Language of document : ECLI:EU:T:2019:672

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

24 de setembro de 2019 (*)

«Direito institucional — Iniciativa de cidadania europeia — Proteção das minorias nacionais e linguísticas — Reforço da diversidade cultural e linguística — Registo parcial — Princípio da atribuição — Inexistência de manifesta falta de competências legislativas da Comissão — Dever de fundamentação — Artigo 5.o, n.o 2, TUE — Artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento (UE) n.o 211/2011 — Artigo 296.o TFUE»

No processo T‑391/17,

Roménia, representada inicialmente por R. Radu, C.‑M. Florescu, E. Gane e L. Liţu e, em seguida, por C.‑M. Florescu, E. Gane, L. Liţu e C.‑R. Canţăr, na qualidade de agentes,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por H. Krämer, L. Radu Bouyon e H. Stancu, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Hungria, representada por M. Fehér, G. Koós e G. Tornyai, na qualidade de agentes,

interveniente,

que tem por objeto um pedido, baseado no artigo 263.o TFUE, de anulação da Decisão (UE) 2017/652 da Comissão, de 29 de março de 2017, sobre a proposta de iniciativa de cidadania europeia intitulada «Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe» (JO 2017, L 92, p. 100),

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: M. Prek, presidente, E. Buttigieg (relator) e M. J. Costeira, juízes,

secretário: I. Dragan, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 9 de abril de 2019,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 15 de julho de 2013, o Bürgerausschuss für die Bürgerinitiative Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe (Comité de Cidadãos para a Iniciativa de Cidadania «Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe»; a seguir «Comité» ou «Organizadores») apresentou à Comissão Europeia a proposta de iniciativa de cidadania europeia (a seguir «ICE») intitulada «Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe» (a seguir «Proposta de ICE»).

2        Pela Decisão C(2013) 5969 final, de 13 de setembro de 2013, a Comissão indeferiu o pedido de registo da Proposta de ICE, com o fundamento de que esta estava manifestamente fora da competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato jurídico da União Europeia para efeitos de aplicação dos Tratados.

3        No âmbito de recurso interposto pelo Comité, o Tribunal Geral, pelo Acórdão de 3 de fevereiro de 2017, Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe/Comissão (T‑646/13, EU:T:2017:59), anulou a Decisão C(2013) 5969 final, com o fundamento de que a Comissão não tinha cumprido o dever de fundamentação.

4        Em 29 de março de 2017, a Comissão adotou a Decisão (UE) 2017/652, sobre a proposta de iniciativa de cidadania europeia intitulada «Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe» (JO 2017, L 92, p. 100; a seguir «decisão impugnada»), cujo artigo 1.o dispõe o seguinte:

«1.      É registada a proposta de iniciativa de cidadania intitulada “Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe”.

2.      Podem ser recolhidas declarações de apoio a esta proposta de iniciativa de cidadania, com base no pressuposto de que a iniciativa pretende que a Comissão apresente propostas tendo em vista:

–        uma recomendação do Conselho “relativa à proteção e à promoção da diversidade cultural e linguística na União”;

–        uma decisão ou um regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho destinado a adaptar “os programas de financiamento, para facilitar o acesso aos mesmos por parte das pequenas línguas regionais e minoritárias”;

–        uma decisão ou um regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho destinado a criar um centro para a diversidade linguística que reforçará a consciência da importância das línguas regionais e minoritárias, promoverá a diversidade a todos os níveis e será essencialmente financiada pela União;

–        um regulamento destinado a adaptar as disposições gerais aplicáveis às missões, aos objetivos prioritários e à organização dos fundos com finalidade estrutural, de forma a que neles sejam incluídas, enquanto objetivos temáticos, a proteção das minorias e a promoção da diversidade cultural e linguística, desde que as ações a financiar conduzam ao reforço da coesão económica, social e territorial da União;

–        um regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho destinado a alterar o regulamento relativo ao programa “Horizonte 2020”, com a finalidade de melhorar a pesquisa sobre o valor acrescentado que as minorias nacionais e a diversidade cultural e linguística podem ter para o desenvolvimento social e económico nas regiões da [União];

–        a alteração da legislação da União para garantir uma quase igualdade de tratamento entre os apátridas e os cidadãos da União;

–        um regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho para introduzir um direito de autor uniforme que permita considerar toda a União um mercado interno em matéria de direitos de autor;

–        uma alteração da Diretiva 2010/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho[, de 10 de março de 2010, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes à oferta de serviços de comunicação social audiovisual (JO 2010, L 95, p. 1),] para garantir a livre prestação de serviços e a receção de conteúdos audiovisuais nas regiões em que residem minorias nacionais;

–        um regulamento ou uma decisão do Conselho com vista a uma isenção, por categorias, para projetos que promovam as minorias nacionais e respetiva cultura, com fundamento no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.»

5        Nos termos do considerando 2 da decisão impugnada, o objeto da Proposta de ICE era convidar «a [União] a melhorar a proteção das pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas e a reforçar a diversidade cultural e linguística na União».

6        Nos termos do considerando 3 da decisão impugnada, os objetivos prosseguidos pela Proposta de ICE consistiam em:

«[C]onvidar a [União] “a aprovar uma série de atos legislativos para melhorar a proteção das pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas e reforçar a diversidade cultural e linguística [no seu território]”, devendo “incluir medidas relativas às línguas regionais e minoritárias, à educação e à cultura, à política regional, à participação, à igualdade, ao conteúdo dos meios de comunicação social e ao apoio estatal concedido pelas autoridades regionais”.»

7        O considerando 4 da decisão impugnada estabelece que a Proposta de ICE menciona especificamente, no seu anexo, onze atos jurídicos da União relativamente aos quais a proposta de iniciativa de cidadania visa, no essencial, propostas da Comissão, a saber:

a)      Uma recomendação do Conselho da União Europeia «relativa à proteção e à promoção da diversidade cultural e linguística na União», com fundamento no artigo 167.o, n.o 5, segundo travessão, e no artigo 165.o, n.o 4, segundo travessão, TFUE;

b)      Uma decisão ou um regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, em aplicação do artigo 167.o, n.o 5, primeiro travessão, e do artigo 165.o, n.o 4, primeiro travessão, TFUE, destinado a adaptar «os programas de financiamento, para facilitar o acesso aos mesmos por parte das pequenas línguas regionais e minoritárias»;

c)      Uma decisão ou um regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, em aplicação do artigo 167.o, n.o 5, primeiro travessão, e do artigo 165.o, n.o 4, primeiro travessão, TFUE, destinado a criar um centro para a diversidade linguística que reforçará a consciência da importância das línguas regionais e minoritárias, promoverá a diversidade a todos os níveis e será essencialmente financiado pela União;

d)      Um regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, com base nos artigos 177.o e 178.o TFUE, cujo objetivo é adaptar as disposições comuns relativas aos fundos regionais da União para que neles sejam incluídas, enquanto objetivos temáticos, a proteção das minorias e a promoção da diversidade cultural e linguística;

e)      Um regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, com fundamento no artigo 173.o, n.o 3, e no artigo 182.o, n.o 1, TFUE, destinado a alterar o regulamento relativo ao Programa «Horizonte 2020», com a finalidade de melhorar a pesquisa sobre o valor acrescentado que as minorias nacionais e a diversidade cultural e linguística podem ter para o desenvolvimento social e económico nas regiões da União;

f)      Uma diretiva, um regulamento ou uma decisão do Conselho, com base no artigo 20.o, n.o 2, e no artigo 25.o TFUE, destinado a reforçar, na União, o lugar dos cidadãos pertencentes a uma minoria nacional, com o objetivo de zelar por que essas preocupações legítimas sejam tidas em conta na eleição dos deputados ao Parlamento;

g)      Medidas eficazes para combater a discriminação e promover a igualdade de tratamento, incluindo das minorias nacionais, em particular através da revisão das atuais diretivas do Conselho em matéria de igualdade de tratamento, com base no artigo 19.o, n.o 1, TFUE;

h)      Alteração da legislação da União, a fim de garantir a igualdade de tratamento para os apátridas e os cidadãos da União, com base no artigo 79.o, n.o 2, TFUE;

i)      Um regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, com base no artigo 118.o TFUE, para introduzir um direito de autor uniforme que permita considerar toda a União um mercado interno em matéria de direitos de autor;

j)      Uma alteração da Diretiva 2010/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de março de 2010, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes à oferta de serviços de comunicação social audiovisual (JO 2010, L 95, p. 1), para garantir a livre prestação de serviços e a receção de conteúdos audiovisuais nas regiões em que residem minorias nacionais, com fundamento no artigo 53.o, n.o 1, e no artigo 63.o TFUE;

k)      Uma proposta de regulamento do Conselho ou da Comissão ou de uma proposta de decisão do Conselho, com vista a uma isenção, por categorias, para projetos que promovam as minorias nacionais e respetiva cultura, com fundamento nos artigos 109.o, 108.o, n.o 4, e 107.o, n.o 3, alínea e), TFUE.

