Language of document : ECLI:EU:C:2024:488

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

11 de junho de 2024 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Artigos 266.o e 340.o TFUE — Acórdão que reduz o montante de uma coima aplicada pela Comissão Europeia — Reembolso pela Comissão do montante indevidamente cobrado — Obrigação de pagar juros — Qualificação — Indemnização de montante fixo pela privação do gozo do montante da coima indevidamente pago — Taxa aplicável»

No processo C‑221/22 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 28 de março de 2022,

Comissão Europeia, representada por D. Calleja Crespo, N. Khan, B. Martenczuk, P. Rossi e L. Wildpanner, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Deutsche Telekom AG, com sede em Bona (Alemanha), representada por C. von Köckritz, P. Lohs e U. Soltész, Rechtsanwälte,

recorrente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, C. Lycourgos, E. Regan, F. Biltgen, N. Piçarra e Z. Csehi (relator), presidentes de secção, P. G. Xuereb, L. S. Rossi, N. Jääskinen, N. Wahl, I. Ziemele, J. Passer e D. Gratsias, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: D. Dittert, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 12 de julho de 2023,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 23 de novembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, a Comissão Europeia pede a anulação parcial do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 19 de janeiro de 2022, Deutsche Telekom/Comissão (T‑610/19, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2022:15), pelo qual este condenou a Comissão no pagamento de uma indemnização no montante de 1 750 522,83 euros à Deutsche Telekom AG a título de reparação do prejuízo sofrido, anulou a Decisão da Comissão, de 28 de junho de 2019, que recusou pagar juros de mora à Deutsche Telekom (a seguir «decisão controvertida») e negou provimento ao recurso da Deutsche Telekom quanto ao restante.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento Financeiro de 2012

2        Sob a epígrafe «Apuramento de créditos», o artigo 78.o do Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União e que revoga o Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 do Conselho (JO 2012, L 298, p. 1, a seguir «Regulamento Financeiro de 2012»), dispunha, no n.o 4:

«A Comissão fica habilitada a adotar atos delegados nos termos do artigo 210.o no que diz respeito às regras de execução aplicáveis ao apuramento de créditos, incluindo o procedimento e a documentação comprovativa, e aos juros de mora.»

 Regulamento Delegado (UE) n.o 1268/2012

3        O Regulamento Delegado (UE) n.o 1268/2012 da Comissão, de 29 de outubro de 2012, sobre as normas de execução do Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União (JO 2012, L 362, p. 1), foi adotado pela Comissão com base, nomeadamente, no artigo 78.o, n.o 4, do Regulamento Financeiro de 2012.

4        Nos termos do artigo 83.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, sob a epígrafe «Juros de mora»:

«1.      Sem prejuízo das disposições específicas decorrentes da aplicação da legislação setorial, qualquer crédito não reembolsado no prazo referido no artigo 80.o, n.o 3, alínea b), produz juros calculados em conformidade com os n.os 2 e 3 do presente artigo.

2.      A taxa de juro a aplicar a créditos não reembolsados no prazo referido no artigo 80.o, n.o 3, alínea b), é a taxa aplicada pelo Banco Central Europeu [BCE] às suas principais operações de refinanciamento, tal como publicada na série C do Jornal Oficial da União Europeia [a seguir “taxa de refinanciamento do BCE”], em vigor no primeiro dia de calendário do mês de vencimento, majorada de:

a)      Oito pontos percentuais quando o facto gerador do crédito for um contrato público de fornecimento ou de serviços, a que se refere o título V;

b)      Três pontos e meio de percentagem, em todos os restantes casos.

3.      O montante dos juros é calculado a contar do dia de calendário seguinte ao final do prazo referido no artigo 80.o n.o 3, alínea b), especificado na nota de débito, até ao dia de calendário do reembolso integral da dívida.

A ordem de cobrança correspondente ao montante dos juros de mora é emitida quando os juros forem efetivamente recebidos.

4.      No caso de multas e desde que o devedor constitua uma garantia financeira aceite pelo contabilista em vez do pagamento, a taxa de juro aplicável a partir do final do prazo referido no artigo 80.o, n.o 3, alínea b), é a taxa referida no n.o 2 do presente artigo, que esteja em vigor no primeiro dia do mês em que a decisão que impôs a multa foi adotada, sendo majorada de apenas um ponto e meio percentual.»

5        O artigo 90.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Cobrança de multas ou outras sanções», dispunha:

«1.      Sempre que for instaurada uma ação junto do Tribunal de Justiça da União Europeia contra uma decisão da Comissão que aplique uma multa ou outra sanção nos termos do [Tratado FUE] ou do Tratado Euratom e até ao momento em que tenham sido esgotados todos os recursos legais, o devedor deposita provisoriamente os montantes em questão na conta bancária designada pelo contabilista ou presta uma garantia financeira aceitável para o contabilista. A garantia solicitada é independente da obrigação de pagamento da multa, sanção pecuniária ou outra sanção e é executória à primeira interpelação. Essa garantia cobre o crédito, tanto no que diz respeito ao capital como aos juros devidos nos termos do artigo 83.o, n.o 4.

2.      A Comissão salvaguarda os montantes recebidos provisoriamente, investindo‑os em ativos financeiros de modo a garantir a segurança e a liquidez das verbas, ao mesmo tempo que visa auferir uma remuneração.

[…]

4.      Uma vez esgotadas todas as vias de recurso e anulada ou reduzida a multa ou sanção, é tomada uma das medidas a seguir referidas:

a)      Os montantes indevidamente recebidos, bem como os juros vencidos, são reembolsados ao terceiro em causa. Quando a remuneração global gerada para o período em causa tiver sido negativa, é reembolsado o valor nominal dos montantes indevidamente cobrados;

b)      Quando tiver sido constituída uma garantia financeira, esta será liberada em conformidade.»

 Antecedentes do litígio

6        Em 15 de outubro de 2014, a Comissão adotou a Decisão C(2014) 7465 final, relativa a um processo nos termos do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE (Processo AT.39523 — Slovak Telekom), conforme retificada pela sua Decisão C(2014) 10119 final, de 16 de dezembro de 2014, e pela sua Decisão C(2015) 2484 final, de 17 de abril de 2015.

