Language of document : ECLI:EU:T:2021:586

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

15 de setembro de 2021 (*)

«Auxílios de Estado — Autoestradas italianas — Prorrogação de concessões para fins de execução de obras — Serviços de interesse económico geral — Limite máximo do custo das portagens — Decisão de não suscitar objeções — Artigo 106.o, n.o 2, TFUE — Recursos interpostos por concorrentes do beneficiário — Abandono do projeto de concessão do auxílio pelo Estado‑Membro — Projeto insuscetível de ser executado tal como aprovado — Anulação que não proporciona benefícios aos recorrentes — Desaparecimento do interesse em agir — Não conhecimento do mérito»

No processo T‑24/19,

INC SpA, com sede em Turim (Itália),

Consorzio Stabile Sis SCpA, com sede em Turim (Itália),

representadas por H.‑G. Kamann, F. Louis e G. Tzifa, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Haasbeek, D. Recchia e S. Noë, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado a obter a anulação da Decisão C (2018) 2435 final da Comissão, de 27 de abril de 2018, relativa ao auxílio estatal concedido para fins do plano de investimento relativo às autoestradas italianas [processos SA.49335 (2017/N) e SA.49336 (2017/N)],

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada),

composto por: M. J. Costeira, presidente, D. Gratsias (relator), M. Kancheva, B. Berke e T. Perišin, juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 24 de novembro de 2020,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Por duas cartas de 13 de outubro de 2017, as autoridades italianas notificaram à Comissão Europeia uma série de medidas referentes a um plano de investimentos relativo às autoestradas italianas.

2        Cerca de 5 800 quilómetros de autoestradas italianas são atualmente explorados por operadores privados no âmbito de concessões. Por força dos respetivos contratos, os concessionários devem efetuar trabalhos ou fornecer serviços respeitantes ao funcionamento das autoestradas. Os concessionários suportam os riscos relativos à construção e ao funcionamento das autoestradas e devem cumprir uma série de obrigações ligadas à importância deste tipo de infraestrutura para o público. Além disso, o quadro regulamentar aplicável prevê vários sistemas de tarificação que têm por objetivo garantir o equilíbrio financeiro entre as receitas das concessões e o custo dos investimentos efetuados pelos concessionários.

3        Neste contexto, a República Italiana concebeu um plano que consistia essencialmente na prorrogação da duração de certas concessões para efeitos do financiamento de investimentos suplementares. Na sua versão posteriormente revista, o plano em questão, conforme notificado, dizia respeito a autoestradas geridas quer diretamente quer indiretamente, a saber, através de participações em consórcios, pela Autostrade per l’Italia SpA e pela Società Iniziative autostradali e Servizi SpA.

 Decisão impugnada

4        Com a Decisão C (2018) 2435 final da Comissão, de 27 de abril de 2018, relativa ao auxílio estatal concedido para efeitos do plano de investimento relativo às autoestradas italianas [processos SA.49335 (2017/N) e SA.49336 (2017/N)] (a seguir «decisão impugnada»), a Comissão considerou que certas medidas adotadas no âmbito do referido plano constituíam auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o TFUE e que eram compatíveis com o mercado interno com fundamento no artigo 106.o, n.o 2, TFUE. Assim, a Comissão decidiu, sem dar início ao procedimento formal de investigação, não suscitar objeções a respeito dessas medidas (capítulo 5 da decisão impugnada).

5        Em especial, o plano notificado à Comissão pelas autoridades italianas refere‑se a dezasseis autoestradas geridas pela Autostrade per l’Italia e a duas autoestradas geridas pela Società Iniziative autostradali e Servizi. Este plano assenta essencialmente em dois pilares. O primeiro diz respeito à execução de investimentos suplementares a efetuar pelos concessionários. O segundo diz respeito à prorrogação de determinadas concessões, acompanhada de regras destinadas a limitar as tarifas das portagens a níveis aceitáveis e a evitar o risco de sobrecompensação dos concessionários (n.os 12, 13 a 16, 18 a 21 e 34 da decisão impugnada).

 Autoestradas geridas pela Autostrade per l’Italia

6        A concessão de dezasseis autoestradas, totalizando 2 857,50 quilómetros, geridas pela Autostrade per l’Italia, tem origem nas concessões adjudicadas à sociedade Autostrade‑Concessioni e Costruzioni Autostrade SpA em 1968. Esta última entidade foi privatizada em 1999 e, em 2003, transferiu as suas atividades de concessões de autoestradas para a Autostrade per l’Italia. A concessão controvertida foi alterada, designadamente, em 1997 e a sua última versão foi assinada, sob a forma de uma «convenção única» (Convenzione Unica), em 2007, por sua vez alterada em 2013 ao abrigo de um «ato adicional» (Atto Aggiuntivo). Em conformidade com o aditamento assinado em 1997, a concessão controvertida foi celebrada por um período de 40 anos que expira em 31 de dezembro de 2038 (n.os 34, 35 e 136 da decisão impugnada).

7        Todavia, a República Italiana expôs que a Autostrade per l’Italia ainda devia efetuar investimentos na rede que ela geria. Na sequência das decisões tomadas pelas autoridades competentes quanto às características dos investimentos em questão, o custo calculado destes eleva‑se a cerca de 8 mil milhões de euros. Deste montante, 4,908 mil milhões de euros são destinados a obras consideradas «já previstas» no contrato de concessão em vigor antes da alteração controvertida, entre as quais «la Gronda di Genova» (contorno de Génova) por 4,32 mil milhões de euros. Os restantes 3,03 mil milhões de euros são dedicados a «obras adicionais», isto é, não previstas no contrato de concessão em vigor antes da alteração controvertida. Ora, segundo o contrato de concessão em vigor, a realização dos investimentos em questão exigiria um aumento do custo das portagens a níveis exorbitantes para os utilizadores. Neste contexto, a República Italiana propôs, primeiro, prorrogar a duração da concessão, segundo, limitar o aumento do custo das portagens e, terceiro, prever uma «indemnização de retoma» (takeover value) a pagar ao concessionário no termo da concessão pelo eventual novo concessionário. Assim, segundo esse plano, a duração da concessão seria prorrogada por quatro anos, até 31 de dezembro de 2042, e seria paga uma indemnização de retoma com um limite máximo situado entre 1,3 e 1,5 vezes o excedente bruto de exploração ao concessionário atual por qualquer eventual concessionário que lhe sucedesse depois dessa data (n.os 36 a 43 da decisão impugnada).

