Language of document : ECLI:EU:C:2016:717

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

22 de setembro de 2016 (*)

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Propriedade intelectual — Direito de autor e direitos conexos — Diretiva 2001/29/CE — Direito exclusivo de reprodução — Exceções e limitações — Artigo 5.°, n.° 2, alínea b) — Exceção de cópia privada — Compensação equitativa — Celebração de acordos de direito privado para determinação dos critérios de isenção da cobrança da compensação equitativa — Reembolso da compensação que apenas pode ser solicitado pelo utilizador final»

No processo C‑110/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por decisão de 4 de dezembro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de março de 2015, no processo

Microsoft Mobile Sales International Oy, anteriormente Nokia Italia SpA,

Hewlett‑Packard Italiana Srl,

Telecom Italia SpA,

Samsung Electronics Italia SpA,

Dell SpA,

Fastweb SpA,

Sony Mobile Communications Italy SpA,

Wind Telecomunicazioni SpA

contra

Ministero per i beni e le attività culturali (MIBAC),

Società italiana degli autori ed editori (SIAE),

Istituto per la tutela dei diritti degli artisti interpreti esecutori (IMAIE), em liquidação,

Associazione nazionale industrie cinematografiche audiovisive e multimediali (ANICA),

Associazione produttori televisivi (APT),

sendo intervenientes:

Assotelecomunicazioni (Asstel),

Vodafone Omnitel NV,

H3G SpA,

Movimento Difesa del Cittadino,

Assoutenti,

Adiconsum,

Cittadinanza Attiva,

Altroconsumo,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič (relator), presidente de secção, C. Toader, A. Rosas, A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 24 de fevereiro de 2016,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Microsoft Mobile Sales International Oy, por G. Cuonzo e Vincenzo Cerulli Irelli, avvocati,

–        em representação da Hewlett‑Packard Italiana Srl, por A. Clarizia e M. Quattrone, avvocati,

–        em representação da Telecom Italia SpA, por F. Lattanzi e E. Stajano, avvocati,

–        em representação da Samsung Electronics Italia SpA, por S. Cassamagnaghi, P. Todaro e E. Raffaelli, avvocati,

–        em representação da Dell SpA, por L. Mansani e F. Fusco, avvocati,

–        em representação da Sony Mobile Communications Italy SpA, por G. Cuonzo e Vincenzo e Vittorio Cerulli Irelli, avvocati,

–        em representação da Wind Telecomunicazioni SpA, por B. Caravita di Toritto, S. Fiorucci e R. Santi, avvocati,

–        em representação da Società italiana degli autori ed editori (SIAE), por M. Siragusa e M. Mandel, avvocati,

–        em representação da Assotelecomunicazioni (Asstel), por M. Libertini, avvocato,

–        em representação da Altroconsumo, por G. Scorza, D. Reccia e M. Salvati, avvocati,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por A. Vitale e S. Fiorentino, avvocati dello Stato,

–        em representação do Governo francês, por D. Colas e D. Segoin, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por V. Di Bucci e J. Samnadda, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 4 de maio de 2016,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO 2001, L 167, p. 10).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de vários litígios que opõem, por um lado, as sociedades que produzem e comercializam designadamente computadores pessoais, gravadores, suportes de gravação, telemóveis e câmaras fotográficas e, por outro, o Ministero per i beni e le attività culturali e del turismo (Ministério dos Bens e Atividades Culturais e do Turismo, Itália, a seguir «MIBAC»), a Società italiana degli autori ed editori (Sociedade de autores e editores italianos, a seguir «SIAE»), o Istituto per la tutela dei diritti degli artisti interpreti esecutori (Instituto para a proteção dos direitos dos artistas intérpretes), em liquidação, a Associazione nazionale industrie cinematografiche audiovisive e multimediali (Associação Nacional das Indústrias Cinematográfica, Audiovisual e Multimédia) e a Associazione produttori televisivi (Associação de Produtores de Televisão), a respeito da «compensação equitativa» devida pelo intermediário da SIAE aos autores das obras intelectuais, pela reprodução privada, para uso pessoal, dessas obras.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 31, 35 e 38 da Diretiva 2001/29 enunciam:

«(31) Deve ser salvaguardado um justo equilíbrio de direitos e interesses entre as diferentes categorias de titulares de direitos, bem como entre as diferentes categorias de titulares de direitos e utilizadores de material protegido. […]

[…]

(35)  Em certos casos de exceção ou limitação, os titulares dos direitos devem receber uma compensação equitativa que os compense de modo adequado da utilização feita das suas obras ou outra matéria protegida. Na determinação da forma, das modalidades e do possível nível dessa compensação equitativa, devem ser tidas em conta as circunstâncias específicas a cada caso. Aquando da avaliação dessas circunstâncias, o principal critério será o possível prejuízo resultante do ato em questão para os titulares de direitos. […]

[…]

