Language of document : ECLI:EU:C:2004:759

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

30 de Novembro de 2004 (*)

«Marcas – Directiva 89/104/CEE – Artigo 7.°, n.° 1 – Esgotamento do direito conferido pela marca – Colocação dos produtos no mercado no EEE pelo titular da marca – Conceito – Produtos postos à venda aos consumidores e depois retirados – Venda a um operador estabelecido no EEE com obrigação de colocação dos produtos no mercado fora do EEE – Revenda dos produtos a outro operador estabelecido no EEE – Comercialização no EEE»

No processo C‑16/03,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Hovrätten över Skåne och Blekinge (Suécia), por decisão de 19 de Dezembro de 2002, entrado no Tribunal de Justiça em 15 de Janeiro de 2003, no processo

Peak Holding AB

contra

Axolin‑Elinor AB, antiga Handelskompaniet Factory Outlet i Löddeköpinge AB,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas e R. Silva de Lapuerta, presidentes de secção, C. Gulmann (relator), J.‑P. Puissochet, R. Schintgen e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogada‑geral: C. Stix‑Hackl,

secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

vistos os autos e após a audiência de 24 de Março de 2004,

vistas as observações apresentadas:

–      em representação da Peak Holding AB, por G. Gozzo, advokat,

–      em representação da Axolin‑Elinor AB, por K. Azelius, advokat, e M. Palm, jur. kand.,

–      em representação do Governo sueco, por K. Wistrand e A. Kruse, na qualidade de agentes,

–      em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por N. B. Rasmussen e K. Simonsson, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral apresentadas na audiência de 27 de Maio de 2004,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 7.°, n.° 1, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), conforme alterada pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «directiva»).

2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Peak Holding AB (a seguir «Peak Holding») à Axolin‑Elinor AB (a seguir «Axolin‑Elinor»), antiga Handelskompaniet Factory Outlet i Löddeköpinge AB (a seguir «Factory Outlet») quando surgiu o referido litígio, a propósito das modalidades de comercialização pela Factory Outlet de um lote de peças de vestuário que ostentavam a marca Peak Performance, de que a Peak Holding é titular.

 Quadro jurídico

3       O artigo 5.° da directiva, epigrafado «Direitos conferidos pela marca», tem a seguinte redacção:

«1.      A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

a)      De qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

[…]

3.      Pode nomeadamente ser proibido, caso se encontrem preenchidas as condições enumeradas [no n.° 1]:

[…]

b)      Oferecer os produtos para venda ou colocá‑los no mercado ou armazená‑los para esse fim, ou oferecer ou fornecer serviços sob o sinal;

c)      Importar […] produtos com esse sinal;

[…]»

4       O artigo 7.° da directiva, na sua redacção inicial, epigrafado «Esgotamento dos direitos conferidos pela marca», dispunha:

«1.      O direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir o uso desta para produtos comercializados na Comunidade sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento.

[…]»

5       Em conformidade com o artigo 65.°, n.° 2, do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (a seguir «EEE»), lido em conjugação com o anexo XVII, ponto 4, desse acordo, o artigo 7.°, n.° 1, da directiva, na sua redacção inicial, foi alterado para efeitos do referido acordo, sendo a expressão «na Comunidade» substituída pela expressão «numa Parte Contratante».

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

6       A Peak Holding, uma sociedade do grupo dinamarquês IC‑Companys, é titular, designadamente, da marca Peak Performance. O direito de usar esta marca foi concedido à Peak Performance Production AB (a seguir «Peak Performance Production»), sociedade coligada ao referido grupo. Esta sociedade produz e vende vestuário e acessórios dessa marca na Suécia e noutros países.

7       Quando surgiu o litígio no processo principal, a Factory Outlet, sociedade de direito sueco, praticava em lojas na Suécia a venda directa ao público de vestuário e outros artigos, produtos de marca provenientes, em grande parte, de importações paralelas, de reimportações ou obtidos fora dos circuitos de distribuição normais do titular da marca considerada.

8       No fim do ano 2000, a Factory Outlet comercializou, em particular, um lote de cerca de 25 000 peças de vestuário da marca Peak Performance, depois de ter publicado na imprensa anúncios a propor a venda desses artigos a metade do preço.

9       Os referidos artigos provinham das colecções da Peak Performance Production dos anos de 1996 a 1998. Tinham sido fabricados fora do EEE por conta dessa sociedade. Tinham sido importados para o EEE a fim de aí serem vendidos.