 Autoestradas geridas pela Società Iniziative Autostradali e Servizi

8        As duas autoestradas geridas pela Società Iniziative Autostradali e Servizi que são objeto da decisão impugnada são a SATAP A4 Torino — Milano e a A33 Asti — Cuneo. A concessão relativa à construção e ao funcionamento da autoestrada SATAP A4 Torino — Milano data de 1989 e expira, na sequência de alterações dos instrumentos jurídicos que a regem, introduzidas em 2007 e em 2013, em 31 de dezembro de 2026. O contrato de concessão relativo à construção e ao funcionamento da autoestrada A33 Asti — Cuneo foi assinado em 1 de agosto de 2007 na sequência de um processo de adjudicação e prevê que a concessão é adjudicada por um período de 27,5 anos, dos quais, quatro anos seriam dedicados à execução das obras e os 23,5 anos restantes, calculados a contar do cumprimento destes, à gestão da concessão. Tendo em conta esta última estipulação, a Comissão considera que essa concessão terminaria em 2043 (n.os 19 e 20 da decisão impugnada).

9        Ora, as obras previstas para a autoestrada A33 Asti — Cuneo não foram concluídas a tempo e os custos a elas relativos aumentaram consideravelmente por razões que, segundo a República Italiana, não eram imputáveis à Società Iniziative Autostradali e Servizi, concessionária desta autoestrada. Ao mesmo tempo, a construção unicamente de 55 quilómetros de autoestrada em vez dos 90 quilómetros inicialmente previstos reduziu as receitas provenientes das portagens a níveis modestos. A construção das partes de autoestrada em falta implicou, portanto, um aumento do custo das portagens a níveis proibitivos. Neste contexto, a República Italiana propôs que o concessionário realizasse os investimentos necessários para obter uma ligação funcional entre as diversas partes concluídas da autoestrada A33 Asti — Cuneo. Estes investimentos consistem na construção de cerca de 13 quilómetros de autoestrada por um custo de 350 milhões de euros, em vez dos 35 quilómetros inicialmente previstos, que teriam custado 589 milhões de euros. Considera‑se que as obras em questão já estão previstas no contrato de concessão inicial. Além disso, deveriam ser efetuados investimentos num valor total de 153 milhões de euros na autoestrada SATAP A4 Torino — Milano. Deste último montante, considera‑se que 109 milhões de euros dizem respeito a obras já previstas no contrato de concessão inicial e que 44 milhões de euros dizem respeito a obras adicionais. Todas estas obras deveriam estar terminadas no final do ano de 2022 (n.os 21 a 23 da decisão impugnada).

10      Quanto à cobertura dos custos das obras em questão, a República Italiana propôs um financiamento cruzado das obras da autoestrada A33 Asti — Cuneo a partir das receitas da SATAP A4 Torino — Milano, combinado com um limite máximo das tarifas das portagens das duas autoestradas em questão. Ora, segundo a República Italiana, esse limite máximo acarreta perdas de rendimentos para os concessionários. Assim, à semelhança do que tinha proposto para as autoestradas geridas pela Autostrade per l’Italia (v. n.o 7, supra), a República Italiana exprimiu a sua intenção, primeiro, de readaptar a duração destas duas concessões e, segundo, de prever uma indemnização de retoma a pagar ao anterior concessionário, em caso de não renovação, depois o seu termo, pelo eventual novo concessionário. Em especial, a duração da concessão da autoestrada SATAP A4 Torino — Milano seria prorrogada por quatro anos até 31 de dezembro de 2030, ao passo que a da autoestrada A33 Asti — Cuneo seria reduzida, terminando igualmente em 31 de dezembro de 2030, em vez de em 2043 (v. n.o 8, supra). Este compromisso permitiria a abertura a nova concorrência conjunta da concessão das duas autoestradas para o período que começa a correr a partir de 1 de janeiro de 2031. De resto, a indemnização de retoma seria limitada ao máximo de 1,4 vezes o excedente bruto de exploração a pagar ao concessionário atual pelo eventual concessionário que lhe suceda a partir de 1 de janeiro de 2031 (n.os 25 a 31 da decisão impugnada).

11      O conjunto das medidas relativas às autoestradas que são objeto da decisão impugnada é acompanhado de compromissos relativos ao início de alguns dos trabalhos previsto para antes de 1 de janeiro de 2020. Foram igualmente previstos outros compromissos relativos à publicidade dos contratos de concessão, ao caráter em princípio estável do custo orçamentado das obras, ao respeito das regras da União Europeia em matéria de alteração dos contratos de concessão em caso de necessidade de executar obras suplementares, à aplicação de sanções em caso de violação das obrigações do concessionário, à redução proporcional da prorrogação em caso de não execução das obras, à apresentação de relatórios anuais e quinquenais relativos à realização das obras e ao seguimento dos parâmetros tidos em conta e, por último, à revisão da indemnização de retoma em caso de níveis de tráfego mais importantes do que os previstos ou de não execução de obras (n.os 23 e 47 a 53 da decisão impugnada).

 Apreciação da Comissão

12      Segundo a Comissão, o facto de conceder direitos de exploração de bens públicos pode implicar uma renúncia a recursos estatais e conferir uma vantagem aos beneficiários desses direitos. No caso em apreço, a prorrogação da duração das concessões por quatro anos teria por efeito que os concessionários receberiam o produto das portagens durante esse período, excluindo assim a possibilidade de o Estado‑Membro arrecadar ele próprio esses fundos. Uma renúncia a recursos estatais em proveito de certos operadores privados seria, portanto, de registar (n.os 61 a 63 da decisão impugnada).

13      Quanto à existência de uma vantagem, a Comissão teve em conta as obrigações de investimentos e de gestão impostas aos concessionários e concluiu que havia que analisar as medidas notificadas à luz dos quatro critérios cumulativos estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), a saber, a existência de obrigações de serviço público, o estabelecimento prévio, objetivo e transparente dos parâmetros de compensação, o estabelecimento da compensação a um nível que cobre os custos de execução das obrigações de serviço público e um lucro razoável e, por último, a análise dos custos e do beneficio em questão. A este último respeito, a Comissão observou que as autoridades italianas não tinham apresentado uma análise dos custos em que uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada para poder satisfazer as exigências de serviço público requeridas, teria incorrido para executar essas obrigações. Daqui resultaria que, tendo em conta, igualmente, a inexistência de um procedimento de adjudicação que tivesse precedido as concessões controvertidas, o quarto critério Altmark não estava preenchido. Além disso, tendo em conta a dimensão internacional do mercado da construção e da gestão de autoestradas, bem como a exclusividade que os contratos de concessão conferem, as vantagens concedidas podem afetar o comércio entre Estados‑Membros. Daqui resulta que a medida controvertida constitui um auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (n.os 64 a 73 da decisão impugnada).

