Language of document : ECLI:EU:C:2023:720

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ANTHONY MICHAEL COLLINS

apresentadas em 28 de setembro de 2023 (1)

Processo C509/22

Agenzia delle Dogane e dei Monopoli

contra

Girelli Alcool Srl

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália)]

«Reenvio prejudicial — Tributação — Impostos especiais de consumo — Diretiva 2008/118/CE — Artigo 7.o, n.o 4 — Exigibilidade do imposto especial de consumo — Introdução de produtos no consumo — Isenção em caso de inutilização total ou perda irremediável dos produtos em regime de suspensão do imposto — Caso fortuito — Autorização das autoridades competentes do Estado‑Membro — Perda irremediável devido a culpa não grave de um trabalhador do depositário autorizado»






 Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália) inscreve‑se no contexto de uma recusa da Agenzia delle Dogane e dei Monopoli (Agência Aduaneira e dos Monopólios, Itália) (a seguir «Agência Aduaneira») em conceder à Girelli Alcool Srl (a seguir «Girelli»), sociedade italiana que dispõe de um entreposto autorizado de álcool etílico e de uma instalação de desnaturação e acondicionamento, uma isenção do imposto especial de consumo respeitante a uma quantidade de álcool etílico puro irremediavelmente perdida devido a um erro imputável a um dos trabalhadores da Girelli.

2.        O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a interpretação do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118/CE (2). Pergunta se o conceito de «caso fortuito» deve ser interpretado da mesma forma que o de «força maior» e se abrange uma situação em que a perda irremediável de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo resulta de negligência ou de culpa não grave de um trabalhador de um depositário autorizado. Questiona igualmente a compatibilidade com esta disposição de uma legislação nacional que, para efeitos de obtenção de uma isenção do imposto especial sobre o consumo, equipara a culpa não grave ao caso fortuito e ao caso de força maior. Por último, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o alcance da autorização que as autoridades competentes dos Estados‑Membros podem conceder ao abrigo desta disposição.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3.        Em conformidade com os considerandos 8 e 9 da Diretiva 2008/118:

«(8)      Dado que, para o correto funcionamento do mercado interno, é necessário que o conceito e as condições de exigibilidade do imposto especial de consumo sejam uniformes em todos os Estados‑Membros, importa clarificar a nível comunitário em que momento os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo são introduzidos no consumo e bem assim quem é o devedor do imposto especial de consumo.

(9)      Dado que constitui um imposto sobre o consumo de determinados produtos, o imposto especial de consumo não deverá ser cobrado relativamente a produtos que, em determinadas circunstâncias, tenham sido inutilizados ou irremediavelmente perdidos.»

4.        O artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

«A presente diretiva estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo dos seguintes produtos, adiante designados “produtos sujeitos a impostos especiais de consumo”:

[…]

b)      Álcool e bebidas alcoólicas, abrangidos pela [Diretiva] 92/83/CEE [do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas (JO 1992, L 316, p. 21)] e pela [Diretiva] 92/84/CEE [do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à aproximação das taxas do imposto especial sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas (JO 1992, L 316, p. 29)];

[…]»

5.        O artigo 2.o da Diretiva 2008/118 dispõe:

«Os produtos sujeitos a imposto especial de consumo são tributados desse imposto no momento:

a)      Da sua produção […] no território da [União Europeia];

b)      Da sua importação no território da [União Europeia].»

6.        O capítulo II da referida diretiva, com a epígrafe «Exigibilidade, reembolso e isenção do imposto especial de consumo», contém uma secção 1, com a epígrafe «Momento e local de exigibilidade», na qual o artigo 7.o prevê o seguinte:

«1      O imposto especial de consumo torna‑se exigível no momento e no Estado‑Membro da introdução no consumo.