7        Através desta decisão, a Comissão aplicou à Deutsche Telekom uma coima de 31 070 000 euros por abuso de posição dominante no mercado eslovaco dos serviços de telecomunicações de banda larga, em violação do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE.

8        A Deutsche Telekom interpôs um recurso de anulação da referida decisão, tendo pago provisoriamente esta coima em 16 de janeiro de 2015. Com o seu Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, a seguir «Acórdão Deutsche Telekom de 2018», EU:T:2018:930), o Tribunal Geral deu provimento parcial ao recurso da Deutsche Telekom e, no exercício da sua competência de plena jurisdição, reduziu a referida coima em 12 039 019 euros. Em 19 de fevereiro de 2019, a Comissão devolveu este montante à Deutsche Telekom.

9        Em 12 de março de 2019, a Deutsche Telekom pediu à Comissão que lhe pagasse os juros de mora correspondentes ao montante indevidamente cobrado relativamente ao período compreendido entre a data do pagamento da coima e a data do reembolso desse montante (a seguir «período em causa»).

10      Através da decisão controvertida, a Comissão indeferiu este pedido. Alegou que, por força do artigo 90.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, o montante nominal da coima indevidamente cobrado não devia ser acrescido de juros de mora, pelo facto de o rendimento global resultante do investimento desse montante em ativos financeiros, a que tinha procedido em aplicação do n.o 2 desse artigo 90.o, ter sido negativo.

11      Nesta decisão, a Comissão examinou também o argumento da Deutsche Telekom segundo o qual esta última, em conformidade com o Acórdão do Tribunal Geral de 12 de fevereiro de 2019, Printeos/Comissão (T‑201/17, EU:T:2019:81), tinha o direito de cobrar juros de mora à taxa de refinanciamento do BCE, acrescida de 3,5 pontos percentuais. Em resposta a este argumento, a Comissão explicou que aquele acórdão não constituía a base jurídica do pagamento dos juros de mora reclamado pela Deutsche Telekom. Além disso, alegou que o referido acórdão devia ser entendido sem prejuízo da aplicação do artigo 90.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012. Por último, indicou que tinha interposto recurso desse acórdão, o qual não era, portanto, definitivo.

 Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

12      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de setembro de 2019, a Deutsche Telekom interpôs no Tribunal Geral um recurso que tinha por objeto a anulação da decisão controvertida e a condenação da Comissão no pagamento de uma indemnização pelos lucros cessantes resultantes da privação do gozo, durante o período em causa, do montante da coima indevidamente cobrado ou, a título subsidiário, na reparação do prejuízo que sofreu devido à recusa da Comissão de pagar juros de mora sobre esse montante.

13      O Tribunal Geral deu provimento parcial ao referido recurso.

14      Em primeiro lugar, o Tribunal Geral julgou improcedente o pedido da Deutsche Telekom destinado a obter uma indemnização, a título da responsabilidade extracontratual da União Europeia, pelos lucros cessantes que alegadamente sofreu devido à privação do gozo, durante o período em causa, do montante da coima indevidamente cobrado, que correspondia ao rendimento anual dos seus capitais mobilizados ou ao custo médio ponderado do seu capital.

15      Com efeito, segundo o Tribunal Geral, a Deutsche Telekom não apresentou provas conclusivas do caráter real e certo do prejuízo invocado. Mais especificamente, a Deutsche Telekom não demonstrou que teria necessariamente investido o montante da coima indevidamente pago nas suas atividades, nem que a privação do gozo do referido montante a levou a renunciar a projetos específicos e concretos, nem que não dispunha de uma fonte alternativa de financiamento.

16      Em segundo lugar, o Tribunal Geral analisou o pedido de indemnização apresentado a título subsidiário pela Deutsche Telekom por violação do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, que prevê a obrigação de as instituições de que emane um ato anulado por um acórdão do juiz da União tomarem todas as medidas necessárias à execução desse acórdão.

17      Apoiando‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça resultante do Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, a seguir «Acórdão Printeos», EU:C:2021:39), o Tribunal Geral recordou, no n.o 72 do acórdão recorrido, que, quando as quantias tenham sido cobradas em violação do direito da União, decorre desse direito uma obrigação de as restituir com juros e que isso é o que acontece, nomeadamente, quando as quantias foram cobradas em aplicação de um ato da União declarado inválido ou anulado por um órgão jurisdicional da União.

18      No n.o 75 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral sublinhou que a concessão de juros de mora sobre o montante indevidamente pago surge como componente indispensável da obrigação de restabelecimento da situação que impende sobre a Comissão na sequência de um acórdão de anulação ou de plena jurisdição.

19      No que respeita, mais especificamente, à concessão dos referidos juros a contar da data do pagamento provisório da coima em causa, o Tribunal Geral considerou, no n.o 88 do acórdão recorrido, que a referida concessão visa indemnizar num montante fixo a empresa que pagou essa coima pela privação do gozo do seu capital durante o período compreendido entre a data do pagamento provisório da referida coima e a data do reembolso desta.

20      Por conseguinte, o Tribunal Geral declarou, no n.o 113 do acórdão recorrido, que a recusa da Comissão de pagar esses juros à Deutsche Telekom constitui uma violação suficientemente caracterizada do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, suscetível de gerar responsabilidade extracontratual da União. Tendo em conta a existência de um nexo de causalidade direto entre essa violação e o prejuízo que consiste na perda, durante o período em causa, de juros de mora sobre o montante da coima indevidamente cobrado, o Tribunal Geral atribuiu à Deutsche Telekom uma indemnização de 1 750 522,38 euros, calculada através da aplicação, por analogia, da taxa prevista no artigo 83.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, a saber, a taxa de refinanciamento do BCE em vigor em janeiro de 2015, ou seja, 0,05 %, acrescida de 3,5 pontos percentuais.

21      Em terceiro lugar, no que respeita ao pedido de anulação da decisão controvertida, o Tribunal Geral deferiu esse pedido pelas mesmas razões que as que o levaram a considerar, no âmbito da análise do pedido de indemnização, que a Comissão violou o artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE ao recusar pagar juros de mora à Deutsche Telekom sobre o montante da coima indevidamente cobrado, relativamente ao período em causa.

 Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

22      A Comissão concluiu pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

—      anular o acórdão recorrido, na parte em que deu provimento ao recurso da Deutschen Telekom AG;

—      pronunciar‑se a respeito das questões pendentes no litígio;

—      a título subsidiário, uma vez que o litígio não foi ainda dirimido, remeter o processo ao Tribunal Geral para que se pronuncie de novo; e

—      condenar a Deutschen Telekom AG no pagamento das despesas do presente processo e do processo no Tribunal Geral.

23      O SEAE concluiu pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

—      negar provimento ao recurso; e

—      condenar a Comissão a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Deutsche Telekom nos processos no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça.

 Quanto ao presente recurso

24      A Comissão invoca dois fundamentos de recurso relativos, o primeiro, a um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral quando considerou que o artigo 266.o TFUE impõe à Comissão uma obrigação absoluta e incondicional de pagar retroativamente «juros de mora com caráter de sanção» a contar da data do pagamento provisório da coima e, o segundo, a um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral quando considerou que a taxa dos juros de mora que a Comissão está obrigada a pagar corresponde, por analogia com a prevista no artigo 83.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, à taxa de refinanciamento do BCE acrescida de 3,5 pontos percentuais.

 Quanto à admissibilidade do recurso

25      A Deutsche Telekom alega que o recurso é integralmente inadmissível uma vez que, na realidade, não tem por objeto o acórdão recorrido, mas o Acórdão Printeos, o qual transitou em julgado. Além disso, a Deutsche Telekom alega que as diferentes partes do primeiro fundamento, bem como o segundo fundamento são inadmissíveis dado que constituem apenas uma repetição dos argumentos apresentados no Tribunal Geral, ou que foram invocados pela primeira vez em sede de recurso. No que respeita mais especificamente ao primeiro fundamento, alega que a sua inadmissibilidade resulta também do facto de a Comissão, em violação da exigência que figura no artigo 169.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, não ter identificado os pontos da fundamentação do acórdão recorrido dos quais resulta que a obrigação de pagar juros tem caráter de sanção.

26      A Comissão considera que o seu recurso é integralmente admissível.

27      A este respeito, resulta do artigo 256.o TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 169.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que o recurso de uma decisão do Tribunal Geral deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos que especificamente sustentam esse pedido. Segundo jurisprudência constante, não cumpre esse requisito o recurso que, sem sequer incluir uma argumentação especificamente destinada a identificar o erro de direito que pretensamente vicia o acórdão do Tribunal Geral, se limita a reproduzir os fundamentos e argumentos já apresentados no Tribunal Geral. Com efeito, esse recurso constitui, na verdade, um pedido de simples reanálise da petição apresentada no Tribunal Geral, o que escapa à competência do Tribunal de Justiça (Acórdão de 15 de julho de 2021, DK/SEAE, C‑851/19 P, EU:C:2021:607, n.o 32 e jurisprudência referida).

28      Contudo, quando um recorrente contesta a interpretação ou a aplicação do direito da União feita pelo Tribunal Geral, as questões jurídicas analisadas em primeira instância podem ser novamente discutidas em sede de recurso. Com efeito, se um recorrente não pudesse basear o seu recurso em fundamentos e argumentos já utilizados no Tribunal Geral, o processo de recurso ficaria privado de uma parte do seu sentido (Acórdão de 15 de julho de 2021, DK/SEAE, C‑851/19 P, EU:C:2021:607, n.o 33 e jurisprudência referida).

29      Além disso, o Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que um recorrente pode interpor recurso de uma decisão do Tribunal Geral, invocando, perante si, fundamentos com origem no próprio acórdão recorrido e que se destinem a criticar juridicamente a sua justeza (Acórdão de 26 de fevereiro de 2020, SEAE/Alba Aguilera e o., C‑427/18 P, EU:C:2020:109, n.o 54 e jurisprudência referida).

30      Por último, a Comissão, como qualquer outra parte num recurso, deve manter a possibilidade de pôr em causa princípios jurídicos que o Tribunal Geral aplicou no acórdão cuja anulação é pedida, mesmo que esses princípios tenham sido desenvolvidos em acórdãos que não podem ou já não podem ser objeto de recurso.

31      No caso em apreço, o recurso visa, como observou a Comissão na introdução do mesmo, solicitar ao Tribunal de Justiça que reaprecie a sua jurisprudência resultante do Acórdão Printeos, na qual o acórdão recorrido assenta em grande parte, e que desrespeita a jurisprudência anterior a esse Acórdão Printeos. A argumentação apresentada pela Comissão identifica com suficiente precisão os elementos criticados do acórdão recorrido e as razões pelas quais este, em seu entender, enferma de erros de direito, pelo que não se limita, contrariamente ao que alega a Deutsche Telekom, a uma simples repetição ou reprodução dos argumentos apresentados por esta instituição no Tribunal Geral.

32      A exceção de inadmissibilidade suscitada pela Deutsche Telekom deve, portanto, ser julgada improcedente.

 Quanto ao primeiro fundamento

 Argumentos das partes

33      Com o seu primeiro fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que o artigo 266.o TFUE impõe à Comissão uma obrigação absoluta e incondicional de pagar retroativamente «juros de mora com caráter de sanção» a contar da data do pagamento provisório da coima.

34      Este primeiro fundamento de recurso divide‑se em seis partes.

35      Com a primeira parte do primeiro fundamento, a Comissão contesta ter cometido uma violação suficientemente caracterizada do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE ao não pagar juros de mora no montante reclamado pela Deutsche Telekom.

36      Com efeito, segundo esta instituição, o conceito de juros de mora, da natureza dos reclamados pela Deutsche Telekom e concedidos pelo Tribunal Geral, pressupõe que um devedor se encontre, pelo menos por negligência, em atraso de pagamento. Aliás, o Tribunal Geral definiu, no Acórdão de 8 de junho de 1995, Siemens/Comissão (T‑459/93, EU:T:1995:100, n.o 101), os juros de mora como juros «devidos à mora na execução da obrigação de restituição». Todavia, no caso em apreço, na sequência do Acórdão Deutsche Telekom de 2018, a Comissão reembolsou imediatamente o montante da coima indevidamente cobrada e, portanto, nunca esteve «em mora» no pagamento. Assim, os juros de mora que está obrigada a pagar por força do Acórdão Printeos e do acórdão recorrido constituiriam uma sanção injustificada para a Comissão.

