Language of document : ECLI:EU:T:2018:480

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

13 de julho de 2018 (*)

«Função pública — Agentes contratuais — Subsídio de expatriação — Artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto — Período decenal de referência — Nacionalidade do Estado de afetação — Residência no Estado de afetação — Funções numa organização internacional — Contrato de trabalho temporário»

No processo T‑273/17,

Alessandro Quadri di Cardano, agente contratual da Agência de Execução para a Inovação e as Redes (INEA), residente em Alicante (Espanha), representado inicialmente por N. de Montigny e J.‑N. Louis e, em seguida, por N. de Montigny, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por T. Bohr e M. Mensi e, em seguida, por T. Bohr e L. Radu Bouyon, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido apresentado ao abrigo do artigo 270.o TFUE, com vista à anulação da decisão de 19 de julho de 2016 do Serviço «Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais» (PMO) da Comissão, por ter indeferido ao recorrente o seu pedido de concessão do subsídio de expatriação quando iniciou as suas funções na INEA,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por M. Prek, presidente, F. Schalin e M. J. Costeira (relator), juízes,

secretário: G. Predonzani, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 10 de abril de 2018,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

 Dados pessoais do recorrente

1        O recorrente, Alessandro Quadri di Cardano, nasceu a 19 de abril de 1980, em Bolonha (Itália), de pai italiano e de mãe belga, e tem dupla nacionalidade italiana e belga.

2        O recorrente residiu em Itália até 2006, onde completou o ensino primário, secundário e universitário.

3        De 13 de setembro de 2006 a 22 de junho de 2007, o recorrente frequentou um curso de mestrado no Collège d’Europe, em Bruges (Bélgica).

4        Desde 21 de setembro de 2007, o recorrente está inscrito no Consulado italiano, em Bruxelas (Bélgica). Em 6 de dezembro de 2008, casou‑se em Bruxelas, com uma cidadã belga, residente em Bruxelas, com a qual teve três filhos, nascidos em Bruxelas, em 2010, 2013 e 2015. A cônjuge do recorrente exerce uma atividade em Bruxelas. Desde 18 de fevereiro de 2009, o recorrente está inscrito no registo da população de Schaerbeek (Bélgica).

 Percurso profissional do requerente

5        De 2 de maio a 28 de julho de 2006, o recorrente fez um estágio em Bruxelas na Representação junto das instituições da União Europeia da Provincia Autonoma di Bolzano‑Alto Adige (Província Autónoma de Bolzano‑Alto Adige, Itália).

6        O recorrente trabalhou para o Parlamento Europeu de 4 de setembro de 2007 a 27 de agosto de 2008, como estagiário e, posteriormente, de 28 de agosto de 2008 a 31 de julho de 2009, na qualidade de assistente parlamentar.

7        De 1 de agosto de 2009 a 31 de janeiro de 2010, o recorrente trabalhou para o Parlamento como assistente parlamentar acreditado.

8        De 1 de fevereiro de 2010 a 31 de janeiro de 2013, o recorrente foi contratado pela Comissão Europeia na qualidade de agente contratual auxiliar na Direção‑Geral (DG) «Investigação e Inovação». O recorrente atingiu o período máximo de três anos nas referidas funções de agente contratual, em conformidade com as normas em vigor à referida data.

9        O nome do recorrente foi incluído na lista dos agentes contratuais propostos para um contrato de trabalho temporário na DG «Investigação e Inovação».

10      Por carta de 20 de novembro de 2012, o diretor da Direção R da DG «Investigação e Inovação» informou o recorrente de que lhe poderia ser oferecido um contrato de trabalho temporário, a partir de 1 de fevereiro de 2013, por um período inicial de seis meses (com uma pausa no mês de agosto).

11      Em 29 de janeiro de 2013, o recorrente criou um perfil junto da sociedade R. e assinou o seu primeiro contrato de trabalho temporário com esta sociedade.

12      A totalidade dos contratos de trabalho temporário celebrados entre o recorrente e a sociedade R. abrange um período inicial entre 1 de fevereiro e 31 de julho de 2013 e, depois, um segundo período entre 1 a 13 de setembro de 2013 (a seguir, considerados no seu conjunto, «período de trabalho temporário»).

13      Durante o período de trabalho temporário, o recorrente trabalhou como agente temporário na DG «Investigação e Inovação».

14      Durante o período de trabalho temporário, o recorrente participou em várias ações de formação disponibilizadas ao pessoal da Comissão.

15      Durante o mês de agosto de 2013, o recorrente beneficiou das prestações de desemprego europeu, após ter sido excluído do benefício do desemprego belga.

16      Entre 2012 e 2013, o recorrente candidatou‑se a várias instituições e organismos da União, situados fora da Bélgica.

17      O chefe de unidade R.1 da DG «Investigação e Inovação» emitiu uma declaração, com data de 5 de outubro de 2016, que atesta que o recorrente foi contratado pela Comissão na DG «Investigação e Inovação» e colocado na unidade RTD.B2, como agente contratual, no período de 1 de fevereiro de 2010 a 31 de janeiro de 2013 e, como agente temporário, nos períodos de 1 de fevereiro a 31 de julho de 2013 e de 1 a 13 de setembro de 2013.

18      De 16 de setembro de 2013 a 15 de maio de 2014, o recorrente trabalhou no Parlamento como agente contratual.

19      De 16 de maio de 2014 a 15 de julho de 2016, o recorrente trabalhou na Agência de Execução para as Pequenas e Médias Empresas (EASME), como agente contratual.

20      Em 16 de julho de 2016, o recorrente foi contratado, como agente contratual, pela Agência de Execução para a Inovação e as Redes (INEA).

 Decisão impugnada e outras decisões relativas ao subsídio de expatriação

21      Para o período compreendido entre 1 de agosto de 2009 e 31 de janeiro de 2010, no âmbito do contrato com o Parlamento, na qualidade de assistente parlamentar acreditado, referido no n.o 7 supra, o recorrente recebeu o subsídio de expatriação ao abrigo do artigo 4.o do anexo VII do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»).