10     Segundo a Factory Outlet, o vestuário posto à venda entre 1996 e 1998 tinha sido vendido em lojas pertencentes a revendedores independentes, ao passo que, segundo a Peak Holding, o vestuário tinha sido posto à venda nas lojas da Peak Performance Production.

11     Em Novembro e Dezembro de 1999, todo o vestuário do lote fazia parte do vestuário posto à venda aos consumidores finais em Copenhaga (Dinamarca), nos locais de Base Camp, armazém posto à disposição pela Carli Gry Denmark A/S, sociedade‑irmã da Peak Performance Production AB. Assim, o lote era composto por mercadorias que não tinham sido vendidas depois dos saldos.

12     A Peak Performance Production vendeu esse lote à COPAD International (a seguir «COPAD»), empresa com sede em França. De acordo com a Peak Holding, o contrato concluído nessa ocasião estipulava que o referido lote não devia ser revendido em países europeus com excepção da Rússia e da Eslovénia, excepto 5% da quantidade total, que podiam ser vendidos em França. A Factory Outlet contestou a existência de tal restrição e alegou que, de qualquer forma, quando comprou o lote de mercadorias não tinha conhecimento dessa restrição.

13     A Factory Outlet assegurou que tinha comprado o lote à Truefit Sweden AB, sociedade de direito sueco.

14     É pacífico que o lote não deixou o EEE desde o momento em que saiu dos armazéns da Peak Performance Production na Dinamarca até à sua entrega à Factory Outlet na Suécia.

15     Alegando que as modalidades de comercialização escolhidas pela Factory Outlet, em particular, os seus anúncios publicitários, violavam o seu direito de marca, em 9 de Outubro de 2000, a Peak Holding intentou uma acção no Lunds tingsrãtt (Suécia). Pediu a esse órgão jurisdicional que condenasse a Factory Outlet ao pagamento de uma indemnização, que a proibisse de comercializar assim como de vender vestuário e outros artigos do lote em causa e que ordenasse a destruição dessas mercadorias.

16     A Factory Outlet pediu o indeferimento das pretensões da recorrente. Alegou que as mercadorias em questão tinham sido colocadas no mercado no EEE pela Peak Holding, de forma que esta não podia proibir a utilização da marca quando da venda das mercadorias.

17     A Factory Outlet alegou, em primeiro lugar, que as mercadorias tinham sido colocadas no mercado por efeito da sua importação, pela Peak Performance Production, no mercado interno e do pagamento dos respectivos direitos aduaneiros, com intenção de vender as referidas mercadorias na Comunidade. Alegou, em segundo lugar, que as mercadorias tinham sido colocadas no mercado por terem sido postas à venda por revendedores independentes. Sustentou, em terceiro lugar, que tinham sido colocadas no mercado ao terem sido comercializadas pela Peak Performance Production nas suas próprias lojas assim como nas lojas de Base Camp e que, nestas circunstâncias, tinham sido propostas aos consumidores. A Factory Outlet afirmou, em quarto lugar, que, de qualquer forma, as mercadorias tinham sido colocadas no mercado ao terem sido vendidas à COPAD, independentemente de se saber se a venda tinha sido feita com ou sem restrições de venda no mercado interno.

18     A Peak Holding contestou que as mercadorias tenham sido colocadas no mercado pelo titular da marca ou com o seu consentimento. Em seu entender, mesmo que tivesse havido esgotamento do direito de marca pelo facto de as mercadorias terem sido postas à venda na loja de Base Camp, esse esgotamento tinha sido interrompido e o direito de marca restabelecido depois de as mercadorias terem regressado aos armazéns.

19     O tingsrätt indeferiu o pedido, tendo considerado que as mercadorias tinham sido efectivamente comercializadas ao terem sido postas à disposição dos consumidores na loja de Base Camp e que o direito conferido pela marca não tinha podido ser restabelecido depois dessa operação.

20     A Peak Holding interpôs um recurso da decisão do tingsrätt para o órgão jurisdicional de reenvio.

21     Tendo considerado que a solução do litígio que opõe a Peak Holding à Axolin‑Elinor levanta a questão da interpretação da expressão «comercializados» que figura no artigo 7.°, n.° 1, da directiva, o Hovrätten över Skåne och Blekinge decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiças as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve considerar‑se que um produto foi comercializado pelo titular do direito de marca no caso de:

a)      ter sido importado e desalfandegado no mercado comum com o objectivo de aí ser vendido?

b)      ter sido posto à venda no mercado comum nas lojas próprias do titular do direito de marca ou de sociedades do mesmo grupo, sem ter sido objecto de transmissão?

