:2012:172

Processo T‑336/07

Telefónica, SA e

Telefónica de España, SA

contra

Comissão Europeia

«Concorrência ― Abuso de posição dominante ― Mercados espanhóis de acesso à Internet de banda larga ― Decisão que declara uma infração ao artigo 82.° CE ― Fixação dos preços ― Compressão tarifária das margens ― Definição dos mercados ― Posição dominante ― Abuso ― Cálculo da compressão das margens ― Efeitos do abuso ― Competência da Comissão ― Direitos de defesa ― Subsidiariedade ― Proporcionalidade ― Segurança jurídica ― Cooperação leal ― Princípio da boa administração ― Coimas»

Sumário do acórdão

1.      Tramitação processual ― Petição inicial ― Réplica ― Requisitos de forma ― Identificação do objeto do litígio ― Exposição sumária dos fundamentos invocados ― Documentos juntos à petição ou à réplica

[Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 21.°; Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigo 44.°, n.° 1, alínea c)]

2.      Concorrência ― Procedimento administrativo ― Respeito dos direitos de defesa ― Acesso ao processo ― Alcance ― Recusa da comunicação de um documento ― Consequências ― Necessidade de proceder ao nível do ónus da prova que incumbe à empresa em causa a uma distinção entre os documentos incriminatórios e os ilibatórios

(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 27.°, n.° 2)

3.      Concorrência ― Procedimento administrativo ― Comunicação de acusações ― Conteúdo necessário ― Respeito dos direitos de defesa

(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 27.°, n.° 1)

4.      Concorrência ― Posição dominante ― Mercado em questão ― Delimitação ― Critérios ― Serviços de fornecimento grossista de acesso à Internet de banda larga

(Artigo 82.° CE; Comunicação 97/C 372/03 da Comissão)

5.      Concorrência ― Posição dominante ― Comportamento no mercado dominado com efeitos num mercado vizinho ― Aplicação do artigo 82.° CE

(Artigo 82.° CE)

6.      Concorrência ― Posição dominante ― Critérios de apreciação ― Existência eventual de concorrência no mercado ― Incidência

(Artigo 82.° CE)

7.      Concorrência ― Posição dominante ― Conceito ― Capacidade de impor aumentos regulares de preços ― Elemento não indispensável

(Artigo 82.° CE)

8.      Concorrência ― Posição dominante ― Abuso ― Efeito de compressão tarifária das margens ― Conceito ― Critérios de apreciação

(Artigo 82.° CE)

9.      Concorrência ― Posição dominante ― Abuso ― Efeito de compressão tarifária das margens ― Igualdade de oportunidades ― Inexistência

(Artigo 82.° CE)

10.    Concorrência ― Posição dominante ― Abuso ― Conceito ― Comportamentos com efeitos restritivo na concorrência ― Efeito potencial

(Artigo 82.° CE)

11.    Concorrência ― Regras comunitárias ― Aplicação pela Comissão ― Limitação das competências da Comissão pelo quadro regulamentar do mercado das telecomunicações ― Inexistência

(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho; Diretiva 2002/21 do Parlamento Europeu e do Conselho)

12.    Concorrência ― Procedimento administrativo ― Dever de cooperação leal da Comissão com as autoridades regulamentares nacionais ― Alcance

(Artigos 10.° CE, 81.° CE e 82.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigos 11.° a 16.°)

13.    Concorrência ― Regras comunitárias ― Infrações ― Realização dolosa ou por negligência ― Conceito

(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, primeiro parágrafo, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 2)

14.    Concorrência ― Posição dominante ― Abuso ― Caráter abusivo de uma prática de preços ― Comportamento autónomo de uma empresa no mercado

(Artigo 82.° CE)

15.    Concorrência ― Regras comunitárias ― Âmbito de aplicação material ― Setor regulamentado das telecomunicações ― Inclusão

(Artigo 82.° CE)

16.    Concorrência ― Coimas ― Poder de apreciação da Comissão ― Apreciação em função do comportamento individual da empresa

(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°)