(38)  Deve dar‑se aos Estados‑Membros a faculdade de preverem uma exceção ou limitação ao direito de reprodução mediante uma equitativa compensação, para certos tipos de reproduções de material áudio, visual e audiovisual destinadas a utilização privada. Tal pode incluir a introdução ou a manutenção de sistemas de remuneração para compensar o prejuízo causado aos titulares dos direitos. […]»

4        O artigo 2.° da Diretiva 2001/29, sob a epígrafe «Direito de reprodução», dispõe:

«Os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções, diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, cabe:

a)       Aos autores, para as suas obras;

b)       Aos artistas intérpretes ou executantes, para as fixações das suas prestações;

c)       Aos produtores de fonogramas, para os seus fonogramas;

d)       Aos produtores de primeiras fixações de filmes, para o original e as cópias dos seus filmes;

e)       Aos organismos de radiodifusão, para as fixações das suas radiodifusões, independentemente de estas serem transmitidas por fio ou sem fio, incluindo por cabo ou satélite.»

5        O artigo 5.° desta diretiva, sob a epígrafe «Exceções e limitações», prevê, no seu n.° 2, alínea b):

«Os Estados‑Membros podem prever exceções ou limitações ao direito de reprodução previsto no artigo 2.° nos seguintes casos:

[…]

b)       Em relação às reproduções em qualquer meio efetuadas por uma pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais diretos ou indiretos, desde que os titulares dos direitos obtenham uma compensação equitativa que tome em conta a aplicação ou a não aplicação de medidas de caráter tecnológico, referidas no artigo 6.°, à obra ou outro material em causa;

[…]»

 Direito italiano

6        A Diretiva 2001/29 foi transposta para a ordem jurídica italiana pelo decreto legislativo n.° 68 — Attuazione della direttiva 2001/29/CE sull’armonizzazione di taluni aspetti del diritto d’autore e dei diritti connessi nella società dell’informazione (Decreto Legislativo n.° 68, que transpõe a Diretiva 2001/29/CE relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação), de 9 de abril de 2003 (suplemento ordinário do GURI n.° 87, de 14 de abril de 2003), que alterou a legge n.° 633 — Protezione del diritto d’autore e di altri diritti connessi al suo esercizio (Lei n.° 633, relativa à proteção do direito de autor e de outros direitos relativos ao seu exercício), de 22 de abril de 1941 (a seguir «LDA»), introduzindo nessa lei os artigos 71.° sexies, 71.° septies e 71.° octies, relativos à «reprodução privada para uso pessoal».

7        O artigo 71.° sexies, n.° 1, da LDA enuncia:

«É autorizada a reprodução privada de fonogramas e de videogramas independentemente do seu suporte, efetuada por uma pessoa singular para uso exclusivamente pessoal, sem fins lucrativos e sem fins direta ou indiretamente comerciais, cumprindo as medidas de caráter tecnológico previstas no artigo 102.° quater».

8        O artigo 71.° septies da LDA dispõe:

«1.       Os autores e os produtores de fonogramas, e ainda os produtores originais de obras audiovisuais, os artistas intérpretes e executantes e os produtores de videogramas, e os seus sucessores, têm direito a uma compensação pela reprodução privada de fonogramas e de videogramas prevista no artigo 71.° sexies. Para os aparelhos exclusivamente destinados à gravação analógica ou digital de fonogramas e videogramas, a referida compensação é constituída por uma parte do preço pago pelo adquirente final ao distribuidor e no caso de aparelhos e suportes com multifunções é calculada de acordo com o preço de um equipamento que tenha características equivalentes às do componente interno destinado à gravação, ou, quando isso não for possível, por um montante fixo por aparelho. Relativamente aos suportes de gravação áudio e vídeo, como os suportes analógicos, suportes digitais, memórias fixas ou transferíveis destinados à gravação de fonogramas ou de videogramas, a compensação é constituída por uma importância proporcional à capacidade de tais suportes. Relativamente aos sistemas de gravação vídeo remota, a compensação prevista no presente número é devida pela pessoa que presta o serviço e é proporcional à remuneração obtida pela prestação do mesmo serviço.

2.       A compensação prevista no n.° 1 é determinada, em conformidade com a legislação [da União] e tendo em conta os direitos de reprodução, mediante decreto do [MIBAC], a adotar até 31 de dezembro de 2009, ouvidas a comissão referida no artigo 190.° e as associações setoriais representativas da maioria dos produtores dos equipamentos e dos suportes mencionados no n.° 1. Para a fixação da compensação tem‑se em consideração, pelo menos, o conjunto das medidas tecnológicas previstas no artigo 102.° quater, e ainda os diversos efeitos das cópias digitais relativamente à cópia analógica. O decreto é atualizado de três em três anos.

3.       A compensação é devida por qualquer fabricante ou importador no território do Estado, com fins lucrativos, de equipamentos e suportes mencionados no n.° 1. Esses sujeitos devem apresentar trimestralmente à [SIAE] uma declaração indicando as vendas efetuadas e as compensações devidas, as quais devem ser pagas nesse momento. Em caso de não pagamento da compensação, o distribuidor dos aparelhos ou dos suportes de gravação é solidariamente responsável pelo pagamento. […]»

9        O artigo 71.° octies da LDA prevê:

«1.       A compensação prevista no artigo 71.° septies para os aparelhos destinados à gravação de fonogramas é paga à [SIAE], que, depois de deduzidos os seus custos, procederá ao pagamento em partes iguais aos autores e aos produtores dos fonogramas, nomeadamente através das associações setoriais e profissionais mais representativas.

