Language of document : ECLI:EU:C:2014:2306

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 21 de outubro de 2014 (1)

Processos apensos C‑503/13 e C‑504/13

Boston Scientific Medizintechnik GmbH

contra

AOK Sachsen‑Anhalt — Die Gesundheitskasse (C‑503/13),

Betriebskrankenkasse RWE (C‑504/13)

[pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Bundesgerichtshof (Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 85/374/CEE — Responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos — Defeito do produto — Caraterização — Estimuladores cardíacos e desfibrilhadores automáticos implantados no corpo humano — Dispositivos que pertencem a um lote de produtos que apresentam um risco de avaria sensivelmente superior ao normal ou dos quais um número significativo já teve uma avaria»





1.        Pelos presentes pedidos de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre a interpretação dos artigos 1.°, 6.°, n.° 1 e 9.°, primeira frase, alínea a), da Diretiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos (2).

2.        Em especial, o Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça, Alemanha) pede ao Tribunal de Justiça para precisar os contornos do conceito de «natureza defeituosa do produto» e de «dano reparável» na aceção desta diretiva, no contexto de litígios surgidos na sequência de operações cirúrgicas de explantação de estimuladores e de um desfibrilhador cardíacos.

3.        Nestas conclusões, defenderei, em primeiro lugar, que um dispositivo médico implantado no corpo de um doente deve ser considerado defeituoso, na aceção do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 85/374, quando tem as mesmas caraterísticas que outros dispositivos, em relação aos quais se apurou que apresentam um risco de avaria sensivelmente superior ao normal ou que um número significativo já teve avarias. Com efeito, o facto de um produto determinado encobre a um lote de produtos defeituosos permite considerar que ele próprio apresenta um potencial de avaria que não é compatível com a legítima expectativa de segurança dos doentes.

4.        Em segundo lugar, exporei que os prejuízos relacionados com a operação cirúrgica preventiva de explantação de um dispositivo médico defeituoso e de implantação de um novo dispositivo constituem um dano causado por lesões corporais, na aceção do artigo 9.°, primeira frase, alínea a), da Diretiva 85/374, e que o fabricante do produto defeituoso é responsável por esses prejuízos, quando exista um nexo causal com o defeito, o que cabe ao juiz nacional verificar, tendo em conta todos os factos pertinentes, nomeadamente averiguando se a operação cirúrgica era necessária para prevenir a materialização do risco de avaria decorrente do defeito do produto.

I –    Quadro jurídico

A –    Diretiva 85/374

5.        O artigo 1.° da Diretiva 85/374 enuncia o princípio segundo o qual «[o] produtor é responsável pelo dano causado por um defeito do seu produto», ao passo que o artigo 4.° desta diretiva esclarece que «[c]abe ao lesado a prova do dano, do defeito e do nexo causal entre o defeito e o dano».

6.        O artigo 6.°, n.° 1, da referida diretiva dispõe:

«Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança que se pode legitimamente esperar, tendo em conta todas as circunstâncias, tais como:

a)      A apresentação do produto;

b)      A utilização do produto que se pode razoavelmente esperar;

c)      O momento de entrada em circulação do produto.»

7.        Além disso, o artigo 9.° da Diretiva 85/374 prevê:

«Para efeitos do disposto no artigo 1.°, entende‑se por ‘dano’:

a)      O dano causado pela morte ou por lesões corporais;

b)      O dano causado a uma coisa ou a destruição de uma coisa que não seja o próprio produto defeituoso […]

O presente artigo não prejudica as disposições nacionais relativas aos danos não patrimoniais.»

B –    Direito alemão

8.        A Diretiva 85/374 foi transposta para o direito alemão pela Lei relativa à responsabilidade por produtos defeituosos (Gesetz über die Haftung für fehlerhafte Produkte) de 15 de dezembro de 1989 (3), conforme alterada (4).

9.        Nos termos do § 1 desta lei:

«(1)      Em caso de morte, lesão corporal ou danos à saúde de alguém, bem como de danos a um bem, causados por um produto defeituoso, o produtor está obrigado a indemnizar o lesado pelo dano daí resultante. No caso de danos materiais, este princípio só se aplica quando tenha sido danificado um bem diferente do produto defeituoso e quando este outro bem se destine, em regra, a uso ou a consumo privados, tendo sido essencialmente utilizado pelo lesado para este efeito.

[…]

(4)      O ónus da prova do defeito, do dano e do nexo causal entre o defeito e o dano recai sobre o lesado […].»

10.      O § 3 da referida lei dispõe:

«Um produto apresenta um defeito quando não oferece a segurança que se pode legitimamente esperar, tendo em conta todas as circunstâncias, tais como:

a)      A sua apresentação;

b)      A utilização que se pode razoavelmente esperar;

c)      O momento da sua entrada em circulação […].»

11.      Nos termos do § 8.° da Lei de 15 de dezembro de 1989:

«No caso de lesões corporais ou danos à saúde, deve ser paga uma indemnização que cubra as despesas de tratamento suportadas pelo lesado para recuperar a saúde, e o prejuízo financeiro por ele sofrido devido à perda ou redução, temporária ou permanente, da sua capacidade de trabalho ou ao aumento temporário das suas necessidades na sequência das lesões.»