17.    Concorrência ― Coimas ― Montante ― Determinação ― Critérios ― Gravidade da infração ― Obrigação de ter em consideração o impacto concreto no mercado ― Alcance

(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto1 A, primeiro parágrafo)

18.    Concorrência ― Coimas ― Montante ― Determinação ― Critérios ― Gravidade da infração ― Apreciação ― Interdependência dos três critérios expressamente mencionados nas orientações fixadas pela Comissão ― Qualificação de uma infração de muito grave

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A)

19.    Concorrência ― Coimas ― Montante ― Determinação ― Critérios ― Caráter dissuasor da coima ― Efeito dissuasor geral ― Violação do princípio da individualização das penas ― Inexistência

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

20.    Concorrência ― Coimas ― Montante ― Determinação ― Critérios ― Duração da infração ― Agravação do montante em que a coima foi inicialmente fixada ― Tomada em consideração das variações de intensidade da infração ― Exclusão

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 3)

21.    Concorrência ― Coimas ― Montante ― Determinação ― Critérios ― Circunstâncias atenuantes ― Aprovação ou tolerância da infração no direito nacional ou pelas autoridades nacionais

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 3)

1.      Resulta do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, que a petição deve indicar o objeto do litígio e conter uma exposição sumária dos fundamentos invocados. A função meramente probatória e instrumental dos anexos implica que, na medida em que contenham elementos de direito em que assentam determinados fundamentos articulados na petição, esses elementos devem figurar no próprio texto desta última ou, pelo menos, estar suficientemente identificados nesse articulado. A petição deve, por isso, explicitar em que consiste o fundamento em que o recurso se baseia, pelo que a sua simples enunciação abstrata não cumpre as exigências do Regulamento de Processo. Os anexos não podem assim servir para desenvolver um fundamento sumariamente exposto na petição quando contenham alegações ou argumentos que dela não constem.

Esta interpretação do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de processo, visa igualmente as condições de admissibilidade da réplica, que se destina, de acordo com o artigo 47.°, n.° 1, do mesmo Regulamento, a completar a petição.

Daqui resulta que, no caso em apreço, os anexos da petição e da réplica serão tomados em consideração unicamente na medida em que suportem ou completem fundamentos ou argumentos expressamente invocados pelas recorrentes no corpo dos seus articulados e em que seja possível determinar com precisão quais os elementos neles contidos que alicerçam ou completam os referidos fundamentos ou argumentos.

(cf. n.os 58 a 61, 63)

2.      No âmbito de um processo por infração às normas da concorrência da União, a falta de comunicação de um documento só constitui violação dos direitos de defesa se a empresa em causa demonstrar, por um lado, que a Comissão se baseou nesse documento para fundamentar a sua acusação relativa à existência de uma infração e, por outro, que essa acusação só poderia ser provada por referência a esse documento. Se existirem outras provas documentais de que as partes tomaram conhecimento ao longo do procedimento administrativo que fundamentem especificamente as conclusões da Comissão, a eliminação como meio de prova do documento de acusação não comunicado não impede que sejam procedentes as acusações formuladas na decisão impugnada. Assim, incumbe à empresa em questão demonstrar que o resultado a que a Comissão chegou na sua decisão teria sido diferente se tivesse sido rejeitado como meio de prova da acusação um documento não comunicado no qual a Comissão se baseou para incriminar essa empresa.

(cf. n.° 78)

3.      Este princípio exige, nomeadamente, que a comunicação de acusações dirigida pela Comissão a uma empresa à qual pretende aplicar uma sanção pela violação das normas da concorrência contenha os elementos essenciais opostos a essa empresa, tais como os factos imputados, a qualificação que lhes é dada e as provas em que a Comissão se baseia, para que essa empresa possa invocar utilmente os seus argumentos no procedimento administrativo instaurado contra ela. Esta exigência é respeitada quando a decisão da Comissão não impute aos interessados infrações diferentes das referidas na comunicação de acusações e apenas se baseie em factos sobre os quais os interessados tenham tido a oportunidade de se explicar.

