Language of document : ECLI:EU:T:1999:66

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção Alargada)

25 de Março de 1999 (1)

«CECA — Auxílios de Estado — Recurso de anulação — Excepção de ilegalidade — Quinto código dos auxílios à siderurgia»

No processo T-37/97,

Forges de Clabecq SA, sociedade de direito belga em situação de falência, com sede em Clabecq (Bélgica), representada por Alain Zenner, Dominique Jossart, Gérard Leplat e Gilbert Demez, curadores, e representada no presente processo por Pierre-Paul van Gehuchten, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Louis Schiltz, 2, Rue Fort Reinsheim,

recorrente,

apoiada pelo

Reino da Bélgica, representado por Jan Devadder, consultor-geral no Serviço Jurídico do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por Jean-Marie de Backer, Georges Vandersanden, Olivier Ralet e Laure Levi, advogados no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada da Bélgica, 4, rue des Girondins,

Região da Valónia, representada por Jean-Marie de Backer, Georges Vandersanden e Olivier Ralet, advogados no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo na fiduciaire Myson SARL, 30, rue de Cessange,

e

Société wallonne pour la sidérurgie SA (SWS), sociedade de direito belga, com sede em Liège (Bélgica), representada por Jean-Marie de Backer, Georges Vandersanden e Olivier Ralet, advogados no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo na fiduciaire Myson SARL, 30, rue de Cessange,

intervenientes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Gérard Rozet, consultor jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto a anulação da decisão da Comissão, de 18 de Dezembro de 1996, que declara incompatíveis com o mercado comum certas intervenções financeiras a favor da recorrente,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção Alargada),

composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, R. García-Valdecasas, V. Tiili, P. Lindh e P. Mengozzi, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 18 de Novembro de 1998,

profere o presente

Acórdão

Quadro jurídico

1.
    O Tratado que instituiu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (a seguir «tratado» ou «Tratado CECA»), proíbe os auxílios de Estado a empresas siderúrgicas, ao considerar, no seu artigo 4.°, alínea c), incompatíveis com o mercado comum do carvão e do aço e, por conseguinte, proibidas, nas condições previstas no referido tratado, «as subvenções ou auxílios concedidos pelos Estados ou os encargos especiais por eles impostos, independentemente da forma que assumam».

2.
    O artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, do Tratado dispõe que:

«Em todos os casos não previstos no presente Tratado em que se revele necessária uma decisão ou uma recomendação da Comissão para atingir, no funcionamento do mercado comum do carvão e do aço e em conformidade com o disposto no artigo 5.°, um dos objectivos da Comunidade, tal como vêm definidos nos artigos 2.°, 3.° e 4.°, essa decisão ou recomendação pode ser adoptada mediante parecer favorável do Conselho, o qual deliberará por unanimidade após consulta do Comité Consultivo.

A decisão ou a recomendação assim adoptada determinará eventualmente as sanções aplicáveis.»

3.
    A fim de responder às exigências da reestruturação do sector da siderurgia, a Comissão baseou-se nas referidas disposições do artigo 95.° do Tratado para implementar, a partir dos anos 80, um regime comunitário de auxílios que autoriza a concessão de auxílios de Estado à siderurgia em certos casos enumerados de forma limitada. O regime comunitário dos auxílios à siderurgia em vigor durante o período considerado no presente processo foi o instaurado pela Decisão n.° 3855/91/CECA da Comissão, de 27 de Novembro de 1991, que cria normas comunitárias para os auxílios à siderurgia (JO L 362, p. 57, a seguir «código dos auxílios»).

4.
    Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, do código dos auxílios «Todos os auxílios à siderurgia, específicos ou não, financiados pelos Estados-Membros, pelas suas autoridades regionais ou locais ou por intermédio de recursos estatais [...], só podem ser considerados como auxílios comunitários e, consequentemente, compatíveis com o bom funcionamento do mercado comum, se respeitarem o disposto nos artigos 2.° a 5.°»

Nos termos do n.° 2 do mesmo artigo, «a noção de 'auxílio‘ abrange os elementos de auxílio, eventualmente incluídos nas transferências de recursos estatais, efectuados por Estados-Membros, pelas autoridades regionais ou locais ou por outros organismos, para empresas siderúrgicas, sob a forma de aquisição de participações, de dotações de capital ou medidas de financiamento semelhantes [...] que não podem ser consideradas como verdadeiras dotações de capital de risco de acordo com a prática normal de investimento numa economia de mercado».

5.
    Os artigos 2.° a 5.° do código dos auxílios prevêm a possibilidade de considerar compatíveis com o mercado comum, sob certas condições, os auxílios destinados a cobrir as despesas das empresas siderúrgicas relativamente a projectos de investigação e desenvolvimento, os auxílios com a finalidade de facilitar a adaptação de novas normas legais de protecção do ambiente de instalações em funcionamento há pelo menos dois anos antes da entrada em vigor dessas normas, os auxílios a favor das empresas que cessem definitivamente a sua actividade de produção siderúrgica CECA e os destinados a cobrir subsídios pagos aos trabalhadores despedidos ou reformados antecipadamente, e certos auxílios às empresas situadas na Grécia, em Portugal e no território da antiga República Democrática Alemã. Este código não autoriza nem os auxílios ao funcionamento nem os auxílios à reestruturação, salvo quando se trate de auxílios ao encerramento.

Factos

6.
    A recorrente é uma empresa siderúrgica de direito belga, que, quando funcionava, produzia aço líquido e produtos acabados planos, nomeadamente chapas e brames planos.

7.
    A Société wallonne pour la sidérurgie SA (SWS), cujo capital é propriedade a 100% da Região da Valónia, tem por missão, no âmbito da política económica desta região no sector da siderurgia, intervir no interesse de empresas privadas.

8.
    Na primeira metade dos anos 80, foi elaborado pela recorrente um plano de recuperação e, nesse âmbito, foram-lhe concedidos vários créditos de investimento. Estes créditos estavam, na sua maioria, cobertos por uma garantia de Estado. O primeiro crédito foi de 1,5 mil milhões de BFR, um segundo de 850 milhões de BFR e um terceiro de 1,5 mil milhões de BFR. O quarto e último crédito desta série foi-lhe concedido em 1985 e era de 650 milhões de BFR. Este grupo de créditos sob garantia do Estado foi correntemente chamado «empréstimos SNCI» (contratos de empréstimo com a societè nationale du crédit à l'industrie). Por decisões de 16 de Dezembro de 1982 e de 31 de Julho de 1985, a Comissão autorizou, sob certas condições, uma parte deste plano de recuperação, nomeadamente a respeitante ao primeiro e quarto créditos, de, respectivamente, 1,5 mil milhões de BFR e 650 milhões de BFR.

9.
    A Compagnie belge pour le financement de l'industrie (a seguir «Belfin»), criada para assegurar o financiamento dos investimentos destinados à reestruturação do sector industrial belga, com metade do capital pertencente ao sector público, concedeu igualmente à recorrente vários empréstimos através de capitais obtidos de instituições financeiras: 104 milhões de BFR em 1988 e 196 milhões de BFR em 1989, tendo estes dois contratos sido substituídos por um crédito de 300 milhões de BFR em 1991, e de 200 milhões de BFR em 1994 em substituição de um empréstimo celebrado em 1987.

10.
    Por carta de 25 de Junho de 1996, a Representação permanente da Bélgica junto da União Europeia notificou à Comissão, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, do código dos auxílios, um plano que tinha como objectivo a manutenção das actividades da recorrente. Do ponto de vista comercial, o plano era destinado a manter a fábrica integrada, mas laborando a capacidade reduzida. Do ponto de vista financeiro, o plano, tal como foi notificado, envolvia, por um lado, «medidas de acompanhamento» provenientes de uma entrada de novos capitais da SWS no montante de 1,5 mil milhões de BFR e do reescalonamento das dívidas da empresa com o acordo da SNCI e da Belfin e, por outro, a aquisição pela SWS dos 21,3% do capital social da empresa que anteriormente pertenciam à Socindus, uma sociedade que reagrupa os interesses dos accionistas-gestores privados familiares. A SWS tornou-se, assim, proprietária de 60,3% das acções, sendo o restante capital disseminado pelo público.

11.
    Antes da redacção do referido plano, foram feitos vários diagnósticos relativos ao estado de saúde da empresa, nomeadamente, a seu pedido, pelos consultores Laplace Conseil e Davy Clecim. Por outro lado, o Sr. Gandois, decano dos administradores da recorrente, tinha sido encarregado pelo Sr. Collignon, Ministro-Presidente da Região da Valónia, de estudar a viabilidade do sector siderúrgico na Região da Valónia e as acções a levar a cabo para consolidar essa viabilidade, em especial a da recorrente. Os três relatórios eram unânimes quanto à necessidade de medidas radicais e rápidas para assegurar a sobrevivência da recorrente. Interrogada, nessa altura, pela Comissão quanto às suas intenções em relação à recorrente, a SWS comunicou que o seu objectivo consistia em «evitar a falência da empresa celebrando todos os acordos possíveis com os credores e os banqueiros das Forges a fim de evitar uma catástrofe financeira e social» e declarou que, «a pedido do Ministro-Presidente, a SWS não tomaria qualquer decisão definitiva em relação às Forges de Clabecq antes de o Governo valão poder analisar as conclusões do relatório Gandois».

12.
    Após a notificação, a Comissão, por carta de 5 de Julho de 1996, enviou um pedido de informações suplementares à Representação permanente da Bélgica junto da União Europeia. Desejou, nomeadamente, saber se tinham sido tomadas outras medidas diferentes das notificadas. A este respeito, assinalou que a notificação não continha qualquer informação sobre as condições do reescalonamento das dívidas da recorrente e sobre a situação de um empréstimo de 500 milhões de BFR concedido pela Região da Valónia no final de 1992, que não tinha considerado como um auxílio sob certas condições relativas, nomeadamente, à taxa de juro. Assinalava, além disso, que a imprensa belga tinha mencionado mais medidas, tais como a concessão de novos empréstimos à recorrente. A Representação permanente na Bélgica enviou essa carta à Região da Valónia.

13.
    Por carta de 23 de Julho de 1996, as autoridades belgas comunicaram as informações suplementares. No que diz respeito ao empréstimo de 500 milhões de BFR de 1992, informava-se que, «a pedido urgente do conselho de

administração (da recorrente) e para obter o apoio necessário dos banqueiros e fornecedores ao estudo e à implementação de um plano de recuperação», a SWS tinha decidido em 1996 remitir o seu crédito representando, no total, 555 milhões de BFR. A carta especificava que essa remissão de crédito não constituía um auxílio, uma vez que, de qualquer modo, a recorrente nunca a poderia reembolsar.