8        O considerando 5 da decisão impugnada estabelece que podem ser adotados atos jurídicos da União para efeitos de aplicação dos Tratados:

–        no âmbito da melhoria do conhecimento e divulgação da cultura e da história dos povos europeus, conservação e salvaguarda do património cultural de importância europeia, intercâmbios culturais não comerciais e criação artística e literária, incluindo o setor audiovisual;

–        no âmbito do desenvolvimento da dimensão europeia na educação, nomeadamente através da aprendizagem e divulgação das línguas dos Estados‑Membros;

–        na definição de missões, objetivos prioritários e organização dos fundos estruturais, desde que as ações a financiar conduzam ao reforço da coesão económica, social e territorial da União;

–        sobre medidas específicas destinadas a apoiar as ações empreendidas nos Estados‑Membros para acelerar a adaptação da indústria às alterações estruturais, incentivar um ambiente favorável à iniciativa e ao desenvolvimento de empresas em toda a União, nomeadamente as pequenas e médias empresas, incentivar um ambiente favorável à cooperação entre empresas, bem como a fomentar uma melhor exploração do potencial industrial das políticas de inovação, de investigação e de desenvolvimento tecnológico;

–        no domínio da investigação e do desenvolvimento tecnológico, sob a forma de um programa‑quadro plurianual que estabeleça os objetivos científicos e tecnológicos a realizar através de ações da União e fixe as prioridades relevantes, indicando as grandes linhas dessas ações e fixando o montante global máximo e as modalidades da participação financeira da União no programa‑quadro, bem como as quotas‑partes respetivas de cada uma das ações previstas;

–        no âmbito dos direitos dos nacionais de países terceiros que residam legalmente num Estado‑Membro, incluindo as condições que regem a liberdade de circulação e de permanência nos outros Estados‑Membros;

–        com vista à criação de direitos de propriedade intelectual europeus a fim de assegurar uma proteção uniforme dos direitos de propriedade intelectual na União, e à instituição de regimes de autorização, de coordenação e de controlo centralizados ao nível da União;

–        com vista à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes ao acesso às atividades não assalariadas e ao seu exercício;

–        com o objetivo de determinar as categorias de auxílios concedidos pelos Estados isentos do procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

9        No considerando 6 da decisão impugnada, a Comissão deduz das considerações anteriores que a Proposta de ICE, na medida em que visa propostas da Comissão de atos jurídicos da União para efeitos de aplicação dos Tratados, tal como referidos nas alíneas a) a e) e h) a k) do considerando 4 da decisão impugnada, não está manifestamente fora do âmbito da sua competência para apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento (UE) n.o 211/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, sobre a iniciativa de cidadania (JO 2011, L 65, p. 1).

10      Em contrapartida, no que respeita às outras duas propostas a que a Proposta de ICE faz referência, a saber, as referidas no considerando 4, alíneas f) e g), da decisão impugnada, a Comissão conclui, nos considerandos 7 a 9 da mesma decisão, que a Proposta de ICE está manifestamente fora do âmbito da sua competência para apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011.

 Tramitação processual e pedidos das partes

11      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de junho de 2017, a Roménia interpôs o presente recurso.

12      Por requerimento separado, entrado na Secretaria do Tribunal Geral no mesmo dia, a Roménia apresentou um pedido de medidas provisórias ao abrigo dos artigos 278.o e 279.o TFUE, para que o Tribunal Geral ordenasse a suspensão da execução da decisão impugnada. Esse pedido foi indeferido por Despacho de 13 de novembro de 2017, Roménia/Comissão (T‑391/17 R, não publicado, EU:T:2017:805).

13      Por Decisão de 27 de setembro de 2017 do presidente da Segunda Secção, a República Eslovaca foi admitida a intervir em apoio dos pedidos da Roménia. Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de outubro de 2017, a República Eslovaca informou o Tribunal Geral de que desistia da sua intervenção, pelo que, por Despacho de 16 de novembro de 2017, Roménia/Comissão (T‑391/17, não publicado, EU:T:2017:823), a sua intervenção foi cancelada no presente processo.

14      Por Decisão de 15 de novembro de 2017 do presidente da Segunda Secção, a Hungria foi admitida a intervir em apoio dos pedidos da Comissão. O articulado de intervenção da Hungria foi apresentado após o termo do prazo fixado pelo presidente, pelo que não foi vertido nos autos.

15      Por Despacho de 16 de novembro de 2017, Roménia/Comissão (T‑391/17, não publicado, EU:T:2017:831), confirmado, em sede de recurso, por Despacho de 5 de setembro de 2018, Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe/Roménia e Comissão [C‑717/17 P(I), não publicado, EU:C:2018:691], o pedido de intervenção do Comité foi indeferido.

16      A Roménia conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

17      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso improcedente;

–        condenar a Roménia nas despesas.

 Questão de direito

 Observações preliminares

18      Na audiência de alegações, em resposta às perguntas feitas pelo Tribunal Geral, a Comissão pôs em causa a admissibilidade do recurso, invocando, por um lado, a intempestividade do recurso e, por outro, a irrecorribilidade da decisão impugnada.

19      Cabe recordar que, em função das circunstâncias concretas, o juiz da União pode apreciar se uma boa administração da justiça justifica julgar o recurso improcedente, sem se pronunciar previamente sobre os fundamentos de inadmissibilidade suscitados pelo recorrente (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer, C‑23/00 P, EU:C:2002:118, n.o 51 e 52; de 23 de março de 2004, França/Comissão, C‑233/02, EU:C:2004:173, n.o 26; e de 15 de junho de 2005, Regione autonoma della Sardegna/Comissão, T‑171/02, EU:T:2005:219, n.o 155).

20      Nas circunstâncias do caso vertente, o Tribunal Geral considera que, por razões de economia processual, há que examinar de imediato os fundamentos invocados pela Roménia, sem se pronunciar previamente sobre a admissibilidade do recurso, sendo que este é, em qualquer caso e pelos fundamentos a seguir expostos, improcedente.

 Quanto ao mérito

21      Em apoio do seu recurso, a Roménia invoca dois fundamentos, relativos, o primeiro, à violação do artigo 5.o, n.o 2, TUE e do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011 e, o segundo, à violação do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 5.o, n.o 2, TUE e do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011

22      Em primeiro lugar, a Roménia sustenta que a análise das informações e das medidas detalhadas enunciadas no anexo da Proposta de ICE revela que, pese embora os objetivos declarados, esta se prende, na realidade, exclusivamente, com a melhoria da proteção dos direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas, não tendo uma ligação direta com a diversidade cultural na aceção do artigo 3.o TUE e do artigo 167.o TFUE, cujo reforço é, quando muito, uma consequência inerente à melhoria da proteção dos direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas.