A decisão final da Comissão, porém, não tem necessariamente que ser uma cópia da descrição das acusações. Assim, admite‑se que sejam feitos aditamentos à comunicação de acusações tendo em conta a defesa das partes, cujos argumentos demonstrem que estas puderam, efetivamente, exercer o seu direito de defesa. A Comissão pode também, no procedimento administrativo, rever ou acrescentar argumentos de facto ou de direito em apoio das acusações que formulou.

Assim sendo, os direitos de defesa só são violados por causa de uma discordância entre a comunicação de acusações e a decisão final se uma acusação dada por provada nessa decisão não tiver sido exposta de forma suficiente a permitir que os destinatários se defendam. Não é esse o caso quando as alegadas diferenças entre a comunicação de acusações e a decisão impugnada não incidem sobre comportamentos diferentes daqueles sobre os quais as recorrentes já se tenham explicado e que, como tal, são alheios a qualquer nova acusação.

(cf. n.os 80 a 82, 84 e 85)

4.      Para efeitos do exame da posição, eventualmente dominante, de uma empresa em determinado mercado setorial, as possibilidades de concorrência devem ser apreciadas no âmbito do mercado de todos os produtos que, em função das suas características, sejam particularmente adequados à satisfação de necessidades constantes e sejam pouco intermutáveis com outros produtos. Além disso, dado que a determinação do mercado em causa serve para avaliar se a empresa em questão tem a possibilidade de prejudicar uma concorrência efetiva e de se comportar, em medida apreciável, independentemente dos seus concorrentes, dos seus clientes e dos consumidores, não se pode, para este efeito, limitar se a examinar as características objetivas dos produtos em causa, devendo igualmente tomar se em consideração as condições da concorrência e a estrutura da procura e da oferta no mercado.

O conceito de mercado relevante implica que possa haver uma concorrência efetiva entre os produtos que dele fazem parte, o que pressupõe um grau suficiente de permutabilidade para a mesma utilização entre todos os produtos que façam parte de um mesmo mercado.

Resulta igualmente da Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência que um mercado de produto relevante compreende todos os produtos e/ou serviços considerados permutáveis ou substituíveis pelo consumidor devido às suas características, preços e utilização pretendida. Do ponto de vista económico, para uma definição do mercado relevante, a substituição do lado da procura constitui o elemento de disciplina mais imediato e eficaz relativamente aos fornecedores de um dado produto, em especial no que diz respeito às suas decisões em matéria de fixação dos preços. Além disso, a substituibilidade do lado da oferta pode também ser tomada em consideração para definir o mercado relevante nas operações em que essa substituibilidade tenha efeitos equivalentes aos da substituibilidade do lado da procura em termos de eficácia e de efeito imediato. Para tanto, é necessário que os fornecedores possam transferir a sua produção para os produtos em causa e comercializá‑los a curto prazo sem incorrerem em custos ou riscos suplementares significativos em resposta a pequenas mas permanentes alterações nos preços relativos.

Assim, quanto aos mercados grossistas de acesso à Internet em banda larga, a Comissão pode acertadamente concluir que, tendo em conta os consideráveis investimentos exigidos pela passagem do produto grossista nacional ao produto grossista regional, a passagem do produto grossista regional à desagregação do lacete local e o tempo necessário para essa migração, uma vez que esta não é uma opção viável para o conjunto do território espanhol e requer uma massa crítica mínima e uma vez que existem diferenças funcionais entre os produtos grossistas nacional, regional e de desagregação do lacete local, a desagregação do lacete local não pertence ao mesmo mercado da oferta grossista nacional e da oferta grossista regional. Do mesmo modo, a Comissão pode acertadamente concluir que os produtos grossistas nacional e regional não pertencem ao mesmo mercado, uma vez, tendo em conta os custos associados à passagem do produto grossista nacional ao produto grossista regional, seria pouco provável, e ilógico do ponto de vista económico, que os operadores que já tenham investido na implantação de uma rede, suportem o custo de não utilizar essa rede e decidam utilizar o produto grossista nacional, que não lhes dá as mesmas possibilidades de controlo sobre a qualidade do serviço do produto de retalho que o produto grossista regional.