2.       O produtor dos fonogramas pagará aos artistas intérpretes e executantes em causa, sem demora e o mais tardar no prazo de seis meses, 50% da compensação recebida.

3.       A compensação prevista no artigo 71.° septies para os aparelhos destinados à gravação de fonogramas é paga à [SIAE], que, depois de deduzidos os seus custos, procederá ao pagamento de 30% aos autores e dos remanescentes 70%, em partes iguais, aos produtores originais de obras audiovisuais, aos produtores de videogramas e aos artistas intérpretes e executantes. Cinquenta por cento da compensação paga aos artistas intérpretes e executantes servirá para o financiamento das atividades e dos objetivos descritos no artigo 7.°, n.° 2, da Lei n.° 93, de 5 de fevereiro de 1992.»

10      Em conformidade com o disposto no artigo 71.° septies, n.° 2, da LDA, o MIBAC adotou, em 30 de dezembro de 2009, o decreto relativo alla determinazione del compenso per la riproduzione privata di fonogrammi e di videogrammi (Decreto relativo à determinação do montante da compensação por reprodução privada de fonogramas e de videogramas, a seguir «Decerto de 30 de dezembro de 2009»), que contém um artigo único, nos termos do qual «o anexo técnico, que integra [este] decreto, fixa o montante da compensação por reprodução privada de fonogramas e de videogramas, nos termos do artigo 71.° septies da [LDA]».

11      O artigo 2.° do anexo técnico do Decreto de 30 de dezembro de 2009 (a seguir «anexo técnico») enuncia os montantes da compensação por cópia provada, fornecendo uma lista de 26 categorias de produtos e associando a cada uma delas o montante dessa compensação.

12      O artigo 4.° do anexo técnico prevê:

«1.       A [SIAE] promoverá a adoção de protocolos para uma aplicação mais eficaz das presentes disposições, também para efeitos de prever isenções objetivas ou subjetivas como, a título exemplificativo, nos casos de utilização profissional de equipamentos ou suportes ou de alguns dispositivos para videojogos. Os referidos protocolos de aplicação são adotados com o acordo dos sujeitos obrigados ao pagamento da compensação por cópia privada ou com o acordo das suas associações setoriais.

2.       Os acordos anteriores às presentes disposições mantêm‑se em vigor até à adoção dos protocolos referidos no n.° 1.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13      As recorrentes no processo principal produzem e comercializam designadamente computadores pessoais, gravadores, suportes de gravação, telemóveis e câmaras fotográficas.

14      As mesmas interpuseram no Tribunale amministrativo regionale del Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália) recursos destinados a obter a anulação do Decreto de 30 de dezembro de 2009. Em apoio daqueles recursos, alegaram que a regulamentação nacional em causa é contrária ao direito da União, designadamente em razão da sujeição à compensação por cópia privada de pessoas que atuam com finalidades manifestamente diferentes das da cópia privada, designadamente de pessoas coletivas e de pessoas singulares que atuam profissionalmente. Sublinharam também o caráter discriminatório da delegação de poderes concedida pelo MIBAC à SIAE, que é o organismo encarregado da gestão coletiva dos direitos de autor em Itália, uma vez que a regulamentação nacional daria a esta última o poder de designar as pessoas que podem ser isentas do pagamento da compensação por cópia privada assim como as que podem beneficiar do procedimento de reembolso dessa compensação, quando a mesma tenha sido paga.

15      O Tribunale amministrativo regionale del Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio) negou provimento aos recursos.

16      As recorrentes no processo principal interpuseram recurso daquela decisão no Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), que, tendo dúvidas quanto à interpretação que neste contexto deve ser feita do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)       Opõe‑se o ordenamento da União — especialmente o considerando 31 e o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da [Diretiva 2001/29] — a uma legislação nacional como o artigo 71.° sexies da [LDA], lido em conjugação com o artigo 4.° do [anexo técnico], que prevê que, no caso de suportes e de dispositivos adquiridos para fins manifestamente alheios aos da cópia privada, ou seja, para uso exclusivamente profissional, a determinação dos critérios de isenção ex ante do [pagamento da compensação por cópia privada] está sujeita a contratação ou ‘livre negociação’, em especial no que diz respeito aos ‘protocolos aplicáveis’ mencionados no artigo 4.° do [anexo ao] decreto impugnado, não existindo quaisquer disposições gerais nem garantias de igualdade de tratamento entre a SIAE e as pessoas obrigadas ao pagamento da compensação, ou as suas associações setoriais [e profissionais]?