23      Ora, por um lado, quanto ao reforço da diversidade cultural nos termos do artigo 167.o, n.os 1 e 4, TFUE, a União goza de competências de apoio, de coordenação e de complemento, e não de uma competência exclusiva ou partilhada com os Estados‑Membros para promover uma política cuja única finalidade seja a diversidade cultural. De acordo com o artigo 167.o, n.o 4, TFUE, os atos legislativos da União não podem visar exclusivamente a diversidade cultural, mas a União deve tê‑la em conta e promovê‑la no âmbito das suas políticas. Por outro lado, no que diz respeito à proteção dos direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas, a União não tem competência legislativa expressa e este domínio continua a ser da competência exclusiva dos Estados‑Membros, como resulta, nomeadamente, dos artigos 2.o, 3.o, 7.o e 8.o TUE, do artigo 4.o, n.o 2, TFUE e da Decisão C(2013) 5969 final, referida no n.o 2, supra.

24      Em segundo lugar, a Roménia sustenta que os domínios de ação concretos visados na Proposta de ICE e apresentados no anexo desta devem ser analisados objetivamente à luz do seu contexto, que é definido pelo objeto e pelos objetivos da Proposta de ICE. Não basta que os atos propostos se inscrevam num domínio que integre a esfera de competência da União. Dado que, em conformidade com o princípio da atribuição enunciado no artigo 5.o, n.o 2, TUE, as competências da União só podem ser exercidas para alcançar os objetivos fixados nos Tratados, é igualmente necessário que, pelo seu conteúdo e objetivos, os atos em causa sejam adequados a contribuir para a realização dos objetivos fixados para a ação da União no domínio da competência relevante. Ora, não resulta de nenhuma disposição dos Tratados que os objetivos das políticas nos domínios em que é pedida a adoção de atos da União tenham por objeto qualquer ação em matéria de proteção das minorias nacionais. Consequentemente, na medida em que, pelo seu objeto e pelos seus objetivos, a Proposta de ICE exorbite manifestamente a esfera de competência da União, nenhuma medida suscetível de ser proposta para alcançar os objetivos visados pode ser considerada abrangida por essa esfera de competência.

25      Em terceiro lugar, a Roménia sustenta que nenhuma das medidas elencadas entre as informações adicionais é alheia ao objeto da ICE ou aos objetivos por ela prosseguidos, conforme declarados nas informações exigidas, pelo que o exame individual não pode conduzir a uma conclusão diferente sobre as competências da União. A este respeito, o registo parcial da Proposta de ICE não é operante neste caso, uma vez que a Comissão não pode dar seguimento a uma ICE a fim de realizar objetivos diferentes dos indicados pelos Organizadores, sem comprometer a autonomia destes nem alterar indevidamente o objeto declarado da ICE.

26      Em quarto e último lugar, a Roménia sustenta que, tratando‑se mais especificamente dos domínios concretos visados na Proposta de ICE, no que respeita, primeiro, às medidas propostas relativas às línguas, à educação e à cultura, os Organizadores baseiam incorretamente as propostas relativas às «línguas» que figuram no ponto 2 da Proposta de ICE no artigo 167.o, n.o 5, segundo travessão, e no artigo 165.o, n.o 4, segundo travessão, TFUE, uma vez que estes artigos não contêm nenhuma disposição relativa às «línguas» ou à «política linguística». Além disso, nenhum dos objetivos prosseguidos pelos artigos 165.o a 167.o TFUE, a saber, designadamente, o desenvolvimento de uma educação de qualidade, a contribuição para o desenvolvimento das culturas dos Estados‑Membros, respeitando a sua diversidade nacional e regional, ou a melhoria do conhecimento e da divulgação da cultura e da história dos povos europeus, se refere às pessoas pertencentes a minorias nacionais ou linguísticas. Assim, os Tratados também não propiciam uma base jurídica para as medidas específicas no domínio da «educação» ou da «cultura», destinadas a apoiar as pessoas pertencentes a estas minorias, e o artigo 3.o TUE não altera esta situação. A competência para adotar medidas no domínio da identidade linguística das pessoas pertencentes às minorias nacionais cabe aos Estados‑Membros, sendo que o artigo 10.o da Convenção‑Quadro do Conselho da Europa para a Proteção das Minorias Nacionais, adotada em 10 de novembro de 1994, na qual alguns Estados‑Membros da União são partes, é aplicável neste contexto.

27      Segundo, no que respeita ao domínio da política regional, mais especificamente às propostas baseadas, por um lado, nos artigos 177.o e 178.o TFUE, destinadas a adaptar as disposições relativas aos fundos regionais da União, e, por outro, no artigo 173.o, n.o 3, e no artigo 182.o, n.o 1, TFUE, com vista a alterar o Regulamento (UE) n.o 1291/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, que cria o Horizonte 2020 — Programa‑Quadro de Investigação e Inovação (2014‑2020) e que revoga a Decisão n.o 1982/2006/CE (JO 2013, L 347, p. 104), a Roménia alega que, em conformidade com o artigo 174.o TFUE, é o critério do desenvolvimento das diversas regiões que importa no quadro da política de coesão e não o das características nacionais, étnicas, culturais, religiosas ou linguísticas das regiões, tanto mais que, regra geral, não existe uma ligação clara e válida entre a componente étnica de certas regiões e seu nível de desenvolvimento. Os atos adotados com base no artigo 177.o TFUE não podem fixar objetivos adicionais em relação aos enunciados no artigo 174.o TFUE. O mesmo se diga do Programa «Horizonte 2020», uma vez que os objetivos das medidas específicas elencadas no artigo 173.o TFUE («Indústria») e no artigo 179.o TFUE («Investigação e desenvolvimento tecnológico e espaço») não têm nenhuma relação com a proteção dos direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais. A Roménia acrescenta que, no âmbito da competência da União, não existe fundamento para a adoção de um ato que, como no caso em apreço, seria contrário aos valores consagrados no artigo 2.o TUE, ao introduzir uma discriminação indireta de natureza étnica e que suscitaria o problema de ultrapassar os limites, estabelecidos em conformidade com o direito internacional, do papel do Estado de origem na proteção de uma sua minoria nacional presente no território de outro Estado.

28      Terceiro, no que respeita às medidas propostas para as pessoas apátridas, tendo em vista garantir a igualdade de tratamento entre os apátridas e os cidadãos da União, a Roménia sustenta que o recurso ao critério da pertença a uma minoria nacional para conceder um estatuto derrogatório a uma categoria específica, como as pessoas apátridas, não corresponde aos objetivos enunciados no artigo 79.o, n.o 1, TFUE. Na medida em que a Proposta de ICE apenas propõe a concessão de um tratamento mais favorável às pessoas sem nacionalidade, não corresponde ao objeto da referida proposta e poderia, quando muito, ser objeto de uma ICE separada. Para efeitos do título V do Tratado FUE, que inclui o artigo 79.o TFUE, os apátridas são equiparados aos nacionais de países terceiros, como resulta do artigo 67.o, n.o 2, TFUE. Deste ponto de vista, os Tratados também não conferem uma base jurídica para a adoção de atos destinados a assegurar uma quase igualdade entre as pessoas sem nacionalidade e os cidadãos da União.

29      Quarto, no que respeita à proposta de criação de um sistema único de direitos de autor na União, com base no artigo 118.o TFUE, a Roménia observa que a finalidade da proposta parece ser facilitar a utilização, pelas pessoas pertencentes a minorias, de bens e serviços na sua própria língua, que, frequentemente, é a de um país vizinho, pelo que a referida proposta se afasta da finalidade das medidas visadas no artigo 118.o TFUE e suscita igualmente o problema, já evocado, do papel do Estado de origem na proteção das pessoas pertencentes a minorias nacionais. De acordo com as recomendações feitas a nível internacional sobre estas questões, o tratamento preferencial por parte do Estado de origem deve ser concedido com base numa abordagem bilateral, com o consentimento do Estado competente, e limitar‑se aos «domínios da educação e da cultura, na medida em que prossiga o objetivo legítimo de incentivar os laços culturais e [o tratamento preferencial] seja proporciona[do] a esse objetivo». Por último, as dificuldades associadas à patente europeia no que respeita ao regime linguístico indiciam as dificuldades associadas à criação de um sistema unificado de direitos de propriedade intelectual em toda a Europa.