(cf. n.os 111 e 113, 116, 127, 134, 139, 143)

5.      O caráter abusivo de uma prática tarifária instituída por uma empresa verticalmente integrada que ocupa uma posição dominante num mercado grossista relevante e que conduz à compressão das margens das empresas concorrentes dessa empresa no mercado retalhista não depende da existência de uma posição dominante dessa empresa neste último mercado. Portanto, para apurar um abuso de posição dominante da Telefónica sob a forma de uma compressão tarifária das margens, a Comissão devia ter demonstrado que a Telefónica dispunha de uma posição dominante simultaneamente no mercado grossista e no mercado de retalho.

(cf. n.° 146)

6.      A eventual existência de concorrência no mercado é uma circunstância relevante para efeitos da apreciação da existência de uma posição dominante. Contudo, o facto de existir concorrência, mesmo forte, num determinado mercado, não exclui a existência de uma posição dominante nesse mesmo mercado, uma vez que essa posição se caracteriza fundamentalmente pela capacidade de adotar um comportamento sem ter de tomar em consideração essa concorrência na sua estratégia de mercado e sem que isso lhe cause os efeitos prejudiciais devidos a essa atitude.

(cf. n.° 162)

7.      Embora a capacidade de impor aumentos de preços regulares constitua incontestavelmente um elemento indiciador da existência de uma posição dominante, de nenhum modo constitui um elemento indispensável, uma vez que a independência de que goza uma empresa dominante em matéria de preços respeita mais à capacidade de os fixar sem ter que levar em conta a reação dos concorrentes e clientes e fornecedores do que à capacidade de os aumentar.

(cf. n.° 166)

8.      Para dar por provada uma prática de compressão tarifária das margens, não se pode exigir que o preço por grosso faturado aos concorrentes pelo produto a montante seja excessivo ou que o preço de retalho para o produto derivado tenha caráter predatório. A compressão das margens é, na falta de qualquer justificação objetiva, suscetível, em si mesma, de constituir um abuso, na aceção do artigo 82.° CE. Ora, a compressão das margens resulta da diferença entre os preços dos serviços por grosso e os preços dos serviços a retalho e não do nível desses preços enquanto tais. Em especial, essa compressão pode resultar não apenas de um preço anormalmente baixo no mercado retalhista, mas também de um preço anormalmente alto no mercado grossista.

Por outro lado, a Comissão pode acertadamente considerar que o critério adequado para apurar a compressão tarifária das margens consistia em determinar se um concorrente com a mesma estrutura de custos que a da atividade a jusante da empresa verticalmente integrada estaria em condições de oferecer serviços a jusante sem incorrer em prejuízos se a referida empresa verticalmente integrada tivesse que pagar o preço de acesso a montante faturado aos seus concorrentes, baseando‑se nos custos incorridos por essa empresa, sem efetuar um estudo das margens dos principais operadores alternativos no mercado em causa.

Ora, para apreciar a licitude da política de preços aplicada por uma empresa dominante, em princípio, há que tomar como referência critérios de preços baseados nos custos suportados pela própria empresa dominante e na sua estratégia. Em particular, quanto a uma prática tarifária conducente à compressão de margens, a utilização de tais critérios de análise permite verificar se essa empresa teria sido suficientemente eficiente para oferecer sem prejuízo as suas prestações retalhistas aos clientes finais, se tivesse previamente de pagar os seus próprios preços grossistas pelas prestações intermédias.

Essa abordagem é tanto mais justificada, por um lado, quando está igualmente em conformidade com o princípio geral da segurança jurídica, uma vez que tomar em conta os custos da empresa dominante lhe permite, atendendo à especial responsabilidade que lhe incumbe por força do artigo 82.° CE, apreciar a legalidade dos seus próprios comportamentos. Com efeito, embora uma empresa dominante conheça os seus próprios custos e preços, em princípio não conhece os dos seus concorrentes. Por outro lado, uma prática de exclusão afeta igualmente os potenciais concorrentes da empresa dominante, que poderão ser dissuadidos de fazer a sua entrada no mercado pela perspetiva de uma falta de rentabilidade.