2.      Para efeitos da presente diretiva, por “introdução no consumo” entende‑se:

a)      A saída, mesmo irregular, de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo de um regime de suspensão do imposto;

b)      A detenção fora de um regime de suspensão do imposto de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo caso o imposto especial de consumo não tenha sido cobrado em conformidade com as disposições [do direito da União] e a legislação nacional aplicáveis;

c)      A produção, mesmo irregular, de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo fora de um regime de suspensão do imposto;

d)      A importação, mesmo irregular, de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, a menos que esses produtos sejam colocados, imediatamente após a importação, num regime de suspensão do imposto;

[…]

4.      Não é considerada introdução no consumo a inutilização total ou a perda irremediável dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto, por causa inerente à própria natureza dos produtos, devido a caso fortuito ou de força maior, ou na sequência de autorização das autoridades competentes do Estado‑Membro.

Para efeitos da presente diretiva, considera‑se que os produtos estão totalmente inutilizados ou irremediavelmente perdidos quando deixem de poder ser utilizados como produtos sujeitos a impostos especiais de consumo.

Deve fazer‑se prova suficiente da inutilização total ou da perda irremediável dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em causa às autoridades competentes do Estado‑Membro em que ocorreu a inutilização total ou a perda irremediável ou, quando não for possível determinar o local em que ocorreu a perda, do local em que foi detetada.

5.      Os Estados‑Membros fixam as suas próprias regras e condições para a determinação das perdas a que se refere o n.o 4.»

 Direito nacional

7.        Ao abrigo do artigo 2.o, n.o 2, do decreto legislativo n.o 504 — Testo unico delle disposizioni legislative concernenti le imposte sulla produzione e sui consumi e relative sanzioni penali e amministrative (Decreto Legislativo n.o 504, que estabelece o Texto Único das Disposições Legislativas Referentes aos Impostos sobre a Produção e sobre o Consumo e Sanções Penais e Administrativas na Matéria, Itália), de 26 de outubro de 1995 (3), conforme alterado pelo decreto legislativo n.o 48 — Attuazione della direttiva 2008/118/CE relativa al regime generale delle accise e che abroga la direttiva 92/12/CEE (Decreto Legislativo n.o 48, que aplica a Diretiva 2008/118/CE relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE), de 29 de março de 2010 (4), «[o] imposto especial de consumo torna‑se exigível no momento da introdução do produto no consumo no território do Estado».

8.        O artigo 4.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 504/1995 tem a seguinte redação:

«Em caso de perda irremediável ou inutilização total de produtos que se encontrem em regime de suspensão, é concedida a franquia para o respetivo imposto quando o sujeito passivo faça prova bastante à Administração Fiscal, de que a perda ou a inutilização dos produtos ocorreu na sequência de caso fortuito ou de força maior. Com exceção do tabaco manufaturado, os factos imputáveis a título de culpa não grave, a terceiros ou ao próprio sujeito passivo, são equiparados ao caso fortuito e ao de força maior.»

9.        O artigo 4.o, n.o 5, do Decreto Legislativo n.o 504/1995 prevê que «[se] considera que os produtos estão totalmente inutilizados ou irremediavelmente perdidos quando deixem de poder ser utilizados como produtos sujeitos a impostos especiais de consumo».

 Factos do litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

10.      Em 26 de março de 2014, durante as operações de carga de um reservatório nas instalações de desnaturação do álcool etílico da Girelli, na presença de um funcionário da Agência Aduaneira, verificou‑se o vazamento de álcool etílico puro que se espalhou no pavimento devido a uma válvula do reservatório que um dos trabalhadores da Girelli tinha deixado inadvertidamente aberta. Uma parte do produto foi recuperada, uma outra parte ficou irremediavelmente perdida.

11.      Em 31 de março de 2014, a Girelli pediu à Agência Aduaneira, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 504/1995, uma isenção do imposto especial de consumo relativamente à quantidade de álcool etílico puro que se perdeu acidentalmente.

12.      Em 5 de junho de 2014, a Agência Aduaneira indeferiu esse pedido com o fundamento de que a perda não resultou de caso fortuito ou de força maior, mas da imprudência e negligência de um trabalhador da Girelli.