II – Factos do litígio do processo principal e questões prejudiciais

12.      A B. Corporation, que passou a B.S. Corporation, é uma sociedade de direito americano que fabrica e comercializa estimuladores cardíacos e desfibrilhadores automáticos implantáveis.

13.      A G. GmbH & Co. Medizintechnik KG (5), que posteriormente se fundiu com a Boston Scientific Medizintechnik GmbH (6), importava e comercializava estimuladores cardíacos do tipo Guidant Pulsar 470 e Guidant Meridian 976, bem como desfibrilhadores automáticos implantáveis do tipo G. CONTAK RENEWAL ® 4 AVT ® 6, fabricados pela B.S. Corporation.

A –    Factos do processo C—503/13

14.      Por carta de 22 de julho de 2005, com o título «Informações urgentes de segurança relativas a produtos médicos e medidas corretivas», a G. GmbH informou os médicos que o seu sistema de controlo de qualidade tinha detetado que um componente da selagem hermética utilizado nos estimuladores podia eventualmente apresentar uma avaria progressiva que podia ter como consequência o esgotamento antecipado da pilha com perda de telemetria e/ou perda da capacidade de terapia de estimulação, sem aviso prévio.

15.      Em consequência, a G. GmbH recomendou aos médicos que considerassem, designadamente, trocar os aparelhos, comprometendo‑se a pôr gratuitamente à disposição dos doentes aparelhos de substituição.

16.      Depois desta recomendação, os estimuladores implantados em B., em setembro de 1999 e em W., em abril de 2000, foram substituídos, respetivamente, em 27 de setembro de 2005 e em 25 de novembro de 2005, por outros que o fabricante forneceu gratuitamente.

17.      O AOK Sachsen‑Anhalt — Die Gesundheitskasse, organismo do sistema de seguro de saúde, sub‑rogado nos direitos de B. e de W., pediu à BS. GmbH o reembolso das despesas relativas à implantação inicial dos estimuladores, que ascendiam a 2 655,38 euros no caso de B. e a 5 914,97 euros no caso de W.

18.      Por sentença de 25 de maio de 2011, o Amtsgericht Stendal (Tribunal cantonal de Stendal, Alemanha) julgou aquele pedido procedente. Tendo o Landgericht Stendal (Tribunal regional de Stendal) negado provimento ao recurso interposto daquela decisão, em 10 de maio de 2012, a BS. GmbH interpôs um recurso de «Revision» para o Bundesgerichtshof.

B –    Factos do processo C—504/13

19.      Por carta de junho de 2005, com o título «Informações urgentes de segurança relativamente a produtos médicos e medidas corretivas para CONTAK RENEWAL ®», a G. GmbH informou os médicos que o seu sistema de controlo de qualidade tinha detetado que os desfibrilhadores podiam apresentar um defeito num dos seus componentes que podia limitar a disponibilidade da terapia e que a Food and Drug Administration (Agência para a alimentação e o medicamento) dos Estados Unidos poderia qualificar esta medida informativa de precaução. Resultava do controlo técnico que um interruptor magnético podia ficar bloqueado na posição de fechado e que a ativação da função «utilização do íman» do aparelho tinha como consequência impedir o tratamento das arritmias ventriculares e auriculares. Nestas condições, o G. GmbH recomendou a desativação do interruptor magnético dos desfibrilhadores.

20.      Em 2 de março de 2006, o desfibrilhador de F. foi substituído antecipadamente.

21.      O Betriebskrankenkasse RWE, organismo do seguro de saúde sub‑rogado nos direitos de F., pediu o reembolso das despesas do seu tratamento em regime de internamento e ambulatório, respetivamente de 20 315,01 euros e de 122,50 euros, relativos à operação de substituição do desfibrilhador.

22.      Por sentença de 3 de fevereiro de 2011, o Landgericht Düsseldorf (Tribunal regional de Düsseldorf, Alemanha) julgou aquele pedido procedente. Tendo a BS. GmbH interposto recurso, o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal regional superior de Düsseldorf), por acórdão de 20 de junho de 2012, revogou parcialmente aquela sentença e condenou a BS. GmbH no pagamento da quantia de 5 952,80 euros, acrescida de juros. A BS. GmbH interpôs recurso de «Revision» deste acórdão para o órgão jurisdicional de reenvio pedindo a improcedência total do pedido do Betriebskrankenkasse RWE.

C –    Questões prejudiciais

23.      Nestas condições, o Bundesgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Deve o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 85/374 […] ser interpretado no sentido de que um produto que constitui um dispositivo médico implantado no corpo humano (neste caso, um estimulador cardíaco [e um desfibrilhador automático implantável]) é, desde logo, defeituoso quando os [estimuladores] do mesmo [lote] de produtos apresentam um risco de avaria significativamente superior [ou quando um número significativo de desfibrilhadores da mesma série revelou um mau funcionamento], não tendo, no entanto, sido constatado qualquer defeito no dispositivo implantado no caso concreto?