2)      Opõe‑se o ordenamento [da União] — especialmente o considerando 31 e o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da [Diretiva 2001/29] — a uma legislação nacional como o artigo 71.° sexies da [lei dos direitos de autor], em conjugação com o [Decreto de 30 de dezembro de 2009] e com as instruções da SIAE em matéria de reembolsos, que prevê que, no caso de suportes e de dispositivos adquiridos para fins manifestamente alheios aos da cópia privada, ou seja, para uso exclusivamente profissional, o reembolso apenas pode ser pedido pelo utilizador final e não pelo produtor de tais suportes e dispositivos?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

17      A SIAE considera que a primeira questão é inadmissível, uma vez que deveria ter sido resolvida por meio de uma interpretação do direito nacional conforme com o direito da União, segundo a qual os aparelhos e suportes de gravação adquiridos por outros sujeitos que não pessoas singulares, para fins exclusivamente profissionais, não estão sujeitos à cobrança da compensação por cópia privada.

18      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre este último e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.° TFUE, incumbe em exclusivo ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão jurisdicional a proferir, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Consequentemente, visto que as questões colocadas são relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça, em princípio, tem de decidir (v., designadamente, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Padawan, C‑467/08, EU:C:2010:620, n.° 21, e de 12 de novembro de 2015, Hewlett‑Packard Belgium, C‑572/13, EU:C:2015:750, n.° 24).

19      O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder de forma útil às questões que lhe são submetidas (v., designadamente, acórdãos 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C‑62/14, EU:C:2015:400, n.° 25, e de 8 de setembro de 2015, Taricco e o., C‑105/14, EU:C:2015:555, n.° 30).

20      Ora, não é esse o caso em apreço, na medida em que a primeira questão submetida ao Tribunal de Justiça, que respeita à interpretação do direito da União, não é de forma alguma hipotética e, no que se refere à relação com a realidade do processo principal, a questão respeita à interpretação de disposições de direito da União que o órgão jurisdicional de reenvio considera determinantes para a decisão que terá de proferir no processo principal, mais especificamente no que se refere às modalidades de isenção da cobrança da compensação por cópia privada quando os suportes e dispositivos são comprados para fins manifestamente diferentes dos da cópia privada.

21      A SIAE alega também que a segunda questão é inadmissível, uma vez que seria idêntica a questões sobre as quais o Tribunal de Justiça já se pronunciou.

22      Um tal fundamento de inadmissibilidade deve ser afastado. Com efeito, mesmo admitindo que a questão suscitada seja materialmente idêntica a uma questão que foi já objeto de uma decisão prejudicial num processo análogo, tal circunstância não impede de modo nenhum um órgão jurisdicional nacional de submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça e não tem por efeito tornar inadmissível a questão assim submetida (v., neste sentido, acórdão de 6 de outubro de 1982, Cilfit e o., 283/81, EU:C:1982:335, n.os 13 e 15; de 2 de abril de 2009, Pedro IV Servicios, C‑260/07, EU:C:2009:215, n.° 31; e de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13, C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.° 49).

23      As questões prejudiciais são, por conseguinte, admissíveis.

 Quanto ao mérito

24      Com as suas questões, que devem ser examinadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União, em particular o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que, por um lado, subordina a isenção da cobrança da compensação por cópia privada dos produtores e dos importadores de aparelhos e suportes destinados a um uso manifestamente diferente da cópia privada à celebração de acordos entre uma entidade que dispõe de um monopólio legal na representação dos interesses dos autores de obras e os beneficiários da compensação ou suas associações setoriais e, por outro, prevê que o reembolso de uma tal cobrança, quando esta tenha sido paga indevidamente, apenas pode ser pedido pelo utilizador final desses aparelhos e desses suportes.

25      Há que recordar, em primeiro lugar, que, nos termos do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29, os Estados‑Membros dispõem da faculdade de prever exceções ou limitações ao direito exclusivo de reprodução previsto no artigo 2.° dessa diretiva, em relação às reproduções em qualquer meio efetuadas por uma pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais diretos ou indiretos, desde que os titulares dos direitos obtenham uma compensação equitativa atendendo às medidas de caráter tecnológico referidas no artigo 6.° da referida diretiva.

26      Conforme decorre dos considerandos 35 e 38 da Diretiva 2001/29, o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), desta diretiva traduz a vontade do legislador da União de estabelecer um sistema especial de compensação cuja aplicação é desencadeada pela existência, em detrimento dos titulares de direitos, de um prejuízo, que gera, em princípio, a obrigação de «indemnizar» ou de «compensar» estes últimos (acórdão de 9 de junho de 2016, EGEDA e o., C‑470/14, EU:C:2016:418, n.° 19 e jurisprudência referida).

27      Na medida em que as disposições da Diretiva 2001/29 não preveem expressamente os diferentes elementos do sistema de compensação equitativa, os Estados‑Membros gozam de uma ampla margem de apreciação para determinar quem deve pagar esta compensação. O mesmo acontece no que se refere à determinação da forma, modalidades e do possível nível dessa compensação (v., neste sentido, acórdão de 11 de julho de 2013, Amazon.com International Sales e o., C‑521/11, EU:C:2013:515, n.° 20 e jurisprudência referida).