13.      Em 25 de julho de 2014, a Girelli apresentou observações à Agência Aduaneira, nas quais contestava a exigibilidade do imposto especial de consumo sobre a quantidade de álcool etílico puro perdido.

14.      Em 3 de outubro de 2014, a Agência Aduaneira rejeitou essas observações. Emitiu uma nota de liquidação do imposto especial de consumo no montante de 17 476,24 euros, contra a qual a Girelli interpôs recurso para a Commissione tributaria provinciale di Milano (Comissão Tributária Provincial de Milão, Itália). A Girelli alegou, nomeadamente, a inexistência do facto gerador do imposto, uma vez que, tendo sido irremediavelmente perdido, o álcool etílico puro não foi introduzido no consumo. Sustentou igualmente que o facto danoso se devia a um caso fortuito ou, a título subsidiário, a «culpa não grave», uma vez que resulta da falta de atenção de um trabalhador.

15.      A Commissione tributaria provinciale di Milano (Comissão Tributária Provincial de Milão) deu provimento ao recurso da Girelli. Em seu entender, a perda deveu‑se a «uma inquestionável falta de diligência, que não pode, todavia, ser qualificada de “grave”».

16.      A Agência Aduaneira recorreu desta decisão para a Commissione tributaria regionale della Lombardia (Comissão Tributária Regional da Lombardia, Itália), que decidiu que a isenção devia ser concedida, uma vez que a perda do álcool etílico puro era irremediável e se devia a um caso fortuito.

17.      A Agência Aduaneira interpôs recurso de cassação desta última decisão para o órgão jurisdicional de reenvio, alegando, em substância, que, ao considerar o comportamento negligente do trabalhador da Girelli abrangido pelo conceito de «caso fortuito» e ao considerar, de qualquer modo, «não grave» a culpa deste trabalhador, a Commissione tributaria regionale della Lombardia (Comissão Tributária Regional da Lombardia) tinha violado o artigo 4.o do Decreto Legislativo n.o 504/1995.

18.      O órgão jurisdicional de reenvio observa que a sua jurisprudência adota duas abordagens diferentes sobre o conceito de caso fortuito. Segundo a primeira abordagem, de natureza subjetiva, o obrigado deve demonstrar a inexistência de culpa e que o dano ocorreu de forma não previsível nem evitável pelo esforço diligente adaptado às circunstâncias concretas do caso. De acordo com a segunda abordagem, de natureza objetiva, o comportamento diligente ou negligente dessa pessoa é irrelevante.

19.      O órgão jurisdicional de reenvio sustenta que se pode deduzir dos Acórdãos do Tribunal de Justiça proferidos nos processos Société Pipeline Méditerranée et Rhône (5) e Latvijas Dzelzceļš (6) que, no domínio dos impostos especiais de consumo, tanto o conceito de «força maior» como o de «caso fortuito» compreende um elemento objetivo, relativo às circunstâncias anormais e alheias ao operador, e um elemento subjetivo, relativo à obrigação de o interessado se precaver contra as consequências do acontecimento anormal adotando medidas adequadas sem consentir sacrifícios excessivos. Afigura‑se que estes dois conceitos partilham das mesmas características. Mesmo em relação ao caso fortuito, devem existir «circunstâncias alheias ao depositário autorizado, anormais e imprevisíveis, cujas consequências não poderiam ter sido evitadas, apesar de todos os esforços desenvolvidos por este», e o «requisito segundo o qual as circunstâncias devem ser alheias ao depositário autorizado não se limita a circunstâncias exteriores a este, numa aceção material ou física, mas visa igualmente circunstâncias que, objetivamente, escapam ao controlo do depositário autorizado ou que se situam fora da sua esfera de responsabilidade» (7).

20.      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a isenção prevista no artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118 pode ser concedida quando o acontecimento que causou a perda irremediável dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo resulta de falta de diligência, prudência ou competência do depositário ou do seu trabalhador. Tendo em conta os seus elementos objetivos e subjetivos, os conceitos de «força maior» e de «caso fortuito» não se aplicam ao comportamento caracterizado pela culpa, nomeadamente um erro devido a negligência, que é por natureza previsível e evitável.