37      Com a segunda parte deste fundamento, a Comissão alega que o acórdão recorrido desrespeita a jurisprudência anterior ao Acórdão Printeos.

38      Segundo a Comissão, os juros que devem ser acrescidos ao reembolso de montantes indevidamente cobrados não são «juros de mora com caráter de sanção» que devem ser pagos retroativamente, mas juros compensatórios destinados a evitar um enriquecimento sem causa do devedor, como resulta, nomeadamente, do Acórdão de 5 de setembro de 2019, União Europeia/Guardian Europe e Guardian Europe/União Europeia (C‑447/17 P e C‑479/17 P, EU:C:2019:672). A Comissão salienta que, embora, neste acórdão, tenha qualificado os juros a pagar de «juros de mora», o Tribunal de Justiça precisou, no entanto, que estes eram regulados pelas disposições do Regulamento Delegado n.o 1268/2012. Trata‑se, portanto, na realidade, de juros compensatórios correspondentes aos juros gerados pelos investimentos a que a Comissão procedeu com base no artigo 90.o deste regulamento delegado. Por conseguinte, não se pode deduzir do referido acórdão, para o qual remete o n.o 73 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha de pagar à Deutsche Telekom os juros de mora que esta reclamou e que o Tribunal Geral lhe concedeu no acórdão recorrido.

39      Com base nesta jurisprudência, a Comissão admite que, em aplicação do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, tem a obrigação, quando as coimas que aplicou tiverem sido posteriormente anuladas ou reduzidas por um órgão jurisdicional da União, de reembolsar o montante das coimas indevidamente cobrado e os juros vencidos, em conformidade com o artigo 90.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012. A proibição do enriquecimento sem causa, consagrada pela jurisprudência nesses casos, proíbe‑a, com efeito, de conservar os juros produzidos por essas coimas. No entanto, a Comissão considera que deve ser aplicado o artigo 90.o, n.o 4, deste regulamento delegado e que este lhe exige que devolva às empresas em causa, na sequência de um acórdão que anule ou reduza a coima provisoriamente cobrada, «os montantes indevidamente recebidos, acrescidos dos juros vencidos». Em contrapartida, quando o rendimento global do investimento dos montantes correspondentes a essa coima tiver sido negativo, só está obrigada a reembolsar «o valor nominal dos montantes indevidamente cobrados».

40      A aplicação dos princípios estabelecidos no acórdão recorrido conduziria, no contexto económico atual, a um enriquecimento sem causa das empresas em questão, devido ao reconhecimento de um direito absoluto e incondicional ao pagamento de juros a uma taxa correspondente à taxa de refinanciamento do BCE acrescida de 3,5 pontos percentuais.

41      Com a terceira parte do primeiro fundamento, a Comissão alega que o artigo 90.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012 regula os juros a pagar pela execução dos acórdãos dos órgãos jurisdicionais da União.

42      Duvida, nomeadamente, da justeza do n.o 97 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal Geral considerou que, quando o montante dos juros vencidos, na aceção do artigo 90.o, n.o 4, do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, é inferior ao montante dos juros de mora, a Comissão está obrigada a pagar a diferença entre esses dois montantes. Considera que esta interpretação do Tribunal Geral teria como consequência que, de facto, esta disposição nunca seria aplicável. Com efeito, os juros gerados por um investimento seguro nunca poderiam ser superiores aos juros de mora, cuja taxa corresponde à taxa de refinanciamento do BCE acrescida de 3,5 pontos percentuais.

43      Com a quarta parte do primeiro fundamento, a Comissão alega que os requisitos da responsabilidade extracontratual da União, na aceção do artigo 340.o TFUE, não estão preenchidos.

44      Antes de mais, ao obrigar a Comissão a pagar retroativamente juros de mora a contar do pagamento provisório da coima, o Tribunal Geral equiparou erradamente a simples fixação de uma coima cujo montante é posteriormente reduzido por um órgão jurisdicional da União, a uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica. Em seguida, perante o Tribunal Geral, a Deutsche Telekom não provou que tinha sofrido um prejuízo. A este respeito, a recusa da Comissão de pagar juros à taxa de refinanciamento do BCE acrescida de 3,5 pontos percentuais não pode ser considerada como uma perda causada à Deutsche Telekom. Por último, alega que é contraditório acusar a Comissão de uma violação caracterizada do direito em razão de fatores, como a duração dos processos judiciais, que escapam ao seu controlo.

45      Na quinta parte do primeiro fundamento, a Comissão alega que o efeito ex tunc dos acórdãos dos órgãos jurisdicionais da União não implica a obrigação de pagar juros de mora a contar da data do pagamento provisório da coima.

46      A Comissão sustenta a este respeito que, embora a anulação de um ato por um órgão jurisdicional da União tenha por efeito eliminar retroativamente esse ato da ordem jurídica da União, não é menos verdade que, antes do Acórdão Deutsche Telekom de 2018, não tinha nenhuma obrigação de reembolsar a coima, tanto mais que as suas decisões beneficiam de uma presunção de validade. A Comissão sublinha que o efeito ex tunc de um acórdão que anula ou reduz uma coima não a pode obrigar a pagar juros a contar do pagamento provisório dessa coima, quando, à data desse pagamento, não estava obrigada nem em condições de reembolsar a referida coima.

47      A Comissão acrescenta que, contrariamente ao que decidiu o Tribunal Geral, o crédito principal, isto é, o montante da coima indevidamente cobrado, não era, nessa data, em caso nenhum «certo quanto ao seu montante ou, pelo menos, determinável com base em elementos objetivos estabelecidos», na aceção do Acórdão Printeos (n.o 55).

48      Na sexta parte do primeiro fundamento, a Comissão alega que o pagamento de juros de mora imposto pelo acórdão recorrido prejudica o efeito dissuasivo das coimas.