14.
    Quanto ao reescalonamento das dívidas, em anexo à carta constavam documentosalusivos a um acordo de princípio da SNCI e da Belfin de prorrogarem por três anos o prazo de reembolso dos empréstimos. Este acordo de princípio era subordinado a várias condições, nomeadamente ao parecer favorável da Comunidade Europeia sobre a recapitalização da recorrente.

15.
    Precisava-se a seguir que a SWS tinha concedido à recorrente um crédito intercalar de 200 milhões de BFR, a título de adiantamento sobre a recapitalização prevista. Esse adiantamento seria indispensável para permitir à recorrente prosseguir as suas actividades enquanto aguardava a decisão da Comissão. A carta anunciava que outros adiantamentos seriam, sem dúvida, necessários.

16.
    Era sublinhado que, de qualquer modo, as medidas contidas no plano não constituíam auxílios de Estado, dado que não havia recurso a fundos públicos e apenas traduziam o comportamento razoável de um investidor privado em economia de mercado. Por outro lado, a SWS não tinha a intenção de continuar a ser a accionista maioritária da recorrente. Por último, era indicado na carta que a SWS se colocava à disposição da Comissão para fornecer outras precisões e para examinar as eventuais adaptações que esta propusesse.

17.
    Através de uma comunicação nos termos do artigo 6.°, n.° 4, do código dos auxílios, publicada em 11 de Outubro de 1996 (JO 1997, C 301, p. 4), a Comissão notificou o Governo belga e convidou-o, bem como a qualquer outra pessoa interessada, a apresentar observações.

18.
    Na sua Decisão 97/271/CECA, de 18 de Dezembro de 1996, Aço CECA — Forges de Clabecq, relativa às intervenções financeiras da Região da Valónia a favor da empresa siderúrgica Forges de Clabecq (JO 1997, L 106, p. 30, a seguir «decisão recorrida»), a Comissão decidiu o seguinte:

«Artigo 1.°

As medidas tomadas pela Bélgica em favor das Forges de Clabecq, designadamente:

—    uma entrada de capital de 1,5 mil milhões de francos belgas,

—    as garantias de Estado para os empréstimos Belfin e SNCI,

—    a remissão de créditos num montante de 802,3 milhões de francos belgas (302,2 milhões de francos belgas no caso da SA Forges Finances e 500 milhões de francos belgas no caso da SWS),

—    os financiamentos intercalares num montante de 700 milhões de francos belgas,

constituem auxílios nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 1.° [do código dos auxílios].

Artigo 2.°

Os auxílios referidos no artigo 1.° são incompatíveis com o mercado comum dado que não são conformes ao disposto nos artigos 2.° a 5.° [do código dos auxílios], tal como previsto no n.° 2 do artigo 1.° [do referido código], sendo, por conseguinte, proibidos por força da alínea c), do artigo 4.° do Tratado.

Artigo 3.°

A Bélgica deve suprimir os auxílios mencionados no artigo 1.° e exigir a restituição dos auxílios ilegais já pagos, bem como dos juros devidos desde a data do pagamento, no prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão.

[...]»

19.
    Em 19 de Dezembro de 1996, os administradores das Forges de Clabecq reconheceram a falência da empresa. Por decisão do Tribunal de commerce de Nivelles de 3 de Janeiro de 1997, foi declarada a falência.

20.
    A decisão recorrida foi notificada às autoridades belgas por carta de 23 de Janeiro de 1997 e foi publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias em 24 de Abril de 1997.

21.
    Mais tarde, em 1997, o activo da recorrente foi comprado por uma nova sociedade denominada Duferco Clabecq, criada por iniciativa de um investidor privado, o grupo Duferco. Em conformidade com a legislação belga relativa às falências, a Duferco Clabecq não teve de assumir as dívidas da recorrente. A Comissão aprovou certas intervenções da SWS a favor da Duferco Clabecq, porque constituíam uma entrada de capital de risco segundo a prática normal das sociedades em economia de mercado.

Tramitação processual e conclusões das partes

22.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 25 de Fevereiro de 1997, a recorrente interpôs o presente recurso. O processo foi atribuído a uma secção

composta por cinco juízes. Na petição, a recorrente solicitou que o processo fosse atribuído à sessão plenária do Tribunal. A secção não deferiu esse pedido.

23.
    Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal em 6 de Março de 1997, a recorrente apresentou um pedido de assistência judiciária. Por despacho de 29 de Setembro de 1997, o Tribunal indeferiu esse pedido.

24.
    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 21 de Março de 1997, a recorrida suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade. A recorrente apresentou as suas observações quanto à questão prévia de inadmissibilidade em 2 de Maio de 1997. Por despacho do Tribunal de 11 de Julho de 1997, a decisão da questão prévia de inadmissibilidade foi reservada para final.

25.
    Por pedidos apresentados na Secretaria do Tribunal respectivamente em 24 de Junho, 23 e 25 de Julho de 1997, a SWS, o Reino da Bélgica e a Região da Valónia apresentaram um pedido de intervenção em apoio dos pedidos da recorrente. Por despacho do presidente da terceira secção alargada do Tribunal, de 31 de Outubro de 1997, a SWS, o Reino da Bélgica e a Região da Valónia foram autorizados a intervir em apoio dos pedidos da recorrente.

26.
    Na réplica, a recorrente propôs a adopção de certas medidas de organização do processo e, subsidiariamente, de uma medida de instrução. Estando suficientemente esclarecido pelos documentos dos autos, o Tribunal decidiu não proceder a medidas de organização do processo ou de instrução.

27.
    Visto o relatório do juiz relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo. Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais do Tribunal aquando da audiência pública de 18 de Novembro de 1998.

28.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    anular a decisão recorrida;

—    decidir quanto às despesas nos termos legais.

29.
    A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    julgar o recurso inadmissível ou, subsidiariamente, negar-lhe provimento;

—    condenar a recorrente nas despesas.

30.
    Os intervenientes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

—    anular a decisão recorrida;

—    condenar a recorrida nas despesas.

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

31.
    A recorrida sustenta que o recurso foi interposto tardiamente. Não contesta que o recurso tenha sido interposto no prazo de um mês a contar da notificação da decisão em 23 de Janeiro de 1997. Todavia, considera que o início do prazo de recurso não deve ser a data da notificação da decisão ao Estado belga, mas a data em que a recorrente tomou conhecimento da decisão. No caso em apreço, é um facto assente que essa data foi efectivamente antes de 23 de Janeiro de 1997. Isto é, nomeadamente, demonstrado pelo facto de, na sua decisão de 3 de Janeiro de 1997, o Tribunal de commerce de Nivelles ter declarado que a recorrente tinha declarado a falência em 19 de Dezembro de 1996 «devido a uma decisão adoptada pela Comissão Europeia em 18 de Dezembro de 1996».

32.
    A recorrida considera que, nestas circunstâncias, o cálculo do prazo de um mês deve basear-se na data de 18 de Dezembro de 1996. Por conseguinte, o recurso é inadmissível porque foi interposto fora do prazo.

33.
    A título subsidiário, a recorrida expõe que, se a recorrente considerava não ter conhecimento exacto da decisão, incumbia-lhe pedir o texto, num prazo razoável, o que não fez.

34.
    Em apoio da sua argumentação, a Comissão cita, em especial, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 1985, Hoogovens Groep/Comissão (172/83 e 226/83, Colect., p. 2831), de 6 de Julho de 1988, Dillinger Hüttenwerke/Comissão (236/86, Colect., p. 3761), e de 6 de Dezembro de 1990, Wirtschaftsvereinigung Eisen- und Stahlindustrie/Comissão (C-180/88, Colect., p. I-4413), bem como o despacho do Tribunal de Justiça de 5 de Março de 1993, Ferriere Acciaierie Sarde/Comissão (C-102/92, Colect., p. I-801), que é citado igualmente no acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Maio de 1994, Consorzio gruppo di azione locale «Murgia Messapica»/Comissão (T-465/93, Colect., p. II-361, n.° 29).

35.
    A recorrente recorda que um recurso só pode ser interposto utilmente quando a pessoa em causa teve conhecimento da fundamentação da decisão adoptada pela Comissão. Ora, a recorrente tomou conhecimento do texto da decisão aquando da sua notificação. Afirma, a este respeito, que, pouco tempo depois da adopção da decisão, tinha contactado a Comissão a fim de obter o texto, mas que esta lhe tinha respondido que não era possível enviar-lho antes da sua notificação formal ao Estado belga.

36.
    A recorrente acrescenta que as interpretações da jurisprudência feitas pela Comissão são erradas. A jurisprudência em questão é relativa a factos completamente diferentes dos factos do caso em apreço. Os acórdãos e despachos

citados pela Comissão dizem efectivamente respeito à situação em que uma decisão CECA não foi notificada nem publicada, e neles se decidiu que um recurso pode ser interposto no prazo de um mês a contar do conhecimento efectivo da decisão, na condição de o recorrente ter solicitado o texto da decisão num prazo razoável.

37.
    Por último, a recorrente expõe que a possibilidade de interpor um recurso antes da notificação era, de qualquer modo, excluída pelo facto de, nos termos do artigo 15.° do Tratado CECA, uma decisão não poder produzir efeitos antes da sua notificação.

38.
    O Governo belga sustenta a argumentação da recorrente.

39.
    A Região da Valónia e a SWS observam que a decisão foi notificada e que o recurso foi interposto no prazo de um mês, prorrogado da dilação em razão da distância, a contar dessa notificação. Concluem que o artigo 33.°, terceiro parágrafo, do Tratado foi plenamente respeitado e que o recurso não pode ser qualificado de extemporâneo.

Apreciação do Tribunal

40.
    Nos termos do artigo 33.°, terceiro parágrafo, do Tratado, os recursos de anulação «devem ser interpostos no prazo de um mês a contar, conforme o caso, da notificação ou da publicação da decisão ou recomendação». O Tribunal considera que, em conformidade com o princípio da segurança jurídica, os particulares devem poder confiar no texto claro dessa disposição. Por conseguinte, há que calcular os prazos de recurso com base nas datas de notificação e de publicação das decisões e recomendações da Comissão.