2)      Pode o titular do direito de marca, no caso de um produto ter sido comercializado segundo qualquer das alternativas supra e, portanto, se ter verificado o esgotamento do direito de marca sem que o produto tenha sido objecto de transmissão, interromper o esgotamento reconduzindo o produto para o armazém?

3)      Deve considerar‑se que um produto foi comercializado pelo facto de ter sido objecto de transmissão pelo titular do direito de marca para outra sociedade no mercado interno, se o titular do direito de marca, quando da transmissão, estabelecer como condição em relação ao comprador que este deixa de poder vender o produto no mercado comum?

4)      Tem influência para a resposta à questão 3 o facto de o titular do direito de marca, quando da transmissão do lote de mercadorias no qual o produto está incluído, permitir ao comprador revender uma parte mínima das mercadorias no mercado comum, sem indicar de forma individualizada quais as mercadorias a que a permissão se refere?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

22     À luz das circunstâncias do processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, com a sua primeira questão, se o artigo 7.°, n.° 1, da directiva deve ser interpretado no sentido de que os produtos que ostentam uma marca são considerados como tendo sido colocados no mercado no EEE quando o titular da marca os importou para o EEE com o fim de aí os vender ou quando os pôs à venda aos consumidores do EEE, nas suas próprias lojas ou nas de uma sociedade coligada, mas sem os conseguir vender.

 Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

23     A Peak Holding e a Comissão consideram que o esgotamento do direito conferido pela marca só se verifica no momento da venda do produto no EEE pelo titular da marca ou com o seu consentimento. O direito não está esgotado nas hipóteses referidas na primeira questão prejudicial.

24     A Axolin‑Elinor alega que o esgotamento do direito do titular da marca se verifica por mero efeito da importação, do desalfandegamento e do armazenamento do produto no EEE com vista à sua venda. Subsidiariamente, sustenta que o direito conferido pela marca se esgota quando o titular da mesma coloca o produto à venda aos consumidores, mesmo se a venda não se chega a realizar.

25     O Governo sueco considera que as diferentes versões linguísticas da directiva devem ser entendidas no sentido de exigir que o titular da marca tenha tomado uma medida com destino ao mercado para que se possa considerar que uma mercadoria foi colocada no mercado.

26     Não deve, assim, considerar‑se que um produto foi colocado no mercado no EEE pelo simples facto de ter sido importado, desalfandegado, e depois aí armazenado pelo titular, uma vez que nenhuma destas medidas é destinada ao mercado.

27     Segundo o Governo sueco, o esgotamento verifica‑se, o mais tardar, quando o titular do direito de marca ou qualquer pessoa que tenha obtido o direito de utilizar essa marca põe a mercadoria à venda aos consumidores no EEE.

28     Pelo contrário, o esgotamento não ocorre quando o titular da marca propõe os seus produtos, no EEE, a revendedores, pois uma oferta de venda, frequentemente, tem por objecto apenas uma determinada quantidade dos produtos em causa. Nesta última hipótese, torna‑se impossível identificar os produtos em relação aos quais o esgotamento se verificou. Por outro lado, uma oferta não seguida de cessão não pode ser considerada um acto de disposição suficientemente definitivo da parte do titular.

29     O esgotamento verifica‑se com a cessão efectiva a um revendedor, na condição de esta se apresentar como uma medida virada para o mercado. Uma cessão entre sociedades do mesmo grupo deve ser considerada uma medida interna ao grupo, que não determina o esgotamento do direito.

 Resposta do Tribunal de Justiça

30     Deve recordar‑se que os artigos 5.° a 7.° da directiva procedem a uma harmonização completa das disposições relativas aos direitos conferidos pela marca, definindo, assim, os direitos de que gozam os titulares de marcas na Comunidade (acórdãos de 16 de Julho de 1998, Silhouette International Schmied, C‑355/96, Colect., p. I‑4799, n.os 25 e 29, e de 20 de Novembro de 2001, Zino Davidoff e Levi Strauss, C‑414/99 a C‑416/99, Colect., p. I‑8691, n.° 39).

31     O conceito de «comercializados» no EEE utilizado no artigo 7.°, n.° 1, da directiva constitui um elemento determinante da extinção do direito exclusivo do titular da marca previsto no artigo 5.° desta directiva (v. acórdão de 8 de Abril de 2003, Van Doren + Q, C‑244/00, Colect., p. I‑3051, n.° 34).

32     Deve, assim, ser objecto de interpretação uniforme na ordem jurídica comunitária (v., por analogia, acórdão Zino Davidoff e Levi Strauss, já referido, n.os 41 a 43).