22      Em 28 de outubro de 2010, o lugar de origem do recorrente foi fixado em Bolonha, com efeitos a partir de 1 de fevereiro de 2010.

23      Para o período compreendido entre 1 de fevereiro de 2010 e 31 de janeiro de 2013, no âmbito do contrato de agente contratual auxiliar na DG «Investigação e Inovação», referido no n.o 8 supra, o recorrente recebeu o subsídio de expatriação.

24      Para o período compreendido entre 16 de setembro de 2013 e 15 de maio de 2014, no âmbito do contrato de agente contratual no Parlamento, referido no n.o 18 supra, o subsídio de expatriação não foi concedido ao recorrente por decisão do Parlamento de 24 de outubro de 2013. O recorrente não recorreu judicialmente da decisão do Parlamento que indeferiu à reclamação por ele apresentada da decisão que não lhe atribuiu o subsídio de expatriação.

25      Para o período compreendido entre 16 de maio de 2014 e 15 de julho de 2016, no âmbito do contrato de agente contratual na EASME, referido no n.o 19 supra, o recorrente recebeu o subsídio de expatriação.

26      Para o período com início a 16 de julho de 2016, no âmbito do contrato de agente contratual na INEA, referido no n.o 20 supra, o subsídio de expatriação não foi concedido ao recorrente por decisão de 19 de julho de 2016 do Serviço «Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais» (PMO) da Comissão (a seguir «decisão impugnada»).

27      Em 17 de outubro de 2016, o recorrente apresentou, nos termos do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto, uma reclamação contra a decisão impugnada.

28      Por decisão de 3 de fevereiro de 2017, a Autoridade Habilitada a Celebrar Contratos de Recrutamento (AHCC) da Comissão indeferiu a referida reclamação, com o fundamento de que, em substância, não se pode considerar que o recorrente, que tem nacionalidade belga, não tenha mantido ou estabelecido uma ligação com a Bélgica durante o período de referência nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto. Com efeito, segundo a AHCC, durante este período, que vai de 15 de julho de 2006 a 15 de julho de 2016, o recorrente teve residência em Bruxelas, onde se casou e teve três filhos. Além disso, durante seis meses e duas semanas, entre fevereiro e setembro de 2013, o recorrente exerceu atividades profissionais privadas em Bruxelas como trabalhador temporário, não podendo este período de trabalho ser considerado um serviço prestado numa organização internacional. Além disso, no período referente ao mês de agosto de 2013, durante o qual esteve desempregado, o recorrente não provou que tivesse a sua residência habitual fora da Bélgica.

29      Em 28 de fevereiro de 2017, o PMO adotou uma decisão, a título de repetição do indevido, para recuperar o subsídio de expatriação referido no n.o 25 supra, pago ao recorrente no âmbito do contrato de agente contratual na EASME.

 Proposta de contratos de trabalho temporário para determinados agentes contratuais

30      Em 30 de maio de 2012, o vice‑presidente da Comissão enviou uma nota à atenção das organizações sindicais e profissionais representativas sobre, nomeadamente, o processo legislativo de revisão do Estatuto em curso e «as disposições transitórias de que poderão beneficiar os agentes contratuais que atingirem a duração máxima de serviço na Comissão nos próximos meses». A este respeito, a nota mencionava designadamente, por um lado, «a impossibilidade de derrogar as regras estatutárias em vigor» e, por outro, que seria indicado aos serviços que «os créditos da dotação global [podiam] igualmente servir para financiar contratos de trabalho temporário no respeito das disposições nacionais aplicáveis».

31      Por nota de 16 de outubro de 2012, o diretor‑geral da DG «Investigação e Inovação» informou os diretores da referida direção que, enquanto se aguardava um acordo político total sobre o Estatuto, era sugerido propor um posto de trabalho temporário a determinados agentes contratuais, cujos contratos chegavam a seu termo no primeiro semestre de 2013 e cujo trabalho era crucial para o bom funcionamento da DG.

32      Durante os anos de 2012 e 2013, a Comissão preparou vários pedidos de contratos de trabalho temporário, incluindo o do recorrente.

 Tramitação processual e pedidos das partes

33      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de maio de 2017, o recorrente interpôs o presente recurso.

34      A contestação da Comissão deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de julho de 2017.

35      A réplica e a tréplica deram entrada na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 7 de setembro e 18 de outubro de 2017.

36      Na audiência de 10 de abril de 2018, as partes apresentaram as suas alegações e responderam às questões colocadas pelo Tribunal Geral.

37      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

38      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

39      O recorrente invoca quatro fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo a um erro de direito, à violação das disposições legais belgas em matéria de contratos de trabalho temporário e à fraude à lei. O segundo fundamento é relativo ao desvio de poder e ao abuso de poder. O terceiro fundamento é relativo a um erro manifesto de apreciação e à violação do princípio da boa administração. O quarto fundamento é relativo à violação das legítimas expectativas do recorrente e dos princípios da proteção da confiança legítima, da segurança jurídica e dos direitos adquiridos.

40      O Tribunal Geral considera oportuno examinar conjuntamente o primeiro e terceiro fundamentos.

 Quanto ao primeiro e terceiro fundamentos, relativos a um erro de direito, à violação das disposições belgas em matéria de contratos de trabalho temporário, à fraude à lei, a um erro manifesto de apreciação e à violação do princípio da boa administração

41      No âmbito do primeiro e terceiro fundamentos, o recorrente alega, em substância, que a decisão impugnada padece de erro de direito, de violação das disposições legais belgas em matéria de contratos de trabalho temporário, de fraude à lei, de erro manifesto de apreciação e de violação do princípio da boa administração.