41.
    No caso em apreço, a decisão recorrida foi notificada ao Estado belga por carta de 23 de Janeiro de 1997 e publicada no Jornal Oficial em 24 de Abril de 1997. Conclui-se que o presente recurso, que foi interposto em 25 de Fevereiro de 1997, efectivamente antes do fim do prazo de um mês, prorrogado da dilação em razão da distância de dois dias aplicável aos recursos interpostos por pessoas instaladas na Bélgica, a contar da data da publicação, não é extemporâneo.

42.
    Por outro lado, como a recorrente justamente o expôs, a jurisprudência citada pelaComissão em apoio da excepção de inadmissibilidade diz respeito à situação, essencialmente diferente da do caso em apreço, em que a decisão não foi notificada nem publicada.

43.
    Daqui resulta que a excepção de inadmissibilidade deve ser rejeitada.

Quanto ao mérito

44.
    A recorrente e os intervenientes invocam, essencialmente, sete fundamentos de anulação. O primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 4.° do Tratado.

O segundo fundamento é relativo à violação do artigo 95.° do Tratado. O terceiro fundamento é relativo à violação do princípio da segurança jurídica. O quarto fundamento é relativo à insuficiência de fundamentação. O quinto fundamento é relativo à violação dos direitos de defesa. O sexto fundamento é relativo à violação do direito fundamental ao trabalho, dos preâmbulos e objectivos dos Tratados CECA e CE e do princípio da proporcionalidade. Por último, o sétimo fundamento é relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento.

45.
    Além disso, a recorrente suscita, no âmbito do presente recurso de anulação e a título subsidiário, a questão da ilegalidade do código dos auxílios. Esta questão assenta em três fundamentos. O primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 95.° do Tratado. O segundo fundamento é relativo à violação do artigo 67.° do Tratado e, na medida do necessário, à violação dos artigos 92.° e 93.° do Tratado CE. O terceiro fundamento é relativo ao excesso de poder, a um erro manifesto de apreciação e à violação do princípio da igualdade de tratamento.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 4.° do Tratado

Argumentos das partes

46.
    A recorrente expõe que não foi a Região da Valónia, mas a SWS que realizou intervenções financeiras a seu favor. Isso tem por consequência que as intervenções não podem ser qualificadas de auxílios de Estado. Com efeito, a SWS é uma sociedade de direito privado, que, embora, propriedade a 100% da Região da Valónia, não está sujeita a nenhum comportamento de autoridade pública da Região da Valónia e que não recebe qualquer dotação em capital da Região para fazer face aos custos das suas operações. A intervenção da SWS insere-se na sua missão de accionista maioritária e não consiste, deste modo, numa entrada de capital de fundos públicos. A recorrente acrescenta por outro lado que, embora seja um facto que a SWS se tornou a sua accionista de referência, esta só possui 40% dos direitos de voto.

47.
    A recorrente expõe, seguidamente, que não é apropriado aplicar o critério do «investidor privado em economia de mercado» ao sector da siderurgia, dado que este sector tem necessidade de fundos públicos, a fim de poder sobreviver. O referido critério, além disso, não foi objecto, no caso em apreço, de um exame atento e individualizado da Comissão. A este respeito a recorrente observa que a Comissão não apresentou nenhum documento que lhe permita ou que permita ao Tribunal conhecer as condições em que o processo foi examinado. Assinala também que, na sua decisão, a Comissão apenas considera que há «presunção de auxílio sempre que, em empresas cujo capital é partilhado entre accionistas públicos e privados, a contribuição pública atinge uma proporção sensivelmente superior à repartição de origem e que a diminuição relativa da participação dos accionistas privados se deve essencialmente às más perspectivas de rendibilidade da empresa» (ponto V, quarto parágrafo, dos considerandos da decisão recorrida).

Ora, essa presunção não tem qualquer fundamento no direito comunitário. Além disso, a presunção da Comissão assenta em falsas asserções factuais. Nomeadamente, o antigo accionista de referência, a Socindus, continuou a sustentar que acreditava nas possibilidades de restauração da competitividade da empresa. A diminuição da participação dessa accionista privada apenas foi devida à sua falta de meios para participar no plano de recuperação.

48.
    A recorrente acrescenta que só quando não há razões objectivas para esperar que as medidas de intervenção tenham uma rentabilidade aceitável, é que se está em presença de um auxílio de Estado. A este respeito, assinala que a asserção factual expressa pela Comissão na decisão recorrida, segundo o qual o plano de recuperação teria sido desaconselhado por um perito independente, é falsa. Os relatórios Laplace Conseil e Davy Clecim comprovaram as possibilidades de rentabilidade da empresa. O relatório Gandois foi parcial, dado que o Sr. Gandois exercia, na altura, funções num concorrente belga e num organismo que representa os interesses das empresas siderúrgicas francesas. Na audiência, a recorrente sublinhou, além disso, que o mercado acreditava na rentabilidade das medidas de intervenção. O facto de a bolsa ter reagido favoravelmente às referidas medidas foi um indício importante a este respeito.

49.
    Por último, a recorrente expõe que, de qualquer modo, a consideração da Comissão segundo a qual «o Estado substituiu o privado» na gestão e no substracto accionista da empresa é irrelevante, uma vez que, nos termos do artigo 83.° do Tratado, a instituição da Comunidade em nada prejudica o regime de propriedade das empresas. O facto de a Comissão se ter baseado na referida consideração tem por consequência que as empresas públicas sejam discriminadas em relação às empresas privadas.

50.
    A recorrente conclui que, por estas múltiples razões, a Comissão cometeu um erro ao considerar que as intervenções em causa constituem auxílios de Estado na acepção do artigo 4.°, alínea c), do Tratado.

51.
    Segundo o Governo belga, a Comissão considerou de forma errada que os empréstimos concedidos pela Belfin à recorrente beneficiam de uma garantia de Estado. Salienta, a este respeito, que só foi concedida essa garantia aos empréstimos subscritos pela Belfin junto dos bancos , e não aos empréstimos que foram concedidos pela Belfin às empresas. A existência de uma garantia de Estado constitui precisamente uma diferença essencial entre as relações contratuais da Belfin com os organismos bancários e as suas relações contratuais com as empresas.

52.
    A título subsidiário, o Governo belga assinala que a garantia de Estado para os montantes obtidos pela Belfin a título de empréstimos é sempre contragarantida pelos destinatários dos empréstimos e é, assim, finalmente, de natureza privada. Com efeito, esses destinatários contribuem para um «Fundo de Garantia», ao qual estão vinculados os empréstimos da Belfin. Segundo o artigo 10.° da convenção de

accionistas da Belfin, as acções judiciais do Estado contra a Belfin, baseados na invocação da garantia para os montantes obtidos de empréstimos, são propostas até ao limite dos montantes que formam o Fundo de Garantia. A parte interveniente conclui que, mesmo que o Tribunal considere que os empréstimos da Belfin estavam sob garantia, essa garantia não constitui um auxílio de Estado. Acrescenta, por outro lado, que a Belfin não é uma empresa pública, dado que o seu substracto accionista privado é de 50%.

53.
    Quanto ao restante, o Governo belga sustenta a argumentação da recorrente.

54.
    A Região da Valónia e a SWS sustentam também a argumentação invocada pela recorrente. Observam que o plano apresentado à Comissão era indispensável e tinha por objectivo dar, a relativamente curto prazo, rentabilidade económica e uma melhoria da situação financeira da recorrente. Em especial, a entrada em capital de 1,5 mil milhões de BFR tinha por objectivo assegurar a viabilidade da empresa e o seu desenvolvimento futuro. A Região da Valónia e a SWS sublinham também que as intervenções da SWS eram limitadas ao que era estritamente necessário e que, por conseguinte, a SWS se comportou como investidor privado em economia de mercado. Expõem, ao mesmo tempo, que o critério de investidor privado em economia de mercado não é razoável, dado que não é possível preencher, na prática este critério. Com efeito, habitualmente um investidor privado abstém-se de injectar capitais numa empresa em dificuldade. Ao impor o referido critério aos Estados-Membros, a Comissão não tem em conta a sua função de autoridade pública. Além disso, a Comissão aplicou mal este critério no caso em apreço, ao não ter em consideração o facto de o plano permitir à recorrente, nomeadamente através da redução das capacidades de produção, reencontrar a sua viabilidade.

55.
    A recorrida recorda em primeiro lugar que deve ser entendido como auxílio na acepção do artigo 4.°, alínea c), do Tratado, qualquer prestação em dinheiro ou em espécie concedida para o apoio de uma empresa que não seja o pagamento pelo comprador ou utilizador dos bens ou serviços que ela produz; o conceito de auxílio compreende não apenas as prestações positivas, mas igualmente as intervenções que, sob diversas formas, aliviam os encargos que, normalmente, incidem sobre o orçamento de uma empresa. A recorrida recorda também que o conceito de auxílio de Estado abrange tanto os auxílios concedidos directamente pelos Estados-Membros ou pelas suas autoridades regionais ou locais como os concedidos pelos organismos públicos ou privados instituídos com o objectivo de distribuir e de gerir auxílios.

56.
    À luz desta interpretação do artigo 4.° do Tratado, a recorrida chama a atenção para os estatutos da SWS. Deles resulta, entre outras coisas, que a SWS é uma sociedade cujo capital é propriedade a 100% da Região da Valónia, que tem por missão, como «instrumento privilegiado da política da Região da Valónia no sector da siderurgia», gerir as participações e créditos públicos no sector da siderurgia,

e assegurar a execução de decisões de intervenção adoptadas pelo Governo da Região Valã, bem como a gestão das participações, obrigações, adiantamentos ou interesses que a Região da Valónia tenha ou venha a ter nas sociedades siderúrgicas, por força dessas decisões. Para este efeito, a SWS deve assegurar a execução e o controlo das decisões adoptadas a respeito das empresas que são objecto de uma intervenção da Região da Valónia. A recorrida acrescenta que, sempre nos termos dos estatutos da SWS, a Região da Valónia designa o presidente e o vice-presidente da referida sociedade, aprova as eventuais alterações dos seus estatutos, e deve dar autorização para a cessão das suas acções, que, de qualquer modo, só podem ser detidas pela própria Região da Valónia ou por instituições financeiras de interesse público designadas pelo Governo da Região Valã.