14      No entanto, a Comissão considerou que havia que apreciar a compatibilidade do auxílio com o mercado interno à luz do artigo 106.o, n.o 2, TFUE e, correlativamente, da Comunicação da Comissão relativa ao Enquadramento da União Europeia aplicável aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público (2011) (JO 2012, C 8, p. 15, a seguir «comunicação sobre as compensações de serviço público») (n.os 75 a 77 da decisão impugnada).

15      Neste contexto, a Comissão considerou:

–        em primeiro lugar, que a construção e a disponibilização de infraestruturas de autoestradas a custos acessíveis aos utilizadores constituía um verdadeiro serviço de interesse económico geral na aceção do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, pelo que estavam preenchidas as condições do capítulo 2.2 da comunicação sobre as compensações de serviço público;

–        em segundo, lugar, que os serviços de interesse económico geral em causa eram confiados aos concessionários em questão ao abrigo de atos que mencionavam a duração e o objeto das obrigações de serviço público, os compromissos assumidos, a natureza dos direitos exclusivos, a descrição dos mecanismos de compensação e os parâmetros pertinentes, bem como as medidas previstas para evitar e recuperar qualquer eventual sobrecompensação. Por conseguinte, as condições do capítulo 2.3 da comunicação sobre as compensações de serviço público estão preenchidas (n.os 85 a 90 da decisão impugnada);

–        em terceiro lugar, que a duração das prorrogações conseguia equilibrar financeiramente o plano proposto ao ter devidamente em conta o limite máximo do custo das portagens, o custo das obras a realizar, a remuneração dos concessionários e a indemnização de retoma. Por conseguinte, as condições do capítulo 2.4 da comunicação sobre as compensações de serviço público estão preenchidas (n.os 92 a 95 da decisão impugnada);

–        em quarto lugar, que as medidas notificadas não violavam a Diretiva 2006/111/CE da Comissão, de 16 de novembro de 2006, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados‑Membros e as empresas públicas, bem como à transparência financeira em certas empresas (JO 2006, L 318, p. 17), pelo que estão preenchidas as condições do capítulo 2.5 da comunicação sobre compensações de serviço público (n.os 96 a 99 da decisão impugnada);

–        em quinto lugar, que as medidas notificadas estavam em conformidade com a Diretiva 2014/23/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à adjudicação de contratos de concessão (JO 2014, L 94, p. 1) e, mais especificamente, com o seu artigo 43.o, relativo à alteração dos contratos de concessão em curso;

–        em sexto lugar, em sexto lugar, que os princípios, os objetivos, os parâmetros e os métodos de cálculo da compensação paga aos concessionários não violavam o princípio da não discriminação, pelo que as condições do capítulo 2.7 da comunicação sobre compensações de serviço público estavam igualmente preenchidas (n.os 142 e 143 da decisão impugnada);

–        em sétimo lugar, que a compensação resultante da alteração dos contratos de concessão não ultrapassava o necessário para cobrir o custo líquido da execução das obrigações de serviço público, tendo em conta um lucro razoável, em conformidade com o capítulo 2.8 da comunicação sobre compensações de serviço público;

–        em oitavo lugar, que qualquer preocupação relativa a eventuais distorções residuais de concorrência era dissipada de modo conforme com o capítulo 2.9 da comunicação relativa às compensações de serviço público (n.os 167 a 171 da decisão impugnada).

16      Neste contexto, e depois de ter examinado os compromissos assumidos pela República Italiana em matéria de transparência em conformidade com o capítulo 2.10 da Comunicação relativa às Compensações de Serviço Público e os argumentos apresentados por terceiros, a Comissão decidiu não suscitar objeções e declarar o auxílio compatível com o mercado interno o abrigo do artigo 106.o, n.o 2, TFUE (n.os 178 a 186 e capítulo 5 da decisão impugnada).

 Tramitação processual e pedidos das partes

17      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de janeiro de 2019, as recorrentes, INC SpA e Consorzio Stabile Sis SCpA, interpuseram o presente recurso. Em 29 de abril de 2019, a Comissão apresentou o seu articulado de resposta. A réplica e a tréplica foram apresentadas, respetivamente, em 18 de julho e 18 de outubro de 2019.

18      Tendo a composição das Secções do Tribunal Geral sido alterada, em aplicação do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo, o juiz relator foi afetado à Nona Secção, à qual o presente processo foi, consequentemente, atribuído.

19      Sob proposta da Nona Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

20      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas,

21      No seu articulado de resposta, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

22      Sob proposta do juiz relator, o Tribunal Geral (Nona Secção alargada) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, convidou as partes a apresentarem certos documentos e fez‑lhes perguntas por escrito, convidando‑as a responder‑lhes na audiência.

23      As partes responderam ao Tribunal por cartas de 3 de novembro de 2020.

24      Na audiência, a Comissão informou o Tribunal da decisão das autoridades italianas de não aplicarem as medidas que foram objeto da decisão impugnada, no mínimo no que respeita à Società Iniziative Autostradali e Servizi.

25      Neste contexto, o Tribunal Geral convidou a Comissão a informá‑lo por escrito sobre as eventuais decisões das autoridades italianas a propósito da execução das medidas controvertidas, quer no que respeita à Società Iniziative Autostradali e Servizi quer no que respeita à Autostrade per l’Italia. Facto que foi registado na ata da audiência.

26      Por correspondência de 14 de dezembro de 2020, a Comissão comunicou ao Tribunal Geral uma carta datada de 10 de dezembro de 2020, que o Ministério das Infraestruturas e dos Transportes italiano lhe tinha dirigido. Tendo em conta o conteúdo dessa carta, a Comissão observou que as medidas em relação às quais não suscitou objeções ao abrigo da decisão impugnada não podiam nem seriam aplicadas pelas autoridades italianas, pelo que as recorrentes já não justificavam interesse em agir.

27      Por carta de 27 de janeiro de 2021, as recorrentes apresentaram as suas observações e afirmaram manter interesse na anulação da decisão impugnada.

28      A título de medidas de organização do processo adotadas em 8 de fevereiro e 11 de março de 2021, o Tribunal Geral pediu informações suplementares à Comissão, que esta forneceu por cartas, respetivamente, de 26 de fevereiro e de 29 de março de 2021. Com fundamento nestas informações, provenientes das autoridades italianas, a Comissão reiterou a sua conclusão de que as recorrentes já não justificavam interesse em que a decisão impugnada fosse anulada.