49      A Comissão considera que este efeito deve ser tido em conta na fixação do montante de uma coima. Salienta, a este respeito, que, ao não poder determinar antecipadamente o desfecho dos eventuais recursos interpostos das suas decisões que aplicam uma coima e a duração dos processos judiciais correspondentes, não está em condições, quando fixa o montante de uma coima, de ponderar o referido efeito com o montante dos juros de mora que poderia eventualmente ser obrigada a pagar. Além disso, o caráter desproporcionado desses juros, que, segundo a Comissão, poderiam atingir mais de metade do montante das coimas, comprometeria o efeito dissuasivo das mesmas.

50      A Deutsche Telekom contesta a argumentação da Comissão na sua globalidade e considera que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

51      Decorre do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE que a instituição de que emane o ato anulado deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão que declara, com efeitos ex tunc, esse ato nulo e sem efeito. Isto implica, designadamente, o pagamento das quantias devidas e a repetição do indevido, bem como o pagamento de juros de mora (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/IPK International, C‑336/13 P, EU:C:2015:83, n.o 29, e de 5 de setembro de 2019, União Europeia/Guardian Europe e Guardian Europe/União Europeia, C‑447/17 P e C‑479/17 P, EU:C:2019:672, n.o 55).

52      Resulta igualmente de jurisprudência constante que o pagamento de juros de mora constitui uma medida de execução do acórdão de anulação, na aceção do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, uma vez que se destina a indemnizar através de uma quantia fixa a privação do gozo de um crédito e a incitar o devedor a executar, o mais brevemente possível, o acórdão de anulação (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/IPK International, C‑336/13 P, EU:C:2015:83, n.o 30, e de 10 de outubro de 2001, Corus UK/Comissão, T‑171/99, EU:T:2001:249, n.os 53 e 54 e jurisprudência referida).

53      Decorre assim do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE que, em caso de anulação ou de redução com efeitos ex tunc, por um órgão jurisdicional da União, de uma coima aplicada por uma decisão da Comissão por violação das regras da concorrência, esta instituição está obrigada a reembolsar a totalidade ou parte do montante da coima paga provisoriamente, acrescido de juros relativos ao período compreendido entre a data do pagamento provisório dessa coima e a data do seu reembolso.

54      A obrigação de restituir montantes indevidamente cobrados com juros não se aplica, aliás, apenas às instituições, órgãos e organismos da União, mas também às autoridades dos Estados‑Membros.

55      A este respeito, segundo jurisprudência constante, qualquer administrado a quem uma autoridade nacional tenha imposto o pagamento de uma taxa, de um direito, de um imposto ou de outra imposição em violação do direito da União tem o direito, ao abrigo deste último, a obter da parte dessa autoridade não apenas o reembolso do montante indevidamente cobrado, mas também o pagamento de juros destinados a compensar a indisponibilidade desse montante [v., neste sentido, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.o 12; de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o., C‑397/98 e C‑410/98, EU:C:2001:134, n.o 84; de 19 de julho de 2012, Littlewoods Retail e o., C‑591/10, EU:C:2012:478, n.os 24 a 26; de 9 de setembro de 2021, Hauptzollamt B (Redução facultativa do imposto), C‑100/20, EU:C:2021:716, n.os 26 e 27, e de 28 de abril de 2022, Gräfendorfer Geflügel‑ und Tiefkühlfeinkost Produktions e o., C‑415/20, C‑419/20 e C‑427/20, EU:C:2022:306, n.os 51 e 52].

56      Por conseguinte, quando tenham sido cobrados montantes em dinheiro em violação do direito da União, seja por uma autoridade nacional ou por uma instituição, um órgão ou um organismo da União, esses montantes devem ser restituídos e essa restituição deve ser acrescida de juros que abranjam todo o período compreendido entre a data de pagamento dos referidos montantes e a data da sua restituição, o que constitui a expressão de um princípio geral de repetição do indevido (v., neste sentido, Acórdão de 28 de abril de 2022, Gräfendorfer Geflügel‑ und Tiefkühlfeinkost Produktions e o., C‑415/20, C‑419/20 e C‑427/20, EU:C:2022:306, n.os 53 e jurisprudência referida).

57      Por conseguinte, ao declarar, no n.o 111 do acórdão recorrido, no final de um raciocínio que se baseia, nomeadamente, no Acórdão Printeos, que a Comissão violou o artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE ao recusar pagar juros de mora à Deutsche Telekom sobre o montante da coima indevidamente cobrado, relativamente ao período em causa, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito. Limitou‑se a reafirmar, à semelhança do referido Acórdão Printeos, os princípios, recordados nos n.os 51 a 56 do presente acórdão, que decorrem de jurisprudência assente que não há razão para rever.

58      Neste contexto, importa sublinhar que, contrariamente ao que sustenta a Comissão, a indemnização que o Tribunal Geral, pelo acórdão recorrido, a condenou a pagar à Deutsche Telekom, não corresponde a «juros de mora com caráter de sanção». Com efeito, antes da data da prolação do Acórdão Deutsche Telekom de 2018, a Comissão não estava de modo nenhum obrigada a restituir o montante da coima à Deutsche Telekom, seja parcial ou integralmente, tendo em conta, antes de mais, a força executória das decisões da Comissão que impõem uma obrigação pecuniária a pessoas distintas dos Estados‑Membros, em seguida, a falta de efeito suspensivo, nos termos do artigo 278.o TFUE, dos recursos interpostos perante um órgão jurisdicional da União e, por último, a presunção de validade de que beneficiam as decisões da Comissão enquanto não tiverem sido anuladas ou revogadas (v., neste sentido, Acórdão de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão, C‑413/08 P, EU:C:2010:346, n.o 81 e jurisprudência referida). Por conseguinte, só a partir dessa data é que recaía sobre a Comissão uma obrigação de restituição e esta poderia, na falta de reembolso imediato do montante da coima indevidamente cobrado, ser considerada em mora na execução dessa obrigação. No entanto, no caso em apreço, é facto assente entre as partes que, após a prolação do Acórdão Deutsche Telekom de 2018, a Comissão procedeu ao reembolso à Deutsche Telekom do montante da coima indevidamente cobrado.