57.
    A recorrida conclui que a argumentação da recorrente, segundo a qual a SWS tomaou a decisão de intervir a favor das Forges de Clabecq e que essa intervenção não corresponde a receitas de Estado é completamente falsa. A este respeito, faz referência, a título complementar, a artigos de imprensa publicados nos jornais belgas que mencionam expressamente a decisão do Governo da Região Valã, e mais especialmente do Ministro-Presidente da Região da Valónia, o Sr. Collignon, de dar um apoio financeiro de 1,5 mil milhões de BFR às Forges de Clabecq. As informações dadas à Comissão pelas autoridades belgas aquando da notificação em Junho de 1996 confirmam também que foi o Ministro-Presidente da Região da Valónia que levou a cabo o processo decisório relativo às Forges de Clabecq. Por último, a mesma conclusão pode ser retirada dos articulados apresentados pela Região da Valónia no processo T-70/97, julgado inadmissível por despacho do Tribunal de 29 de Setembro de 1997. Nesses articulados, a Região da Valónia fala da «sua decisão do mês de Junho de 1996» e afirma que «foi a Região da Valónia que dirigiu o projecto e que se declarou pronta a realizar os investimentos necessários».

58.
    Em resposta aos argumentos do Governo belga, a recorrida observa que a SWSjuntou em anexo à sua carta de 23 de Julho de 1996 certos documentos, redigidos pelo Ministério das Finanças belga e pela SNCI e a Belfin, dos quais resulta inequivocamente que os empréstimos SNCI e Belfin, bem como as prorrogações das datas de vencimento destes, estavam cobertas por uma garantia de Estado.

59.
    A recorrida recorda a seguir que o princípio do investidor em economia de mercado figura no código dos auxílios. Sublinha que este princípio foi aplicado em numerosos casos para determinar se existe um auxílio de Estado. A Comissão examina nomeadamente, nos casos em que uma empresa recebe fundos públicos, se um investidor em economia de mercado teria fornecido esses montantes em condições similares. Esta política da Comissão foi, aliás, aprovada pelo Tribunal de Justiça várias vezes.

60.
    Por último, a recorrida sublinha que aplicou o referido princípio tendo em consideração o processo individual da recorrente, e que o artigo 83.° do Tratado,

por esta invocado, justifica precisamente o critério do investidor em economia de mercado. Quanto às peritagens, a recorrida observa que estas faziam totalmente parte do procedimento de notificação que a Comissão recebeu das autoridades belgas em Junho de 1996, e que eram unânimes quanto à situação financeira e comercial desastrosa da recorrente. Assinala também que teve plenamente em conta todos os elementos referidos por essas peritagens.

61.
    Na tréplica, a recorrente precisa que a questão não é de saber se a Região da Valónia dirigiu o plano de recuperação, mas saber se a SWS, sociedade de direito privado, ou a sua accionista, a Região da Valónia, tomaram uma decisão economicamente justificada pelas lógicas de mercado ou se se trata de uma decisão puramente política e desprovida de justificação económica racional. A recorrente considera, por outras palavras, que «a questão não é saber se a Região da Valónia dirige o processo mas apreciar como o dirige. A Região da Valónia é, no caso em apreço, a única accionista da accionista, sendo esta última minoritária em direitos de voto, agindo temporariamente como accionista de referência da sociedade em dificuldade».

Apreciação do Tribunal

62.
    O Tribunal verifica, em primeiro lugar, que a exactidão dos montantes das intervenções indicados na decisão recorrida, alguns dos quais são claramente superiores aos inicialmente notificados ou declarados de modo diferente pelas autoridades belgas, não é contestada pela recorrente ou pelas partes intervenientes.

63.
    Há que recordar seguidamente que o conceito de auxílio referido no artigo 4.°, alínea c), do Tratado compreende as prestações em dinheiro ou em espécie concedidas para apoiar uma empresa, que não constitua o pagamento pelo comprador ou utilizador dos bens ou serviços que ela produz e, além disso, qualquer intervenção que atenúe os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 1961, De Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg/Alta Autoridade, 30/59, Colect. 1961, p. 553). Ora, manifestamente, nenhuma das medidas referidas pela decisão recorrida é abrangida por este conceito.

64.
    Em primeiro lugar, é ponto assente que a entrada em capital no montante de 1,5 mil milhões de BFR e os adiantamentos concedidos no âmbito dessa entrada de capital não constituiam um pagamento de bens produzidos pela recorrente, mas medidas destinadas à recuperação da empresa. Assim, as referidas medidas devem ser consideradas prestações em dinheiro concedidas para o apoio a uma empresa e podem ser qualificadas de auxílio na acepção do artigo 4.°, alínea c), do Tratado.

65.
    É claro, em seguida, que as outras medidas referidas pela decisão recorrida isentaram a recorrente de encargos que, de outro modo, ela deveria suportar. Pela renúncia a créditos de empréstimos, a recorrente foi exonerada de certas dívidas

que oneravam o seu orçamento. Do mesmo modo, as garantias de Estado para os empréstimos SNCI e Belfin, bem como os financiamentos intercalares, eram susceptíveis de reduzir a pressão sobre o orçamento da recorrente.

66.
    Aliás, a fim de justificar as medidas adoptadas a favor da recorrente, a Região da Valónia e a SWS alegaram que essas medidas eram indispensáveis para sanear, e mesmo salvar a empresa (v. o n.° 54 supra). Isso demonstra precisamente que essas intervenções tinham por objectivo atenuar os problemas financeiros da recorrente, e que constituíam, assim, medidas de auxílio.

67.
    Conclui-se necessariamente que foi com fundamento jurídico que a Comissão qualificou de auxílio cada uma das medidas referidas na decisão recorrida.

68.
    Quanto a questão de saber se esses auxílios são de natureza estatal, há que recordar que, para apreciar o carácter estatal de um auxílio, não se deve fazer a distinção entre, por um lado, os casos em que o auxílio é concedido directamente pelo Estado-Membro ou por uma colectividade territorial e, por outro, aqueles em que o auxílio é concedido por organismos públicos ou privados que o Estado ou a colectividade territorial institui ou designa para gerir o auxílio (v., por exemplo, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de Março de 1977, Steinike & Weinlig/Alemanha, 78/76, Colect. 1977, p. 206, n.° 21, e de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-303/88, Colect., p. I-1433, n.° 11; v. igualmente o artigo 1.°, n.° 2, do código dos auxílios).

69.
    À luz desta jurisprudência, o Tribunal considera que o carácter estatal da entrada de capital de 1,5 mil milhões de BFR, dos adiantamentos concedidos no âmbito dessa entrada de capital, e das remissões de créditos de empréstimos está bem provado, porque se trata de intervenções da SWS, que é propriedade a 100% da Região da Valónia, que serve, segundo os seus próprios estatutos, de «instrumento privilegiado da política da Região da Valónia», e que foi criada precisamente para «favorecer, no interesse da economia regional e tendo em conta a política económica da região, a criação, a reorganização ou a extensão de empresas privadas» e para «promover a iniciativa económica pública». Resulta, além disso, do processo, que os comportamentos da SWS a favor da recorrente estavam directamente ligados às deliberações tomadas pelo Governo da Região Valã. Assim, numa carta dirigida à Comissão, o Ministro-Presidente da Região da Valónia refere que, após a decisão recorrida da Comissão, «a Região da Valónia considerou que as condições que justificavam a sua decisão de Junho de 1996 de participar nesse projecto de recapitalização já não estavam preenchidas e que, por conseguinte, já não podia encarregar a SWS de dar o seu apoio à empresa» (anexo II da tréplica).

70.
    Quanto aos empréstimos SNCI e Belfin, há que declarar em primeiro lugar que a Comissão não os qualificou de auxílios enquanto tais, mas sim as garantias do Estado que os cobrem. Há que referir em seguida que o argumento do Governo belga, segundo o qual não existia uma garantia do Estado para os empréstimos da

Belfin, é contradito por uma carta de 25 de Junho de 1996 enviada pela Belfin à recorrente e anexada pela SWS à sua carta de 23 de Julho de 1996 dirigida à Comissão, segundo a qual o acordo de princípio com uma prorrogação de três anos do calendário de reembolso do capital dos créditos concedidos à recorrente pela Belfin era sujeito à condição de um «acordo de Estado (crédito público) de alargar a sua garantia aos prazos de vencimento prorrogados». O carácter estatal das garantias do Estado também não pode ser validamente refutado.

71.
    Quanto ao critério do investidor privado em economia de mercado, o Tribunal recorda que , no âmbito da apreciação da compatibilidade com o mercado comum de medidas adoptadas pelas autoridades públicas a favor de uma empresa, é pertinente aplicar este critério, que é baseado nas possibilidades de a empresa beneficiária obter as quantias em causa no mercado de capitais e que consiste em saber se um investidor privado teria realizado a operação em causa nas mesmas condições (v., por analogia, o acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão, C-142/87, Colect., p. I-959, n.° 26, e o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Abril de 1998, Cityflyer Express/Comissão, T-16/96, Colect., p. II-757, n.° 51). Contestar, como o fazem a recorrente e as partes intervenientes, a pertinência deste critério no sector da siderurgia, porque, na prática, este sector tem inevitavelmente necessidade de entradas públicas de capital, equivale a negar a aplicabilidade de princípio da proibição enunciada no artigo 4.°, alínea c), do Tratado, que diz precisamente respeito às subvenções e auxílios concedidos pelos Estados. O Tribunal considera que o critério de investidor privado em economia de mercado é tão pertinente no âmbito do artigo 4.° do Tratado CECA como no âmbito do artigo 92.° do Tratado CE, na medida em que serve para detectar as vantagens que falseiem ou ameacem falsear a concorrência. Aliás, o critério está inserido no artigo 1.°, n.° 2, do código dos auxílios, e a legalidade desse código não é contestada pela recorrente sob esta perspectiva.

72.
    Resulta dos documentos apresentados ao Tribunal no caso em apreço, e, nomeadamente, da carta de notificação (anexo 3 da petição inicial), que as medidas a favor da recorrente foram adoptadas para «assegurar a manutenção das actividades» desta última, e que a SWS teve de executar essas medidas porque a Socindus, sociedade que reagrupava os interesses dos accionistas-gestores privados familiares e considerada a accionista privada responsável pela gestão da empresa, se retirou desta. Resulta do mesmo documento que, apesar dos créditos de investimento obtidos pela recorrente durante os anos 80 e 90 (v. os n.os 8 e 9 supra), a situação concorrencial e financeira da recorrente não cessava de se deteriorar. Há todas as razões para pensar que, nessas circunstâncias, as possibilidades de a recorrente encontrar um investidor privado disposto a injectar na empresa quantias tão importantes como as quantias públicas referidas pela decisão recorrida, eram reduzidas ou mesmo inexistentes. A este respeito, o facto de a bolsa ter reagido favoravelmente às intervenções financeiras adoptadas a favor da recorrente não equivale a um indício de que accionistas privados teriam eles próprios efectuado uma injecção financeira dessa envergadura na empresa.