42      A Comissão contesta os argumentos do requerente. Além disso, na tréplica, relativamente ao terceiro fundamento, a Comissão invoca a inadmissibilidade da alegação relativa à violação do princípio da boa administração.

43      O primeiro e terceiro fundamentos podem ser divididos em três partes. A primeira parte é relativa ao cômputo do período decenal de referência. A segunda parte é referente à definição do trabalho do recorrente durante o período de trabalho temporário como não constituindo exercício de funções numa organização internacional, na aceção do artigo 4.o do anexo VII do Estatuto. A terceira parte diz respeito à residência habitual do recorrente durante o período decenal de referência.

44      A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o subsídio de expatriação previsto no artigo 69.o do Estatuto destina‑se a compensar os encargos e as desvantagens especiais que resultam da entrada em funções na União para funcionários que, por este facto, são obrigados a transferir a sua residência do Estado do seu domicílio para o Estado de afetação e a integrar‑se num novo meio. O conceito de expatriação depende igualmente da situação subjetiva do funcionário, ou seja, do seu grau de integração no novo meio resultante, por exemplo, da sua residência habitual ou do exercício de uma atividade profissional principal (v. Acórdão de 24 de janeiro de 2008, Adam/Comissão C‑211/06 P, EU:C:2008:34, n.o 38 e jurisprudência referida).

45      Importa igualmente recordar que os requisitos para a concessão do subsídio de expatriação, definidos pelo artigo 4.o, n.o 1, do anexo VII do Estatuto, são aplicáveis aos agentes temporários e aos agentes contratuais, por força, respetivamente, do artigo 20.o do Estatuto e do artigo 92.o do regime aplicável aos outros agentes da União Europeia.

46      Mais precisamente, quanto aos requisitos para a concessão do subsídio de expatriação previstos pelo artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto, o funcionário que, tendo ou tendo tido a nacionalidade do Estado em cujo território está situado o local da sua afetação, deve comprovar que, habitualmente, durante um período de dez anos expirando à data do início de funções, residiu fora do território europeu do dito Estado, por motivo diferente do exercício de funções num serviço de qualquer Estado ou organização internacional.

47      Além disso, para os funcionários que têm a nacionalidade do país de afetação, o facto de aí terem mantido ou estabelecido a sua residência habitual, ainda que por um período de tempo muito breve durante o período decenal de referência, é suficiente para determinar a perda ou a recusa do benefício do subsídio de expatriação (Acórdão de 27 de fevereiro de 2015, CESE/Achab, T‑430/13 P, EU:T:2015:122, n.o 54).

48      Em especial, no que se refere ao conceito de residência habitual, este foi interpretado de forma constante pela jurisprudência como sendo o lugar onde o interessado fixou, com a vontade de lhe conferir um caráter estável, o centro permanente ou habitual dos seus interesses. Ademais, o conceito de residência implica, independentemente do elemento meramente quantitativo do tempo passado pela pessoa no território de um ou de outro país, e além de o facto físico de permanência num determinado lugar, a intenção de conferir a esse facto a continuidade resultante de um hábito de vida e do desenvolvimento de relações sociais normais (v. Acórdão de 16 de maio de 2007, F/Comissão, T‑324/04, EU:T:2007:140, n.o 48 e jurisprudência referida).

49      Quanto à delimitação do período de referência, resulta da jurisprudência que, atendendo à exceção prevista no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do anexo VII do Estatuto, a prestação de serviços a um outro Estado ou a uma organização internacional tem por consequência a manutenção de um vínculo específico do interessado com esse outro Estado ou essa organização internacional, que impede, assim, a criação de um vínculo duradouro com o Estado de afetação e, por conseguinte, a integração suficiente do referido interessado na sociedade deste último Estado. Uma vez que se presume que é o serviço prestado junto de um Estado ou organização internacional que impede a criação de laços duradouros entre o interessado e o país de afetação, tal presunção é igualmente válida no que diz respeito ao artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto, independentemente do facto de a redação das duas disposições ser diferente. Por conseguinte, há que ter em conta, no cálculo do período decenal de referência, os períodos durante os quais o interessado exerceu funções num serviço de um Estado ou organização internacional. Com efeito, uma abordagem que consista em não retirar qualquer consequência, no que se refere à delimitação do referido período, do trabalho prestado por conta de um Estado ou de uma organização internacional, não se mostra conforme à letra e à finalidade do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto, uma vez que procede, na prática, da equiparação deste trabalho ao trabalho prestado para qualquer outro empregador (v. Acordão de 25 de setembro de 2014, Grazyte/Comissão, T‑86/13 P, EU:T:2014:815, n.o 50 e jurisprudência referida).

50      Quanto ao conceito de «organização internacional», importa recordar que as atividades exercidas nas instituições e nos organismos da União são consideradas como serviços prestados a uma organização internacional, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do anexo VII do Estatuto (v., neste sentido, Acórdão de 25 de setembro de 2014, Grazyte/Comissão, T‑86/13 P, EU:T:2014:815, n.os 33 e 34 e jurisprudência referida).

51      Por último, segundo jurisprudência assente, cabe ao funcionário interessado comprovar que se encontram preenchidos os requisitos previstos no artigo 4.o, n.o 1, do anexo VII do Estatuto (v. Acórdão de 21 de janeiro de 2014, Jelenkowska‑Luca/Comissão, F‑114/12, EU:F:2014:3, n.o 15 e jurisprudência referida).

52      É à luz do enquadramento jurídico e jurisprudencial acima exposto que deve ser apreciado o mérito dos argumentos do recorrente no âmbito dos primeiro e terceiro fundamentos.