59      É certo que, à semelhança da jurisprudência em que se baseou, o Tribunal Geral, no acórdão recorrido, qualificou repetidamente os juros devidos pela Comissão no caso em apreço de «juros de mora», conceito que remete para a existência de um atraso de pagamento de um devedor e para uma intenção de o punir.

60      Todavia, tal qualificação, ainda que seja contestável tendo em conta a finalidade dos juros em causa, não é suscetível de pôr em questão a validade, à luz dos princípios recordados nos n.os 51 a 56 do presente acórdão, do raciocínio no termo do qual o Tribunal Geral considerou que a Comissão estava obrigada a acrescentar ao reembolso do montante indevidamente cobrado juros destinados a indemnizar num montante fixo a empresa em causa pela privação do gozo desse montante.

61      Quanto à circunstância, evidenciada pela Comissão, de os juros a cujo pagamento o Tribunal Geral a condenou no acórdão recorrido respeitarem ao período compreendido entre a data do pagamento a título provisório da coima e a data do reembolso do montante indevidamente cobrado na sequência do acórdão que reduz essa coima e serem, assim, relativos a um período em muito grande parte anterior a esse acórdão, a mesma constitui a consequência do efeito ex tunc inerente a esse acórdão e da obrigação da Comissão, decorrente do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, de dar cumprimento ao referido acórdão colocando a empresa em causa na situação em que se encontraria se não tivesse sido privada, durante todo o referido período, do gozo da quantia correspondente a esse montante indevidamente cobrado. A este respeito, é facto assente, tendo em conta o direito de recurso existente contra qualquer decisão da Comissão que aplique uma coima, que, quando a coima tenha sido paga a título provisório pela empresa em causa, a Comissão pode, sendo caso disso, ser obrigada a tomar as medidas de execução de um acórdão que anule total ou parcialmente essa decisão, conforme recordadas nos n.os 51 a 53 do presente acórdão.

62      Do mesmo modo, a argumentação da Comissão de que não houve, no caso em apreço, violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito nem prova suficiente de um dano sofrido pela Deutsche Telekom não pode proceder. Com efeito, quando está obrigada, por força do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, a acrescer juros ao reembolso de um montante determinado, a Comissão não dispõe de nenhuma margem de apreciação sobre a oportunidade de pagar esses juros, pelo que a simples infração ao direito da União consistente na recusa em pagá‑los, é suficiente para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada desse direito, suscetível de desencadear a responsabilidade extracontratual da União (v., neste sentido, Acórdão Printeos, n.os 103 e 104). Ora, no caso em apreço, a Comissão estava obrigada, em conformidade com esta disposição, na sequência do Acórdão Deutsche Telekom de 2018, a acrescer juros ao reembolso do montante da coima indevidamente cobrado, como o Tribunal Geral declarou com justeza no n.o 112 do acórdão recorrido. Por outro lado, dado que estes juros tinham um caráter «fixo» como resulta da jurisprudência recordada no n.o 52 do presente acórdão, a Comissão não pode deixar de cumprir esta obrigação com o fundamento de que a Deutsche Telekom não provou de maneira bastante a existência de um prejuízo.

63      Nestas circunstâncias, a primeira, segunda, quarta e quinta partes do primeiro fundamento devem ser julgadas improcedentes.

64      Do mesmo modo, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao rejeitar os argumentos da Comissão relativos ao disposto no artigo 90.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012. Com efeito, como referiu, com justeza, no n.o 98 do acórdão recorrido, quando os juros «vencidos» referidos no artigo 90.o, n.o 4, do Regulamento Delegado n.o 1268/2012 são de montante inferior ao dos juros de mora devidos por força da obrigação de indemnização de montante fixo, ou mesmo quando não há juros vencidos porque o rendimento do capital investido foi negativo, a Comissão está obrigada, nos termos do artigo 266.o TFUE, a pagar ao interessado a diferença entre o montante dos eventuais «juros vencidos», na aceção do artigo 90.o, n.o 4, do referido regulamento delegado, e o dos juros de mora devidos relativamente ao período compreendido entre a data do pagamento da quantia em questão e a data do seu reembolso (v., neste sentido, Acórdão Printeos, n.os 75 e 76).

65      A este respeito, como a própria Comissão realçou e como salientou igualmente o advogado‑geral no n.o 77 das suas conclusões, a obrigação decorrente para essa instituição do artigo 90.o, n.o 4, do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, de pagar à empresa em causa os «juros vencidos» visa, antes de mais, evitar um enriquecimento sem causa da União. Todavia, esta eventual obrigação não prejudica a obrigação que impende, em qualquer caso, sobre a referida instituição, por força do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, de indemnizar a referida empresa num montante fixo pela privação do gozo, resultante da transferência para a Comissão da quantia em dinheiro correspondente ao montante da coima indevidamente paga, incluindo quando o investimento do montante da coima paga pela referida empresa a título provisório não tenha produzido rendimento superior à taxa de refinanciamento do BCE acrescida de 3,5 pontos percentuais.

66      Por outro lado, embora seja verdade que, em conformidade com o artigo 90.o, n.o 2, do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, a Comissão salvaguarda os montantes recebidos provisoriamente, investindo‑os em ativos financeiros para garantir a segurança e a liquidez das verbas, ao mesmo tempo que visa auferir uma remuneração, resulta igualmente desta disposição que a empresa que pagou provisoriamente a coima que lhe foi aplicada não tem nenhuma influência nas condições em que o montante dessa coima é investido. Ora, a Comissão não conseguiu explicar as razões pelas quais, nessas circunstâncias, os riscos a que esses investimentos estão expostos deveriam ser suportados pela empresa que pagou provisoriamente a coima aplicada com base num ato parcial ou inteiramente ilegal.