28      Conforme decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, para ser conforme com o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29, a compensação equitativa, bem como, consequentemente, o regime em que assenta, devem estar associados ao prejuízo causado aos titulares de direitos devido à realização de cópias privadas (v., neste sentido, acórdão de 5 de março de 2015, Copydan Båndkopi, C‑463/12, EU:C:2015:144, n.° 21 e jurisprudência referida).

29      Por conseguinte, um sistema de financiamento da compensação equitativa apenas é compatível com as exigências do «justo equilíbrio» a que se refere o considerando 31 da Diretiva 2001/29 entre os direitos e interesses dos beneficiários da compensação equitativa, por um lado, e os utilizadores de objetos protegidos, por outro, se os aparelhos e suportes de reprodução em causa forem suscetíveis de ser utilizados para fins de cópia privada e, consequentemente, de causar um prejuízo ao autor da obra protegida. Existe, por isso, tendo em conta estas exigências, uma ligação necessária entre a aplicação da compensação por cópia privada no que respeita aos referidos aparelhos e suportes de reprodução digital e o uso destes últimos para fins de reprodução privada (v., neste sentido, acórdão de 21 de outubro de 2010, Padawan, C‑467/08, EU:C:2010:620, n.° 52).

30      Em segundo lugar, há que recordar que o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que a pessoa que causou o prejuízo ao titular do direito exclusivo de reprodução é a que realiza, para seu uso privado, a reprodução de uma obra protegida sem solicitar a autorização prévia do referido titular, cabe, em princípio, a esta pessoa reparar o prejuízo ligado a essa reprodução, financiando a compensação que será paga a esse titular (acórdãos de 21 de outubro de 2010, Padawan, C‑467/08, EU:C:2010:620, n.° 45; de 16 de junho de 2011, Stichting de Thuiskopie, C‑462/09, EU:C:2011:397, n.° 26; e de 11 de julho de 2013, Amazon.com International Sales e o., C‑521/11, EU:C:2013:515, n.° 23).

31      O Tribunal de Justiça admitiu, no entanto, que, tendo em conta as dificuldades práticas para identificar os utilizadores privados e obrigá‑los a indemnizar os titulares do direito exclusivo de reprodução do prejuízo que lhes causam, é permitido aos Estados‑Membros instaurar, para efeitos do financiamento da compensação equitativa, uma «compensação por cópia privada», a cargo, não dos particulares visados, mas de quem dispõe de equipamentos, de aparelhos e de suportes de reprodução e que, a este título, de facto ou de direito, disponibilizam esses equipamentos a particulares. No quadro de um tal sistema, é às pessoas que dispõem desses equipamentos que incumbe pagar a compensação por cópia privada (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Padawan, C‑467/08, EU:C:2010:620, n.° 46; de 16 de junho de 2011, Stichting de Thuiskopie, C‑462/09, EU:C:2011:397, n.° 27; e de 11 de julho de 2013, Amazon.com International Sales e o., C‑521/11, EU:C:2013:515, n.° 24).

32      Por conseguinte, os Estados‑Membros podem, em certas condições, aplicar indistintamente o valor compensatório pela cópia privada aos suportes de gravação suscetíveis de servirem para reprodução, incluindo na hipótese de a utilização final destes não constituir uma das situações constantes do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29 (v. acórdão de 5 de março de 2015, Copydan Båndkopi, C‑463/12, EU:C:2015:144, n.° 44).

33      O Tribunal de Justiça esclareceu a este respeito que, uma vez que o referido sistema permite que os devedores repercutam o montante da compensação por cópia privada no preço da disponibilização dos referidos equipamentos, aparelhos e suportes de reprodução ou no preço do serviço de reprodução prestado, o encargo da compensação é, em definitivo, suportado pelo utilizador privado que paga esse preço, e isto em conformidade com o «justo equilíbrio», referido no considerando 31 da Diretiva 2001/29, a encontrar entre os interesses dos titulares do direito exclusivo de reprodução e os dos utilizadores de material protegido (v., neste sentido, acórdãos de 16 de junho de 2011, Stichting de Thuiskopie, C‑462/09, EU:C:2011:397, n.° 28, e de 11 de julho de 2013, Amazon.com International Sales e o., C‑521/11, EU:C:2013:515, n.° 25).

34      Assim, o Tribunal de Justiça considerou que um regime que visa aplicar esse valor compensatório só será conforme com o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29 se a sua implementação for justificada por dificuldades práticas e se os devedores dispuserem de um direito a obterem o reembolso desse valor compensatório quando este não seja devido (v., neste sentido, acórdãos de 11 de julho de 2011, Amazon.com International Sales e o., EU:C:2013:515, n.° 31, e de 5 de março de 2015, Copydan Båndkopi, C‑463/12, EU:C:2015:144, n.° 45).