21.      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta igualmente se o conceito de «caso fortuito» se distingue do de «força maior» no que respeita ao nível de diligência que a pessoa em causa deve empregar na tomada das precauções para evitar um facto danoso.

22.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que, ao equiparar a culpa não grave à «força maior» e ao «caso fortuito», o artigo 4.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 504/1995 parece prever uma causa adicional de isenção do imposto especial de consumo, por referência a um critério subjetivo da diligência da pessoa em causa.

23.      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio questiona se a expressão «na sequência de autorização das autoridades competentes do Estado‑Membro», que figura no artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118, pode ser interpretada no sentido de que permite que os Estados‑Membros definam outras categorias gerais que deem origem a uma isenção do imposto especial de consumo. O órgão jurisdicional de reenvio entende que a economia desta disposição, que se refere, por sua vez, à «própria natureza dos produtos», a «caso fortuito» e «força maior», pode levar a pensar que esta expressão tem um alcance restritivo e residual. Refere‑se, portanto, a outros acontecimentos específicos, que não são identificáveis a priori, mas que dizem respeito a elementos de facto particulares que, uma vez que são objeto de uma apreciação concreta e prévia pelas autoridades competentes, podem justificar a adoção de uma decisão de inutilização do produto. Este entendimento é confirmado pelo facto de as causas de isenção, visto que derrogam o regime geral de tributação, deverem ser objeto de interpretação estrita e pela utilização do termo «circunstâncias» no considerando 9 da Diretiva 2008/118.

24.      Por conseguinte, o Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Em primeiro lugar, deve o conceito de caso fortuito na origem das perdas ocorridas em regime de suspensão, na aceção do artigo 7.o, n.o 4, da [Diretiva 2008/118], ser entendido, como o caso de força maior, no sentido de circunstâncias alheias ao depositário autorizado, anormais e imprevisíveis, que não poderiam ser evitadas ainda que este tivesse tomado todas as precauções possíveis, escapando objetivamente a qualquer possibilidade de controlo da sua parte?

2)      Além disso, para efeitos da exclusão da responsabilidade na hipótese de caso fortuito, é pertinente, e em que termos, a diligência empregue na tomada das precauções necessárias para evitar o facto danoso?

3)      A título subsidiário em relação às duas primeiras questões, uma disposição como o artigo 4.o, n.o 1, do [Decreto Legislativo n.o 504/1995], que equipara ao caso fortuito e ao caso de força maior a culpa não grave (da própria pessoa ou de terceiros), é compatível com o regime previsto no artigo 7.o, n.o 4, da [Diretiva 2008/118], que não prevê outras condições, nomeadamente relativas à “culpa” do autor do facto ou do sujeito ativo?

4)      Por último, pode a disposição, também constante do referido artigo 7.o, n.o 4, “ou na sequência de autorização das autoridades competentes do Estado‑Membro” ser entendida no sentido de que permite ao Estado‑Membro estabelecer outra categoria geral (a culpa leve) suscetível de afetar a definição de introdução no consumo em caso de inutilização ou perda do produto, ou essa expressão não pode incluir uma cláusula desse género, devendo, pelo contrário, ser entendida no sentido de que se refere a hipóteses específicas, autorizadas casuisticamente ou, em todo o caso, estabelecidas para situações definidas nos seus componentes objetivos?»

25.      A Girelli, o Governo Italiano e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. O Tribunal de Justiça colocou perguntas ao Parlamento Europeu, ao Conselho e à Comissão para serem respondidas por escrito. Estas instituições responderam no prazo fixado. Na audiência de 7 de junho de 2023, a Girelli e a Comissão apresentaram alegações orais e responderam às perguntas do Tribunal de Justiça.