2.      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

As despesas relativas à operação de explantação do dispositivo e de implantação de um outro estimulador cardíaco [ou de um outro desfibrilhador] [constituem] um dano causado por lesões corporais na aceção do artigo 1.° e do artigo 9.°, primeira frase, alínea a), da Diretiva 85/374 […]?»

III – Análise

A –    Quanto à primeira questão prejudicial

24.      No processo C—503/13, o Bundesgerichtshof constata que os estimuladores cardíacos inicialmente implantados pertenciam a um lote de produtos que apresentavam um risco de avaria 17 a 20 vezes maior que o normal, e no processo C—504/13, que o desfibrilhador automático implantado pertencia a uma gama de produtos que podia estar afetada pelo defeito nos componentes suscetível de afetar a sua eficácia terapêutica. Atendendo a estes factos, aquele órgão jurisdicional tende a considerar que os estimuladores cardíacos implantados nos segurados B. e W. e o desfibrilhador automático implantado no segurado F. devem também ser qualificados de produtos defeituosos, dado que não ofereciam a segurança que se podia legitimamente esperar, atentas todas as circunstâncias. Contudo, o Bundesgerichtshof tem dúvidas quanto à da possibilidade de declarar a existência de um defeito, uma vez que não foi demonstrado que os aparelhos implantados nos segurados B., W. e F. estavam afetados pelo defeito de que a G. GmbH tinha informado os médicos.

25.      Esta é a razão que determinou o órgão jurisdicional de reenvio a colocar a questão de saber se, em substância, um dispositivo médico implantável ativo deve ser considerado defeituoso quando pertence a um modelo de produtos cujo risco de avaria é sensivelmente superior ao normal, ou quando já se verificou um defeito num número significativo de produtos do mesmo modelo.

26.      Na minha opinião, deve‑se responder afirmativamente a esta questão.

27.      O conceito de produto defeituoso, é um conceito fundamental para a aplicação do regime especial de responsabilidade objetiva dos produtores pelo defeito de segurança dos seus produtos, instituído pela Diretiva 85/374, uma vez que constitui o facto gerador de responsabilidade.

28.      Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 85/374, um produto é defeituoso quando não oferece a segurança que se pode legitimamente esperar, tendo em conta todas as circunstâncias, tais como a apresentação do produto, a utilização do produto que se pode razoavelmente esperar e o momento de entrada em circulação do produto. O sexto considerando desta diretiva esclarece que «com vista a proteger a integridade física do consumidor e os seus bens, a qualidade defeituosa de um produto não deve ser determinada com base numa inaptidão do produto para utilização, mas com base numa falta da segurança que o público em geral pode legitimamente esperar» (7).

29.      Em conformidade com a dimensão objetiva das regras instituídas pela Diretiva 85/374 (8) e como testemunha a utilização do pronome indefinido «se» e do advérbio «legitimamente», o conceito de defeito analisa‑se de forma abstrata, não em função de um utilizador particular, mas do público em geral, tendo em conta a segurança normal que o consumidor legitimamente pode esperar. Contudo, a objetividade do conceito de defeito é mitigada pela tomada em conta de circunstâncias mais concretas relativas, «designadamente», à utilização que se pode razoavelmente esperar do produto.

30.      O conceito de segurança que se pode legitimamente esperar, relativamente impreciso (9) e de conteúdo indeterminado, permite uma margem de interpretação que, todavia, se exerce nos limites impostos pelo respeito dos objetivos da Diretiva 85/374. Interpretado à luz do objetivo enunciado no segundo considerando desta diretiva, que é o de resolver de modo adequado o problema de uma justa atribuição dos riscos inerentes à produção técnica moderna, este conceito deve ser entendido no sentido de que visa o produto que apresenta riscos que comprometem a segurança do seu utilizador e que têm uma natureza anormal, desrazoável, que excede os riscos normais inerentes à sua utilização. Por conseguinte, o defeito de segurança não reside no perigo que a utilização do produto pode apresentar, uma vez que o produto pode ser perigoso sem, contudo, apresentar defeitos de segurança, mas nas potencialidades anormais de dano que o produto é suscetível de causar à pessoa ou aos bens do seu utilizador. Por outras palavras, o defeito, na aceção do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 85/374, é um risco de dano que apresenta um grau de gravidade tal que viola a legítima expectativa de segurança do público (10).

31.      Tendo em atenção esta definição, considero que a mera possibilidade de uma avaria dos estimuladores implantados em B. e W. e do desfibrilhador implantado em F. constitui um defeito na aceção daquele artigo, uma vez que essa falta de segurança é aquela que se podia legitimamente esperar, pouco importando que não se tenha demonstrado em concreto que esses produtos apresentavam efetivamente a anomalia intrínseca denunciada pelo fabricante.

32.      Em primeiro lugar, considero que esta solução decorre em grande parte da própria redação do referido artigo, da qual resulta que o conceito de defeito do produto deve ser apreciado unicamente à luz da segurança e pode existir independentemente de qualquer vício interno do produto em questão.