35      A este respeito, um regime de valor compensatório pela cópia privada pode justificar‑se, nomeadamente, pela necessidade de remediar a impossibilidade de identificar os utilizadores finais ou as dificuldades práticas referentes a essa identificação ou a outras dificuldades similares (acórdão de 5 de março de 2015, Copydan Båndkopi, C‑463/12, EU:C:2015:144, n.° 46 e jurisprudência referida).

36      Contudo, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, em todo o caso, o referido valor compensatório não se deve aplicar ao fornecimento dos equipamentos, aparelhos e suportes de reprodução a pessoas diferentes dos particulares, para fins que sejam manifestamente estranhos ao da realização de cópias para uso privado (acórdão de 5 de março de 2015, Copydan Båndkopi, C‑463/12, EU:C:2015:144, n.° 47 e jurisprudência referida).

37      Por outro lado, um tal sistema deve prever um direito ao reembolso da compensação por cópia privada que seja efetivo e não torne excessivamente difícil a restituição do montante da compensação paga. A este respeito, o alcance, a eficácia, a disponibilidade a publicidade e a simplicidade da utilização do direito ao reembolso devem permitir paliar eventuais desequilíbrios criados pelo regime do valor compensatório pela cópia privada para responder às dificuldades práticas constatadas (v., neste sentido, acórdãos de 11 de julho de 2013, Amazon.com International Sales e o., C‑521/11, EU:C:2013:515, n.° 36, e de 5 de março de 2015, Copydan Båndkopi, C‑463/12, EU:C:2015:144, n.° 52).

38      É à luz destas considerações que importa examinar as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

39      Em primeiro lugar, há que salientar que o regime de compensação equitativa em causa no processo principal prevê, como resulta do artigo 71.° septies, n.° 1, da LDA, que a compensação por cópia privada é constituída por uma parte do preço pago pelo utilizador final ao retalhista pelos aparelhos e suportes em questão, cujo montante é fixado em função da sua capacidade de registo. Em conformidade com o disposto no artigo 71.° septies, n.° 3, da LDA, essa compensação é devida por quem fabrica ou importa para o território italiano, com fins lucrativos, tais aparelhos e suportes.

40      A este respeito, é ponto assente que a regulamentação em causa no processo principal não contém uma disposição geral que isente do pagamento da compensação por cópia privada os produtores e os importadores que demonstrem que os aparelhos e suportes foram adquiridos por outras pessoas que não sejam pessoas singulares, para fins manifestamente alheios aos da realização de cópias para uso privado.

41      Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, recordada no n.° 36 do presente acórdão, que a referida compensação não pode ser aplicada ao fornecimento de tais equipamentos.

42      Com efeito, conforme recordado no n.° 29 do presente acórdão, um regime de financiamento da compensação equitativa apenas é compatível com as exigências do «justo equilíbrio», referido no considerando 31 da Diretiva 2001/29, se os aparelhos e suportes de reprodução em causa são suscetíveis de serem utilizados para fins de cópia privada.

43      É verdade que, como sublinha o Governo italiano, o anexo técnico prevê, no seu artigo 4.°, que a SIAE deve «promover» os protocolos, «designadamente com vista a praticar isenções objetivas ou subjetivas, como, por exemplo, em caso de utilização profissional de aparelhos ou de suportes ou para certos aparelhos de videojogos», protocolos que devem ser adotados por acordo com os sujeitos obrigados ao pagamento da compensação por cópia privada ou com as suas associações setoriais.

44      Contudo, o Tribunal de Justiça recordou que as isenções previstas no artigo 5.° da Diretiva 2001/29 devem ser aplicadas com respeito pelo princípio da igualdade de tratamento, que constitui um princípio geral do direito da União, consagrado no artigo 20.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (acórdão de 5 de março de 2015, Copydan Båndkopi, C‑463/12, EU:C:2015:144, n.os 31, 32 e jurisprudência referida).

45      Por conseguinte, os Estados‑Membros não podem prever modalidades de compensação equitativa que introduzam uma desigualdade de tratamento injustificada entre as diferentes categorias de operadores económicos que comercializam bens comparáveis abrangidos pela exceção por cópia privada ou entre as diferentes categorias de utilizadores de obras protegidas (acórdão de 5 de março de 2015, Copydan Båndkopi, C‑463/12, EU:C:2015:144, n.° 33 e jurisprudência referida).

46      No caso em apreço, impõe‑se concluir que a regulamentação em causa no processo principal não permite garantir em qualquer caso a igualdade de tratamento entre os produtores e importadores sujeitos à compensação por cópia privada, que podem encontrar‑se em situações comparáveis.

47      Com efeito, antes de mais, esta regulamentação, que, como salientado no n.° 40 do presente acórdão, não prevê uma disposição geral que isente do pagamento da compensação por cópia privada os produtores e os importadores que demonstrem que os aparelhos e suportes adquiridos por outras pessoas que não sejam pessoas singulares, para fins manifestamente alheios aos da realização de cópias para uso privado, limita‑se a impor uma obrigação de meios à SIAE, tendo esta apenas a obrigação de «promover» a celebração de protocolos de acordo com as pessoas obrigadas ao pagamento da compensação por cópia privada. Daqui decorre que os produtores e os importadores que se encontrem em situação comparáveis são suscetíveis de ser tratados de maneira diferenciada, consoante tenham ou não celebrado um protocolo de acordo com a SIAE.