 Apreciação jurídica

 Quanto à admissibilidade

26.      Sem alegar formalmente a inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial, a Girelli sustenta que as questões prejudiciais não estão abrangidas pelo âmbito do litígio no processo principal. Por força do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2008/118 e do artigo 2.o, n.o 2, do Decreto Legislativo n.o 504/1995, o imposto especial de consumo torna‑se exigível no momento da introdução no consumo. Após se ter espalhado no pavimento das instalações de desnaturação, o álcool etílico puro deixou de poder ser utilizado como produto sujeito a imposto especial de consumo e, portanto, ficou irremediavelmente perdido (8), pelo que não se pode, em caso algum, considerar que foi introduzido no consumo.

27.      Segundo jurisprudência constante, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. Tais questões gozam, portanto, de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, ou quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de direito e de facto necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (9).

28.      O [presente] reenvio prejudicial implica que se determine se, nas circunstâncias aí descritas, a perda irremediável de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo pode ser considerada uma introdução no consumo na aceção do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118. Contrariamente ao que sustenta a Girelli, o facto de os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo terem sido totalmente inutilizados ou irremediavelmente perdidos não é necessariamente incompatível com a sua introdução no consumo. Como resulta do considerando 9 da Diretiva 2008/118, só «em determinadas circunstâncias» definidas no artigo 7.o, n.o 4, desta diretiva é que, quando esses produtos tenham sido totalmente inutilizados ou irremediavelmente perdidos, não pode ser cobrado imposto. O órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça para esclarecer se uma situação como a que está em causa no processo principal está abrangida por essas circunstâncias.

29.      Daqui resulta que as questões prejudiciais são úteis e pertinentes para a resolução do litígio submetido ao órgão jurisdicional de reenvio. Aconselho, por conseguinte, o Tribunal de Justiça a responder a essas questões.

 Quanto ao mérito

 Quanto à primeira questão

30.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio procura determinar se o conceito de «caso fortuito», que figura no artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118, deve ser entendido, à semelhança do conceito de «força maior», no sentido de circunstâncias, alheias ao depositário autorizado, anormais e imprevisíveis cujas consequências não poderiam ser evitadas apesar de todos os esforços desenvolvidos, e que, objetivamente, escapam ao controlo do depositário ou que se situam fora da sua esfera de responsabilidade (10).

31.      A Diretiva 2008/118 não define os conceitos de «caso fortuito» e de «força maior» nem remete para o direito dos Estados‑Membros para esse efeito (11).

32.      Afigura‑se que as observações escritas da Girelli se baseiam no artigo 7.o, n.o 5, da Diretiva 2008/118 para afirmar que os Estados‑Membros gozam de uma certa margem de apreciação quando concedem uma isenção do imposto especial de consumo. O Governo Italiano e a Comissão observam, corretamente na minha opinião, que a remissão para as regras e condições nacionais que consta desta disposição não altera o significado dos conceitos de «caso fortuito» e de «força maior» que figuram no artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118 (12). Como a Comissão explicou na audiência, a margem de apreciação que o artigo 7.o, n.o 5, da Diretiva 2008/118 concede aos Estados‑Membros limita‑se a questões acessórias. Trata‑se, nomeadamente, das formalidades a cumprir e dos prazos para declarar a inutilização ou a perda de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, ou para solicitar às autoridades competentes autorização para inutilizar esses produtos, ou as provas a apresentar para demonstrar essa inutilização ou perda ou a existência de caso fortuito ou de força maior.

33.      Ao afirmar que, para o bom funcionamento do mercado interno, é necessário que o conceito e as condições de exigibilidade do imposto especial de consumo sejam uniformes em todos os Estados‑Membros, o considerando 8 da Diretiva 2008/118 confirma a abordagem defendida pelo Governo Italiano e pela Comissão. Este considerando explica igualmente a razão pela qual o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118 define precisamente o momento em que se deve considerar que os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo foram introduzidos no consumo e, portanto, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, da mesma diretiva, o momento em que o imposto especial de consumo sobre esses produtos se torna exigível. Visto que o conteúdo e o alcance dos conceitos de «caso fortuito» e de «força maior» são fatores pertinentes para a determinação da exigibilidade do imposto especial de consumo (13), revestem‑se necessariamente de caráter autónomo, devendo ser aplicados de modo uniforme em toda a União (14).