29      Por correspondência de 28 de abril de 2021, as recorrentes apresentaram as suas observações sobre estas últimas cartas e reiteraram que mantinham interesse em pedir a anulação da decisão impugnada pelas razões expostas na sua carta de 27 de janeiro de 2021 (v. n.o 27, supra).

30      A fase oral do processo foi encerrada em 29 de abril de 2021 e o processo passou nessa data à fase de deliberação.

31      Na sequência do falecimento do juiz B. Berke em 1 de agosto de 2021, os três juízes que assinam o acórdão prosseguiram as deliberações, em conformidade com o artigo 22.o e com o artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

 Questão de direito

32      Em apoio do seu recurso, as recorrentes, concorrentes diretas da Autostrade per l’Italia e da Società Iniziative Autostradali e Servizi nos sectores da construção e da concessão de autoestradas, suscitam dois fundamentos.

33      O primeiro fundamento diz respeito às medidas relativas às autoestradas geridas pela Autostrade per l’Italia. A este respeito, as recorrentes alegam que a apreciação da Comissão, segundo a qual as medidas relativas às autoestradas geridas pela Autostrade per l’Italia preenchem os critérios da Comunicação sobre as Compensações de Serviço Público e são, portanto, compatíveis com o mercado interno, assenta em três premissas que estão erradas. A primeira, é a qualificação das obras de construção como «la Gronda di Genova» como obras já previstas incluídas num projeto adjudicado em concessão à Autostrade per l’Italia já em 2002, quando, na realidade, se trata de um projeto inteiramente novo em relação às concessões em vigor, que carece de um novo processo de adjudicação. A segunda, é que a Autostrade per l’Italia é a concessionária no âmbito de uma concessão única, quando, na realidade, esta sociedade beneficia de um conjunto de concessões distintas. A terceira, é que os custos de realização das obras que justificaram a prorrogação controvertida foram validamente calculados pela Autostrade per l’Italia e pelas autoridades italianas, o que não é o caso. Além disso, e independentemente da análise relativa às premissas em questão, as recorrentes alegam que a análise da Comissão relativa à compatibilidade das medidas controvertidas com os capítulos 2.2 a 2.10 da Comunicação sobre as Compensações de Serviço Público (v. n.o 15, supra).

34      O segundo fundamento diz respeito às medidas relativas às autoestradas geridas pela Società Iniziative Autostradali e Servizi. A este respeito, as recorrentes expõem que a apreciação da Comissão, segundo a qual as medidas relativas às autoestradas A33 Asti — Cuneo e SATAP A4 Torino — Milano, geridas pela Società Iniziative Autostradali e Servizi, preenchem os critérios da Comunicação sobre as Compensações de Serviço Público e são, portanto, compatíveis com o mercado interno, assenta em três premissas que estão erradas. A primeira é que o atraso de onze anos na execução das obras na autoestrada A33 Asti — Cuneo e o aumento dos custos daí resultante não são imputáveis à Società Iniziative Autostradali e Servizi, concessionária da referida autoestrada. A segunda é que os custos em questão foram validamente calculados pela Società Iniziative Autostradali Servizi e pelas autoridades italianas, o que não é o caso. A terceira é que as alterações que sofreu o projeto de construção da referida autoestrada não carecem de um novo processo de adjudicação. A quarta, é que a limitação da duração das concessões renovadas de duas outras autoestradas, a saber, a autoestrada SATAP A21 que liga Turim e Brescia e a autoestrada Torino — Ivrea — Valle d’Aosta, até 2030 a fim de abrir a uma concorrência conjunta as quatro autoestradas, a saber, a A33 Asti — Cuneo, SATAP A4 Torino — Milano, SATAP A21 e Torino — Ivrea — Valle d’Aosta, constitui um compromisso que limita os efeitos anticoncorrenciais do auxílio controvertido. Além disso, e independentemente da análise relativa às premissas em questão, as recorrentes alegam que a análise da Comissão relativa à compatibilidade das medidas controvertidas com os capítulos 2.2 a 2.10 da Comunicação sobre as Compensações de Serviço Público (v. n.o 15, supra) está viciada por erros.

35      Através destes fundamentos, as recorrentes alegam que a Comissão deveria ter tido dúvidas sérias quanto à compatibilidade das medidas examinadas com o mercado interno e, consequentemente, ter dado início ao procedimento formal de investigação em conformidade com o artigo 4.o, n.o 4, e do artigo 6.o do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9). Assim sendo, a Comissão violou os direitos processuais conferidos às recorrentes pelo artigo 108.o, n.o 2, TFUE e pelo artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589.

36      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva só é admissível na medida em que essa pessoa tenha interesse em que o ato recorrido seja anulado. Tal interesse, que é uma condição essencial e primeira de qualquer recurso judicial, pressupõe que a anulação desse ato seja suscetível, por si própria, de ter consequências jurídicas e que o recurso possa, assim, através do seu resultado, proporcionar um benefício à parte que o interpôs (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.os 55 e 58 e a jurisprudência referida).

37      O interesse em agir de um recorrente deve existir e ser atual. Não pode dizer respeito a uma situação futura e hipotética (Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 56). Com efeito, se o interesse invocado por um recorrente disser respeito a uma situação jurídica futura, este deve demonstrar que a violação dessa situação se revela, desde logo, certa (Acórdão de 14 de abril de 2005, Sniace/Comissão, T‑141/03, EU:T:2005:129, n.o 26, e Despacho de 26 de março de 2012, Cañas/Comissão, T‑508/09, não publicado, EU:T:2012:152, n.o 49).

38      No que respeita, em especial, às regras relativas aos auxílios de Estado, esse interesse deve, atento o objeto do recurso, existir no momento da interposição deste, sob pena de inadmissibilidade, e perdurar até ser proferida a decisão jurisdicional, sob pena de não conhecimento do mérito (Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 57). A questão do não conhecimento do mérito devido à não subsistência do interesse em agir pode ser suscitada oficiosamente pelos órgãos jurisdicionais da União (Acórdão de 6 de setembro de 2018, Bank Mellat/Conselho, C‑430/16 P, EU:C:2018:668, n.o 49).

39      Neste contexto, os concorrentes do beneficiário do auxílio têm interesse em pedir a anulação de uma decisão ao abrigo da qual a Comissão, sem dar início ao procedimento formal de investigação, declara essa decisão compatível com o mercado interno em conformidade com o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento 2015/1589.

40      Com efeito, esse interesse existe na medida em que a anulação em questão obrigaria a Comissão a dar início ao procedimento formal de investigação em conformidade com o artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento n.o 2015/1589 e a convidar os concorrentes do beneficiário da medida a apresentar, enquanto «partes interessadas» na aceção do artigo 1.o, alínea h), do referido regulamento, as suas observações ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, do mesmo regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 10 de fevereiro de 2009, Deutsche Post e DHL International/Comissão, T‑388/03, EU:T:2009:30, n.o 62).