Também as medidas adoptadas a favor da recorrente não eram entradas de capital de risco segundo as práticas normais das sociedades em economia de mercado, mas constituíam, efectivamente, pelo contrário, medidas urgentes destinadas à sobrevivência da empresa. Esta apreciação é, aliás, corroborada pelo facto de, no dia a seguir ao dia em que tomou conhecimento da recusa da Comissão de autorizar essas intervenções, a recorrente ter declarado a sua falência.

73.
    Por último, contrariamente ao que sugere a recorrente, nem a circunstância da SWS ser uma accionista da empresa no momento em que efectuou as intervenções acima referidas a favor desta nem o artigo 83.° do Tratado podem impedir que essas intervenções sejam qualificadas de auxílios de Estado. Com efeito, o facto de o artigo 83.° dispor que «a instituição da Comunidade em nada prejudica o regime de propriedade das empresas» não impede que o artigo 4.° do Tratado possa ser invocado contra autoridades estatais que, como accionistas de empresas, adoptem medidas que não são entradas de capital de risco segundo as práticas normais de sociedades em economia de mercado. Há que declarar, a este respeito, que a decisão recorrida é dirigida contra as intervenções financeiras a favor da recorrente e não contra a qualidade de accionista da SWS enquanto tal (v. supra n.° 18).

74.
    Resulta de todas estas considerações que a apreciação da Comissão, segundo a qual as medidas em causa não eram entradas de capital de risco segundo a prática normal dos investidores em economia de mercado e deviam, assim, ser consideradas auxílios de Estado na acepção do artigo 1.°, n.° 2, do código dos auxílios e nos termos do artigo 4.°, alínea c), do Tratado, não pode ser considerada manifestamente errada.

75.
    Conclui-se que foi em plena conformidade com o direito que a Comissão qualificou de entrada de capital público cada uma das medidas adoptadas a favor da recorrente e referidas na decisão recorrida. Por conseguinte, o primeiro fundamento de anulação deve ser julgado improcedente.

Quanto ao segundo fundamento de anulação, relativo à violação do artigo 95.° do Tratado

Argumentos das partes

76.
    A Região da Valónia e a SWS observam que, como a própria Comissão reconheceu na sua decisão, as medidas de intervenção a favor da recorrente não eram abrangidas pelo âmbito de aplicação dos artigos 2.° a 5.° do código dos auxílios. Nessas circunstâncias, a Comissão deveria, nos termos do artigo 95.° do Tratado, ter obtido o parecer favorável do Conselho sobre essas medidas.

77.
    A recorrida recorda que, no âmbito do artigo 95.° do Tratado, dispõe de um poder discricionário que deve utilizar no interesse comum. O exercício desse poder só pode ser objecto de censura se for demonstrada a existência de uma inexactidão

material ou de um manifesto erro de apreciação. Essa demonstração não foi feita pelas partes intervenientes.

Apreciação do Tribunal

78.
    O Tribunal verifica, em primeiro lugar, que as partes não contestaram que as medidas em causa não relevavam de nenhuma das categorias de auxílios referidas pelos artigos 2.° a 5.° do código dos auxílios (v. supra n.° 5).

79.
    O Tribunal recorda, em seguida, que o artigo 4.°, alínea c), do Tratado não proíbe que a Comissão autorize, a título de derrogação, os auxílios de Estado que não relevem das categorias referidas no código dos auxílios, fundamentando-se no artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafo, do Tratado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Outubro de 1997, EISA/Comissão, T-239/94, Colect., p. II-1839, n.os 63 e 72). Todavia, contrariamente ao que sugerem a Região da Valónia e a SWS, não se trata de uma obrigação da Comissão, mas apenas de um poder discricionário que esta exerce quando é de opinião de que o auxílio notificado é necessário para a realização dos objectivos do Tratado, e isso, nomeadamente, para fazer face a situações imprevistas (acórdão EISA/Comissão, já referido, mesmos números). Conclui-se que a Comissão, que deve agir no interesse comunitário, só pode utilizar esse poder a título de excepção. Esta interpretação é, aliás, corroborada pelo princípio consagrado no artigo 1.°, n.° 1, do código dos auxílios, segundo o qual os auxílios à siderurgia só podem ser considerados compatíveis com o bom funcionamento do mercado comum, se respeitarem o disposto nos artigos 2.° a 5.° do código dos auxílios (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Setembro de 1997, UK Steel Association/Comissão, T-150/95, Colect., p. II-1433, n.° 95). Tal regime visa precisamente assegurar condições de concorrência equitativas no sector da siderurgia (mesmo acórdão, n.° 118; ponto I, quinto parágrafo, dos considerandos do código dos auxílios).

80.
    Por último, convém recordar que uma violação do Tratado devida a uma apreciação errada de uma situação decorrente de factos ou de circunstâncias económicas só pode ser declarada verificada se for demonstrado um desvio de poder por parte da Comissão ou um erro evidente na apreciação, em relação às disposições no Tratado, da situação relativamente à qual a decisão da Comissão foi adoptada (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 1960, Société métallurgique de Knutange/Alta Autoridade, 15/59 e 29/59, Recueil, p. 9, 28; despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1996, Alemanha/Comissão, C-399/95 R, Colect., p. I-2441, n.os 61 e 62).

81.
    O Tribunal considera que, no caso em apreço, nada permite pensar que a Comissão cometeu um erro evidente ao abster-se de autorizar, a título de derrogação, os auxílios em causa. Bem pelo contrário, atendendo a que, apesar de múltiplas intervenções importantes a favor da recorrente, esta se encontrava quase

em situação de falência, não era despropositado que a Comissão considerasse que as novas medidas consideradas não asseguravam, independentemente do prazo, a viabilidade da empresa e que não havia assim, qualquer objectivo no Tratado que tornasse necessária a autorização dessas medidas. Além disso, a situação em que a recorrente se encontrava aquando da concessão dos auxílios era previsível.

82.
    Os relatórios dos peritos redigidos em 1996 a respeito da situação da empresa e das medidas a tomar confirmam estas apreciações. No relatório Laplace Conseil, é referido que «a causa da [situação grave da empresa] encontra-se no interior das Forges de Clabecq, no sistema de desresponsabilização em cadeia de todos os actores: accionistas, administradores, direcção, quadros técnicos, encarregados e representantes dos trabalhadores. Este sistema bloqueou a evolução da gestão dos recursos humanos e, deste modo, da competitividade da empresa, no decurso dos últimos 20 anos». Seguidamente afirma-se que «as Forges de Clabecq estão na situação de longe mais crítica de todas as siderurgias da Região Valã» e que, à luz dessa situação, «a reestruturação proposta não é uma panaceia» e serve, no máximo, para «dar tempo [...] para realizar as necessárias transições industriais e sociais». Entre essas transições necessárias, o relatório mencionava, entre outras, uma «redução dos efectivos na ordem de 650 trabalhadores, antes do final de 1996». O relatório Gandois declarava que a recorrente «está exangue e só sobrevive graças ao apoio da Região da Valónia», e considerava que seria necessária uma capitalização de 4,5 mil milhões de BFR para haver uma hipótese real de sanear a empresa. Todavia, desaconselhava essa recapitalização, porque «tratava-se de um auxílio público proibido, criando uma discriminação manifesta na concorrência entre os diversos actores do mercado siderúrgico. É evidente que a economia de mercado não pode funcionar se cada Estado tiver a liberdade de auxiliar uma empresa como deseja». Concluía: «As Forges de Clabecq actualmente só prosseguem a sua actividade graças ao apoio de uma das suas accionistas que é a Região da Valónia. Esta situação não pode durar. Na melhor das hipótese, poder-se-á manter no local uma actividade ocupando 600 a 700 pessoas.» Por outro lado, nada permite declarar que este relatório era parcial.

83.
    Conclui-se que não pode ser declarado que a Comissão cometeu um erro evidente ao decidir não autorizar os auxílios em causa porque nenhum dos objectivos do Tratado tornava necessária a sua autorização. Por conseguinte, o segundo fundamento de anulação deve ser igualmente rejeitado.

Quanto ao terceiro fundamento de anulação, relativo à violação do princípio da segurança jurídica

Argumentos das partes

84.
    O Governo belga sublinha que as garantias do Estado criticadas pela Comissão na decisão recorrida são, na realidade, as que se referiam, por um lado, a uma parcela de 680 milhões de BFR do primeiro crédito de investimento concedido à recorrente no início dos anos 80 e, por outro, ao último crédito de 650 milhões

de BFR, concedido à recorrente em 1985. Sublinha que estes dois créditos foram autorizados, sob determinadas condições, respectivamente pela decisão da Comissão de 16 de Dezembro de 1982 (a seguir «decisão de 1982») e pela decisão da Comissão de 31 de Julho de 1985 (a seguir «decisão de 1985»). Em 1986, a Comissão confirmou mesmo a sua autorização, apesar de o limiar financeiro por ela fixado ter sido ultrapassado.

85.
    O Governo belga considera que, nestas circunstâncias, não era permitido à Comissão examinar estas mesmas medidas de intervenção à luz do código dos auxílios actualmente em vigor, concluir pela sua ilegalidade e ordenar a sua restituição. A este respeito, sublinha que cumpriu as condições de aprovação impostas pela Comissão em 1982 e 1985 e que, de qualquer modo, a Comissão nunca aplicou sanções pela sua violação.

86.
    O Governo belga acrescenta que a sua argumentação não é posta em causa pelos diferentes reescalonamentos do reembolso que ocorreram relativamente aos referidos créditos. Nomeadamente, as diferentes prorrogações do prazo de vencimento alargaram e, desse modo, só minimamente alteraram, as garantias de Estado; por conseguinte, a Comissão não tinha o direito de questionar de novo a aprovação que dera a essas garantias. Na sua decisão, devia, de qualquer modo, ter tomado posição exclusivamente quanto às extensões das garantias iniciais e não quanto às garantias na sua totalidade.

87.
    A recorrida sublinha que a argumentação tecida pelo Governo belga não foi por ele apresentada na resposta à notificação feita pela Comissão no âmbito do procedimento do artigo 6.°, n.° 4, do código dos auxílios, nem numa outra fase do processo pré-contencioso. A recorrida recorda, a este respeito, o princípio da estrita concordância entre os fundamentos invocados no processo administrativo e os desenvolvidos no âmbito do recurso. Por outro lado, a decisão da Comissão de dar início ao procedimento do artigo 6.°, n.° 4, do código dos auxílios, dava já claramente a entender que as garantias de Estado para os empréstimos SNCI e Belfin não se consideravam cobertas por uma autorização prévia da Comissão.