67      Nestas condições, a terceira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

68      No que respeita à argumentação da Comissão segundo a qual o facto de lhe ser imposto o pagamento de juros a contar da data da cobrança provisória da coima prejudica o efeito dissuasivo das coimas, o Tribunal de Justiça subscreve as considerações tecidas pelo Tribunal Geral nos n.os 93 e 94 do acórdão recorrido, segundo as quais a função dissuasiva das coimas deve ser conciliada com as exigências relativas a uma proteção jurisdicional efetiva. Ora, estas implicam que, em caso de anulação ou de redução, por um acórdão de um órgão jurisdicional da União, de uma coima paga provisoriamente pela empresa em causa, esta recebe, tendo em conta tanto o artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE como o efeito ex tunc desse acórdão, uma indemnização de um montante fixo pela privação do gozo da quantia correspondente ao montante indevidamente cobrado pela Comissão, relativamente ao período compreendido entre a data desse pagamento provisório e a do reembolso da referida quantia por essa instituição. Em qualquer caso, o efeito dissuasivo das coimas não pode ser invocado no contexto de coimas que foram anuladas ou reduzidas por um órgão jurisdicional da União, uma vez que a Comissão não pode invocar um ato declarado ilegal para efeitos de dissuasão.

69      Nestas condições, a sexta parte do primeiro fundamento deve também ser julgada improcedente.

70      Tendo em conta o que precede, o primeiro fundamento da Comissão deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento

 Argumentos das partes

71      Com o seu segundo fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, nos n.os 114 a 138 do acórdão recorrido, que a taxa aplicável aos juros que a Comissão estava obrigada a pagar ascende, por analogia com o artigo 83.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, à taxa de refinanciamento do BCE, acrescida de 3,5 pontos percentuais.

72      A Comissão recorda que o Tribunal de Justiça declarou, no Acórdão de 5 de setembro de 2019, União Europeia/Guardian Europe e Guardian Europe/União Europeia (C‑447/17 P e C‑479/17 P, EU:C:2019:672, n.o 56), que, para efeitos da determinação do montante dos juros que devem ser pagos na sequência da anulação de uma coima, há que aplicar a taxa fixada pelas disposições do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, sem, todavia, identificar a disposição precisa deste regulamento delegado a que devia reportar‑se.

73      Todavia, o Acórdão Printeos, para o qual remete o n.o 121 do acórdão recorrido, interpretou o Acórdão de 5 de setembro de 2019, União Europeia/Guardian Europe e Guardian Europe/União Europeia (C‑447/17 P e C‑479/17 P, EU:C:2019:672), no sentido de que este último se reportava ao artigo 83.o do referido regulamento delegado. O Tribunal Geral deduziu daí, nos n.os 133 e 134 do acórdão recorrido, que havia que aplicar, por analogia, o artigo 83.o, n.o 2, alínea b), do mesmo regulamento delegado, que impõe o pagamento de juros à taxa de refinanciamento do BCE acrescida de 3,5 pontos percentuais.

74      Ora, segundo a Comissão, por um lado, essa aplicação por analogia não se justifica, uma vez que o artigo 83.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012 regula os juros de mora devidos pelos devedores da Comissão em caso de pagamento tardio, prevendo um procedimento específico para esse efeito.

75      Por outro lado, não se pode deduzir do Acórdão Printeos que o Tribunal de Justiça, que se pronunciava sobre o cálculo de juros compostos, tenha querido aplicar, por analogia, a taxa prevista no artigo 83.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012 para o cálculo de juros de mora. Aliás, nem o Tribunal Geral no seu Acórdão de 12 de fevereiro de 2019, Printeos/Comissão (T‑201/17, EU:T:2019:81), nem o Tribunal de Justiça em sede de recurso nesse processo no acórdão Printeos concederam juros de mora à taxa prevista por essa disposição.

76      Todavia, se o Tribunal de Justiça considerasse que deve ser aplicada uma taxa de juro fixada no artigo 83.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, a Comissão entende que, exceto se for fixada outra taxa de juro adequada, há que aplicar, por analogia com o artigo 83.o, n.o 4, deste regulamento delegado, a taxa de refinanciamento do BCE acrescida de 1,5 pontos percentuais, aplicada pela Comissão no caso de o destinatário de uma decisão que aplica uma coima constituir uma garantia bancária em vez de pagar provisoriamente essa coima. Esta situação é suficientemente comparável à do presente processo, uma vez que, em ambos os casos, os juros compensam a impossibilidade de a Comissão, no primeiro caso, e a empresa em causa, no segundo caso, disporem livremente do montante da coima durante o processo judicial.

77      A Deutsche Telekom contesta a argumentação da Comissão e considera que o segundo fundamento deve igualmente ser julgado improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

78      Resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para efeitos da determinação do montante dos juros que devem ser pagos a uma empresa que tenha pago uma coima aplicada pela Comissão, na sequência da anulação ou da redução dessa coima, esta instituição deve aplicar a taxa fixada para o efeito pelo Regulamento Delegado n.o 1268/2012 (v., neste sentido, Acórdão de 5 de setembro de 2019, União Europeia/Guardian Europe e Guardian Europe/União Europeia, C‑447/17 P e C‑479/17 P, EU:C:2019:672, n.o 56). O Tribunal de Justiça especificou ainda que se trata de uma referência não ao artigo 90.o deste regulamento, que não menciona nenhuma taxa de juro, mas ao artigo 83.o do mesmo regulamento, que fixa a taxa de juro a aplicar a créditos não reembolsados no prazo regulamentar (v., neste sentido, Acórdão Printeos, n.o 81).

79      O artigo 83.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, que continha as normas de execução do Regulamento Financeiro de 2012 então em vigor, previa várias taxas de juro para esse efeito, que correspondiam todas à taxa de refinanciamento do BCE, acrescida de diferentes pontos percentuais. Em conformidade com o artigo 83.o, n.o 2, alíneas a) e b), deste regulamento delegado, a majoração era, respetivamente, de 8 pontos percentuais quando o facto gerador do crédito era um contrato público de fornecimento ou de serviços e de 3,5 pontos percentuais em todos os restantes casos. Além disso, quando o devedor tivesse constituído uma garantia financeira aceite pelo contabilista em vez do pagamento de uma coima, o artigo 83.o, n.o 4, do referido regulamento delegado previa uma majoração de 1,5 pontos percentuais.

80      No caso em apreço, o Tribunal Geral não fixou nenhuma das duas taxas de juro relativas aos casos específicos previstos, respetivamente, no artigo 83.o, n.o 2, alínea a), e n.o 4, do Regulamento Delegado n.o 1268/2012. Fixou a taxa prevista, a título supletivo para «todos os outros casos», no artigo 83.o, n.o 2, alínea b), deste regulamento delegado.