 Quanto à primeira parte, relativa ao cômputo do período de referência

53      Na primeira parte do primeiro e terceiro fundamentos, o recorrente alega, em substância, que a decisão impugnada determinou erradamente o período decenal de referência entre 2006 e 2016. A este respeito, o recorrente esclarece que não contesta o facto de os seus direitos estatutários deverem novamente ser fixados quando da sua entrada ao serviço na INEA, mas o facto de a Comissão ter calculado o período decenal de referência sem neutralizar os períodos durante os quais exerceu funções numa organização internacional e sem dar lugar a uma prorrogação análoga do período de referência. Segundo o recorrente, o período decenal de referência deve ser fixado com início em 1999 e com termo em 2009, dado que deve ser neutralizado o período que medeia entre o início das suas funções no Parlamento (em 2009) e o início das suas funções na INEA (em 2016). Com efeito, a sua residência no território belga durante todo esse período era, inclusive para o período de trabalho temporário, justificada pelas suas funções numa organização internacional.

54      A Comissão contesta os argumentos do recorrente.

55      No caso em apreço, é ponto assente que o recorrente pede o subsídio de expatriação a contar da data em que entrou ao serviço na INEA, em 16 de julho de 2016. Além disso, resulta dos autos que o recorrente tem nacionalidade do Estado em cujo território está situado o local da sua afetação, a Bélgica, e nacionalidade de um outro Estado‑Membro, a Itália.

56      Uma vez que o recorrente tem a nacionalidade do Estado em cujo território está situado o local da sua afetação, a sua situação está abrangida pela hipótese do agente que «te[m] ou [teve] a nacionalidade do Estado em cujo território está situado o local da sua afetação», prevista no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto.

57      Por conseguinte, o período de referência pertinente é o previsto no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto, ou seja, «um período de dez anos expirando à data do início de funções».

58      Além disso, há que salientar que o recorrente não contesta que os seus direitos individuais, inclusive o subsídio de expatriação, devem ser fixados à data do início das suas funções na INEA.

59      Assim o termo do período decenal de referência é a data em que o recorrente iniciou as suas funções na INEA.

60      Em contrapartida, contrariamente ao que alega o recorrente, para calcular o período decenal de referência, não se deve, no caso em apreço, «neutralizar» o período em que foram exercidas funções num serviço de qualquer Estado ou organização internacional, dando lugar a uma prorrogação análoga do período de referência.

61      A este respeito, há que referir que a jurisprudência, citada no n.o 49 supra, segundo a qual, no âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto, se deve «neutralizar», como no âmbito de aplicação do n.o 1, alínea a), do referido artigo, o período em que foram exercidas funções num serviço de um Estado ou organização internacional, dando lugar a uma prorrogação análoga do período de referência, não é aplicável no caso em apreço (v., neste sentido, Acórdão de 25 de setembro de 2014, Grazyte/Comissão, T‑86/13 P, EU:T:2014:815, n.o 51). Com efeito, na hipótese a que se refere esta jurisprudência, a «neutralização» dos períodos de serviço numa organização internacional e a prorrogação análoga do período de referência destinam‑se a verificar se a pessoa em causa esteve efetivamente dez anos fora do território europeu do Estado de que tem ou teve a nacionalidade, sem trabalhar durante esses dez anos ao serviço de um Estado ou de uma organização internacional (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2014, Ohrgaard/Comissão, F‑151/12, EU:F:2014:8, n.os 36 e 38 e jurisprudência referida).

62      Consequentemente, no âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto, apenas os períodos em que o interessado exerceu funções num serviço de um Estado ou de uma organização internacional situado «fora» do Estado de afetação podem justificar uma neutralização. Por conseguinte, no caso em apreço, para calcular o período decenal de referência previsto no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto, não há que neutralizar os períodos em que o recorrente exerceu funções numa organização internacional situada no Estado de afetação de que tem a nacionalidade e prorrogar o período de referência por um prazo equivalente.

63      Em contrapartida, no caso vertente, deve ser tido em conta o exercício de funções numa organização internacional para a determinação da residência habitual do recorrente, na medida em que se presume que esse facto impede a criação de laços duradouros entre o recorrente e o país de afetação (v., neste sentido, Acórdão 25 de setembro de 2014, Grazyte/Comissão, T‑86/13 P, EU:T:2014:815, n.o 50). Esta questão será examinada no âmbito da terceira parte, relativa à residência habitual.

64      Resulta do acima exposto que a Comissão fixou corretamente o período decenal de referência entre 15 de julho de 2006 e 15 de julho de 2016, ou seja, com termo quando da entrada do recorrente ao serviço da INEA e início dez anos antes.

 Quanto à segunda parte, relativa à definição do trabalho do recorrente durante o período de trabalho temporário

65      Na segunda parte do primeiro e terceiro fundamentos, o recorrente contesta a definição do seu trabalho durante o período de trabalho temporário como não constituindo o exercício de funções numa organização internacional, na aceção do artigo 4.o do anexo VII do Estatuto. Segundo o recorrente, durante este período de trabalho temporário, existiu um «vínculo jurídico direto» entre ele e a Comissão, que resulta nomeadamente do facto de ter sido contratado na qualidade de trabalhador temporário para prover à sua própria substituição na DG «Investigação e Inovação», de receber instruções diretamente da Comissão e não ter qualquer relação prévia com a sociedade R. Mais, o recorrente alega que todos os elementos do caso em apreço permitem considerar que a sua entidade patronal, durante o período de trabalho temporário, não era a sociedade de trabalho temporário R., mas a Comissão, que não respeitou o direito belga em matéria de contrato de trabalho temporário. Assim, segundo o recorrente, para efeitos de aplicação do artigo 4.o, n.o 1, do anexo VII do Estatuto, deve considerar‑se que, desde o início das suas funções no Parlamento, em 2009, não teve qualquer atividade profissional que não seja uma atividade em benefício das instituições da União.