33.      Como o Tribunal de Justiça já declarou, a responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos assenta num fundamento diferente da garantia dos vícios ocultos (11). O seu facto gerador não reside no vício do produto, mas no facto de este não oferecer a segurança que se pode legitimamente esperar. Ora, independentemente da constatação da existência de uma anomalia material, como poderá o público não duvidar legitimamente da segurança de um produto que apresenta exatamente as mesmas caraterísticas que outros que revelaram esconderem um risco de avaria muito superior ao normal ou que já tiveram um número significativo de avarias? Do ponto de vista dos utilizadores, é evidente que a identidade de conceção e de fabrico de um produto com outros leva à sua identificação com estes, no que respeita ao seu risco de avaria.

34.      Em segundo lugar, a solução que preconizo impõe‑se também por exigências de proteção do consumidor.

35.      A este respeito, importa salientar que, embora a Diretiva 85/374, ao estabelecer um regime de responsabilidade civil harmonizado dos produtores pelos danos causados pelos produtos defeituosos, prossiga o objetivo de garantir uma concorrência não falseada entre os operadores económicos e de facilitar a livre circulação de mercadorias, a proteção do consumidor também figura entre os seus objetivos essenciais, conforme decorre nomeadamente da análise dos trabalhos preparatórios que levaram à sua adoção, e do seu preâmbulo, em especial, do primeiro, quarto, quinto, oitavo, nono e décimo segundo considerandos.

36.      Esta constatação não pode ser posta em causa pelo facto de a Diretiva 85/374 ter por base jurídica o artigo 100.° do Tratado CEE, que passou a artigo 94.° CE e atual artigo 115.° TFUE, relativo à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros que tenham incidência direta no estabelecimento ou no funcionamento do mercado interno. Com efeito, mesmo que esta disposição não preveja nenhuma possibilidade de os Estados‑Membros manterem ou adotarem disposições que se afastem das medidas de harmonização comunitárias (12), embora para assegurar um nível de proteção mais elevada aos consumidores, isso não significa que as medidas de harmonização adotadas com base nela não tenham o objetivo de garantir a proteção do consumidor.

37.      Ora, a proteção que a Diretiva 85/374 pretende dar aos consumidores ficaria seriamente comprometida se, no caso de introdução do mercado de um determinado número de produtos de um mesmo modelo e do surgimento de um defeito de segurança apenas em alguns desses produtos, a probabilidade de o defeito existir noutros produtos não pudesse ser tomada em consideração. Na realidade, é mesmo toda a regulamentação da União Europeia, relativa à segurança dos produtos, que seria posta em causa, se fosse preciso esperar, nessa hipótese, que o risco de avaria relacionada com um defeito de segurança demonstrado por alguns produtos se concretizasse nos outros produtos pela ocorrência de um dano.

38.      Subordinar a prova do defeito de segurança à ocorrência do dano equivaleria a ignorar a função preventiva atribuída à regulamentação da União relativa à segurança dos produtos oferecidos no mercado e ao regime especial de responsabilidade que resulta da Diretiva 85/374 (13), que prossegue manifestamente uma função profilática ao imputar a responsabilidade daquele que, tendo mais diretamente criado o risco ao fabricar um produto defeituoso, é o mais capaz de o mitigar e evitar os danos ao menor custo (14).

39.      Em terceiro lugar, a abordagem que proponho é corroborada pela necessária integração das preocupações de saúde na política da União.

40.      Com efeito, importa ter em conta os artigos 168.°, n.° 1, TFUE e 35.°, segundo período, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que exigem que seja assegurado um elevado nível de proteção da saúde humana na definição e execução de todas as políticas e ações da União.

41.      Na medida que as exigências da proteção da saúde humana devem ser integradas em todas as políticas da União, essa proteção deve ser considerada um objetivo que faz também parte da política de harmonização das disposições dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos.

42.      Tendo em consideração este objetivo, a finalidade sanitária dos produtos de saúde destinados ao ser humano confere‑lhes uma especificidade incontestável que deve ser tida em conta na apreciação do conceito de defeito.

43.      Embora as disposições da Diretiva 85/374 possam ser aplicadas a todos os produtos, quaisquer que eles sejam, não é menos certo que um estimulador ou um desfibrilhador cardíaco implantável não são produtos como os outros. Esses aparelhos constituem dispositivos medicinais implantáveis ativos na aceção do artigo 1.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva 90/385/CEE do Conselho, de 20 de junho de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos dispositivos medicinais implantáveis ativos (15). Para obter a marca de conformidade «CE» que autoriza a sua introdução no mercado, esses dispositivos devem satisfazer os requisitos essenciais enumerados no anexo I desta diretiva. O anexo I, parte I, n.° 1, primeiro período, da referida diretiva prevê, em especial, que os dispositivos devem ser concebidos e fabricados de tal modo que a sua utilização não comprometa o estado clínico, nem a segurança dos doentes, quando forem implantados nas condições e para os fins previstos.

44.      A especificidade dos dispositivos em causa no processo principal também é ilustrada pelo lugar que ocupam na classificação que resulta da Diretiva 93/42/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1993, relativa aos dispositivos médicos (16). Em conformidade com as regras que figuram no anexo IX desta diretiva, estes produtos enquadram‑se na classe III (17) que, segundo o décimo quarto considerando da referida diretiva, corresponde aos dispositivos mais críticos, cuja introdução no mercado pressupõe uma autorização prévia com referência explícita à conformidade.