48      Em seguida, a referida regulamentação, e em especial o artigo 4.° do anexo técnico, não prevê critérios objetivos e transparentes que devam ser observados pelas pessoas obrigadas ao pagamento da compensação equitativa ou pelas suas associações setoriais, para efeitos de celebração de tais protocolos de acordo, limitando‑se esta disposição a mencionar, a título exemplificativo, a isenção «em caso de utilização profissional de aparelhos ou de suportes ou para certos aparelhos de videojogos», podendo as isenções praticadas, nos próprios termos deste artigo, revestir uma natureza objetiva ou subjetiva.

49      Por último, uma vez que a celebração de tais protocolos é deixada à livre negociação entre, por um lado, a SIAE e, por outro, as pessoas obrigadas ao pagamento da compensação equitativa ou suas associações setoriais, há que considerar que, ainda que se admita que tais protocolos sejam efetivamente celebrados com todas as pessoas que possam pretender uma isenção da cobrança da compensação por cópia privada, não há garantia de que os produtores e os importadores que se encontram em situações comparáveis sejam tratados de maneira idêntica, uma vez que os termos de tais acordos são o produto de uma negociação de direito privado.

50      Por outro lado, os elementos salientados nos n.os 47 a 49 do presente acórdão não permitem considerar que a regulamentação nacional em causa no processo principal seria suscetível de garantir que seja satisfeita, de modo efetivo e com respeito, designadamente, pelo princípio da segurança jurídica, a exigência recordada no n.° 44 do presente acórdão.

51      Em segundo lugar, como resulta da redação da segunda questão prejudicial e das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, o procedimento de reembolso, elaborado pela SIAE e que figura nas «instruções» desta última disponíveis no seu sítio Internet, prevê que o reembolso apenas possa ser pedido pelo utilizador final que não seja uma pessoa singular. O reembolso não pode, em contrapartida, ser pedido pelo produtor ou pelo importador dos suportes e dispositivos.

52      A este respeito, basta observar que, como salientou o advogado‑geral nos n.os 58 e 59 das suas conclusões, embora o Tribunal de Justiça tenha considerado, no seu acórdão de 5 de março de 2015, Copydan Båndkopi (C‑463/12, EU:C:2015:144, n.° 55), que o direito da União não se opõe a um regime de compensação equitativa que prevê um direito ao reembolso da compensação por cópia privada a cargo apenas do utilizador final dos aparelhos e suportes sujeitos à compensação, precisou que um tal regime só é compatível com o direito da União desde que os devedores sejam isentos, com respeito pelo direito da União, do pagamento da referida compensação se declararem que forneceram os aparelhos e suportes em causa a outras pessoas que não sejam pessoas singulares, para fins manifestamente alheios aos da reprodução para uso privado.

53      Ora, tal não acontece no caso em apreço, conforme resulta das considerações que figuram nos n.os 39 a 49 do presente acórdão.

54      Por outro lado, há que recordar que, como resulta do considerando 31 da Diretiva 2001/29, deve ser salvaguardado um justo equilíbrio entre os titulares de direito e os utilizadores do material protegido. De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um regime de compensação equitativa deve, antes de mais, conter mecanismos, designadamente de reembolso, destinados a corrigir todas as situações de «sobrecompensação» em detrimento de certa ou certas categorias de utilizadores, as quais não seriam compatíveis com a exigência mencionada no referido considerando (v., por analogia, acórdão de 12 de novembro de 2015, Hewlett‑Packard Belgium, C‑572/13, EU:C:2015:750, n.os 85 e 86).

55      No caso em apreço, o regime de compensação equitativa em causa no processo principal não prevê garantias suficientes quanto à isenção de pagamento da compensação dos produtores e dos importadores que demonstrem que os aparelhos e suportes foram adquiridos para fins manifestamente alheios aos da realização de cópias para uso privado, devendo este regime, em qualquer caso, conforme salientado no n.° 37 do presente acórdão, prever um direito ao reembolso da compensação que seja efetivo e não torne excessivamente difícil a restituição da compensação paga. Ora, o direito ao reembolso previsto pelo sistema de compensação equitativa em causa no processo principal não pode ser considerado efetivo, uma vez que é ponto assente que não é aberto a pessoas singulares, mesmo quando estas adquiram os aparelhos e suportes para fins manifestamente alheios aos da realização de cópias para uso privado.

56      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o direito da União, em especial o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que, por um lado, subordina a isenção do pagamento da compensação por cópia privada dos produtores e importadores de aparelhos e suportes destinados a uma utilização manifestamente diferente da cópia privada à celebração de acordos entre uma entidade que dispõe de um monopólio legal na representação dos interesses dos autores das obras e os devedores dessa compensação ou suas associações setoriais e, por outro, prevê que o reembolso de uma tal compensação, quando tenha sido paga indevidamente, apenas pode ser solicitado pelo utilizador final dos referidos aparelhos e suportes.