66      A Comissão contesta os argumentos do recorrente.

67      No caso em apreço, há que referir que, conforme resulta dos n.os 8 a 13 supra, assim que o trabalho do recorrente atingiu o prazo máximo de três anos de exercício de funções como agente contratual na DG «Investigação e Inovação», o seu nome foi incluído na lista dos agentes contratuais propostos pela referida direção‑geral para um contrato de trabalho temporário. Em seguida, o recorrente assinou contratos de trabalho temporário com a sociedade R. e, no âmbito destes contratos, trabalhou na DG «Investigação e Inovação» da Comissão, durante um primeiro período compreendido entre 1 de fevereiro e 31 de julho de 2013, e depois, durante um segundo período compreendido entre 1 e 13 de setembro de 2013.

68      A este respeito, por um lado, importa referir que o Tribunal Geral já declarou que a situação dos trabalhadores das empresas de trabalho temporário colocados à disposição das instituições da União não corresponde a uma situação «resultante de serviços prestados a uma organização internacional», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do anexo VII do Estatuto (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2002, Nevin/Comissão, T‑127/00, EU:T:2002:211, n.os 4, 6, 21, 32 e 52 a 58). Com efeito, este trabalho temporário é caracterizado por uma relação triangular entre o trabalhador, uma empresa externa e a instituição ou organismo da União que implica a celebração de dois contratos: um primeiro contrato entre a empresa de trabalho temporário e a instituição ou organismo da União e um segundo contrato entre o trabalhador temporário e a empresa de trabalho temporário (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2002, Nevin/Comissão, T‑127/00, EU:T:2002:211, n.o 53). Assim, esta relação é caracterizada pela presença de uma empresa privada intermediária que obtém um lucro ao disponibilizar um trabalhador à instituição da União ou ao atribuir a este a realização de determinadas tarefas dentro ou por conta da referida instituição. É a intervenção destas empresas externas como intermediárias que obsta a que se conclua pela existência de um vínculo jurídico direto entre o interessado e a instituição ou organismo da União (v., neste sentido, Acórdão de 19 de junho de 2007, Asturias Cuerno/Comissão, T‑473/04, EU:T:2007:184, n.o 50).

69      Por outro lado, há que recordar que resulta da jurisprudência que, à luz das diferentes disposições do artigo 4.o, n.o 1, do anexo VII do Estatuto, a expressão «situações resultantes de serviços prestados a uma organização internacional», que figura no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do anexo VII do Estatuto, tem um alcance muito mais amplo do que a expressão «exercício de funções numa organização internacional» que figura no artigo 4.o, n.o 1, alínea, b), do anexo VII do Estatuto (Acórdão de 3 de maio de 2001, Liaskou/Conselho, T‑60/00, EU:T:2001:129, n.o 47).

70      Ora, a jurisprudência acima referida no n.o 68 é aplicável no caso em apreço, na medida em que o período de trabalho temporário em causa se caracteriza igualmente pela existência de uma relação triangular entre o recorrente, a empresa externa R. e a Comissão. É, portanto, a intervenção da sociedade R., com a qual o demandante assinou os contratos de trabalho temporário, que obsta a que se conclua pela existência de um vínculo jurídico direto entre o recorrente e a Comissão durante o período de trabalho temporário.

71      Além disso, como alega a Comissão, a jurisprudência referida no n.o 68 supra impõe‑se a fortiori no caso em apreço, na medida em que a situação do recorrente está abrangida pelo artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto, cuja expressão «exercício de funções numa organização internacional» tem um alcance menos amplo do que a expressão utilizada no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do anexo VII do Estatuto, conforme foi referido no n.o 69 supra. Por conseguinte, não se pode considerar que o período de trabalho temporário, que resulta dos contratos de trabalho celebrados entre o recorrente e uma sociedade de direito privado, corresponda ao exercício de funções «numa organização internacional».

72      Esta apreciação jurídica relativa ao trabalho temporário não pode ser posta em causa pela argumentação do recorrente segundo a qual, no caso em apreço, existe um vínculo direto entre ele e a Comissão, que resulta da ilegalidade dos contratos de trabalho temporário à luz do direito belga aplicável e pelo facto de, no âmbito destes contratos, a Comissão não ser o «utilizador» na aceção da lei belga, mas o seu «empregador».

73      A este respeito, há que referir, em primeiro lugar, que o presente recurso não tem por objeto a apreciação da alegada ilegalidade dos contratos de trabalho temporário, que, aliás, não foi invocada pelo recorrente junto dos órgãos jurisdicionais belgas competentes, mas apenas a decisão que recusa ao recorrente o subsídio de expatriação aquando do início das suas funções na INEA.

74      Por conseguinte, há que declarar desde já o caráter inoperante, para efeitos de anulação da decisão impugnada, da argumentação do recorrente baseada nas alegadas ilegalidades dos contratos de trabalho temporário (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 9 de junho de 2009, Nardin/Parlamento, F‑12/08, EU:F:2009:57, n.o 38).

75      Em seguida, há que salientar que, no âmbito do trabalho temporário, a relação entre o recorrente e a Comissão se caracteriza como uma relação «puramente factual», uma vez que era a empresa de trabalho temporário que tinha a faculdade jurídica de exercer a autoridade patronal sobre o trabalhador temporário e que transmitia de facto ao utilizador o exercício de parte desta autoridade durante o período em que o trabalhador era disponibilizado (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2002, Nevin/Comissão, T‑127/00, EU:T:2002:211, n.o 57). A circunstância de o recorrente beneficiar das formações internas da Comissão durante o período de trabalho temporário não põe em causa esta apreciação, uma vez que estas formações só podem ser consideradas no âmbito desta relação de facto entre o recorrente e a Comissão.

76      Além disso, mesmo que se admita que o recorrente recebia instruções diretamente da Comissão, esta circunstância continua a ser conforme à natureza do trabalho temporário e compatível com a relação triangular descrita no n.o 68 supra (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2002, Nevin/Comissão, T‑127/00, EU:T:2002:211, n.o 65).