41      Importa, porém, salientar que, para que se considere que esse interesse perdura até ser proferida a decisão jurisdicional, é necessário que, no momento de uma eventual decisão de anulação da decisão de não suscitar objeções, continue a existir um projeto de concessão de um auxílio suscetível de ser executado pelo Estado‑Membro notificante e, assim, ser objeto de um procedimento formal de investigação.

42      Com efeito, resulta da leitura conjugada do artigo 108.o, n.o 3, TFUE e dos artigos 2.o, 4.o e 9.o do Regulamento 2015/1589 que o procedimento formal de investigação tem por objeto um projeto de concessão de um auxílio.

43      A existência desse projeto pode, é certo, presumir‑se devido à simples notificação deste pelo Estado‑Membro para efeitos da sua aprovação pela Comissão em conformidade com o procedimento previsto no Regulamento 2015/1589, tanto mais que, segundo o artigo 10.o deste regulamento, o Estado‑Membro pode retirar a notificação antes da adoção da decisão que encerra o exame preliminar previsto no artigo 4.o deste.

44      Todavia, o facto de não ter retirado a notificação não exclui que o Estado‑Membro possa abandonar definitivamente o projeto após a adoção, pela Comissão, da sua decisão de não suscitar objeções. Com efeito, por um lado, como resulta do artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, a notificação só pode ser formalmente retirada enquanto a Comissão não tiver tomado uma decisão em aplicação do artigo 4.o do referido regulamento. Por outro lado, embora o artigo 108.o, n.o 3, TFUE, obrigue os Estados‑Membros a notificar à Comissão os seus projetos de concessão de um auxílio antes da sua execução, não os obriga, em contrapartida, a conceder um auxílio, mesmo que este tenha sido aprovado por uma decisão dessa instituição. Tal decisão tem unicamente por objeto e por efeito autorizar um projeto de concessão de um auxílio declarando‑o compatível com o mercado interno, e não impor a sua execução ao Estado‑Membro em questão (v. Despacho de 6 de maio de 2020, Blumar e o., C‑415/19 a C‑417/19, EU:C:2020:360, n.o 23 e jurisprudência referida).

45      Ora, o facto de o Estado‑Membro abandonar definitivamente o projeto que foi objeto da decisão da Comissão de não suscitar objeções pode afetar a subsistência de um interesse em agir tal como o descrito no n.o 40, supra.

46      Em especial, numa situação desse tipo, a anulação da decisão da Comissão de não suscitar objeções já não é, em princípio, apta a proporcionar ao recorrente o benefício processual que este procura obter, a saber, a abertura do procedimento formal de investigação e a possibilidade de apresentar as suas observações no âmbito desse procedimento, o que faz desaparecer o seu interesse em agir e acarreta, segundo o caso, a inadmissibilidade do recurso ou o não conhecimento do respetivo mérito (v. n.o 38, supra).

47      A este respeito, antes de mais, resulta de uma leitura conjugada do artigo 108.o, n.o 3, TFUE e dos artigos 2.o, 4.o e 9.o do Regulamento 2015/1589, que o procedimento formal de investigação tem por objeto um projeto de concessão de um auxílio. Daqui resulta que o facto de o Estado‑Membro notificante, posteriormente à adoção de uma decisão da Comissão de não levantar objeções, abandonar o projeto em questão neutraliza o efeito útil dessa decisão e, sobretudo, priva de imediato do seu objeto o procedimento formal de investigação que a Comissão seria obrigada a dar início na sequência da anulação da referida decisão.

48      Correlativamente, em seguida, na falta de um projeto de concessão de um auxílio, já não existe «beneficiário», nem «concorrente» do referido beneficiário nem, por conseguinte, «parte interessada» na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589, que seria convidada a apresentar as suas observações num eventual procedimento formal de investigação em conformidade com o seu artigo 6.o, n.o 1. Daqui resulta que, nestas circunstâncias, a anulação da decisão de não suscitar objeções não é, em princípio, suscetível de conferir à recorrente o benefício que consiste na possibilidade de apresentar as suas observações no âmbito do procedimento formal de investigação.

49      Por último, esta conclusão impõe‑se por maioria de razão se resultar das circunstâncias do caso em apreço que o Estado‑Membro notificante já não tem a possibilidade de se apoiar na decisão da Comissão de não suscitar objeções no caso de decidir, posteriormente à sua decisão de abandonar o projeto de auxílio controvertido, voltar atrás nessa decisão e acabar por executar o projeto de auxílio em questão. Com efeito, nessa hipótese, a anulação da referida decisão não é suscetível de proporcionar ao recorrente, concorrente do beneficiário, um benefício distinto que consista em retirar essa possibilidade ao referido Estado‑Membro.

50      No caso em apreço, resulta dos n.os 61 a 63 da decisão impugnada que a Comissão fundamentou o facto de serem envolvidos recursos estatais na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE através da simples referência à prorrogação das concessões controvertidas (v. n.o 12, supra). Além disso, resulta dos n.os 64 a 73 da decisão recorrida que a análise da Comissão relativa à existência de uma vantagem na aceção da mesma disposição assenta na premissa de que a prorrogação em questão geraria receitas que, tendo em conta as informações fornecidas pelas autoridades italianas, não poderiam ser comparadas com os custos em que teria incorrido uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada para poder satisfazer as exigências de serviço público requeridas para cumprir as obrigações de serviço público em causa (v. n.o 13, supra).

51      Ora, por carta de 10 de dezembro de 2020, dirigida à Comissão e apresentada por esta última em 14 de dezembro de 2020 (v. n.os 25 e 26, supra), o Ministério das Infraestruturas e dos Transportes italiano expôs, designadamente, o seguinte:

«[…] confirma‑se que as hipóteses de alteração das relações de concessão previstas pela decisão da Comissão […] estão hoje integralmente ultrapassadas e substituídas por outras soluções que não preveem a extensão da duração das concessões.

Em particular, no que diz respeito [às autoestradas Asti — Cuneo e SATAP A4 Torino — Milano] uma nova hipótese para a revisão dos planos financeiros foi preparada [e] aprovada por deliberação do [Comitato interministeriale per la programmazione economica (Comité Interministerial para a Programação Económica)] de 14 de maio de 2020 […]

A sociedade Autostrade per l’Italia preparou uma nova proposta de alteração da concessão, que não prevê a prorrogação do seu termo e que se encontra atualmente em fase de exame.»