45.      Embora o conceito de expectativa seja especialmente delicado de definir e na sua apreciação intervenha uma dose de subjetividade, pode‑se afirmar que o grau de segurança esperado, que depende, designadamente, da natureza do produto e da sua finalidade, será maior para um dispositivo implantado no corpo humano, no qual é difícil de imaginar que possa ser objeto de uma utilização inadequada por parte do doente, do que para uma garrafa de água ou um produto de limpeza.

46.      Contrariamente ao que a BS. GmbH afirmou na audiência, parece‑me evidente que a legítima expectativa de um doente, a quem foi implantado um estimulador ou um desfibrilhador cardíaco por causa da patologia que o atingiu, não é comparável à de um utilizador de um telefone portátil, cuja bateria se esgota prematuramente.

47.      Os argumentos expostos pela BS. GmbH na audiência, levam‑nos a refletir por alguns instantes sobre a especificidade irredutível dos dispositivos médicos implantados no corpo humano. Para se ter uma ideia um pouco mais precisa das funções terapêuticas dos estimuladores e dos desfibrilhadores cardíacos, referir‑me‑ei às fichas de informação e de consentimento elaboradas pela sociedade francesa de cardiologia (18).

48.      O estimulador cardíaco é ali apresentado como sendo «uma pequena caixa que contém circuitos eletrónicos alimentados por uma pilha, [que é] ligada ao coração por uma, duas ou três sondas, consoante o caso [e que é] capaz de analisar permanentemente o ritmo do coração, nomeadamente, quando está anormal, e de o estimular em caso de necessidade, sem a menor sensação desagradável». A ficha esclarece que a colocação de um estimulador cardíaco constitui «um tratamento corrente, fiável e eficaz de determinadas patologias cardíacas (que se traduzem, a maior parte das vezes, por um abrandamento acentuado do ritmo cardíaco) que não podem ser controladas mediante a toma de medicamentos», acrescentando que «a estimulação cardíaca, por vezes, também é utilizada no tratamento da insuficiência cardíaca». Refere que a substituição da caixa deverá ser feita, ao fim de vários anos, tendo em conta a utilização da pilha.

49.      O desfibrilhador automático implantável é descrito como «uma caixa alimentada por uma pilha […], capaz de analisar permanentemente o ritmo cardíaco, de detetar os ritmos anormais e de os tratar, quer por uma estimulação rápida, não sentida, quer por um choque elétrico interno». Além disso, é indicado que este aparelho tem a função de um estimulador cardíaco e que, implantado por um processo cirúrgico ao nível da parte superior do tórax, é ligado ao coração, por uma, duas ou três sondas introduzidas por via venosa. As indicações terapêuticas a que estes aparelhos respondem são mencionadas nos seguintes termos:

«É proposta a colocação de um desfibrilhador automático implantável (DAI), se se encontrar numa de duas situações seguintes:

–        Sofre de uma doença cardíaca que o expõe a um risco de morte súbita relacionada com a ocorrência inesperada, nos próximos meses ou anos, de perturbações graves do ritmo cardíaco. Essas perturbações graves do ritmo cardíaco devem‑se a acelerações intempestivas da frequência cardíaca e, por vezes, podem ser mortais, se não forem tratadas a tempo.

–        Acaba de apresentar uma perturbação grave do ritmo cardíaco. O risco de recidiva é elevado, apesar dos tratamentos que poderiam ser propostos e pode levar à morte súbita.»

50.      Desta descrição sumária resulta claramente que os estimuladores e os desfibrilhadores cardíacos são implantados em pessoas fragilizadas pela doença e expostas a um risco de morte.

51.      Recordo agora, brevemente, as constatações factuais feitas pelo Bundesgerichtshof no que respeita aos modelos de estimuladores e desfibrilhadores em causa nos processos principais.

52.      Antes de mais, em relação aos estimuladores cardíacos, resulta dos esclarecimentos que figuram da decisão de reenvio do processo C‑503/13 que, na carta que enviou aos médicos, em julho de 2005, a G. GmbH reconheceu a existência de um defeito de conceção que afetava um componente da selagem hermética utilizado nas caixas que podia ter como consequência o esgotamento prematuro da pilha com perda de telemetria e/ou perda da capacidade da terapia de estimulação, sem aviso prévio. Acresce que foi constatado que os estimuladores implantados nos segurados B. e W. faziam parte de um lote de produtos que apresentavam um risco de avaria 17 a 20 vezes superior ao habitual para este tipo de dispositivos.

53.      Seguidamente, no que refere aos desfibrilhadores, o órgão jurisdicional de reenvio destacou, no processo C—504/13, que existia um risco potencial de avaria do comutador magnético que podia ficar bloqueado em posição de fechado, impedindo, assim, o tratamento das arritmias ventriculares e auriculares.