É certo que resulta também da jurisprudência que não é de excluir que os custos e os preços dos concorrentes possam ser relevantes para o exame da prática de preços. Contudo, só quando não for possível, tendo em conta as circunstâncias indicadas pelo Tribunal de Justiça, tomar como referência os preços e os custos da empresa dominante, se deverá examinar os dos concorrentes no mesmo mercado.

(cf. n.os 186 e 187, 190 a 194)

9.      No âmbito da aplicação do teste da compressão tarifária das margens, não merce reparo a Comissão por analisar a existência de uma compressão tarifária das margens para cada produto dessa empresa, considerado separadamente, quando os operadores alternativos utilizam uma combinação ótima dos produtos grossistas, permitindo economias de custos, quando esses produtos não fazem parte do mesmo mercado. Com efeito, o artigo 82.° CE proíbe, nomeadamente, a uma empresa em posição dominante num mercado determinado o recurso a práticas tarifárias que produzam efeitos de expulsão dos seus concorrentes igualmente eficazes, atuais ou potenciais. O exame de tal posição exige uma apreciação das possibilidades de concorrência no âmbito do mercado que agrupa o conjunto dos produtos que, em função das suas características, estejam particularmente aptos à satisfação das necessidades constantes e pouco substituíveis por outros produtos, uma vez que a determinação do mercado em causa serve para avaliar se a empresa em questão tem a possibilidade de obstar a uma concorrência efetiva nesse mercado.

Por outro lado, não se pode alegar que um operador alternativo poderia compensar os prejuízos que tinha sofrido em razão da compressão tarifária das margens ao nível de um produto grossista por rendimentos provenientes da utilização, em determinadas zonas geográficas mais rentáveis, de outros produtos da empresa em causa não sujeitos a uma compressão tarifária das margens e pertencentes a outro mercado. Um sistema de concorrência não falseada só pode ser garantido se a igualdade de oportunidades entre os diferentes operadores económicos estiver assegurada. Ora, a igualdade de oportunidades implica que uma empresa em posição dominante no setor das telecomunicações e os seus concorrentes pelo menos igualmente eficientes sejam colocados em pé de igualdade no mercado retalhista. Não é esse o caso se os preços dos produtos grossistas nacional e regional pagos pelos operadores alternativos a essa empresa só puderem ser repercutidos nos preços dos seus produtos de retalho com prejuízo.

(cf. n.os 200 a 204)

10.    Para concluir pela existência de uma violação do artigo 82.° CE, basta demonstrar que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante tende a restringir a concorrência ou, por outras palavras, que o comportamento é suscetível de ter tal efeito. Assim, o efeito anticoncorrencial da prática de preços em causa no mercado deve existir, mas não tem necessariamente de ser concreto, sendo suficiente a demonstração de um efeito anticoncorrencial potencial suscetível de afastar os concorrentes pelo menos tão eficazes como a empresa em posição dominante. A esse respeito, não se pode alegar que, dado o período de tempo decorrido entre o início do comportamento em causa e a adoção da decisão impugnada, não é adequado proceder a um teste de efeitos prováveis, uma vez que a Comissão dispõe do tempo necessário para demonstrar a materialidade dos alegados efeitos anticoncorrenciais associados ao comportamento em causa.

(cf. n.os 268, 272)

11.    A existência da Diretiva 2002/21/CE, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas, em nada afeta a competência conferida diretamente à Comissão pelo artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17 e, a partir de 1 de maio de 2004, pelo artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003, para declarar as infrações aos artigos 81.° CE e 82.° CE. As regras relativas à concorrência previstas no Tratado CE completam, através do exercício de um controlo ex post, o quadro regulamentar adotado pelo legislador da União para regular ex ante os mercados das telecomunicações.