30      Quinto, no que respeita à proposta de alteração da Diretiva 2010/13, a Roménia alega que a concessão de um tratamento derrogatório às «regiões onde vivem as minorias nacionais» seria contrária aos valores consagrados no artigo 2.o TUE, representaria uma discriminação direta à luz da livre circulação de serviços, proibida pelo artigo 56.o TFUE, e suscitaria igualmente o problema, mencionado no n.o 29, supra, do papel do Estado de origem na proteção das pessoas pertencentes a minorias nacionais.

31      Sexto, e por último, no que respeita à proposta baseada no artigo 109.o e no artigo 108.o, n.o 4, ou no artigo 107.o, n.o 3, alínea d), TFUE, que se referem ao domínio dos auxílios de Estado, a Roménia alega que a medida de isenção considerada é contrária aos objetivos das medidas que podem ser tomadas nos termos do direito internacional em prol das pessoas pertencentes a minorias nacionais, limitadas aos domínios da educação, da cultura, das línguas e da religião. A concessão de auxílios de Estado «transfronteiriços» pelo Estado de origem a pessoas coletivas com fins lucrativos, com o objetivo de promover os direitos das pessoas pertencentes às minorias nacionais do Estado vizinho, seria incompatível com os princípios de direito internacional relativos ao papel do Estado de origem na proteção das pessoas pertencentes às minorias nacionais presentes no território de outros Estados, criaria entraves à concorrência e conduziria a uma discriminação baseada em critérios étnicos entre os cidadãos da União, pelo que seria contrária aos valores da União.

32      A Comissão, apoiada pela Hungria, contesta os argumentos da Roménia.

33      A título preliminar, cabe recordar que o artigo 11.o, n.o 4, TUE, introduzido pelo Tratado de Lisboa, reconhece aos cidadãos da União, sob certas condições, o direito de tomar a iniciativa de convidar a Comissão a, no âmbito das suas atribuições, apresentar uma proposta adequada em matérias sobre as quais esses cidadãos considerem necessário um ato jurídico da União para aplicar os Tratados (Acórdão de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 23).

34      O direito de tomar uma ICE constitui, à semelhança, nomeadamente, do direito de petição perante o Parlamento, um instrumento relativo ao direito dos cidadãos de participar na vida democrática da União, previsto no artigo 10.o, n.o 3, TUE, na medida em que lhes permite dirigirem‑se diretamente à Comissão para lhe apresentar um pedido convidando‑a a submeter uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados (Acórdão de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 24). Como referido no considerando 1 do Regulamento n.o 211/2011, este direito deve reforçar a cidadania europeia e melhorar o funcionamento democrático da União (Acórdãos de 3 de fevereiro de 2017, Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe/Comissão, T‑646/13, EU:T:2017:59, n.o 18, e de 10 de maio de 2017, Efler/Comissão, T‑754/14, EU:T:2017:323, n.o 24).

35      Em conformidade com o artigo 24.o, primeiro parágrafo, TFUE, as normas processuais e as condições para a apresentação de uma ICE foram precisadas no Regulamento n.o 211/2011. O artigo 4.o deste regulamento fixa as condições de registo, pela Comissão, de propostas de ICE (Acórdão de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 25).

36      Assim, no que respeita ao procedimento de registo de uma Proposta de ICE, incumbe à Comissão, por força do artigo 4.o do Regulamento n.o 211/2011, verificar se essa proposta preenche as condições enunciadas, nomeadamente, no n.o 2, alínea b), deste artigo, que prevê que a Proposta de ICE é registada pela Comissão, desde que «não [esteja] manifestamente fora da competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados» (Acórdão de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.os 26 e 45).

37      Como decorre da jurisprudência, devem ser tomadas em consideração, em conformidade com o artigo 4.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 211/2011, as informações relativas ao objeto e aos objetivos da Proposta de ICE prestadas pelos Organizadores da ICE, a título obrigatório ou facultativo, em conformidade com o anexo II do Regulamento n.o 211/2011 (Acórdãos de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 45, e de 7 de março de 2019, Izsák e Dabis/Comissão, C‑420/16 P, EU:C:2019:177, n.o 51).

38      Com efeito, as «informações constantes do anexo II» do Regulamento n.o 211/2011, para as quais remete o artigo 4.o do mesmo regulamento, não se limitam às informações mínimas que, por força do mesmo anexo, devem ser prestadas para efeitos do registo. O direito, reconhecido no anexo II do Regulamento n.o 211/2011, de os Organizadores da Proposta de ICE prestarem informações adicionais, ou mesmo um projeto de ato jurídico da União, tem por corolário a obrigação de a Comissão examinar essas informações como qualquer outra informação prestada em aplicação do referido anexo, em conformidade com o princípio da boa administração, recordado no considerando 10 do Regulamento n.o 211/2011 e ao qual está ligada a obrigação de a instituição competente examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes do caso concreto. Assim, para apreciar se uma Proposta de ICE preenche as condições de registo enunciadas no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011, a Comissão deve examinar as informações adicionais (Acórdão de 3 de fevereiro de 2017, Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe/Comissão, T‑646/13, EU:T:2017:59, n.os 30 a 32; v., igualmente, neste sentido, Acórdãos de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.os 47, 48 e 50, e de 7 de março de 2019, Izsák e Dabis/Comissão, C‑420/16 P, EU:C:2019:177, n.os 52 a 54).

39      Além disso, em conformidade com os objetivos prosseguidos pela ICE, como enunciados nos considerandos 1 e 2 do Regulamento n.o 211/2011, que consistem, nomeadamente, em incentivar a participação dos cidadãos e em tornar a União mais acessível, a condição de registo prevista no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), deste regulamento deve ser interpretada e aplicada pela Comissão, quando lhe seja apresentada uma Proposta de ICE, de forma a assegurar um acesso fácil à ICE (Acórdãos de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 49, e de 7 de março de 2019, Izsák e Dabis/Comissão, C‑420/16 P, EU:C:2019:177, n.os 53 e 64).

40      Consequentemente, só quando uma Proposta de ICE, tendo em conta o seu objeto e os seus objetivos, conforme resultam das informações obrigatórias e, eventualmente, adicionais que foram prestadas pelos Organizadores em aplicação do anexo II do Regulamento n.o 211/2011, estiver manifestamente fora da competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados é que aquela pode recusar o registo dessa Proposta de ICE ao abrigo do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do referido regulamento (Acórdãos de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 50, e de 7 de março de 2019, Izsák e Dabis/Comissão, C‑420/16 P, EU:C:2019:177, n.o 54).

41      A este respeito, resulta da redação do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011 que a Comissão deve efetuar um primeiro exame dos elementos de que dispõe, a fim de apreciar se a Proposta de ICE não está manifestamente abrangida pela sua competência, cabendo precisar que está previsto um exame mais completo em caso de registo da proposta. Com efeito, o artigo 10.o, n.o 1, alínea c), deste regulamento prevê que, quando a Comissão recebe a ICE, deve apresentar, no prazo de três meses, por meio de uma comunicação, as suas conclusões jurídicas e políticas sobre a ICE, as medidas que tenciona tomar, se for caso disso, e os motivos que a levam a tomar ou não tomar essas medidas (Acórdão de 19 de abril de 2016, Costantini/Comissão, T‑44/14, EU:T:2016:223, n.o 17). Assim, a decisão de registar uma Proposta de ICE, que implica uma primeira apreciação desta no plano jurídico, não condiciona a apreciação eventualmente feita pela Comissão no âmbito da comunicação adotada com fundamento no artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011 e que fixa a posição definitiva desta instituição de apresentar ou não uma proposta de ato jurídico em resposta à ICE (v., neste sentido, Acórdão de 23 de abril de 2018, One of Us e o./Comissão, T‑561/14, pendente de recurso, EU:T:2018:210, n.os 79 e 117).