52      No âmbito de uma medida de organização do processo adotada em 8 de fevereiro de 2021, o Tribunal Geral convidou a Comissão a precisar, se for caso disso após ter consultado as autoridades italianas, se os termos da carta de 10 de dezembro de 2020 deviam ser entendidos no sentido de que significam que a prorrogação da concessão da Autostrade per l’Italia estava definitivamente abandonada, apesar de a nova proposta do referido concessionário continuar em exame.

53      Por correspondência de 26 de fevereiro de 2021, a Comissão enviou ao Tribunal Geral, designadamente, um correio eletrónico datado de 10 de fevereiro de 2021, proveniente do Ministério das Infraestruturas e dos Transportes italiano (v. n.o 28, supra). O correio eletrónico em questão expõe o seguinte:

«Confirmo, evidentemente, que está ultrapassada a hipótese de uma prorrogação da concessão da [Autostrade per l’Italia], para a qual uma nova proposta em que se reafirma o termo inicialmente previsto em 2038 se encontra atualmente em fase de exame.»

54      De resto, o correio eletrónico em questão confirma que foi assinado um novo contrato de concessão quanto às autoestradas A33 Asti — Cuneo e SATAP A4 Torino — Milano.

55      Por último, na sequência de uma nova medida de organização do processo, por carta de 29 de março de 2021, a Comissão enviou ao Tribunal Geral uma carta do Ministério dos Transportes, das Infraestruturas e da Mobilidade sustentáveis, datada de 26 de março de 2021 (v. n.o 28, supra). Nessa carta, o Ministério em questão expõe, designadamente, que os atos adicionais relativos às concessões das autoestradas SATAP A4 Torino — Milano e Asti — Cuneo foram finalizados e que as estipulações destes tornam obsoletas as circunstâncias que são objeto da decisão impugnada. Segundo a mesma carta, esses atos adicionais não preveem nenhuma prorrogação das concessões das duas autoestradas em questão, mas, em contrapartida, «confirmam» que a primeira expira em 31 de dezembro de 2026 e que o fim da segunda é «restabelecido» a 31 de dezembro de 2031.

56      No que respeita às autoestradas geridas pela Autostrade per l’Italia, a carta em questão expõe que os serviços instruem, de maneira concertada, a proposta de plano financeiro que confirma o fim da concessão na data de 31 de dezembro de 2038 e que esta proposta exclui uma prorrogação do contrato de concessão para além dessa data, tornando obsoleta, a este respeito, a decisão impugnada.

57      Resulta dos elementos expostos nos n.os 51 a 56, supra, que a República Italiana abandonou definitivamente o projeto de prorrogação das concessões controvertidas, prorrogação que constitui o elemento com base no qual a Comissão qualificou as medidas que foram objeto da decisão impugnada de auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v. n.os 12 e 13, supra).

58      Com efeito, segundo as informações fornecidas pela República Italiana, no que respeita às autoestradas geridas pela Società Iniziative Autostradali e Servizi, já foi assinado e entrou em vigor um ato adicional que não prevê prorrogação alguma. Segundo o referido ato adicional, a concessão da autoestrada SATAP A4 Torino — Milano terminará a 31 de dezembro de 2026, ou seja, a data inicialmente prevista. Segundo o mesmo ato adicional, a concessão da autoestrada Asti — Cuneo terminará em 31 de dezembro de 2031, ou seja, muito antes do seu termo inicial (v. n.o 8, supra).

59      No que respeita às autoestradas geridas pela Autostrade per l’Italia, a República Italiana expôs que a apresentação de uma proposta de revisão baseada no termo da concessão em 31 de dezembro de 2038 exclui qualquer prorrogação da referida concessão para além dessa data, que é aquela que foi inicialmente estipulada (v. n.o 6, supra).

60      Consequentemente, uma vez que o Governo italiano abandonou definitivamente o projeto de auxílio controvertido, a anulação eventual, pelo Tribunal Geral, da decisão impugnada obrigaria a Comissão apenas a dar início a um procedimento formal de investigação que ficaria de imediato privado do seu objeto, o que priva igualmente de objeto a apresentação, pelos recorrentes, de observações sobre um projeto que já não é suscetível de ser executado (v. n.os 47 e 48, supra).

61      Além disso, importa salientar que, como observa a Comissão na sua carta de 14 de dezembro de 2020, resulta dos n.os 23, 44 e 50 da decisão impugnada que a declaração da compatibilidade das medidas controvertidas com o mercado interno depende da condição de que certas obras previstas comecem até 1 de janeiro de 2020, o mais tardar. Com efeito, segundo a nota de pé de página n.o 30, mencionada no n.o 50 da decisão impugnada, os acordos projetados estipulavam que, se as obras relativas à autoestrada A33 Asti — Cuneo não começassem antes de 1 de janeiro de 2020, o plano relativo às autoestradas geridas pela Società Iniziative Autostradali e Servizi seria inteiramente abandonado. Do mesmo modo, segundo a mesma nota de pé de página, se as obras de construção da «la Gronda di Genova» e as interligações das autoestradas A7/A10/A12 não começassem antes de 1 de janeiro de 2020, a extensão da concessão da Autostrade per l’Italia seria integralmente abandonada.

62      Estas cláusulas explicam‑se pelo facto de, como resulta, nomeadamente, dos n.os 44, 147, 151 e 152 da decisão impugnada, o equilíbrio financeiro do projeto controvertido depender, nomeadamente, do cálculo de certas taxas de retorno do investimento e da tomada em conta das condições macroeconómicas atuais. Estes fatores assentam, por sua vez, em dados suscetíveis de variar ao longo do tempo. Assim, segundo o n.o 160 da decisão impugnada, o abandono automático da prorrogação das concessões controvertidas nas condições previstas no n.o 50 desta (v. n.o 61, supra), constitui uma medida necessária para evitar uma sobrecompensação dos concessionários.

63      Ora, a Comissão, que, segundo o n.o 51, alínea a), segundo travessão, da decisão impugnada, deveria ser informada do avanço das obras, afirma, na sua carta de 14 de dezembro de 2020, que as obras cuja execução devia começar até 1 de janeiro de 2020, o mais tardar, não foram iniciadas, elemento que as recorrentes não contestam.

64      Resulta destas considerações que a República Italiana não pode basear‑se nas conclusões da Comissão relativas, nomeadamente, ao caráter razoável do benefício resultante das medidas controvertidas e à inexistência de sobrecompensação, expostas nos n.os 151 a 165 da decisão impugnada (v. n.o 15, sétimo travessão, supra), no caso de decidir futuramente executar o projeto controvertido apesar de afirmar tê‑lo abandonado. Com efeito, uma vez que a condição relativa ao começo, antes de 1 de janeiro de 2020, das obras mencionadas no n.o 61, supra não está preenchida, tal projeto não é aquele em relação ao qual a Comissão não suscitou objeções por força da decisão impugnada.