54.      Nos dois casos, o facto de aparelhos do mesmo modelo estarem expostos, na própria opinião do seu fabricante, a uma possibilidade de avaria que impede o tratamento das perturbações do ritmo cardíaco, cria manifestamente um perigo que tem uma natureza anormal para os doentes, em que esses dispositivos foram implantados. Contrariamente ao que a BS. GmbH sustentou na audiência, considero, a este propósito, que importa pouco que os dispositivos não sejam perigosos por natureza, que não corram o risco de explodir no peito do doente ou de provocar uma lesão. O defeito que os afeta torna‑os anormalmente perigosos ao exporem o doente a um risco de falha cardíaca ou de morte.

55.      Tendo em conta todas as considerações que antecedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão prejudicial que um dispositivo médico implantado no corpo de um doente deve ser considerado defeituoso, na aceção do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 85/374, quando tem as mesmas caraterísticas que outros dispositivos, em relação aos quais se apurou apresentarem um risco de avaria sensivelmente superior ao normal ou que um número significativo já teve avarias. Com efeito, o facto de um produto determinado pertencer a um lote de produtos defeituosos permite considerar que ele próprio encobre um potencial de avaria que não é compatível com a legítima expectativa de segurança dos doentes.

B –    Quanto à segunda questão prejudicial

56.      Com a sua segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o custo das operações de explantação e de implantação de outros estimuladores ou desfibrilhadores cardíacos constitui um dano causado por lesão corporal na aceção dos artigos 1.° e 9.°, primeira frase, alínea a) da Diretiva 85/374.

57.      Antes de mais, importa observar que resulta da leitura conjugada do artigo 1.° da Diretiva 85/374 e do seu artigo 9.°, primeira frase, alínea a), a obrigação do produtor, responder pelos defeitos do seu produto, de reparar «[o] dano causado pela morte ou por lesões corporais».

58.      Como referiu a Comissão Europeia nas suas observações escritas, importa constatar que os termos utilizados naquele artigo para designar o dano corporal não estão formulados de forma idêntica em todas as versões linguísticas. Assim, esta disposição prevê, na sua versão em língua alemã, que o termo «dano» designa o dano causado pela morte ou por «ofensas corporais» (Körperverletzung) (19), que pode assim indiciar que a obrigação imposta ao produtor só visa os danos causados na sequência de um acidente caraterizado por uma ação repentina e violenta de uma causa externa, como defende o Governo checo.

59.      No entanto, as versões em língua espanhola, francesa e portuguesa da mesma disposição remetem para o conceito de «lesões corporais», sem qualquer restrição, ao passo que as versões em língua inglesa e italiana, de uma forma ainda mais genérica, fazem referência aos danos causados por lesões pessoais.

60.      Ora, é jurisprudência constante que uma interpretação puramente literal de uma ou de várias versões linguísticas de um texto plurilingue de direito da União, com exclusão das outras, não deve prevalecer, devendo as normas de direito da União ser interpretadas à luz, nomeadamente, das versões redigidas em todas as línguas (20). Além disso, em caso de disparidade entre as versões linguísticas de um texto do direito da União, importa, com o objetivo de assegurar uma interpretação e uma aplicação uniformes, interpretar a disposição em causa em função do contexto e da finalidade da regulamentação a que pertence (21).

61.      A este propósito, em relação ao contexto em que se insere o artigo 9.°, primeira frase, alínea a), da Diretiva 85/374, importa observar que o seu preâmbulo e, designadamente, o primeiro e sexto considerandos, demonstra que o conceito de danos causados pela morte ou por lesões corporais deve ser objeto de uma interpretação ampla que abranja, por oposição aos danos causados em bens, todos os danos causados ao próprio utilizador do produto defeituoso. Com efeito, segundo o primeiro considerando da referida diretiva, esta deve assegurar a proteção do consumidor contra os «danos causados à sua saúde». Do mesmo modo, o sexto considerando da Diretiva 85/374 enuncia o objetivo de proteção da «integridade física» do consumidor.

62.      A inexistência de restrições à assunção da responsabilidade pelos danos corporais é corroborada pelo anexo da Resolução do Conselho, de 14 de abril de 1975, relativa a um programa preliminar da Comunidade Económica Europeia para uma política de proteção e informação dos consumidores (22), que cita, entre os objetivos da política comunitária relativamente aos consumidores, a proteção contra as consequências dos danos corporais causados por produtos defeituosos (23), e pela exposição dos motivos da proposta de diretiva apresentada pela Comissão em 9 de setembro de 1976 (24), que esclarece que os danos corporais compreendem as despesas de tratamento e todas as despesas suportadas pelo lesado para recuperar a saúde, bem como qualquer prejuízo à sua capacidade de trabalho resultante do dano sofrido.

63.      A exclusão dos prejuízos causados por uma operação cirúrgica de explantação de um dispositivo médico defeituoso estaria, além disso, em total contradição com o objetivo geral de proteção da segurança e da saúde dos consumidores prosseguido pela Diretiva 85/374.

64.      De resto, o Tribunal de Justiça já declarou, no acórdão Veedfald (25), que embora o artigo 9.° da Diretiva 85/374 não contenha uma definição explícita do conceito de dano, nem determine o conteúdo preciso dos tipos de dano reparável, deve ser interpretado no sentido de que impõe uma indemnização adequada e integral dos lesados para as categorias de dano que prevê, com exceção do dano não patrimonial, cuja reparação depende exclusivamente das disposições do direito nacional (26).