42      Como já foi declarado, quando é apresentado à Comissão um pedido de registo de uma Proposta de ICE, não lhe cabe, nessa fase, verificar se é feita prova de todos os elementos de facto invocados nem se a fundamentação subjacente à proposta e às medidas propostas é suficiente. A Comissão deve limitar‑se a verificar, para efeitos da apreciação do respeito da condição de registo prevista no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011, se, de um ponto de vista objetivo, tais medidas, consideradas em abstrato, podem ser adotadas com base nos Tratados, sob pena de não se observar o objetivo que consiste em assegurar um acesso fácil à ICE (Acórdão de 7 de março de 2019, Izsák e Dabis/Comissão, C‑420/16 P, EU:C:2019:177, n.os 62 e 64).

43      No presente caso, para determinar se a Comissão aplicou corretamente a condição que figura no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011, cabe, pois, verificar se, tendo em conta a Proposta de ICE e no âmbito de um primeiro exame dos elementos de que a Comissão dispunha, esta podia, contrariamente ao que sustenta a Roménia, concluir validamente, na fase do registo, que a referida proposta, na medida em que dizia respeito a propostas de atos jurídicos como as previstas no artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, consideradas em abstrato, não estava manifestamente fora da sua competência para apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados.

44      A este respeito, importa recordar que, segundo o artigo 5.o TUE, a delimitação das competências da União rege‑se pelo princípio da atribuição e que, de acordo com o artigo 13.o, n.o 2, TUE, cada instituição atua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.os 97 e 98, e de 19 de abril de 2016, Costantini/Comissão, T‑44/14, EU:T:2016:223, n.o 16). Com efeito, o objetivo de participação democrática dos cidadãos da União subjacente ao mecanismo da ICE não pode frustrar o princípio das competências de atribuição e autorizar a União a legislar num domínio para o qual não lhe foi atribuída nenhuma competência (Acórdão de 19 de abril de 2016, Costantini/Comissão, T‑44/14, EU:T:2016:223, n.o 53).

45      Segundo jurisprudência igualmente constante, a escolha da base jurídica de um ato da União deve fundar‑se em elementos objetivos suscetíveis de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram, designadamente, a finalidade e o conteúdo do ato (v. Acórdão de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 67 e jurisprudência referida).

46      Quanto ao objeto e aos objetivos prosseguidos pelas propostas de atos a apresentar pela Comissão, conforme elencadas no artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, a Proposta de ICE enuncia, como salientado nos considerandos 2 e 3 da decisão impugnada, que a referida proposta visa a adoção de uma série de atos legislativos para melhorar a proteção das pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas e reforçar a diversidade cultural e linguística na União. Estes atos devem incluir medidas relativas às línguas regionais e minoritárias, à educação e à cultura, à política regional, à igualdade, ao conteúdo dos meios de comunicação social e ao apoio concedido pelas autoridades regionais. No seu anexo, a Proposta de ICE faz expressamente referência a diversos atos jurídicos para os quais convida a Comissão a apresentar propostas.

47      Contrariamente às alegações da Roménia, a Proposta de ICE não visa exclusivamente assegurar o respeito pelos direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas, mas pretende também reforçar a diversidade cultural e linguística na União, como resulta tanto do objeto e dos objetivos enunciados na referida proposta como da tomada em consideração das diversas propostas de atos jurídicos elencadas e explicitadas no anexo da Proposta de ICE cuja apresentação ao Parlamento e ao Conselho é pedida pelos Organizadores.

48      Neste contexto, importa sublinhar que, como foi referido no n.o 37, supra, a Comissão deve, para efeitos do registo de uma Proposta de ICE, tomar em consideração o objeto e os objetivos da referida proposta como resultam não só das informações obrigatórias mas também das informações adicionais prestadas pelos Organizadores em aplicação do anexo II do Regulamento n.o 211/2011 (Acórdãos de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 45, e de 7 de março de 2019, Izsák e Dabis/Comissão, C‑420/16 P, EU:C:2019:177, n.os 51 e 54).

49      Em aplicação desta jurisprudência, a Comissão, na sequência do Acórdão de 3 de fevereiro de 2017, Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe/Comissão (T‑646/13, EU:T:2017:59), pelo qual a Decisão C(2013) 5969 mencionada no n.o 2, supra, foi anulada, fez uma nova análise da Proposta de ICE com base em todas as informações prestadas pelos Organizadores, em particular tendo em conta as propostas de atos jurídicos enunciadas no anexo da Proposta de ICE, para concluir que, na medida em que esta última tinha por objeto a apresentação, pela Comissão, de nove das onze propostas de atos jurídicos da União, mencionadas no considerando 4, alíneas a) a e) e h) a k), da decisão impugnada, a Proposta de ICE não estava manifestamente fora da sua competência para apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011.

50      Ora, como foi salientado no n.o 47, supra, e como observou a Comissão com razão, os atos jurídicos elencados no anexo da Proposta de ICE, que, segundo esta instituição, entram no âmbito da sua competência para apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados nos domínios em causa, são manifestamente suscetíveis de contribuir, por um lado, para a realização do objetivo geral que consiste em assegurar o respeito pelos direitos das pessoas pertencentes às minorias mas, por outro, também diretamente, para a realização do objetivo geral que consiste em respeitar e promover a diversidade cultural e linguística na União.

51      A este respeito, importa notar, por um lado, que, em conformidade com o artigo 2.o TUE, o respeito pelos direitos das minorias é um dos valores em que a União se funda e, por outro, que o artigo 3.o, n.o 3, quarto parágrafo, TUE enuncia que a União respeita a riqueza da sua diversidade cultural e linguística.

52      No que se refere mais especificamente ao reforço da diversidade cultural, o artigo 167.o, n.o 4, TFUE dispõe que, na sua ação ao abrigo de outras disposições dos Tratados, a União tem em conta os aspetos culturais, a fim de, nomeadamente, respeitar e promover a diversidade das suas culturas.

53      Contrariamente ao que a Roménia sustenta, tal não significa, porém, que, com a decisão impugnada, a Comissão tenha reconhecido à União uma competência legislativa geral no domínio da proteção dos direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais, mas apenas que o respeito pelos direitos das minorias e o reforço da diversidade cultural e linguística, enquanto valores e objetivos da União, devem ser tidos em conta a título das ações da União nos domínios referidos na Proposta de ICE. Como a própria Roménia afirmou neste contexto, por um lado, o artigo 3.o, n.o 3, quarto parágrafo, TUE contém necessariamente orientações gerais para a ação da União noutros domínios e, por outro, o respeito pelas minorias referido no artigo 2.o TUE faz parte integrante dos valores da União que a Comissão é obrigada a respeitar no âmbito das suas atribuições.

54      A este respeito, há que salientar especialmente que a Roménia não põe em causa a competência da União para adotar atos jurídicos nos domínios de ação concretos referidos nos atos jurídicos elencados no considerando 4, alíneas a) a e) e h) a k), da decisão impugnada (v. n.o 7, supra) e enunciados no considerando 5 da mesma (v. n.o 8, supra), a fim de realizar os objetivos prosseguidos pelas disposições em causa. No entanto, a Roménia considera que a competência da União nestes domínios não permite à Comissão convidar o Parlamento e o Conselho a adotar atos jurídicos para realizar os objetivos anunciados na Proposta de ICE, elementos fundamentais que delimitam o alcance desta proposta, na medida em que esses atos não são aptos a contribuir para a realização dos objetivos fixados para a ação da União no domínio de competência relevante. Ao fazê‑lo, a Comissão desviaria as atribuições da União em domínios como a cultura, a educação, a política regional e os auxílios de Estado da finalidade para a qual as mesmas lhe foram reconhecidas nos Tratados.

55      Esta tese não pode ser acolhida.

56      Com efeito, embora seja verdade que, nos domínios de competência da União, para realizar os objetivos especificamente prosseguidos pelas disposições relevantes do Tratado FUE, a Comissão está habilitada a apresentar propostas de ato jurídico que tenham em conta os valores e os objetivos que são objeto da Proposta de ICE, também nada deve impedir essa instituição, por princípio, de apresentar propostas de atos específicos que, como no presente caso, se destinam a completar a ação da União nos seus domínios de competência, a fim de assegurar o respeito pelos valores enunciados no artigo 2.o TUE e pela riqueza da sua diversidade cultural e linguística prevista no artigo 3.o, n.o 3, quarto parágrafo, TUE.