88.
    Além disso, a decisão recorrida era um acto confirmativo em relação à decisão de dar início ao processo de exame, que é um acto recorrível.

89.
    Por último, a parte interveniente modificou, através dessa argumentação, o âmbito do litígio. Deste modo, não aceitou o litígio no estado em que ele se encontrava aquando da sua intervenção.

90.
    Por todas estas razões, o presente fundamento é inadmissível.

91.
    Na audiência, o Governo belga sublinhou que, na sua qualidade de parte interveniente no processo, tem o direito de apresentar qualquer fundamento jurídico em apoio dos pedidos da recorrente. O facto de não ter apresentado certos

argumentos em resposta à carta de notificação que a Comissão lhe enviou, não é relevante.

Apreciação do Tribunal

92.
    Há que declarar em primeiro lugar que, contrariamente ao que afirma a recorrida, o Governo belga não deformou o quadro do litígio ao invocar um fundamento de anulação que não foi suscitado pela recorrente. Como resulta do texto do artigo 116.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, o interveniente não pode alargar os pedidos da parte em apoio dos quais intervém, mas pode escolher livremente os fundamentos e argumentos que invoca em apoio dos referidos pedidos.

93.
    Esta liberdade de escolha não é, aliás, limitada aos argumentos invocados na fase do processo administrativo. Na verdade, o Governo belga não poderia invocar elementos factuais que não eram conhecidos da Comissão e que não quis comunicar-lhe aquando do processo administrativo (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 1994, Espanha/Comissão, C-278/92, C-279/92 e C-280/92, Colect., p. I-4103, n.° 31), mas nada o impede de desenvolver, contra a decisão final, um fundamento jurídico não suscitado na fase do processo administrativo.

94.
    Contrariamente ao que a recorrida sugeriu nos seus articulados, a regra aplicada pelo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Primeira Instância em matéria de concordância entre fundamentos invocados no âmbito do processo pré-contencioso, por um lado, e no âmbito do recurso, por outro (v., por exemplo, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Março de 1990, Alexandrakis/Comissão, T-57/89, Colect., p. II-143, n.os 8 e 9, e o acórdão do Tribunal de Justiça de 17 deNovembro de 1992, Comissão/Grécia, C-105/91, Colect., p. I-5871, n.° 12), não é uma regra geral. Não se aplica para além do que decorre necessariamente de certas disposições, como, em matéria de função pública, o artigo 91.°, n.° 2, do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias e, em matéria de acções por incumprimento, o artigo 169.° do Tratado. Por outro lado, mesmo no regime específico instituído pelo artigo 169.° do Tratado, a regra da concordância não é oponível ao Estado-Membro, que não tem, assim, a obrigação de limitar os seus argumentos no processo contencioso aos apresentados a título de observações durante o processo pré-contencioso.

95.
    Por último, há que recordar que as decisões finais adoptadas pela Comissão em matéria de auxílios de Estado produzem efeitos jurídicos próprios e que as pessoas interessadas podem, por isso, recorrer aos tribunais contra essas decisões, quer tenham ou não impugnado a decisão de dar início ao processo de exame dos auxílios controvertidos (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 31 de Março de 1998, Preussag Stahl/Comissão, T-129/96, Colect., p. II-609, n.° 31). Por conseguinte, contrariamente ao que afirma a recorrida, o facto de o Reino da Bélgica não ter recorrido judicialmente da decisão da Comissão de dar início ao processo de exame contra as intervenções a favor da recorrente não impede que

possa agir como parte interveniente no recurso interposto da decisão final adoptada pela Comissão.

96.
    Resulta de todas estas considerações liminares que o presente fundamento deve ser examinado quanto ao mérito.

97.
    Segundo a jurisprudência constante, o princípio da segurança jurídica visa garantir a previsibilidade das situações e das relações jurídicas que relevam do direito comunitário (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 1996, Duff e o., C-63/93, Colect., p. I-569, n.° 20). Para esse efeito, é essencial que as instituições comunitárias respeitem a intangibilidade dos actos que adoptaram e que afectam a situação jurídica e material dos sujeitos de direito, de modo que só poderão modificar esses actos no respeito das regras de competência e de processo (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 1992, Deutsche Bahn/Comissão, T-229/94, Colect., p. II-1689, n.° 113).

98.
    Todavia, uma violação deste princípio pode ser invocada utilmente se o sujeito de direito, cuja situação jurídica e material era afectada pelo acto em causa, não respeitou as condições que este acto lhe impõe (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Outubro de 1997, IPK/Comissão, T-331/94, Colect., p. II-1665, n.° 45).

99.
    No caso em apreço, é necessário declarar que, em 1996, já nenhuma das garantias do Estado relativas aos empréstimos SNCI e Belfin relevava da autorização dada pela Comissão nas suas decisões de 1982 e 1985. Com efeito, nos anos que se seguiram às referidas decisões, as autoridades belgas fizeram algumas modificações importantes nas condições de reembolso desses empréstimos, particularmente favoráveis à recorrente. Resulta, nomeadamente das explicações dadas a este respeito pelo Governo belga (alegações de intervenção, n.° 12) que o Estado belga recuperou 198 milhões de BFR sobre o crédito de 650 milhões de BFR e que permitiu a prorrogação por vários anos dos prazos de vencimento dos diversos créditos SNCI e das garantias de Estado a eles ligadas.

100.
    Estas modificações não foram notificadas à Comissão e não podem ser consideradas compatíveis com as condições a que as autorizações de 1982 e 1985 estavam subordinadas. Na decisão de 1982, a Comissão tinha referido ao Governo belga que a autorização da medida notificada devia esgotar a possibilidade de a recorrente continuar a procurar soluções para os seus problemas na assistência financeira do Estado; esta modalidade da decisão de autorização é claramente violada pelas modificações feitas seguidamente pelas autoridades belgas na medida autorizada. Na decisão de 1985, a Comissão precisava que os auxílios autorizados deviam ser efectuados antes de 31 de Dezembro de 1985, condição que excluía a possibilidade de se fazerem posteriormente, a favor da recorrente, alterações importantes ao regime de empréstimo autorizado. De qualquer modo, as autorizações da Comissão em matéria de auxílios de Estado só podem,

manifestamente, dizer respeito às medidas tais como foram notificadas e não pode consider-se que mantêm os seus efeitos para além do período inicialmente previsto para a execução dessas medidas.

101.
    Nessas circunstâncias, o terceiro fundamento de anulação, relativo à não tomada em consideração das decisões de 1982 e 1985, não pode ser acolhido.

Quanto ao quarto fundamento de anulação, relativo à insuficiência de fundamentação

Argumentos das partes

102.
    A recorrente observa que a decisão recorrida é apoiada por asserções falsas e que a Comissão não expõe as razões pelas quais não julgou pertinentes as contestações dessas asserções. Por exemplo, a Comissão afirmou na sua decisão, sem qualquer fundamentação, que a Região da Valónia tinha decidido tomar o controlo da empresa, que o plano de recuperação tinha sido desaconselhado por um perito independente e que a diminuição da participação da accionista Socindus era imputável às más perspectivas de rentabilidade da empresa.

103.
    A recorrente conclui que a decisão enferma de falta de fundamentação.

104.
    O Governo belga expõe que a decisão enferma de falta de fundamentação na medida em que a Comissão condena os empréstimos SNCI e Belfin sem precisar quais os empréstimos que ela visa exactamente e sem precisar qual é o elemento de auxílio nas garantias de Estado ligadas a esses empréstimos. Considera que, nessas circunstâncias, não é possível compreender o alcance da parte decisória da decisão, segundo o qual «a Bélgica deve suprimir os auxílios mencionados no artigo 1.° e exigir a restituição dos auxílios ilegais já pagos, bem como dos juros devidos desde a data do pagamento».

105.
    A Região da Valónia e a SWS são de opinião de que a Comissão fundamentou mal a sua decisão, na medida em que aplicou princípios draconianos e teóricos sem ter em conta as consequências económicas e sociais da sua decisão.

106.
    Em resposta à argumentação da recorrente, na parte em que é essencialmente respeitante à exactidão de certas asserções factuais na decisão recorrida, a Comissão refere-se à argumentação que desenvolveu para refutar o primeiro e segundo fundamentos.

107.
    Quanto ao restante, sublinha que a sua análise jurídica e económica do caso da recorrente é exposta de modo adequado na decisão.

Apreciação do Tribunal

108.
    O artigo 15.°, primeiro parágrafo, do Tratado dispõe que as decisões da Comissão devem ser fundamentadas. Segundo a jurisprudência constante, a fundamentação

deve demonstrar de forma clara e inequívoca a argumentação da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao Tribunal exercer o seu controlo. Todavia, não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a fundamentação deve ser apreciada à luz não somente do seu teor literal, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Outubro de 1997, British Steel/Comissão, T-243/94, Colect., p. II-1887, n.os 159 e 160; acórdão Hoogovens Groep/Comissão, já referido, n.° 24).

109.
    O Tribunal considera que, por um lado, os argumentos da recorrente relativos à insuficiência de fundamentação consistem essencialmente em censurar a Comissão por não ter apreciado correctamente certos factos e que, por outro lado, os argumentos da Região da Valónia e da SWS pretendem censurar a Comissão por não ter tido em conta, na sua decisão, as consequências económicas e sociais da sua apreciação. Manifestamente, esses argumentos não dizem respeito à existência de uma fundamentação, mas à sua exactidão. Assim, estes argumentos, não se reportam realmente à obrigação de fundamentação (v., a este respeito, o acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C-367/95 P, Colect., p. I-1719, n.os 66 e 67, e o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Buchmann/Comissão, T-295/94, Colect., p. II-813, n.° 45). Os argumentos integram-se mais, respectivamente, no primeiro e sexto fundamentos de anulação.

110.
    No âmbito do presente fundamento é suficiente referir que a recorrente estava em situação de conhecer as razões que justificaram a decisão recorrida e de defender os seus direitos, e que o Tribunal estava em condições de exercer a sua fiscalização nessa matéria (v., a este respeito, o acórdão Preussag Stahl/Comissão, já referido, n.° 9). Na decisão recorrida, a Comissão expôs abundantemente os elementos de facto do caso em apreço e os argumentos das autoridades belgas tal como ela os interpretou, bem como a sua apreciação jurídica de cada uma das intervenções a favor da recorrente. Expôs amplamente as razões pelas quais considerava que as intervenções em causa constituíam auxílios de Estado e eram incompatíveis com o mercado comum. Quanto aos empréstimos SNCI e Belfin, o Governo belga não pode invocar que lhe era impossível saber quais os empréstimos que estão em causa. Resulta claramente da decisão recorrida que é visada a globalidade das garantias ligadas à globalidade dos empréstimos Belfin e SNCI.