65      Consequentemente, se a medida que a República Italiana previsse posteriormente implicasse a concessão de um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, uma nova notificação à Comissão seria necessária em conformidade com o artigo 2.o do Regulamento 2015/1589, em vista da qual a Comissão deveria exercer as suas competências ao abrigo do artigo 4.o do mesmo regulamento.

66      É, portanto, acertadamente que a Comissão alega, na sua carta de 14 de dezembro de 2020, que o projeto controvertido não pode ser executado e não será executado pela República Italiana tal como aprovado.

67      As recorrentes, por sua vez, invocam, em substância, quatro argumentos em apoio da sua conclusão segundo a qual continuam a justificar interesse em pedir a anulação da decisão impugnada.

68      Em especial, primeiro, as recorrentes alegam que a nova proposta da Autostrade per l’Italia ainda não foi aprovada pelas autoridades italianas.

69      A este propósito, em primeiro lugar, há que salientar que, tendo em conta os elementos relatados nos n.os 51 a 56, supra, a República Italiana afirma que o facto de a Autostrade per l’Italia ter apresentado uma nova proposta baseada no termo da sua concessão em 31 de dezembro de 2038 exclui a prorrogação dessa concessão para além dessa data. Em segundo lugar, e de qualquer modo, a exclusão dessa prorrogação decorre do facto de as obras relativas à «la Gronda di Genova» e à autoestrada A33 Asti — Cuneo não terem começado até 1 de janeiro de 2020 (v. n.os 61 a 63, supra), o que as recorrentes não contestam.

70      Em segundo lugar, as recorrentes alegam que as autoridades italianas não forneceram explicações pormenorizadas sobre os novos planos financeiros, destinados a substituir as medidas aprovadas por força da decisão impugnada. Em especial, as autoridades italianas referiram‑se simplesmente ao facto de os novos planos não preverem a prorrogação das concessões controvertidas, sem dar explicações sobre o financiamento da autoestrada A33 Asti — Cuneo a partir das receitas da autoestrada SATAP A4 Torino — Milano ou a propósito da eventual indemnização de retoma a pagar aos concessionários no termo das concessões pelo eventual novo concessionário e sem garantir que não fariam «reviver» a prorrogação das concessões controvertidas no futuro. Nestas condições, a anulação da decisão impugnada impediria a Comissão de repetir os erros identificados no recurso controvertido se os novos planos financeiros contivessem medidas de auxílio cuja compatibilidade com o mercado interno dependesse de apreciações análogas às subjacentes à decisão impugnada.

71      Importa recordar, a este respeito, que o elemento em que a Comissão se baseou para qualificar as medidas em causa de auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE é a prorrogação das concessões controvertidas. Em especial, são as receitas geradas durante o período correspondente à referida prorrogação que, segundo a Comissão, constituem recursos estatais que conferem uma vantagem aos concessionários atuais (v. n.os 12, 13 e 50, supra). Além disso, e no que respeita, em especial, ao financiamento das obras da autoestrada A33 Asti — Cuneo, é a partir das receitas geradas pela prorrogação da concessão da autoestrada SATAP A4 Torino — Milano que seriam financiadas essas obras e é tendo em conta essas receitas que seria calculada a indemnização de retoma (v. n.os 10, 11 e 15, terceiro travessão, supra).

72      Daqui resulta que o abandono da prorrogação das concessões controvertidas torna automaticamente obsoleta a análise efetuada pela Comissão na decisão impugnada no que respeita tanto ao caráter das medidas em causa enquanto auxílios de Estado como à compatibilidade destes com o mercado interno com fundamento no artigo 106.o, n.o 2, TFUE.

73      Neste contexto, a questão de saber se os novos planos financeiros constituem medidas que implicam a concessão de auxílios de Estado sob que forma seja só é suscetível de ser examinada no âmbito de um novo procedimento que a Comissão teria, sendo caso disso, de iniciar, na sequência de uma nova notificação da parte da República Italiana, em conformidade com o artigo 108.o TFUE e com o artigo 4.o do Regulamento 2015/1589. É no âmbito desse procedimento que a Comissão examinaria a compatibilidade das medidas em causa com o mercado interno tendo em conta todas as suas características pertinentes e apreciaria a necessidade de dar início a um procedimento formal de investigação em conformidade com o artigo 4.o, n.o 4, e com o artigo 6.o do Regulamento 2015/1589.

74      Quanto ao argumento relativo à eventualidade de a República Italiana beneficiar da decisão impugnada ao fazer reviver a prorrogação das concessões controvertidas depois do encerramento do presente processo, este deve ser afastado pelos motivos acima expostos nos n.os 61 a 65, supra.

75      Em terceiro lugar, as recorrentes alegam que a anulação da decisão impugnada obrigaria a Comissão a dar início ao procedimento formal de investigação e a respeitar, assim, os direitos processuais destas. Todavia, este argumento deve ser afastado pelos motivos expostos nos n.os 47 a 60, supra.

76      Em quarto lugar, as recorrentes alegam que a decisão impugnada continua em vigor e é obrigatória no que respeita a qualquer litígio que tenha por objeto as «medidas de auxílio atuais» ou medidas futuras, uma vez que só o parâmetro relativo à prorrogação das concessões controvertidas foi alterado.

77      A este respeito, importa recordar que, pelos motivos expostos nos n.os 71 e 72, supra, a prorrogação das concessões controvertidas não constitui um simples parâmetro das medidas examinadas pela decisão impugnada, mas o elemento que, segundo a Comissão, justifica qualificar estas medidas de auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Assim, o abandono da prorrogação em questão acarreta o desaparecimento das «medidas de auxílio atuais» tal como estas foram examinadas pela Comissão. De resto, a natureza da decisão impugnada, que consiste em declarar compatíveis com o mercado interno as medidas examinadas, exclui que esta produza qualquer efeito obrigatório no que respeita a outras medidas de auxílio que devam ser objeto de um novo exame (v. n.o 73, supra).

78      Daqui resulta que o presente processo deve ser distinguido dos processos invocados pelas recorrentes no âmbito dos quais o Tribunal Geral afirmou a subsistência do interesse em agir em circunstâncias substancialmente diferentes.