77      De igual modo, a circunstância de a Comissão ter podido escolher ou aprovar a pessoa do recorrente e esta escolha ou aprovação ter constituído uma condição prévia para a contratação do recorrente pela empresa de trabalho temporário é irrelevante para a apreciação jurídica relativa ao trabalho temporário nos termos da legislação nacional aplicável e dos contratos em causa e não impede, nomeadamente, que a entidade patronal seja a pessoa coletiva com a qual foi celebrado o contrato de trabalho e não a instituição utilizadora (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2002, Nevin/Comissão, T‑127/00, EU:T:2002:211, n.o 66 e jurisprudência referida).

78      Tendo em conta o conjunto das considerações que precedem, há que considerar que, durante o período de trabalho temporário, o recorrente tinha um vínculo jurídico direto de subordinação com a empresa de trabalho temporário à qual esteve sucessivamente vinculado por contratos de trabalho temporário.

79      Por conseguinte, não se pode admitir que o recorrente se encontrava numa situação de «exercício de funções numa organização internacional» na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto.

80      Assim, a Comissão considerou corretamente que o recorrente não tinha exercido funções numa organização internacional, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do Anexo VII do Estatuto, durante o período de trabalho temporário compreendido entre 1 de fevereiro e 31 de julho de 2013 e entre 1 e 13 de setembro de 2013.

 Quanto à terceira parte, relativa à residência habitual

81      Na terceira parte do primeiro e terceiro fundamentos, o recorrente alega que a Comissão considerou erradamente que tinha estabelecido a sua residência habitual na Bélgica, onde fixou o seu centro de interesses para fins diferentes do exercício de funções numa organização internacional. Segundo o recorrente, o facto de se ter casado com um residente belga e de os seus filhos terem nascido em Bruxelas é apenas a consequência do seu estabelecimento em Bruxelas, em 2009, no intuito de exercer as suas funções nas instituições da União durante um período prolongado. Além disso, o recorrente alega que o único período em que não exerceu funções numa instituição da União foi em agosto de 2013, mês em que esteve inscrito como desempregado.

82      A Comissão contesta os argumentos do recorrente.

83      A título preliminar, há que salientar que, conforme referido no n.o 47 supra, tendo o recorrente a nacionalidade do país de afetação, o facto de aí ter estabelecido a sua residência habitual, ainda que por um período muito breve no decurso do período decenal de referência, é suficiente para a perda do benefício do subsídio de expatriação.

84      Conforme resulta dos elementos dos autos, há que referir que, durante o período decenal de referência, que vai de 2006 a 2016, o recorrente, no plano pessoal, inscreveu‑se, em 21 de setembro de 2007, no Consulado italiano, em Bruxelas. Em 6 de dezembro de 2008, casou‑se em Bruxelas, com uma cidadã belga, que residia e trabalhava em Bruxelas, com a qual teve três filhos, nascidos em Bruxelas, em 2010, 2013 e 2015. Desde 18 de fevereiro de 2009, o recorrente está inscrito no registo da população de Schaerbeek. Há também que referir que, no plano profissional, o recorrente trabalhou, de 1 de agosto de 2009 a 31 de janeiro de 2010, para o Parlamento como assistente parlamentar acreditado e, posteriormente, de 1 de fevereiro de 2010 a 31 de janeiro de 2013, para a DG «Investigação e Inovação», na qualidade de agente contratual auxiliar. De 1 de fevereiro a 31 de julho de 2013 e de 1 a 13 de setembro de 2013, celebrou contratos de trabalho temporário com a sociedade R. e trabalhou como trabalhador temporário na DG «Investigação e Inovação». Durante o mês de agosto de 2013, o recorrente beneficiou de prestações de desemprego. O recorrente trabalhou depois como agente contratual para o Parlamento, de 16 de setembro de 2013 a 15 de maio de 2014, e, a seguir, para a EASME, de 16 de maio de 2014 a 15 de julho de 2016. Por último, em 16 de julho de 2016, o recorrente foi contratado, como agente contratual, pela INEA (v, n.os 4, 7, 8, 12, 13 e 18 a 20 supra).

85      A Comissão considerou que os elementos de facto mencionados no n.o 84 supra demonstram que, durante o período decenal de referência, o recorrente, em primeiro lugar, estabeleceu o seu domicílio na Bélgica, em segundo lugar, exerceu atividades profissionais privadas em Bruxelas como trabalhador temporário e, em terceiro lugar, não provou que teve uma residência habitual fora da Bélgica durante o mês em que esteve desempregado.

86      Esta apreciação não pode ser contrariada pelas alegações do recorrente.

87      Com efeito, os elementos relativos à vida privada do recorrente, mencionados no n.o 84 supra, são elementos de facto objetivos que demonstram a existência de ligações sociais duradouras do recorrente com o país de afetação. À luz destes elementos, não se pode considerar que o recorrente tenha demonstrado que a sua estadia na Bélgica durante o período decenal de referência era provisória ou não tinha implicado uma deslocação estável do centro permanente ou habitual dos seus interesses.

88      Além disso, os elementos referentes à vida privada do recorrente devem ser considerados em articulação com os outros factos relativos à sua vida profissional, como referidos no n.o 84 supra, permitindo o conjunto destes elementos concluir que o recorrente não demonstrou que, durante o período decenal de referência, a sua residência tinha sido fixada na Bélgica por razões exclusivamente ligadas ao exercício de funções junto de um Estado ou de uma organização internacional.

89      Com efeito, conforme se salientou no n.o 79 supra, não se pode considerar que, durante o período de trabalho temporário, o recorrente se encontrava numa situação de «exercício de funções numa organização internacional» na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto.