111.
    Resulta das considerações precedentes que o quarto fundamento de anulação deve ser rejeitado.

Quanto ao quinto fundamento de anulação, relativo à violação dos direitos de defesa

Argumentos das partes

112.
    A recorrente, a Região da Valónia e a SWS observam que a Comissão não dialogou com a SWS antes de tomar a sua decisão, quando a SWS lhe tinha comunicado que estava disposta a dar informações complementares ou a alterar parcialmente o plano de recuperação considerado. A recorrente surpreende-se, em especial, devido ao facto de a Comissão não ter apresentado questões sobre os relatórios Laplace Conseil e Davy Clecim ou quanto à pretensa ingerência da Região da Valónia na operação projectada.

113.
    Além disso, a recorrente expõe que, no caso de o procedimento de exame não dizer respeito às intervenções directas do Estado-Membro, mas à participação de um outro operador, é essencial que não apenas o Estado-Membro mas igualmente esse outro operador esteja em condições de dar utilmente a sua opinião.

114.
    Nestas circunstâncias, a recorrente entende que os direitos de defesa não foram suficientemente respeitados.

115.
    O Governo belga sustenta esta argumentação.

116.
    A recorrida expõe que, aquando de um processo iniciado pela Comissão nos termos do artigo 6.°, n.° 4, do código dos auxílios, o Estado-Membro em causa é o principal interlocutor da Comissão, dado que a decisão tomada por esta última lhe será dirigida. Quanto aos terceiros interessados, eles devem ser notificados para apresentarem as suas observações. A recorrida sublinha que, no caso em apreço, respeitou plenamente estes princípios.

Apreciação do Tribunal

117.
    Nos termos do artigo 6.°, n.° 4, do código dos auxílios, a Comissão deve notificar os interessados para apresentarem observações, antes de declarar que um auxílio não é compatível com o mercado comum. No caso em apreço, a Comissão cumpriu esta obrigação. Em 11 de Outubro de 1996, publicou no Jornal Oficial uma comunicação pela qual notificou o Governo belga para apresentar observações e convidou os outros Estados-Membros e os outros interessados para apresentarem observações no prazo de um mês (v. n.° 17 supra). Depois do termo deste prazo, a Comissão enviou as observações recebidas às autoridades belgas.

118.
    O Tribunal considera que, nessas circunstâncias, a recorrente e as partes intervenientes não podem invocar a violação dos direitos processuais da SWS. Em especial, não há qualquer razão para censurar a Comissão por ter solicitado informações complementares às autoridades belgas e não à Região da Valónia ou à SWS. Como a Comissão observou justamente nos articulados que apresentou, o seu modo de proceder era plenamente justificado, dado que as decisões finais em matéria de auxílios de Estado devem ser dirigidas aos Estados-Membros. Por outro lado, resulta dos autos que a SWS e a Região da Valónia participaram no processo administrativo que precedeu a decisão recorrida. Por exemplo, vários documentos

apresentados à Comissão pela Representação permanente da Bélgica junto da União Europeia foram redigidos pela SWS.

119.
    De resto, basta referir que a SWS e a Região da Valónia tiveram oportunidade, enquanto interessadas, de apresentar observações em resposta à comunicação publicada pela Comissão no Jornal Oficial.

120.
    Pelas razões acima expostas, há que rejeitar igualmente o quinto fundamento de anulação.

Quanto ao sexto fundamento de anulação, relativo à violação do direito fundamental ao trabalho, à violação dos preâmbulos e objectivos dos Tratados CECA e CE e do princípio da proporcionalidade

Argumentos das partes

121.
    A recorrente, a Região da Valónia e a SWS sustentam que os fundamentos em que assenta a decisão recorrida são contrários a princípios fundamentais, nomeadamente o direito ao trabalho.

122.
    A este respeito, a Região da Valónia e a SWS expõem que a Comissão não teve de qualquer forma em conta as incidências que a sua decisão poderia ter sobre o despedimento dos trabalhadores da recorrente e sobre a situação social na região. Assim, a Comissão violou o direito ao trabalho, que é reconhecido pelo Conselho Europeu e em vários diplomas internacionais, tais como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Pacto Internacional relativo aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, e a Carta Social Europeia. Sublinham que se trata de um direito fundamental que faz, por conseguinte, parte da ordem jurídica comunitária. Em sua opinião, uma decisão em matéria de auxílios de Estado deve não só preencher critérios relativos ao respeito da livre concorrência, mas igualmente basear-se em considerações de natureza humana e social.

123.
    Devido à sua recusa de ter em conta as consequências graves da sua decisão no plano social, a Comissão violou também o princípio da proporcionalidade, que exige que, quando existe uma escolha entre várias medidas apropriadas, há que recorrer à menos coerciva e velar para que os ónus impostos não sejam desproporcionados em relação aos objectivos visados.

124.
    Ao causar despedimentos, a Comissão violou, por último, o preâmbulo do Tratado CECA, pelo qual os Estados-Membros expressam a sua preocupação «em contribuir para a melhoria do nível de vida e para o progresso da causa da paz mediante a expansão das suas produções fundamentais», o artigo 2.° do Tratado CECA, segundo o qual a Comunidade deve salvaguardar «a manutenção do nível de emprego» e evitar «provocar nas economias dos Estados-Membros,

perturbações fundamentais e persistentes» e os objectivos semelhantes enunciados no preâmbulo e no artigo 2.° do Tratado CE.

125.
    O Governo belga apoia este fundamento.

126.
    A recorrida sublinha que, na petição inicial, este fundamento foi formulado de uma forma totalmente abstracta e indefinida. Por conseguinte, solicita ao Tribunal que o declare inadmissível, porque não esteve em condições de defender os seus interesses.

127.
    Quanto aos argumentos suscitados pela Região da Valónia e pela SWS, a Comissão observa que são irrelevantes, dado que não pode afastar-se do Tratado, do código dos auxílios e da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância. Sublinha, por outro lado, que as partes intervenientes não contestaram a legalidade do código dos auxílios.

Apreciação do Tribunal

128.
    Tendo em conta a situação precária da empresa em causa, era previsível que a decisão recorrida provocasse a sua falência e ocasionasse consequências sociais importantes. Todavia, como acaba de ser decidido no âmbito do segundo fundamento, a Comissão pôde razoavelmente concluir que os auxílios em causa não podiam, de qualquer modo, assegurar o restabelecimento da viabilidade da empresa. Ora, manifestamente, o direito ao trabalho e o artigo 2.° do Tratado não podem ser interpretados no sentido de que a Comissão tinha a obrigação de autorizar os auxílios públicos a favor de uma empresa sem viabilidade comercial ou financeira, apenas para assegurar, artificialmente, a manutenção do emprego nessa empresa. Tal interpretação seria incompatível com o princípio da proporcionalidade, que, em matéria de auxílios de Estado, impõe, entre outras, que seja mantida uma situação de sã concorrência no mercado comum (v., por analogia, o acórdão Cityflyer Express/Comissão, já referido, n.° 55). Tendo a CECA por missão estabelecer um mercado comum harmonioso (artigo 2.° do Tratado) e devendo, em princípio, considerar incompatível com o mercado comum os auxílios de Estado independentemente da forma que assumam (artigo 4.° do Tratado), a Comissão não pode autorizar um auxílio a favor de uma empresa sem perspectivas de viabilidade e perturbar, assim, o equilíbrio no mercado comum impondo uma desvantagem sem justificação económica às empresas siderúrgicas concorrentes.

129.
    Conclui-se que o sexto fundamento de anulação deve ser rejeitado.

Quanto ao sétimo fundamento de anulação, relativo ao princípio da igualdade de tratamento

Argumentos das partes

130.
    A Região da Valónia e a SWS sublinham que o Tratado CE e as linhas orientadoras desenvolvidas pela Comissão em matéria de auxílios de Estado são muito mais flexíveis do que as regras em matéria de auxílios de Estado formuladas pelo Tratado CECA e pelo código dos auxílios. Na opinião delas, é provável que as medidas de intervenção a favor da recorrente tivessem sido autorizadas se fossem abrangidas pela aplicação do Tratado CE. Deste modo, ao recusar interpretar a regulamentação CECA à luz da regulamentação CE e de ter em conta o facto de que o Tratado CECA deixará de vigorar dentro de alguns anos, a Comissão não tomou em consideração o princípio da igualdade de tratamento.

131.
    A recorrida observa que esta argumentação não tem em conta o artigo 232.° do Tratado CE.

Apreciação do Tribunal

132.
    Resulta do artigo 232.° do Tratado CE que as disposições deste Tratado não alteram as do Tratado CECA, que, por conseguinte, conservam o seu âmbito de aplicação próprio (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1985, Gerlach, 239/84, Recueil, p. 3507, n.° 9; despacho do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Setembro de 1997, D'Orazio e Hublau/Comissão, T-4/97, Colect., p. II-1505, n.° 18). Por conseguinte, o fundamento baseado no princípio da igualdade de tratamento e no facto de as regras CE em matéria de auxílios de Estado serem mais flexíveis do que as formuladas pelo Tratado CECA e pelo código dos auxílios adoptado pela Comissão deve ser julgado improcedente.

133.
    O sétimo fundamento de anulação deve igualmente ser rejeitado.

Quanto ao primeiro fundamento de ilegalidade, relativo à violação do artigo 95.°, terceiro e quarto parágrafos, do Tratado

Argumentos das partes

134.
    A recorrente expõe que a adopção de um código dos auxílios acarreta uma alteração importante dos poderes da Comissão, ao autorizá-la a examinar auxílios, a dar início a um processo contraditório a este respeito e, eventualmente, a autorizar auxílios e a controlar a sua execução. Ora, qualquer modificação ou alteração dos poderes da Comissão releva do âmbito de aplicação do artigo 95.°, terceiro e quartos parágrafos, do Tratado. A Comissão não teve em conta essas disposições, ao fundamentar a adopção do código noutras disposições do artigo 95.° do Tratado. A recorrente considera, por outro lado, que o código dos auxílios não diz respeito a «casos não previstos no [...] Tratado». Com efeito, os auxílios financeiros comunitários e as acções relativas à produção são expressamente previstos pelos artigos 54.° e 57.° do Tratado.