33     O texto do artigo do artigo 7°, n.° 1, da directiva não permite, por si só, determinar se produtos importados no EEE ou nele postos à venda pelo titular da marca devem ser considerados «comercializados» no EEE na acepção desta disposição. Assim, a interpretação da disposição em causa deve ser procurada tomando em consideração a economia e os objectivos da directiva.

34     O artigo 5.° da directiva confere ao titular da marca um direito exclusivo que lhe permite proibir que qualquer terceiro, designadamente, importe produtos que ostentem a sua marca, os ofereça, os coloque no mercado ou os detenha para esse fim. O artigo 7.°, n.° 1, contém uma excepção a esta regra, na medida em que prevê que o direito do titular fica esgotado quando os produtos tiverem sido colocados no mercado no EEE pelo titular ou com o seu consentimento (v. acórdãos, já referidos, Zino Davidoff e Levi Strauss, n.° 40, e Van Doren + Q, n.° 33).

35     O Tribunal de Justiça declarou que a directiva visa, designadamente, garantir ao titular o direito exclusivo de utilizar a marca para a primeira colocação em circulação dos produtos que a ostentam (v., designadamente, acórdão de 11 de Julho de 1996, Bristol‑Myers Squibb e o., C‑427/93, C‑429/93 e C‑436/93, Colect., p. I‑3457, n.os 31, 40 e 44).

36     Observou, por outro lado, que, ao precisar que a colocação no mercado fora do EEE não esgota o direito de o titular se opor à importação destes produtos feita sem o seu consentimento, o legislador comunitário permitiu, assim, ao titular controlar a primeira colocação no mercado no EEE dos produtos que ostentam a marca (v. acórdãos de 1 de Julho de 1999, Sebago e Maison Dubois, C‑173/98, Colect., p. I‑4103, n.° 21; Zino Davidoff e Levi Strauss, já referido, n.° 33, e Van Doren + Q, já referido, n.° 26).

37     Acrescentou, além disso, que o artigo 7.°, n.° 1, da directiva visa tornar possível a comercialização ulterior de um exemplar de um produto que ostenta uma marca sem que o titular da marca se possa opor a isso (v. acórdãos de 23 de Fevereiro de 1999, BMW, C‑63/97, Colect., p. I‑905, n.° 57, assim como Sebago e Maison Dubois, já referido, n.° 20).

38     Por fim, considerou que, para que possa desempenhar o seu papel de elemento essencial do sistema de concorrência não falseada que o Tratado CE pretende instituir, a marca deve constituir a garantia de que todos os produtos ou serviços que a ostentam foram fabricados ou fornecidos sob o controlo de uma única empresa à qual possa ser atribuída a responsabilidade pela qualidade daqueles (v., designadamente, acórdão de 18 de Junho de 2002, Philips, C‑299/99, Colect., p. I‑5475, n.° 30).

39     No presente processo, é pacífico que, quando vende a um terceiro, no EEE, produtos que ostentam a sua marca, o titular coloca estes últimos no mercado na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da directiva.

40     Uma venda que permite ao titular realizar o valor económico da sua marca esgota os direitos exclusivos conferidos pela directiva, mais particularmente o de proibir a terceiros adquirentes revender os produtos.

41     Pelo contrário, quando o titular importa os seus produtos a fim de os vender no EEE ou de aí os pôr à venda, não os coloca no mercado na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da directiva.

42     Com efeito, esses actos não transferem para terceiros o direito de dispor dos produtos que ostentam a marca. Eles não permitem ao titular realizar o valor económico da marca. Mesmo posteriormente a esses actos, o titular conserva o seu interesse na manutenção de um controlo completo dos produtos que ostentam a sua marca, a fim de, designadamente, assegurar a qualidade dos mesmos.

43     Por outro lado, há que observar que o artigo 5.°, n.° 3, alíneas b) e c), da directiva, relativo ao conteúdo do direito exclusivo do titular, distingue designadamente entre a oferta dos produtos, a sua colocação no mercado, a sua detenção para esses fins e a sua importação. Assim, a redacção desta disposição confirma igualmente que uma importação ou uma oferta dos produtos no EEE não pode ser equiparada à colocação dos mesmos no mercado.

44     Há, assim, que responder à primeira questão que o artigo 7.°, n.° 1, da directiva deve ser interpretado no sentido de que não se pode considerar que os produtos que ostentam uma marca foram colocados no mercado no EEE quando o titular da marca os importou no EEE para aí os vender ou quando os ofereceu para venda aos consumidores no EEE, nas suas próprias lojas ou nas de uma sociedade coligada, mas sem os conseguir vender.