57      Na medida em que, neste contexto, a Roménia afirma que o exercício das competências da União está limitado pelo artigo 4.o, n.o 2, TUE, segundo o qual a União respeita a identidade nacional dos Estados‑Membros, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles, basta salientar que não conseguiu provar esta afirmação e, nomeadamente, demonstrar que a referida disposição se opunha necessariamente à adoção de medidas como as previstas no artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, consideradas em abstrato, na parte em que se destinam a assegurar, nos domínios de competência da União, o respeito, por esta, pelos valores em que se funda, como o respeito pelos direitos das pessoas pertencentes a minorias, e a prosseguir os objetivos enunciados no artigo 3.o TUE, entre os quais figura o respeito pela riqueza da diversidade cultural e linguística da União.

58      Quanto ao argumento da Roménia de que, ao registar parcialmente a Proposta de ICE, a Comissão poderá comprometer a autonomia dos Organizadores e alterar indevidamente o objeto declarado da Proposta de ICE, basta notar que, no ponto 8 da referida proposta, intitulado «Cláusula de salvaguarda», os Organizadores expressaram a vontade de que cada uma das onze propostas fosse verificada separadamente e de que, caso alguma delas fosse considerada inadmissível, isso não afetasse as outras. Consequentemente, o registo parcial da Proposta de ICE, longe de afetar a autonomia dos Organizadores e de constituir uma alteração ao objeto declarado da referida proposta, corresponde à vontade formalmente expressa pelos próprios Organizadores na Proposta de ICE caso a Comissão concluísse que alguma das medidas em causa não estava manifestamente abrangida pelas suas atribuições.

59      Por último, deve também ser rejeitada a argumentação da Roménia segundo a qual as diversas propostas de atos jurídicos em causa não são minimamente aptas a contribuir para a realização dos objetivos fixados para a ação da União no domínio de competência relevante.

60      No que diz respeito, primeiro, às medidas relativas à «língua», à «educação» e à «cultura», referidas no ponto 2 da Proposta de ICE, para cuja adoção os Organizadores propõem como base jurídica o artigo 167.o, n.o 5, primeiro travessão, e o artigo 165.o, n.o 4, primeiro travessão, TFUE, a Comissão assinala com pertinência que o conceito de «cultura», que forma o título XIII do Tratado FUE, no qual figura o artigo 167.o TFUE, remete, no n.o 4 do referido artigo, para o respeito pela diversidade cultural e linguística, que, no artigo 3.o TUE, é elevado a objetivo da União, e que o conceito de «[e]ducação», que faz parte da epígrafe do título XII do Tratado FUE, no qual figura o artigo 165.o TFUE, engloba elementos ligados à promoção da diversidade linguística da União, que, de resto, é um objetivo específico, mencionado no artigo 5.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento (UE) n.o 1288/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, que cria o Programa «Erasmus+» o programa da União para o ensino, a formação, a juventude e o desporto e que revoga as Decisões n.o 1719/2006/CE, n.o 1720/2006/CE e n.o 1298/2008/CE (JO 2013, L 347, p. 50), adotado com base no artigo 165.o, n.o 4, TFUE, à semelhança dos atos relativos à «língua», como mencionados na Proposta de ICE.

61      Por outro lado, em aplicação do artigo 167.o, n.o 5, segundo travessão, TFUE, o Conselho pode, sob proposta da Comissão, adotar recomendações para contribuir para a realização dos objetivos previstos no referido artigo, pelo que não se pode entender que a proposta de ato que visa uma «recomendação do Conselho “relativa à proteção e à promoção da diversidade cultural e linguística na União”», considerada em abstrato, está manifestamente fora da competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato jurídico para efeitos de aplicação desta disposição.

62      Por último, como salientado no n.o 56, supra, a circunstância de os artigos 165.o a 167.o TFUE não mencionarem entre os seus objetivos específicos o respeito pelas pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas não impede a União de adotar, no âmbito das competências que exerce com base nessas disposições, medidas que tenham em consideração esse objetivo.

63      No que diz respeito, segundo, às medidas relativas à «política regional», referidas nos n.os 3.1 e 3.2 da Proposta de ICE, e mais precisamente às propostas baseadas nos artigos 177.o e 178.o TFUE, relativas aos fundos regionais, bem como às baseadas no artigo 173.o, n.o 3, e no artigo 182.o, n.o 1, TFUE, relativas à alteração ao Regulamento n.o 1291/2013, relativo ao Programa «Horizonte 2020», estas medidas também não se destinam a alargar o âmbito das competências da União, mas sim a que se faça uso das competências existentes para financiar programas. Assim, quanto aos fundos regionais, a decisão impugnada tem em vista, no artigo 1.o, n.o 2, quarto travessão, «um regulamento destinado a adaptar as disposições gerais aplicáveis às missões, aos objetivos prioritários e à organização dos fundos com finalidade estrutural, de forma a que neles sejam incluídas, enquanto objetivos temáticos, a proteção das minorias e a promoção da diversidade cultural e linguística, desde que as ações a financiar conduzam ao reforço da coesão económica, social e territorial da União». No que se refere ao Programa «Horizonte 2020», como indicou a Comissão com pertinência, uma eventual alteração ao Regulamento n.o 1291/2013 tem por objetivo melhorar a investigação no plano do valor acrescentado que as minorias nacionais e a diversidade cultural e linguística podem trazer para o desenvolvimento social e económico das regiões da União.

64      A isto acresce que, como salientado nomeadamente no n.o 56, supra, contrariamente ao que a Roménia sustenta, a circunstância de os artigos 173.o, 177.o, 178.o e 182.o TFUE não mencionarem entre os seus objetivos específicos o respeito pelas pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas não impede a União de adotar, no âmbito das competências que exerce com base nessas disposições, medidas que tenham em consideração esse objetivo.

65      Quanto à alegação da Roménia relativa à pretensa ultrapassagem dos limites, fixados em conformidade com o direito internacional, da intervenção do Estado associada à proteção da sua minoria nacional no território de outro Estado, a Comissão salienta também com razão que a apreciação da compatibilidade dos atos jurídicos propostos na ICE com essas normas não tem incidência no exame da condição de registo prevista no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011.

66      No que diz respeito, terceiro, às medidas propostas para os «apátridas», a fim de garantir a igualdade de tratamento entre estes e os cidadãos da União, referidas no ponto 5.2 da Proposta de ICE e para cuja adoção os Organizadores propõem o artigo 79.o, n.o 2, TFUE, a Comissão salientou com razão que foram adotados a nível da União vários atos jurídicos aplicáveis, nomeadamente, às pessoas apátridas, como a Diretiva 2011/51/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2011, que altera a Diretiva 2003/109/CE do Conselho de modo a alargar o seu âmbito de aplicação aos beneficiários de proteção internacional (JO 2011, L 132, p. 1), incluindo no que respeita à igualdade de tratamento entre apátridas e cidadãos da União. Ao convidar a Comissão a apresentar alterações aos regulamentos «relativos aos apátridas, a fim de aproximar os direitos dos apátridas de longa duração e das suas famílias dos direitos dos cidadãos da U[nião]», pôde entender‑se que a Proposta de ICE, considerada em abstrato, não exorbitava manifestamente o âmbito de competência da Comissão para apresentar propostas de atos jurídicos da União para efeitos de aplicação dos Tratados.

67      No que diz respeito, quarto, à proposta relativa à introdução, com base no artigo 118.o TFUE, de um «direito de autor único» que permitiria considerar a União, na sua globalidade, um mercado interno em matéria de direitos de autor, a que se refere o ponto 6.1 da Proposta de ICE, há que notar que aquela disposição prevê que a União é competente para estabelecer as medidas relativas à criação de títulos europeus para assegurar uma proteção uniforme dos direitos de propriedade intelectual na União.