135.
    A Comissão recorda que o artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, do Tratado permite colmatar lacunas nos seus meios de acção, dando-lhe a possibilidade de adoptar, mediante parecer favorável do Conselho, uma decisão que pareça necessária para realizar um dos objectivos da Comunidade definidos nos artigos 2.°, 3.° e 4.° do Tratado, ao passo que o artigo 95.°, terceiro e quarto parágrafos, do Tratado permite alterar e rever as regras do Tratado relativas ao exercício dos seus poderes. Em sua opinião, o código dos auxílios corresponde ao primeiro e segundo parágrafos do referido artigo, na medida em que tem por objectivo implementar, para atingir o bom funcionamento do mercado comum, um sistema comunitário que permita assegurar a concessão de certos tipos de auxílios à siderurgia comunitária.

Apreciação do Tribunal

136.
    A Comissão está habilitada, por força do disposto no artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, do Tratado, em todos os casos não previstos no Tratado, a tomar qualquer decisão geral ou individual necessária à realização dos objectivos deste. Com efeito, as referidas disposições atribuem competência à Comissão para adoptar uma decisão ou uma recomendação mediante parecer favorável do Conselho, deliberado por unanimidade e após consulta do Comité Consultivo CECA, em todos os casos não previstos no Tratado em que se revele necessária essa decisão ou essa recomendação para atingir, no funcionamento do mercado comum do carvão e do aço e em conformidade com o disposto no artigo 5.°, um dos objectivos da Comunidade, tal como vêm definidos nos artigos 2.°, 3.° e 4.° Donde resulta que, na medida em que, contrariamente ao disposto no Tratado CE, o Tratado CECA não atribui à Comissão ou ao Conselho qualquer poder específico para autorizar auxílios estatais, a Comissão está habilitada, por força do disposto no artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, a tomar todas as medidas necessárias para atingir os objectivos do Tratado e, portanto, a autorizar, segundo o processo que este Tratado institui, os auxílios que considere necessários para atingir estes objectivos. A Comissão é, assim, competente, na falta de disposições específicas do Tratado, para adoptar qualquer decisão geral ou individual necessária à realização dos objectivos deste Tratado. O artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, não comportam qualquer precisão referente ao alcance das decisões que a Comissão pode adoptar (acórdão EISA/Comissão, já referido, n.os 64 e 65). A adopção de um código dos auxílios releva precisamente dessa competência conferida à Comissão pelo artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, do Tratado (mesmo acórdão, n.os 66 e 72).

137.
    Daí se conclui que o primeiro fundamento de ilegalidade deve ser rejeitado.

Quanto ao segundo fundamento de ilegalidade, relativo à violação do artigo 67.° do Tratado e, na medida do necessário, dos artigos 92.° e 93.° do Tratado CE

Argumentos das partes

138.
    A recorrente sublinha que o código dos auxílios é respeitante não apenas aos auxílios concedidos a beneficiários específicos mas também aos auxílios não específicos, como os destinados à investigação, ao desenvolvimento, à protecção do ambiente, ou ao auxílio a certas regiões desfavorecidas. Segundo a recorrente, estas matérias não entram no âmbito de aplicação do Tratado CECA mas relevam antes dos artigos 92.° e 93.° do Tratado CE.

139.
    A recorrente considera também que o código dos auxílios é incompatível com o artigo 67.° do Tratado CECA. Considera que «os auxílios gerais, susceptíveis de terem repercussões sensíveis nas condições de concorrência nos mercados comuns do carvão e do aço, não foram profundamente alterados pelo Tratado CECA [...] Quando muito, o artigo 67.° do Tratado deu competência à Comissão, após consulta do Comité Consultivo e do Conselho, a [...] dirigir [aos Estados-Membros] recomendações, quando as suas acções fossem de natureza a provocar um desequilíbrio grave».

140.
    A recorrida recorda que o artigo 4.°, alínea c), e o artigo 67.° do Tratado visam dois domínios distintos, o primeiro proíbe certas intervenções dos Estados-Membros no domínio que o Tratado submete à competência comunitária, o segundo destina-se a impedir as infracções à concorrência no exercício dos poderes conservados pelos Estados-Membros.

Apreciação do Tribunal

141.
    Como acaba de ser decidido no âmbito do primeiro fundamento de ilegalidade, o artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, do Tratado, constituía a base jurídica apropriada para a adopção do código dos auxílios. Manifestamente, um código que instaura certas regras gerais em matéria de auxílios à siderurgia não poderia ser adoptado com base no Tratado CE. O artigo 67.° também não podia servir de base jurídica, dado que este artigo não releva da matéria dos auxílios de Estado (acórdão De Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg/Alta autoridade, já referido, pp. 42 e 43).

142.
    Conclui-se daí que o segundo fundamento de ilegalidade deve também ser rejeitado.

Quanto ao terceiro fundamento de ilegalidade, relativo ao excesso de poder, a um erro manifesto de apreciação e à violação do princípio de igualdade de tratamento

Argumentos das partes

143.
    A recorrente expõe que os poderes atribuídos à Comissão consistem na organização do mercado e na «determinação, em benefício dos operadores, das condições mais favoráveis para permitir o seu desenvolvimento, num contexto de segurança jurídica». Ao adoptar o código dos auxílios, a Comissão ultrapassou esses

poderes, dado que o código «ocasionou efeitos económicos perversos», nomeadamente uma «situação de expectativa a que se viram obrigados os operadores industriais». A este respeito, a recorrente explica que, no período de 1991 até 1996, a Comissão provocou uma grande incerteza. Designadamente, absteve-se de reagir à crise no sector da siderurgia.

144.
    Além disso, a recorrente considera que o código dos auxílios criou uma discriminação, na medida em que exige, como condição do auxílio ao encerramento, o encerramento de um equipamento industrial completo. Com efeito, esta condição tem por consequência que as empresas que disponham de equipamentos industriais em locais de exploração distintos possam tomar a decisão de encerramento de um equipamento industrial completo mais facilmente do que aquelas que, como a recorrente, dispõem apenas de uma única instalação industrial. Trata-se de um erro de apreciação por parte da Comissão, que esta tacitamente reconheceu, ao eliminar a referida discriminação aquando da adopção de um novo código em 1996.

145.
    A recorrida observa que o código dos auxílios dispunha, inequivocamente, que entrava em vigor em 1 de Janeiro de 1992 e era aplicável até 31 de Dezembro de 1996. Considera que, nestas circunstâncias, não pode concluir-se que o código dos auxílios foi fonte de incertezas quanto ao futuro dos auxílios à siderurgia.

146.
    Sublinha, em seguida, que os seus comportamentos durante o período 1991-1996 não são pertinentes quando se trata de examinar a legalidade do código dos auxílios.

147.
    Por último, sustenta que o argumento da recorrente relativo à discriminação entre as empresas que dirigem locais de exploração diferentes e as que operam numa única unidade industrial deve ser rejeitado nos termos do artigo 4.°, n.° 2, quarto travessão, do código dos auxílios, segundo o qual a autorização dos auxílios ao encerramento é sujeita à condição de que a empresa não seja controlada directa ou indirectamente por uma empresa siderúrgica e não controle, ela própria, tal empresa.

Apreciação do Tribunal

148.
    A argumentação apresentada pela recorrente para demonstrar um «excesso de poder» por parte da Comissão, equivale essencialmente a dizer que a Comissão não teve suficientemente em conta a crise no sector da siderurgia e que cometeu um erro manifesto de apreciação ao decidir que não era necessário adoptar um código dos auxílios mais flexível.

149.
    O Tribunal conclui, visto o preâmbulo do código dos auxílios, que a Comissão desejou, por um lado, «não privar a siderurgia do benefício dos auxílios à investigação e desenvolvimento, bem como dos auxílios que se destinam a permitir a adaptação das suas instalações a novas normas de protecção do ambiente» e

autorizar «auxílios sociais susceptíveis de favorecer o encerramento parcial de instalações e também os auxílios ao financiamento da cessação definitiva de quaisquer actividades» e, por outro, proibir «a concessão de auxílios ao funcionamento ou ao investimento a favor das empresas siderúrgicas [... prevendo, no entanto, uma derrogação relativa aos auxílios regionais ao investimento em relação a certos Estados-Membros...] [a fim de continuar a] assegurar condições de concorrência equitativas no âmbito deste sector». O Tribunal considera que esta conciliação de objectivos não pode ser considerada desajustada, tanto mais que o código não exclui que os auxílios que permitam uma reestruturação promissora possam, em situações imprevistas e excepcionais, ser autorizados, nos termos do artigo 95.° do Tratado (v. supra n.° 79). À luz desta asserção, é claro que os princípios elaborados pela Comissão no código dos auxílios não estão viciados por um erro manifesto de apreciação ou por «excesso de poder».

150.
    Quanto à pretensa violação do princípio da igualdade de tratamento, basta declarar que, tendo em conta o artigo 4.°, n.° 2, do código dos auxílios, do qual resulta que os auxílios ao encerramento dizem necessariamente respeito aos encerramentos de fábricas siderúrgicas na sua integralidade, a recorrente não expôs em que medida o encerramento seria realmente mais fácil para as empresas que dispõem de equipamentos industriais em locais de exploração diferentes relativamente às empresas que não dispõem de equipamentos industriais em locais de exploração distintos.

151.
    Conclui-se que o terceiro fundamento de ilegalidade deve também ser rejeitado.

152.
    Resulta das considerações precedentes que deve ser negado provimento ao recurso.

Quanto às despesas

153.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte contrária o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida e tendo a Comissão pedido a sua condenação nas despesas, deve a recorrente ser condenada a suportar, além das suas despesas, as despesas efectuadas pela Comissão.

154.
    O Reino da Bélgica suportará as suas despesas, em conformidade com o artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo.

155.
    Por força do terceiro parágrafo do n.° 4 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, o Tribunal pode determinar que um interveniente, que não seja um Estado-Membro, um Estado parte no acordo EEE, uma instituição ou o Órgão de Fiscalização da EFTA, suporte as suas despesas. No caso em apreço, a Região da Valónia e a SWS, intervenientes em apoio da recorrente, devem suportar as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção Alargada),

decide:

1)    É negado provimento ao recurso.

2)    A recorrente suportará as suas despesas, bem como as despesas suportadas pela recorrida.

3)    Cada parte interveniente suportará as suas despesas.

Moura Ramos
García-Valdecasas
Tiili

Lindh

Mengozzi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de Março de 1999.

O secretário

O presidente

H. Jung

R. M. Moura Ramos


1: Língua do processo: francês.