65.      Que a Diretiva 85/374 cubra os danos causados pela morte ou por lesões corporais não deixa de ser «o mínimo exigível» (27), uma vez que «o principal objetivo da responsabilidade por um produto defeituoso sempre foi, e em todos os países, assegurar a indemnização dos danos corporais» (28).

66.      Daqui resulta que todos os danos materiais que sejam a consequência de uma ofensa à pessoa devem ser integralmente reparados.

67.      Nestas condições, recusar a reparação dos prejuízos que resultam de uma intervenção cirúrgica de explantação de um dispositivo defeituoso e de reimplantação de um novo dispositivo sem defeito, com a justificação de que a lesado decidiu e programou essa intervenção, parece‑me que equivale a acrescentar uma condição relativa à subitaneidade e a exterioridade do dano sofrido, coisa que a Diretiva 85/374 não exige.

68.      Acresce que, levado até ao seu limite, o raciocínio que consiste em apoiar‑se na iniciativa do lesado para lhe recusar a reparação do seu prejuízo conduz a uma solução absurda e iníqua, que impõe a morte do lesado para se poder invocar a reparação de um prejuízo. Esta solução seria, como é óbvio, totalmente contrária ao efeito útil da Diretiva 85/374.

69.      Naturalmente, a obrigação do fabricante estará subordinada, por força do artigo 4.° da Diretiva 85/374, à prova do nexo causal entre o defeito que resulta do risco de avaria dos dispositivos e o dano sofrido pelos doentes, em consequência das operações cirúrgicas preventivas de explantação dos aparelhos defeituosos e de reimplantação de novos.

70.      Como alega acertadamente o Governo francês, para avaliar a existência desse nexo, cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar se as operações a que os segurados foram submetidas constituíam medidas necessárias e proporcionadas, isto é, medidas adequadas para prevenir o risco de avaria em causa e que não podiam ser substituídas por medidas menos gravosas.

71.      No caso em apreço, no processo C—503/13, o órgão jurisdicional de reenvio não deu a conhecer elementos suscetíveis de dar lugar a qualquer hesitação sobre esta questão. Pelo contrário, resulta das suas constatações que a própria G. GmbH tinha recomendado aos médicos que considerassem trocar os aparelhos e proposto fornecer gratuitamente aparelhos de substituição. Um outro elemento pertinente para a apreciação do órgão jurisdicional de reenvio resulta da carta enviada em 22 de julho de 2005 pela G. GmbH que continha, sob o título «indicação importante», o esclarecimento de que embora a consulta do programador do aparelho pudesse «eventualmente» (29) permitir identificar os aparelhos que já apresentavam o defeito, em contrapartida, não tinha sido possível fazer um teste de prognóstico de uma avaria futura dos aparelhos.

72.      Em contrapartida, no processo C—504/13, o órgão jurisdicional de reenvio salientou que o risco para a saúde resultante do comutador defeituoso podia ser evitado «eficazmente» mediante a simples desativação da função magnética, a qual não colocava o doente numa situação de perigo físico. Nestas circunstâncias, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa medida constituía uma alternativa que oferecia um nível de segurança equivalente à substituição do desfibrilhador e se não provocaria um inconveniente para a saúde maior que a substituição.

73.      Por último, é necessário sublinhar que estes processos ocorreram num contexto especial, caraterizado pela multiplicação de escândalos sanitários que implicam produtos de saúde e, em especial, dispositivos médicos implantáveis, como próteses da anca, sondas cardíacas, próteses do joelho ou implantes mamários (30)? Uma vez que estes escândalos revelaram as lacunas e as insuficiências do atual sistema de autorização e de fiscalização, a Comissão e os Estados‑Membros adotaram, com urgência, um plano de ação comum que prevê ações imediatas, com o objetivo de recuperar a confiança dos doentes (31).

74.      Reconhecer a natureza reparável dos danos gerados por medidas destinadas a prevenir um risco de dano muito mais grave pode levar os produtores a melhorar a segurança dos seus produtos e permitir alcançar um melhor equilíbrio entre a exigência de indemnização dos lesados e o objetivo de prevenção dos danos.

75.      À luz do exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à segunda questão que os prejuízos relacionados com a operação cirúrgica preventiva de explantação de um dispositivo médico defeituoso e de implantação de um novo dispositivo constituem um dano causado por lesões corporais, na aceção do artigo 9.°, primeira frase, alínea a), da Diretiva 85/374. O fabricante do produto defeituoso é responsável por esses prejuízos, quando exista um nexo causal com o defeito, o que cabe ao juiz nacional verificar, tendo em conta todos os factos pertinentes, nomeadamente averiguando se a operação cirúrgica era necessária para evitar a materialização do risco de avaria decorrente do defeito do produto.

IV – Conclusão

76.      À luz das considerações que antecedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Bundesgerichtshof da seguinte forma:

«1)      Um dispositivo médico implantado no corpo de um doente deve ser considerado defeituoso, na aceção do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos, quando tem as mesmas caraterísticas que outros dispositivos, em relação aos quais se apurou apresentarem um risco de avaria sensivelmente superior ao normal ou que um número significativo já teve avarias. Com efeito, o facto de um produto determinado pertencer a um lote de produtos defeituosos permite considerar que ele próprio encobre um potencial de avaria que não é compatível com a legítima expectativa de segurança dos doentes.