68      Como salientado no n.o 56, supra, a circunstância de o artigo 118.o TFUE não mencionar entre os seus objetivos específicos o respeito pelas pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas não impede a União de, no âmbito das competências que exerce com base nessa disposição, adotar medidas que tenham em conta esse objetivo.

69      Quanto à alegação da Roménia relativa à ultrapassagem dos limites, fixados em conformidade com o direito internacional, da intervenção do Estado associada à proteção da sua minoria nacional no território de outro Estado, há que reiterar que a questão da compatibilidade dos atos jurídicos propostos na ICE com tais normas não tem incidência no exame da condição de registo prevista no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011.

70      No que diz respeito, quinto, à proposta de alteração da Diretiva 2010/13, relativa aos «serviços de comunicação social audiovisual», com base no artigo 53.o, n.o 1, e no artigo 62.o TFUE, a que se refere o ponto 6.2 da Proposta de ICE e que visa assegurar a livre prestação de serviços e a receção de conteúdos audiovisuais nas regiões onde residam minorias nacionais, há também que salientar que nada se opõe a que a Comissão proponha uma alteração à referida diretiva que tenha em consideração preocupações associadas ao respeito pelas pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas, ao passo que os argumentos da Roménia baseados, por um lado, na pretensa violação do artigo 56.o TFUE e do artigo 2.o TUE e, por outro, na ultrapassagem dos limites, fixados em conformidade com o direito internacional, da intervenção do Estado associada à proteção da sua minoria nacional no território de outro Estado são inoperantes na fase da apreciação da condição de registo enunciada no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011. Na medida em que esta alegação se refere mais especificamente a uma violação do artigo 2.o TUE, poderá, quando muito, ser examinada ao abrigo da condição enunciada no artigo 4.o, n.o 2, alínea d), do Regulamento n.o 211/2011, que proíbe o registo, por parte da Comissão, das propostas de ICE que são manifestamente contrárias aos valores da União consagrados no artigo 2.o TUE, disposição que, contudo, não é visada no presente fundamento.

71      No que diz respeito, sexto, à proposta relativa a uma «isenção, por categorias, para projetos que promovam as minorias nacionais e respetiva cultura», baseada no artigo 107.o, n.o 3, alínea e), TFUE e referida no ponto 7 da Proposta de ICE, a Comissão recordou com razão que, em conformidade com o artigo 107.o, n.o 3, alínea d), TFUE, os auxílios destinados a promover a cultura e a conservação do património podiam ser considerados compatíveis com o mercado interno, na sequência de uma análise realizada pela Comissão, quando não alterassem as condições das trocas comerciais e da concorrência na União num sentido contrário ao interesse comum. Na medida em que a Roménia sustenta que a referida proposta é suscetível de conduzir a uma discriminação baseada em critérios étnicos, cria entraves à concorrência e é contrária aos limites do papel do Estado de origem na proteção da sua minoria nacional presente no território de outro Estado‑Membro, há que remeter para as anteriores considerações segundo as quais estes argumentos não afetam a apreciação da condição de registo prevista no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011 e a Roménia não invocou a violação do artigo 4.o, n.o 2, alínea d), deste regulamento no âmbito do presente fundamento.

72      Atendendo às considerações expostas, há que concluir que a Roménia alega sem razão que a Comissão cometeu um erro de apreciação e violou o artigo 5.o, n.o 2, TFUE e o artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011 ao concluir, na fase do registo da Proposta de ICE, e sem prejuízo, se necessário, de um exame mais completo no âmbito da aplicação do artigo 10.o do Regulamento n.o 211/2011, que, de um ponto de vista objetivo, as propostas de atos jurídicos como as previstas no artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada e consideradas em abstrato não estavam «manifestamente fora» do âmbito de competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados.

73      Consequentemente, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE

74      A Roménia alega que o dever de fundamentação previsto no artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE não é regulado de forma exaustiva pelo artigo 4.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 211/2011. Este dever constitui uma formalidade essencial para efeitos do respeito pelos seus direitos de defesa enquanto recorrente privilegiado e contribui para a realização do objetivo, mais geral, de garantir que o juiz da União possa exercer a sua fiscalização da legalidade. A fundamentação deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição autora do ato. Por outro lado, em conformidade com a jurisprudência, a instituição da União deve desenvolver explicitamente o seu raciocínio quando a decisão se afasta significativamente das decisões anteriores, como neste caso, operando‑se uma mudança fundamental em relação à Decisão C(2013) 5969 final referida no n.o 2, supra. Além disso, o dever de fundamentação é tanto mais importante, no caso do registo da Proposta de ICE, quanto a condição enunciada no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011 se destina a garantir o respeito pelo princípio fundamental da atribuição de competências. Por último, dado que a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação quanto à questão de saber se a Proposta de ICE está ou não manifestamente fora da sua competência para apresentar uma proposta de ato jurídico, o cumprimento do dever de fundamentação reveste uma importância fundamental para permitir verificar a inexistência de erro de apreciação e a reunião dos elementos de facto e de direito de que depende o exercício do seu poder de apreciação.

75      Ora, segundo a Roménia, a decisão impugnada menciona o objeto e os objetivos da Proposta de ICE nos considerandos 2 e 3, sem expor as razões pelas quais a Comissão é competente para propor os atos que se inscrevem nesse objeto e que prosseguem os objetivos de proteção aí enunciados. A Comissão limita‑se a enumerar, no considerando 4 da decisão impugnada, as nove propostas de atos registadas. Mesmo que a Comissão afirme, nos considerandos da decisão impugnada, que as propostas de atos legislativos apresentadas no âmbito das políticas da competência da União e apresentadas genericamente no considerando 5 da decisão impugnada são admissíveis, autoriza, no dispositivo, a recolha de assinaturas para propostas de atos legislativos que, apesar de serem de domínios da competência geral da Comissão, promovem as minorias nacionais ou linguísticas e a diversidade cultural e linguística. Por outro lado, a decisão impugnada não contém nenhuma referência aos valores e aos objetivos da União enunciados nos artigos 2.o e 3.o TUE.

76      Além disso, embora, nos considerandos 2 e 3 da decisão impugnada, a Comissão exponha os objetivos e a área de referência da ICE, a saber, a proteção das pessoas pertencentes a minorias nacionais e a diversidade cultural e linguística, essa instituição não esclarece a razão por que não é competente nestas áreas e, em especial, na área da proteção das pessoas pertencentes a minorias nacionais, como faz, por exemplo, ao fundamentar a rejeição das outras duas propostas por serem inadmissíveis. Tal fundamentação, manifestamente insuficiente, é suscetível de impedir, por um lado, os interessados de conhecerem as razões do registo da Proposta de ICE e reagirem em conformidade e, por outro, o Tribunal Geral de exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão impugnada.

77      Acresce que a decisão impugnada está formulada de maneira geral e estereotipada e não indica os fundamentos em que a Comissão se baseia para concluir que é possível o registo parcial de uma Proposta de ICE, quando adotou uma posição diametralmente oposta na Decisão C(2013) 5969 final.

78      A Comissão, apoiada pela Hungria, contesta os argumentos da Roménia.

79      Importa recordar que o dever de fundamentação dos atos jurídicos previsto no artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE se aplica a todos os atos suscetíveis de recurso de anulação (Acórdão de 1 de outubro de 2009, Comissão/Conselho, C‑370/07, EU:C:2009:590, n.o 42). Consequentemente, apesar de o artigo 4.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 211/2011 fazer referência à obrigação da Comissão de informar os Organizadores dos fundamentos da sua decisão unicamente quando esta se recuse a registar a Proposta de ICE, a decisão impugnada está sujeita ao dever de fundamentação, ainda que contenha a decisão da Comissão de registar a Proposta de ICE, na medida em que diz respeito a nove das onze propostas de atos jurídicos enunciadas no seu anexo.

80      Segundo jurisprudência constante relativa ao artigo 296.o TFUE, a fundamentação dos atos jurídicos deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição autora do ato, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e à jurisdição competente exercer a sua fiscalização (v. Acórdão de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 28 e jurisprudência referida).