90      Por outro lado, há que recordar que os motivos concretos que levaram o recorrente a permanecer no país de afetação, de que tem nacionalidade, não devem ser tidos em conta para efeitos de concessão do subsídio de expatriação. Com efeito, uma apreciação quanto ao mérito dos vários motivos que levaram a pessoa em causa a instalar‑se no país de que tem a nacionalidade seria necessariamente baseada em considerações de caráter subjetivo, o que é incompatível tanto com o teor como com as finalidades do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 25 de setembro de 2014, Grazyte/Comissão, T‑86/13 P, EU:T:2014:815, n.os 56 a 58) Assim, as razões subjetivas que levaram o recorrente, por um lado, a casar e ter filhos na Bélgica, aí residindo de forma ininterrupta, e, por outro, a aceitar contratos de trabalho temporário não são relevantes para a apreciação dos requisitos de concessão do subsídio de expatriação.

91      Nos termos do acima exposto, deve‑se concluir que não resulta dos elementos constantes dos autos que o recorrente tivesse o centro habitual e principal dos seus interesses fora da Bélgica durante o período decenal de referência, dado que, por um lado, tem a nacionalidade belga, residiu de forma ininterrupta em Bruxelas durante todo o período decenal de referência, casou em Bruxelas com uma cidadã belga com quem teve três filhos, também nascidos em Bruxelas, e, por outro, exerceu uma atividade profissional privada neste país durante uma parte desse período. Há, pois, que concluir que o recorrente não demonstrou que, durante o período decenal de referência, a sua residência tivesse sido fixada na Bélgica por razões unicamente ligadas ao exercício de funções junto de um Estado ou de uma organização internacional.

92      Daqui resulta que, para além de residir em Bruxelas há anos, o recorrente demonstrou a intenção de conferir a esse facto a continuidade decorrente de aí ter estabelecido o centro permanente ou habitual dos seus interesses.

93      Assim, a Comissão considerou corretamente que o recorrente não provou que tivesse, durante o período decenal de referência, a sua residência habitual fora do Estado de afetação, a Bélgica, de que tem a nacionalidade.

94      Daqui decorre que a decisão impugnada não padece dos erros e das violações alegados pelo recorrente no âmbito do primeiro e terceiro fundamentos.

95      Tendo em conta o acima exposto, os primeiro e terceiro fundamentos devem ser julgados improcedentes, sem que seja necessário apreciar a questão da inadmissibilidade referida no n.o 42 supra, pois, assiste ao juiz da União o direito de apreciar, consoante as circunstâncias de cada caso específico, se uma boa administração da justiça justifica julgar improcedente um fundamento, sem decidir previamente sobre a sua admissibilidade (Acórdão de 11 de julho de 2014, DTS Distribuidora de Televisión Digital/Comissão, T‑533/10, EU:T:2014:629, n.o 170).

 Quanto ao segundo fundamento, relativo ao desvio de poder e ao abuso de poder

96      No âmbito do segundo fundamento, o recorrente alega, em substância, que a sua contratação como trabalhador temporário na DG «Investigação e Inovação» constitui um desvio de poder e um abuso de poder por parte da Comissão.

97      Segundo o recorrente, a Comissão cometeu um desvio de poder, na medida em que agiu em fraude à lei belga em matéria de contrato de trabalho temporário utilizando‑a para fins distintos dos que justificaram a sua adoção. Com efeito, o objetivo da Comissão quando da celebração de contratos de trabalho temporário com os agentes contratuais auxiliares era evitar perder pessoal qualificado e indispensável ao bom funcionamento das direções‑gerais. Este objetivo violava o direito belga e visava substituir o estatuto de agente contratado por um regime contratual precário, em que o posto de trabalho, o empregador e o salário se mantinham iguais. Ao recorrer a este estatuto de trabalhador precário a fim de eludir os direitos individuais do recorrente, a Comissão cometeu um desvio de poder.

98      Além disso, o recorrente alega que a Comissão cometeu um abuso de poder ao obrigá‑lo a celebrar contratos de trabalho temporário sucessivos para exercer as mesmas funções que exercera anteriormente na DG «Investigação e Inovação» na qualidade de agente contratual auxiliar e ao usar, depois, estes contratos para eludir os seus direitos individuais, quando da sua recontratação pela INEA. A assinatura dos contratos de trabalho temporário é «coerciva» para o recorrente e para os seus colegas que se encontram na mesma situação, na medida em que, por um lado, constitui a única oportunidade de não perder o seu emprego nas instituições da União e, por outro, a garantia de retomarem depois o seu posto de trabalho como agente contratual logo que a reforma estatutária fosse adotada.

99      A Comissão contesta os argumentos do recorrente.

100    Importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o conceito de desvio de poder refere‑se ao facto de uma autoridade administrativa ter usado os seus poderes com um objetivo diferente daquele para que lhe foram conferidos. Uma decisão só enferma de desvio de poder se se afigurar, com base em indícios objetivos, pertinentes e concordantes, ter sido adotada com tal fim. Além disso, em caso de pluralidade de finalidades prosseguidas, mesmo que um motivo injustificado se junte aos motivos válidos, não é por esse facto que a decisão padece de desvio de poder, desde que não sacrifique a finalidade essencial (v. Acórdão de 13 de dezembro de 2017, Oltis Group/Comissão, T‑497/15, não publicado, EU:T:2017:895, n.o 52 e jurisprudência referida).

101    No caso em apreço, é forçoso constatar que não existe nenhum nexo de causalidade entre a decisão de recorrer a contratos de trabalho temporário, por um lado, e a decisão sobre a fixação dos direitos individuais do recorrente aquando do início das suas funções na INEA. Com efeito, trata‑se de decisões diferentes, tomadas por entidades diferentes e com base em disposições legais distintas, que prosseguem finalidades próprias. Além disso, não havia nenhuma certeza de que, no termo do período de trabalho temporário, o recorrente seria contratado como funcionário ou agente de uma instituição ou organismo da União e, consequentemente, que seria necessário proferir uma decisão quanto ao benefício do subsídio de expatriação, pois, nenhuma ligação entre as decisões em causa pode ser estabelecida nestas circunstâncias.