(cf. n.° 293)

12.    Quanto às relações que se estabelecem no âmbito dos processos conduzidos pela Comissão ao abrigo dos artigos 81.° CE e 82.° CE, que as modalidades de aplicação do princípio da cooperação leal que decorre do artigo 10.° CE e à qual a Comissão está obrigada nas suas relações com os Estados‑Membros foram nomeadamente indicadas nos artigos 11.° a 16.° do Regulamento n.° 1/2003, no seu capítulo IV, intitulado «Cooperação». Ora, estas disposições não preveem expressamente a obrigação de a Comissão consultar as autoridades regulamentares nacionais.

(cf. n.º 312)

13.    Quanto à questão de saber se a infração foi cometida dolosamente ou por negligência e é, por esse facto, passível de coima, nos termos do artigo 15.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 17 e, a partir de 1 de maio de 2004, nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, resulta da jurisprudência que esse pressuposto está preenchido quando a empresa em causa não pode ignorar o caráter anticoncorrencial do seu comportamento, quer tenha tomado ou não consciência de infringir as normas da concorrência do Tratado. Uma empresa está ciente do caráter anticoncorrencial do seu comportamento quando tem conhecimento dos elementos de facto materiais que justificam que se considere provada uma posição dominante no mercado em causa e que a Comissão considere existir um abuso dessa posição.

Com efeito, enquanto operador económico diligente, uma empresa em posição dominante deve estar familiarizada com os princípios que regem a definição dos mercados nos casos de concorrência e, sendo caso disso, recorrer a aconselhamento especializado a fim de avaliar, com um grau razoável tendo em conta as circunstâncias do caso, as consequências que podem resultar de um ato determinado. É o que acontece especialmente com os profissionais habituados a ter de fazer prova de grande prudência no exercício da sua profissão. Também se pode esperar que avaliem com particular cuidado os riscos que esta comporta. Além disso, para um operador económico prudente não existem dúvidas de que a detenção de grandes quotas de mercado, embora não seja necessariamente e em todos os casos o único indício determinante da existência de uma posição dominante, não deixa de ter uma importância considerável que ele terá de necessariamente tomar em consideração no que respeita ao seu eventual comportamento no mercado. A este respeito, um operador histórico e proprietário da única infraestrutura significativa para o fornecimento dos produtos grossistas regional e nacional não pode ignorar que detém uma posição dominante nos mercados em causa. Portanto, a dimensão das quotas de mercado detidas por esse operador nos mercados grossistas nacional e regional implica que a sua convicção de que não ocupa uma posição dominante nesses mercados só pode ser o fruto de um exame insuficiente da estrutura dos mercados em que opera ou de recusa em tomar essas estruturas em consideração.

(cf. n.os 319 e 320, 323 a 325)

14.    O artigo 82.° CE refere‑se apenas a comportamentos anticoncorrenciais adotados pelas empresas por sua própria iniciativa. Se uma legislação nacional impõe às empresas um comportamento anticoncorrencial ou cria um quadro jurídico que, por si só, elimina qualquer possibilidade de comportamento concorrencial da sua parte, o artigo 82.° CE não é aplicável. Em tal situação, a limitação da concorrência não está, como exige essa disposição, dentro dos comportamentos autónomos das empresas.

Em contrapartida, o artigo 82.° CE pode ser aplicável se se verificar que a lei nacional deixa subsistir a possibilidade de uma concorrência suscetível de ser impedida, restringida ou falseada por comportamentos autónomos das empresas. Assim, não obstante essa lei, se uma empresa em posição dominante verticalmente integrada dispuser de margem de manobra para modificar mesmo apenas os seus preços de retalho, a compressão de margens pode, só por isso, ser‑lhe imputada.

A esse respeito, quanto às práticas de preços de uma empresa de telecomunicações em posição dominante, admitindo que uma redução dos preços do produto grossista regional necessitasse da intervenção autoridade nacional de regulação do mercado das telecomunicações e não podia ser livremente decidida por essa empresa, cabe a essa empresa, no âmbito da responsabilidade especial que lhe incumbe enquanto empresa que ocupa uma posição dominante no mercado em causa, apresentar a essa autoridade pedidos de alteração das suas tarifas quando estas tenham como efeito lesar uma concorrência efetiva e não falseada no mercado comum.