81      Assim, no n.o 136 do acórdão recorrido, para efeitos da fixação da indemnização de montante fixo da Deutsche Telekom pela privação do gozo do seu capital, o Tribunal Geral, com base na análise que efetuou nos n.os 125 a 135 desse acórdão, aplicou, por analogia, a taxa prevista no artigo 83.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, a saber, a taxa de refinanciamento do BCE, acrescida de 3,5 pontos percentuais.

82      O Tribunal Geral concedeu pois à Deutsche Telekom, no n.o 137 do referido acórdão, a título de reparação do prejuízo que lhe causou a violação suficientemente caracterizada do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, uma indemnização cujo montante de 1 750 522,83 euros corresponde à perda de juros à taxa de 3,55 %, durante o período em causa, sobre o montante da coima indevidamente cobrado.

83      É certo que, como alegou a Comissão, o artigo 83.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012 não fixa a taxa de juros correspondente a uma indemnização de montante fixo da natureza da que está em causa no presente processo. Com efeito, esta disposição visa a hipótese, alheia ao presente processo, de um atraso de pagamento, a saber, aquela em que um crédito não é reembolsado na data‑limite prevista. Foi precisamente o facto de nem este artigo 83.o nem outra disposição deste regulamento delegado fixarem essa taxa que levou o Tribunal Geral a proceder, no âmbito do exercício da sua margem de apreciação, a uma aplicação «por analogia» do artigo 83.o, n.o 2, alínea b), do referido regulamento delegado.

84      Daqui não resulta, no entanto, que, ao aplicar a taxa fixada por esta disposição, que, além disso, não se afigura desrazoável ou desproporcionada à luz da finalidade dos interesses em causa, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no exercício da competência que lhe é reconhecida no âmbito dos processos destinados a desencadear a responsabilidade extracontratual da União.

85      A este respeito, importa sublinhar que a Comissão, uma vez que o montante da coima que tinha aplicado à Deutsche Telekom e que esta empresa lhe tinha pago provisoriamente foi reduzido pelo Tribunal Geral, não pode ser colocada numa situação mais favorável do que aquela em que a Deutsche Telekom se encontraria se tivesse sido negado provimento ao seu recurso depois de, em vez de proceder a esse pagamento provisório, ter optado por constituir uma garantia bancária enquanto aguardava o desfecho do processo judicial iniciado com a interposição do seu recurso. Ora, nesta última situação, a Deutsche Telekom teria ficado sujeita a um encargo de juros calculados à taxa de 1,55 %, em conformidade com o artigo 83.o, n.o 4, do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, à qual teriam acrescido as despesas de constituição da referida garantia bancária.

86      Por estas razões, não pode ser acolhida a argumentação da Comissão que visa, a título subsidiário, que o montante dos juros devidos à Deutsche Telekom seja limitado a esta taxa de 1,55 %.

87      Acresce que, como o Tribunal Geral indicou, com justeza, nos n.os 127 e 131 do acórdão recorrido, a situação de uma empresa que, embora tenha interposto recurso da decisão da Comissão de lhe aplicar uma coima, pagou provisoriamente essa coima, distingue‑se da de uma empresa que constitui uma garantia bancária enquanto aguarda o esgotamento das vias de recurso. Com efeito, se uma empresa tiver constituído uma garantia bancária e, consequentemente, beneficiado de uma suspensão de pagamento, a mesma não transferiu para a Comissão, diversamente da que procedeu ao pagamento provisório da coima, a quantia correspondente ao montante da coima aplicada, pelo que a Comissão não poderá ser obrigada a restituir‑lhe um montante indevidamente cobrado. O único prejuízo financeiro eventualmente sofrido pela empresa em causa resulta da sua própria decisão de constituir uma garantia bancária.

88      Por último, embora seja verdade que, como sublinhou a Comissão, o Tribunal de Justiça, no Acórdão Printeos, não concedeu juros à taxa de refinanciamento do BCE acrescida de 3,5 pontos percentuais sobre o montante da coima a reembolsar, isso deveu‑se ao facto de a demandante em primeira instância, no processo que deu origem a esse acórdão, só pedir, em relação a esse montante, a aplicação da taxa de refinanciamento do BCE acrescida de 2 pontos percentuais.

89      Importa ainda sublinhar que, se a Comissão devesse considerar que as disposições regulamentares atuais não têm adequadamente em conta uma situação como a que está na origem do presente processo, caber‑lhe‑ia a ela ou, sendo caso disso, ao legislador da União proceder às adaptações necessárias no interesse da segurança jurídica e da previsibilidade da ação da Comissão.

90      Todavia, tendo em conta que a obrigação da Comissão de aplicar juros ao reembolso de uma coima total ou parcialmente anulada por um órgão jurisdicional da União decorre do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, qualquer novo método ou modalidade de cálculo desses juros deve respeitar os objetivos prosseguidos pelos mesmos. Por conseguinte, a taxa aplicável aos referidos juros não se pode limitar a compensar a depreciação monetária ocorrida durante o período relativamente ao qual os juros devem ser pagos, sem cobrir a indemnização de montante fixo a que a empresa que pagou essa coima tem direito pelo facto de ter sido privada, durante um determinado tempo, do gozo das verbas correspondentes ao montante indevidamente cobrado pela Comissão.

91      Tendo em conta o que precede, há que declarar que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito quando fixou a indemnização de montante fixo da Deutsche Telekom ao proceder, tendo em conta a finalidade dos juros em causa e a obrigação que lhe era imposta de reparar o prejuízo sofrido por esta, a uma aplicação por analogia da taxa de juro prevista no artigo 83.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012. Por conseguinte, o segundo fundamento também deve ser julgado improcedente.

92      Não tendo sido acolhido nenhum dos fundamentos invocados pela Comissão em apoio do seu recurso, há que negar provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

93      Por força do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas.

94      De acordo com o artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do disposto no artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

95      Tendo a Comissão sido vencida e tendo a Deutsche Telekom pedido a sua condenação, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.