 Quanto ao pedido de limitação no tempo dos efeitos do presente acórdão

57      Nas suas observações escritas, a SIAE pediu ao Tribunal de Justiça que limite no tempo os efeitos do presente acórdão no caso de declarar que o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29 se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal.

58      Na fundamentação do seu pedido, a SIAE chama a atenção do Tribunal de Justiça, em primeiro lugar, para as repercussões económicas graves que para si decorreriam de um acórdão que procedesse a uma tal declaração, uma vez que, com exceção da parte retida pela SIAE para cobrir as despesas decorrentes da sua atividade de cobrança, as compensações foram já repartidas entre quem a elas tinha direito. Em segundo lugar, não haveria dúvida de que a SIAE agiu de boa‑fé e com absoluta convicção de que a regulamentação nacional em causa no processo principal era plenamente compatível com o direito da União, convicção essa reforçada pelo facto de, apesar da aplicação dessa regulamentação por um longo período, a Comissão, que dela tinha perfeito conhecimento, não ter emitido jamais qualquer objeção quanto à compatibilidade da referida regulamentação com o direito da União.

59      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a interpretação que este faz de uma norma de direito da União, no exercício da competência que lhe confere o artigo 267.° TFUE, esclarece e precisa o significado e o alcance dessa norma, tal como deve ou deveria ter sido entendida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Donde se conclui que a norma assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz inclusive às relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que decida o pedido de interpretação, se se encontrarem também reunidas as condições que permitem submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação da referida norma (v., designadamente, acórdãos de 17 de fevereiro de 2005, Linneweber e Akritidis, C‑453/02 e C‑462/02, EU:C:2005:92, n.° 41; de 6 de março de 2007, Meilicke e o., C‑292/04, EU:C:2007:132, n.° 34; e de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.° 40).

60      Só a título excecional é que o Tribunal de Justiça pode, aplicando o princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica da União, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar uma disposição por si interpretada para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa‑fé. Para que essa limitação possa ser decidida, é necessário que estejam preenchidos dois critérios essenciais, a saber, a boa‑fé dos meios interessados e o risco de perturbações graves (v., designadamente, acórdãos de 10 de janeiro de 2006, Skov e Bilka, C‑402/03, EU:C:2006:6, n.° 51; de 3 de junho de 2010, Kalinchev, C‑2/09, EU:C:2010:312, n.° 50; e de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.° 41).

61      Mais especificamente, o Tribunal de Justiça só recorreu a esta solução em circunstâncias bem precisas, nomeadamente quando existia um risco de repercussões económicas graves devidas em especial ao grande número de relações jurídicas constituídas de boa‑fé com base na regulamentação considerada validamente em vigor e quando se verificava que os particulares e as autoridades nacionais tinham sido levados a um comportamento não conforme com o direito da União em virtude de uma incerteza objetiva e importante quanto ao alcance das disposições do direito da União, incerteza para a qual tinham eventualmente contribuído os próprios comportamentos adotados por outros Estados‑Membros ou pela Comissão Europeia (acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C‑82/12, EU:C:2014:108, n.° 42 e jurisprudência referida).

62      No caso em apreço, no que se refere ao primeiro critério, há que observar que, no acórdão de 21 de outubro de 2010, Padawan (C‑467/08, EU:C:2010:620, n.° 53), o Tribunal de Justiça já se havia pronunciado sobre a compatibilidade com o direito da União de um regime que previa a aplicação, sem distinção, da compensação por cópia privada a todos os tipos de aparelhos e suportes de reprodução digital, incluindo na hipótese em que estes últimos são adquiridos por pessoas não singulares, para fins manifestamente alheios ao da cópia privada. Nessas circunstâncias, a SIAE não pode de modo algum fazer‑se valer de que adquirira a convicção de que a regulamentação em causa no processo principal era conforme com o direito da União, pela falta de objeção da Comissão quanto à compatibilidade dessa legislação com o direito da União.

63      Em qualquer caso, no que se refere ao segundo critério, impõe‑se observar que a SIAE não demonstrou a existência de dificuldades graves, tendo‑se limitado a indicar que as compensações haviam sido já integralmente repartidas entre quem a elas tinha direito e que «não estaria provavelmente em condições de recuperar tais montantes».

64      Consequentemente, não há que limitar no tempo os efeitos do presente acórdão.

 Quanto às despesas

65      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O direito da União Europeia, em especial o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que, por um lado, subordina a isenção do pagamento da compensação por cópia privada dos produtores e importadores de aparelhos e suportes destinados a uma utilização manifestamente diferente da cópia privada à celebração de acordos entre uma entidade que dispõe de um monopólio legal na representação dos interesses dos autores das obras e os devedores dessa compensação ou suas associações setoriais e, por outro, prevê que o reembolso de uma tal compensação, quando tenha sido paga indevidamente, apenas pode ser solicitado pelo utilizador final dos referidos aparelhos e suportes.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.