(cf. n.os 328 a 330, 335)

15.    O respeito da regulamentação nacional em matéria de telecomunicações por uma empresa em posição dominante não a protege de uma intervenção da Comissão nos termos do artigo 82.° CE.

Com efeito, não existindo uma exceção expressa nesse sentido, o direito da concorrência é aplicável aos setores regulamentados. Assim, a aplicabilidade das regras da concorrência não está excluída, uma vez que as disposições setoriais em causa deixam subsistir a possibilidade de uma concorrência que possa ser impedida, restringida ou falseada por comportamentos autónomos das empresas.

(cf. n.os 339 e 340)

16.    A este respeito, há que lembrar que a decisão da Comissão de não aplicar uma coima em determinadas decisões devido à natureza relativamente nova das infrações verificadas não concede uma «imunidade» às empresas que cometam posteriormente o mesmo tipo de infrações. Com efeito, é no contexto específico de cada processo que a Comissão, no exercício do seu poder de apreciação, decide da oportunidade de aplicar uma coima para punir a infração cometida e preservar a eficácia do direito da concorrência.

(cf. n.° 357)

17.    Em conformidade com o n.° 1, ponto A, primeiro parágrafo, das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, a Comissão deve, no âmbito da apreciação da gravidade da infração, proceder a uma análise do impacto concreto no mercado quando se verificar que esse impacto é quantificável.

(cf. n.° 389)

18.    A extensão do mercado geográfico constitui apenas um dos três critérios relevantes, segundo as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, para efeitos da apreciação global da gravidade da infração. Entre esses critérios interdependentes, a natureza da infração assume um papel primordial. Em contrapartida, a extensão do mercado geográfico não é um critério autónomo, no sentido de que só as infrações que envolvam vários Estados‑Membros são suscetíveis de receber a qualificação de «muito graves». Nem o Tratado CE, nem o Regulamento n.° 17 nem o Regulamento n.° 1/2003, nem as orientações de 1998, nem a jurisprudência permitem considerar que só as restrições muito extensas geograficamente podem ser assim qualificadas. Portanto, a Comissão pode qualificar a infração de «muito grave», mesmo apesar de a dimensão do mercado geográfico em causa estar limitada ao território de um só Estado‑Membro.

(cf. n.° 413)

19.    Para apreciar a gravidade de uma infração com vista a determinar o montante da coima, a Comissão deve atender ao caráter dissuasivo da sua ação, sobretudo nos tipos de infrações particularmente prejudiciais à realização dos objetivos da União. A dissuasão deve ser simultaneamente específica e geral. Não deixando de reprimir uma infração individual, a coima inscreve‑se igualmente no âmbito de uma política geral de respeito das normas da concorrência pelas empresas. Assim, não se pode alegar que o princípio da individualização das penas foi violado unicamente pelo facto de a coima aplicada a uma empresa pela Comissão, calculada tendo em conta a situação específica dessa empresa, pode também ter um efeito dissuasor geral para as outras empresas que sejam tentadas a violar as normas da concorrência.

(cf. n.° 433)

20.    Em matéria de concorrência, uma vez que a majoração da coima com base na duração é feita mediante a aplicação de uma determinada percentagem ao montante de partida dessa coima, que é determinado em função da gravidade da infração no seu todo, que já reflete as diferentes intensidades da infração, não há que ter em conta, no aumento desse montante em razão da duração, uma variação na intensidade da infração durante o período em causa.

(cf. n.° 450)

21.    Embora não se possa excluir que, em certas circunstâncias, um quadro jurídico nacional ou um comportamento das autoridades nacionais possam constituir circunstâncias atenuantes, a aprovação ou a tolerância da infração por parte das autoridades nacionais não pode ser tomada em consideração para esse efeito quando as empresas em causa dispõem de meios necessários para obter informações jurídicas precisas e corretas.

(cf. n.° 458)