2)      Os prejuízos relacionados com a operação cirúrgica preventiva de explantação de um dispositivo médico defeituoso e de implantação de um novo dispositivo constituem um dano causado por lesões corporais, na aceção do artigo 9.°, primeira frase, alínea a), da Diretiva 85/374. O fabricante do produto defeituoso é responsável por esses prejuízos, quando existe um nexo causal com o defeito, o que cabe ao juiz nacional verificar, tendo em conta todos os factos pertinentes, nomeadamente averiguando se a operação cirúrgica era necessária para prevenir a materialização do risco de avaria decorrente do defeito do produto.»


1 —      Língua original: francês.


2 —      JO L 210, p. 29; EE 13 F19 p. 8.


3 —      BGBl. 1989 I, p. 2198.


4 —      A seguir «Lei de 15 de dezembro de 1989».


5 —      A seguir «G. GmbH».


6 —      A seguir «BS. GmbH».


7 —      O conceito de «produto defeituoso» na aceção do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 85/374, não se confunde com o de «produto perigoso» na aceção do artigo 2.°, alíneas b) e c) da Diretiva 2001/95/CE do Parlamento e do Conselho, de 3 de dezembro de 2001, relativa à segurança geral dos produtos (JO 2002, L 11, p. 4). Ao contrário do primeiro, o segundo não depende das expectativas do público. V., acerca da complementaridade destas duas diretivas, Artigot i Golobardes M., «A close look to European product regulation: an analysis of the interaction between European product safety regulation and product liability», Polish Yearbook of Law & Economics, vol. n.° 3, Wydawnictwo C.H. Beck, Varsóvia, 2013, p. 193.


8 —      V., neste sentido, acórdão Aventis Pasteur (C‑358/08, EU:C:2009:744, n.° 48 e jurisprudência referida).


9 —      Este conceito inspirou‑se provavelmente no direito americano que fazia das «reasonable consumer expectations» o critério de defeito do produto. V., neste sentido, Borghetti, J‑S., op. cit., n.° 437, p. 434.


10 —      V., neste sentido, Borghetti, J‑S., La responsabilité du fait des produits, étude de droit comparé, Biblioteca de direito privado, Tomo 428, LGDJ, 2004, n.° 451, p. 447.


11 —      V. acórdão González Sánchez (C‑183/00, EU:C:2002:255, n.° 31).


12 —      V., neste sentido, acórdão González Sánchez (EU:C:2002:255, n.° 23).


13 —      Sobre a função preventiva do regime de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos previsto pela Diretiva 85/374, v., nomeadamente, Borghetti, J‑S., op. cit., n.° 645, p. 613.


14 —      Em conformidade com o artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva 85/374, a responsabilidade do fornecedor só pode ser imputada a título subsidiário, quando o produtor não puder ser identificado.


15 —      JO L 189, p 17.


16 —      JO L 169, p. 1.


17 —      V. regra 8 do referido anexo.


18 —      Estas fichas estão disponíveis no sítio da Internet da Sociedade Francesa de Cardiologia, no seguinte endereço: www.sfcardio.fr.


19 —      Todavia, é interessante observar que a Lei de 15 de dezembro de 1989, que transpõe para a ordem jurídica alemã a Diretiva 85/374, não retoma esta formulação, já que prevê a obrigação de o produtor reparar o prejuízo sofrido pela pessoa que foi morta ou ferida ou cuja saúde foi alterada.


20 —      V. acórdão Vnuk (C‑162/13, EU:C:2014:2146, n.° 46 e jurisprudência referida).


21 —      V., neste sentido, acórdão Bark (C‑89/12, EU:C:2013:276, n.° 40 e jurisprudência referida).


22 —      JO C 92, p. 1.


23 —      V. n.° 15, alínea a), ii, daquele anexo.


24 —      Proposta de diretiva do Conselho relativa à aproximação das disposições legislativas regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos (JO C 241, p. 9). Para a exposição dos motivos, v., Boletim das Comunidades Europeias, suplemento 11/76, p. 17, n.° 1.


25 —      C‑203/99, EU:C:2001:258.


26 —      N.° 27.


27 —      Segundo a fórmula utilizada em Borghetti, J‑S., op. cit., n.° 504, p. 485.


28 —      Ibidem.


29 —      A falta de certeza está longe de ser tranquilizadora.


30 —      Escândalo denominado «PIP» que surgiu na sequência da descoberta de que um fabricante francês de implantes mamários tinha utilizado, durante vários anos, silicone industrial em vez de silicone de qualidade medicinal. Segundo as estimativas disponíveis, mais de 400 000 mulheres de todo o mundo receberam um implante PIP, das quais muitas na Europa e em particular no Reino Unido (40 000), em França (30 000) e em Espanha (18 500).


31 —      V. Commission staff working document, de 13 de junho de 2014, Implementation of the Joint Plan for Immediate Actions under the existing Medical Devices legislation [SWD(2014)195final].