81      Como também decorre de jurisprudência constante, a exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada tendo em conta não só o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa (v. Acórdão de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 29 e jurisprudência referida).

82      Além disso, é necessário distinguir o dever de fundamentação enquanto formalidade essencial da fiscalização do mérito dos fundamentos, a qual tem que ver com a fiscalização da legalidade material do ato e pressupõe que o juiz verifique se os fundamentos em que o ato assenta estão ou não viciados por erros (v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.os 66 a 68).

83      Segundo a Roménia, em conformidade com a jurisprudência (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14, e de 13 de dezembro de 2007, Angelidis/Parlamento, T‑113/05, EU:T:2007:386, n.o 61), o respeito pelo dever de fundamentação reveste uma importância ainda mais fundamental nos casos em que as instituições da União dispõem de um amplo poder de apreciação, o que sucede no presente caso. Com efeito, só assim é que o juiz da União pode verificar se os elementos de facto e de direito de que depende o exercício do poder de apreciação estão reunidos.

84      No entanto, contrariamente à tese definida pela Roménia, a Comissão não dispõe de um amplo poder de apreciação para efeitos do registo de uma Proposta de ICE, uma vez que o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 211/2011 enuncia que a referida instituição «regista» essa proposta se as condições estabelecidas no artigo 4.o, n.o 2, alíneas a) a d), deste regulamento estiverem preenchidas, nomeadamente quando a Proposta de ICE não está manifestamente fora da competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados. Inversamente, se, após uma primeira análise, for manifesto que esta última condição não está preenchida, a Comissão «recusa» o registo da Proposta de ICE, conforme enunciado no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 211/2011.

85      A Comissão dispõe tanto menos desse poder de apreciação quanto foi considerado que, em conformidade com os objetivos prosseguidos pela ICE, conforme enunciados nos considerandos 1 e 2 do Regulamento n.o 211/2011 e que consistem, nomeadamente, em incentivar a participação dos cidadãos e tornar a União mais acessível, a condição de registo prevista no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), deste regulamento deve ser interpretada e aplicada pela Comissão, quando lhe seja apresentada uma Proposta de ICE, de forma a assegurar um acesso fácil à ICE (Acórdãos de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 49, e de 7 de março de 2019, Izsák e Dabis/Comissão, C‑420/16 P, EU:C:2019:177, n.os 53 e 64).

86      No caso em apreço, note‑se que os considerandos da decisão impugnada expõem os elementos que conduziram à sua adoção e que a Roménia pôde examinar os fundamentos subjacentes à decisão impugnada, como também demonstra o conjunto de argumentos que apresentou em apoio do presente recurso.

87      Assim, no considerando 6 da decisão impugnada, a Comissão referiu claramente que a Proposta de ICE, na medida em que visava a apresentação de propostas suas de atos jurídicos da União para efeitos de aplicação dos Tratados, tal como referidas no considerando 4, alíneas a) a e) e h) a k), da mesma decisão, não estava manifestamente fora da sua competência para apresentar uma proposta de ato jurídico. A referida conclusão baseia‑se na exposição, que figura no considerando 5 da decisão impugnada e reproduzida no n.o 8, supra, das áreas em que podem ser adotados atos jurídicos da União para efeitos de aplicação dos Tratados.

88      A circunstância de, na fase do registo da Proposta de ICE, que implica uma primeira apreciação da mesma no plano jurídico e não prejudica a apreciação da Comissão efetuada no âmbito da comunicação que adote, se for caso disso, com base no artigo 10.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 211/2011 (Acórdão de 23 de abril de 2018, One of Us e o./Comissão, T‑561/14, pendente de recurso, EU:T:2018:210, n.o 117), essa instituição se limitar a expor, como fez no considerando 5 da decisão impugnada, de forma genérica, as áreas em que os atos jurídicos da União podem ser adotados e que correspondem às áreas em que os Organizadores da ICE solicitam a apresentação de atos jurídicos, para concluir daí que a Proposta de ICE não está manifestamente fora da competência da Comissão, sem referir a circunstância de que as medidas a que a Proposta de ICE se refere visam melhorar a proteção das pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas e reforçar a diversidade cultural e linguística na União, não pode ser considerada contrária ao dever de fundamentação.

89      Na medida em que a Roménia sustenta, neste contexto, que a Comissão violou o seu dever de fundamentação, dado que operou uma mudança na sua posição em relação à expressa na Decisão C(2013) 5969 mencionada no n.o 2, supra, sem explicitar as razões dessa mudança, há que salientar, por um lado, que resulta claramente da fundamentação da decisão impugnada que, contrariamente à sua posição na Decisão C(2013) 5969, a Comissão, para efeitos do registo parcial da Proposta de ICE, teve em conta, em aplicação da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral, informações adicionais prestadas pelos Organizadores da mesma forma que as informações obrigatórias a fim de verificar se a condição do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011 estava preenchida. Acresce que a Comissão já tinha dado a entender, na Decisão C(2013) 5969, que algumas das propostas de atos jurídicos que figuravam no anexo da Proposta de ICE, consideradas individualmente, podiam entrar no âmbito da sua competência para apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados.

90      Por outro lado, quanto à decisão da Comissão de aceitar o registo parcial da Proposta de ICE, cuja falta de fundamentação na decisão impugnada a Roménia também critica, a Comissão alegou, no Tribunal Geral, que a sua posição tinha evoluído desde a adoção da Decisão C(2013) 5969 mencionada no n.o 2, supra, e que, atualmente, considerava que tal registo era suscetível de incentivar a participação dos cidadãos na vida democrática e tornar a União mais acessível.

91      A este respeito, note‑se, por um lado, que o considerando 10 da decisão impugnada enuncia que a ICE tem por efeito melhorar o funcionamento democrático da União, permitindo que todos os cidadãos participem na vida democrática da União, e, por outro, que, segundo o considerando 11 da referida decisão, para o efeito, os procedimentos e condições de apresentação das ICE devem ser claros, simples, fáceis de aplicar e adequados à natureza das ICE, por forma a estimular a participação dos cidadãos e a tornar a União mais acessível, antes de a Comissão concluir, no considerando 12 da decisão impugnada, que a Proposta de ICE devia ser parcialmente registada.

92      Consequentemente, mesmo que a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE não implique, em princípio, que o autor de uma decisão exponha as razões que o levaram a basear‑se numa determinada interpretação da regra jurídica pertinente e baste que a referida instituição exponha os factos e as considerações jurídicas que revestem essencial importância na economia da decisão, há que considerar que a decisão impugnada enuncia, em todo o caso, de modo juridicamente bastante, os fundamentos subjacentes ao registo parcial da Proposta de ICE.

93      A isto acresce que, na medida em que a Roménia também critica a Comissão por não ter feito referência, na decisão impugnada, aos artigos 2.o e 3.o TUE, dado que, segundo este Estado‑Membro, estas disposições não atribuem, por si só, uma competência legislativa da União, basta observar que esta conclusão resulta do contexto geral da decisão impugnada e, em particular, da Decisão C(2013) 5969 mencionada no n.o 2, supra, na sequência da qual a decisão impugnada foi adotada, que, aliás, recorda, no seu considerando 8, no que respeita às medidas cujo registo foi recusado e que não são objeto do presente recurso, que o artigo 3.o, n.o 3, TUE, por si só, não constitui uma base jurídica de atuação por parte das instituições.

94      Consequentemente, há que julgar improcedente o segundo fundamento e, por conseguinte, negar provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

95      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo sido vencida, a Roménia suportará as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pela Comissão, em conformidade com o pedido desta, incluindo as despesas relativas ao processo de medidas provisórias.

96      Em aplicação do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Assim sendo, a Hungria suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Roménia suportará as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pela Comissão Europeia, incluindo as despesas relativas ao processo de medidas provisórias.

3)      A Hungria suportará as suas próprias despesas.

Prek

Buttigieg

Costeira

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 24 de setembro de 2019.

Assinaturas


*      Língua do processo: romeno.