79      Trata‑se, em primeiro lugar, de casos nos quais o procedimento formal de investigação que a Comissão tem de iniciar em resultado da anulação da decisão adotada após um exame preliminar não é, contrariamente ao caso presente, desprovido de objeto, devido ao facto de a medida controvertida não ter sido, de modo nenhum, abandonada (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de junho de 2019, Ja zum Nürburgring/Comissão, T‑373/15, EU:T:2019:432, n.os 15, 83 e 90 a 92, e de 19 de junho de 2019, NeXovation/Comissão, T‑353/15, EU:T:2019:434, n.os 14, 67 e 72 a 74). Com efeito, nestas condições, a anulação do ato impugnado pode ter por efeito obrigar a Comissão a convidar as partes interessadas a formularem as suas observações no âmbito do procedimento formal de investigação, que, contrariamente ao presente caso, não é desprovido do seu objeto.

80      O presente processo deve, em segundo lugar, ser distinguido dos casos em que o recurso que tem por objeto a anulação de uma decisão que se tornou caduca põe em causa a legalidade ou a interpretação de regras ao abrigo das quais foi adotado o ato impugnado e que são suscetíveis de se aplicar no futuro no âmbito dos processos em que é provável que o recorrente participará. Em tal hipótese, o recorrente pode igualmente conservar interesse em pedir a anulação de um ato a fim de permitir evitar que a ilegalidade de que este pretensamente padece não se reproduza no futuro (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de março de 1979, Simmenthal/Comissão, 92/78, EU:C:1979:53, n.o 32, e de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão, C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.os 45 a 60).

81      Ora, esse interesse em agir só pode existir se a ilegalidade alegada for suscetível, como precisa a jurisprudência, de se reproduzir no futuro «independentemente das circunstâncias do processo que deu lugar ao recurso interposto pelo [recorrente]» (Acórdão de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão, C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.o 52) ou «independentemente das circunstâncias específicas do processo em causa» (Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão, C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 48).

82      Assim, tendo em conta o caráter atual e não hipotético que deve revestir o interesse em agir (v. n.o 37, supra), este pode ser considerado demonstrado quando o recurso põe em causa a validade ou a interpretação das regras aplicadas para efeito da adoção do ato impugnado (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de março de 1979, Simmenthal/Comissão, 92/78, EU:C:1979:53, n.o 32; de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão, C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.os 54 a 59, e de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão, C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.os 49 a 52).

83      No caso em apreço, todavia, as recorrentes alegam um interesse em pedir a anulação da decisão impugnada a fim de evitar que a Comissão cometa de novo os pretensos erros de apreciação que a conduziram a declarar as medidas controvertidas como sendo compatíveis com o mercado interno sem dar início ao procedimento formal de investigação. Ora, tendo em conta o alcance dos fundamentos invocados em apoio do recurso (v. n.os 32 a 35, supra), os pretensos erros em questão dizem respeito às apreciações efetuadas pela Comissão, que estão subjacentes à declaração das medidas controvertidas como compatíveis com o mercado interno, apreciações que visam precisamente as circunstâncias particulares do caso vertente. Daqui resulta que os erros de apreciação suscitados não se referem manifestamente a ilegalidades suscetíveis de se reproduzir «independentemente das circunstâncias do processo que deu lugar ao recurso» na aceção exposta nos n.os 81 e 82, supra.

84      Além disso, se este argumento fosse considerado adequado para basear a manutenção do interesse em agir, em circunstâncias como as do caso em apreço, a exigência relativa ao caráter atual e não hipotético do referido interesse (v. n.o 37, supra) ficaria esvaziada de sentido. Com efeito, neste caso, o interesse em evitar a repetição de qualquer pretensa ilegalidade suscitada no âmbito de um recurso poderia ser utilmente invocado em todas as circunstâncias, incluindo quando a parte recorrente não retira, como no caso em apreço, nenhum benefício da anulação do ato impugnado (v. n.o 87, infra).

85      O presente processo deve, em terceiro e último lugar, ser distinguido dos casos em que, longe de se tornar caduco, o ato impugnado produziu efeitos obrigatórios com os quais o recorrente, destinatário do ato, se conformou, efeitos que a instituição recorrida será obrigada a aniquilar em função dos motivos da anulação do referido ato (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de março de 1999, Gencor/Comissão, T‑102/96, EU:T:1999:65, n.os 40 a 42; de 15 de dezembro de 1999, Kesko/Comissão, T‑22/97, EU:T:1999:327, n.os 55 a 64, e de 28 de setembro de 2004, MCI/Comissão, T‑310/00, EU:T:2004:275, n.os 44 a 55).

86      Todavia, no caso em apreço, por um lado, o facto de as medidas controvertidas terem sido abandonadas antes de qualquer execução exclui que tenham produzido efeitos na situação concorrencial das recorrentes (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 27 de abril de 1995, ASPEC e o./Comissão, T‑435/93, EU:T:1995:79, n.os 29 e 30, e de 27 de abril de 1995, Casillo Grani/Comissão, T‑443/93, EU:T:1995:81, n.os 7 e 8). Por outro lado, como acima se expõe nos n.os 38 e 39, o interesse em agir das recorrentes não consiste em aniquilar efeitos obrigatórios gerados pela decisão impugnada, que estas últimas sofreram, mas na salvaguarda de direitos processuais que estariam em posição de exercer na sequência da anulação desta. Ora, pelos motivos expostos nos n.os 50 a 66, supra, a anulação da decisão impugnada não é suscetível de proporcionar às recorrentes o benefício que estas procuram, a saber, a possibilidade de apresentarem as suas observações no âmbito de um procedimento formal de investigação.

87      Resulta de todas as apreciações precedentes que a anulação da decisão impugnada não é suscetível de proporcionar, pelo seu resultado, nenhum benefício às recorrentes.

88      Por conseguinte, já não há que conhecer do recurso (v. n.os 36 a 38, supra).

 Quanto às despesas

89      Nos termos do artigo 137.o do Regulamento de Processo, se não houver lugar a decisão de mérito, o Tribunal decide livremente sobre as despesas. Tendo em conta que a Comissão apresentou pela primeira vez na audiência as informações principais relativas ao abandono do projeto controvertido, quando estas estavam em sua posse numa fase anterior, há que decidir que esta instituição suportará, além das suas próprias despesas, metade das despesas efetuadas pelas recorrentes e que estas últimas suportarão metade das suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

decide:

Já não há que conhecer do recurso interposto pela INC SpA e pelo Consorzio Stabile Sis SCpA.A Comissão Europeia suportará, além das suas próprias despesas, metade das despesas efetuadas pela INC e pelo Consorzio Stabile Sis.A INC e o Consorzio Stabile Sis suportarão metade das suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de setembro de 2021.


*      Língua do processo: inglês.