 Quanto à segunda questão

45     A segunda questão só é colocada na hipótese de à primeira questão ser dada resposta afirmativa.

46     Não é assim necessário dar‑lhe resposta.

 Quanto à terceira questão

47     Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, em circunstâncias como as do litígio no processo principal, a estipulação, num contrato de venda concluído entre o titular da marca e um operador estabelecido no EEE, de uma proibição de revenda no mesmo exclui que tenha havido colocação no mercado na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da directiva e constitui, assim, um obstáculo ao esgotamento do direito exclusivo do titular em caso de revenda no EEE em violação da proibição.

 Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

48     A Peak Holding salienta que o esgotamento previsto no artigo 7.°, n.° 1, da directiva pressupõe uma colocação no mercado pelo próprio titular ou com o seu consentimento. O esgotamento necessita assim do consentimento do titular nos dois casos. Não se verifica, assim, por ocasião da venda do produto pelo titular da marca se este estipular que conserva os seus direitos de marca. No caso de essa estipulação não ser respeitada, o produto não foi colocado no mercado com o consentimento do titular, de forma que o esgotamento não se produz.

49     A Axolin‑Elinor, o Governo sueco e a Comissão consideram que uma estipulação como a referida pela terceira questão não obsta ao esgotamento, que se verifica por força da lei. Uma estipulação dessas não é oponível a terceiros. A violação de uma proibição de revenda corresponde a uma infracção contratual e não a uma violação dos direitos de propriedade intelectual. O efeito jurídico do esgotamento em relação a terceiros não é deixado à disposição das partes contratantes, sejam quais forem os efeitos que o acordo é suposto ter no que diz respeito às obrigações. Consideram que uma interpretação diferente é contrária ao objectivo do artigo 7.°, n.° 1, da directiva.

 Resposta do Tribunal de Justiça

50     O artigo 7.°, n.° 1, da directiva faz depender o esgotamento comunitário quer da colocação no mercado no EEE pelo próprio titular da marca quer da colocação no mercado no EEE por um terceiro, mas com o consentimento do titular.

51     Resulta da resposta à primeira questão que, em circunstâncias como as do litígio no processo principal, a colocação dos produtos no mercado no EEE pelo titular pressupõe uma venda dos mesmos por este no EEE.

52     Em caso de tal venda, o artigo 7.°, n.° 1, da directiva não faz depender, além disso, o esgotamento do direito conferido pela marca do consentimento do titular na comercialização ulterior dos produtos no EEE.

53     O esgotamento produz‑se unicamente pelo efeito da colocação no mercado no EEE pelo titular.

54     A estipulação eventual, no acto de venda que opera a primeira colocação no mercado no EEE, de restrições territoriais ao direito de revenda dos produtos diz apenas respeito às relações dos que tomaram parte nesse acto.

55     Essa estipulação não constitui um obstáculo ao esgotamento previsto pela directiva.

56     Há, assim, que responder à terceira questão que, em circunstâncias como as do litígio no processo principal, a estipulação, num contrato de venda concluído entre o titular da marca e um operador estabelecido no EEE, de uma proibição de revenda no mesmo não exclui que tenha havido colocação no mercado no EEE na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da directiva e não constitui, assim, um obstáculo ao esgotamento do direito exclusivo do titular em caso de revenda no EEE em violação da proibição.

 Quanto à quarta questão

57     A quarta questão pressupõe que à terceira questão tenha sido respondido que a estipulação referida por esta última exclui que se tenha verificado colocação no mercado no EEE em caso de revenda neste espaço em violação da restrição territorial convencionada.

58     Não é, portanto, necessário dar‑lhe resposta.

 Quanto às despesas

59     As despesas efectuadas pelo Governo sueco e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 7.°, n.° 1, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas, conforme alterada pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992, deve ser interpretado no sentido de que não se pode considerar que os produtos que ostentam uma marca foram colocados no mercado no Espaço Económico Europeu quando o titular da marca os importou no Espaço Económico Europeu para aí os vender ou quando os ofereceu para venda aos consumidores no Espaço Económico Europeu, nas suas próprias lojas ou nas de uma sociedade coligada, mas sem os conseguir vender.

2)      Em circunstâncias como as do litígio no processo principal, a estipulação, num contrato de venda concluído entre o titular da marca e um operador estabelecido no Espaço Económico Europeu, de uma proibição de revenda no mesmo não exclui que tenha havido colocação no mercado no Espaço Económico Europeu na acepção do artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 89/104, conforme alterada pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, e não constitui, assim, um obstáculo ao esgotamento do direito exclusivo do titular em caso de revenda no Espaço Económico Europeu em violação da proibição.

Assinaturas.


* Língua do processo: sueco.