102    Assim, as alegações não fundamentadas do recorrente, nomeadamente no que respeita ao suposto uso do trabalho temporário com o intuito de eludir a fixação dos seus direitos individuais numa eventual contratação futura por parte de uma instituição ou organismo da União, não podem ser consideradas indícios objetivos, pertinentes e concordantes de que a decisão impugnada teria sido tomada para fins diferentes dos relativos à apreciação dos direitos individuais do recorrente em matéria de subsídio de expatriação.

103    Além disso, a afirmação do recorrente segundo a qual a Comissão cometeu um abuso de poder ao obrigá‑lo a celebrar contratos de trabalho temporário de modo algum resulta provada. A este respeito, basta observar que, como resulta dos n.os 11 e 12 supra, tanto a criação de um perfil junto da sociedade R., como a assinatura dos contratos de trabalho temporário com esta sociedade e o termo destes contratos, em 13 de setembro de 2013, resultam apenas da única vontade do recorrente e das suas escolhas relativamente à sua vida profissional.

104    Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação das legítimas expectativas do recorrente e dos princípios da proteção da confiança legítima, da segurança jurídica e dos direitos adquiridos

105    No âmbito do quarto fundamento, o recorrente alega, em substância, que tem um direito adquirido à aplicação dos requisitos de concessão do subsídio de expatriação, na medida em que a sua situação factual não mudou desde a primeira vez que iniciou as suas funções numa instituição da União, em agosto de 2009, que sempre trabalhou para uma organização internacional e que nunca estabeleceu a sua residência habitual na Bélgica, aí fixando o seu centro de interesses, para outros fins além do exercício das suas funções numa organização internacional.

106    A este respeito, o recorrente sublinha que, ao alterar a sua apreciação sobre o direito ao subsídio de expatriação, a Comissão violou os seus direitos adquiridos em relação aos efeitos do contrato de trabalho temporário, que foi, à data, negociado pela Comissão no interesse do serviço. Foi precisamente porque os seus direitos tinham sido negociados e deviam ser preservados que o requerente e os seus colegas aceitaram um emprego provisório como trabalhadores temporários.

107    Além disso, o recorrente alega que a apreciação da Comissão relativa ao período de trabalho temporário está errada, na medida em que considera este período como uma causa de exclusão da concessão do subsídio de expatriação previsto pelo artigo 4.o do Anexo VII do Estatuto. Pese embora a sua dupla nacionalidade, relativamente à qual foi sempre transparente, e apesar do seu casamento e do nascimento dos seus filhos em Bruxelas, a Bélgica nunca foi considerada a sua residência e o centro dos seus interesses de caráter estável, exceto para o exercício das suas funções nas instituições e organismos da União. Assim, os seis meses relativos ao período de trabalho temporário não podem alterar esta definição de residência habitual a seu respeito. Além disso, os elementos que foram estabelecidos para lhe conceder um subsídio de expatriação são os mesmos que estão agora a ser interpretados a seu respeito, operando a Comissão uma «reviravolta» na análise do processo e omitindo o conjunto das circunstâncias que justificaram a sua contratação na qualidade de trabalhador temporário.

108    A Comissão contesta os argumentos do recorrente.

109    Há que recordar que, segundo jurisprudência assente, o direito de invocar o princípio da proteção da confiança legítima pressupõe que tenham sido fornecidas ao interessado garantias precisas, incondicionais e concordantes, provenientes de fontes autorizadas e fiáveis, pelas autoridades competentes da União (v. Acórdão de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.o 132 e jurisprudência referida).

110    Ora, no caso em apreço, resulta dos documentos apresentados ao Tribunal Geral que nenhuma garantia precisa, incondicional e concordante, proveniente de uma instituição, órgão ou organismo da União, quanto à concessão ao recorrente do benefício do subsídio de expatriação, pôde ser estabelecida. A este respeito, basta observar que a decisão impugnada é posterior à decisão do Parlamento referida no n.o 24 supra, que já tinha recusado o benefício do subsídio de expatriação ao recorrente.

111    Com efeito, resulta dos elementos dos autos que o recorrente beneficiou do subsídio de expatriação antes do período de trabalho temporário, mas que lhe foi negado o benefício desse subsídio após esse período. Em especial, resulta dos n.os 24 a 26, 28 e 29 supra, que o subsídio de expatriação lhe foi recusado no âmbito do seu contrato com o Parlamento para o período de 16 de setembro de 2013 a 15 de maio de 2014 e que foi proferida uma decisão, a título de repetição do indevido, para recuperar o subsídio que lhe tinha sido concedido aquando do seu contrato com a EASME para o período de 16 de maio de 2014 a 15 de julho de 2016.

112    Por outro lado, nas circunstâncias do caso em apreço, na falta de continuidade dos diferentes contratos entre o recorrente e as instituições e organismos da União referidos nos n.os 7, 8 e 18 a 20 supra, a determinação dos direitos pecuniários do recorrente, incluindo o benefício do subsídio de expatriação, deve fazer‑se a cada início de funções (v., neste sentido, Acórdão de 5 de dezembro de 2012, Grazyte/Comissão, F‑76/11, EU:F:2012:173, n.os 45 a 47). Por conseguinte, o período de referência bem como os factos pertinentes para apreciar os requisitos previstos pelo artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto são diferentes em cada contrato. Nestas circunstâncias, quando do início de funções na INEA, o recorrente não podia invocar decisões anteriores relativas ao subsídio de expatriação nem, portanto, a violação de direitos adquiridos.

113    Daqui resulta que a decisão impugnada não padece de uma violação das legítimas expectativas do recorrente e dos princípios da proteção da confiança legítima, da segurança jurídica e dos direitos adquiridos. Consequentemente, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

114    Em face do exposto, há que negar provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

115    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrente sido vencido, há que o condenar nas despesas, nos termos dos pedidos formulados pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      Alessandro Quadri di Cardano é condenado nas despesas.

Prek

Schalin

Costeira

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de julho de 2018.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.