34.      Daqui resulta que, visto que o artigo 7.o, n.o 5, da Diretiva 2008/118 confere aos Estados‑Membros uma margem de apreciação para concederem isenções do imposto especial de consumo, esta margem não tem relevância nas definições dos conceitos de «caso fortuito» e de «força maior» que constam do artigo 7.o, n.o 4, da mesma diretiva.

35.      O Tribunal de Justiça ainda não interpretou os conceitos de «caso fortuito» e de «força maior» que figuram no artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118. No Acórdão SPMR, que interpretou o artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 92/12, que antecedeu a Diretiva 2008/118, o Tribunal de Justiça debruçou‑se sobre o conceito de «força maior» no âmbito dos impostos especiais de consumo (15). Declarou que a economia e a finalidade da Diretiva 92/12 não impõem que os elementos constitutivos do conceito de «força maior», como resultam da sua jurisprudência noutros setores do direito da União (16), sejam interpretados e aplicados de forma especial (17). Assim, o Tribunal de Justiça declarou que a definição de força maior que tinha adotado nesses outros setores do direito da União se aplicava igualmente ao artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 2008/118 (18). Segundo esta definição, que pode ser qualificada de «habitual», o conceito de «força maior» não exige uma impossibilidade absoluta, devendo ser entendido como sendo constituído por circunstâncias alheias ao operador em causa, anormais e imprevisíveis, cujas consequências não poderiam ser evitadas apesar de todos os esforços desenvolvidos (19). Assim, o conceito de «força maior» abrange dois elementos: um elemento objetivo, relativo à natureza das circunstâncias, anormais e alheias ao operador em causa, e um elemento subjetivo, relativo à obrigação de este operador se precaver contra as consequências de um acontecimento anormal, adotando medidas adequadas sem, todavia, consentir sacrifícios excessivos (20).

36.      Consequentemente, o Tribunal de Justiça declarou que um depositário autorizado só pode invocar em seu favor a franquia prevista no artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 92/12, «se fizer prova da existência de circunstâncias que lhe são alheias, anormais e imprevisíveis, e cujas consequências não poderiam ser evitadas, apesar de todos os esforços desenvolvidos.» A aplicação destes requisitos no contexto desta disposição não deve conduzir a que o depositário autorizado se imponha uma responsabilidade absoluta pelas perdas de produtos que se encontrem em regime de suspensão. O requisito segundo o qual as circunstâncias devem ser alheias ao depositário autorizado não se limita a circunstâncias exteriores a este, numa aceção material ou física, sendo antes aquelas «que, objetivamente, escapam ao controlo do depositário autorizado ou que se situam fora da sua esfera de responsabilidade» (21).

37.      Na minha opinião, as etapas do raciocínio que o Tribunal de Justiça aplicou a estas conclusões podem ser transpostas para a definição do conceito de «força maior» na aceção do artigo 7.o, n.o 4, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/118.

38.      Em primeiro lugar, resulta da conjugação dos considerandos 2 e 8 e do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2008/118 que esta visa garantir o funcionamento adequado do mercado interno dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo. Para este efeito, contém um regime geral segundo o qual o conceito de impostos especiais de consumo e as condições da sua exigibilidade devem ser idênticos em todos os Estados‑Membros (22).

39.      Em seguida, por força do artigo 2.o da Diretiva 2008/118, os produtos sujeitos a imposto especial de consumo (23) estão sujeitos a esse imposto no momento da sua produção ou da sua importação no território da União. Em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2008/118, este imposto só se torna exigível no momento da sua introdução no consumo. Por referência ao artigo 7.o, n.o 2, alínea a), da mesma diretiva, a introdução no consumo inclui a saída, mesmo irregular, de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo de um regime de suspensão do imposto (24).

40.      Por último, de uma interpretação a contrario do artigo 7.o, n.o 4, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/118 deduz‑se que a inutilização total ou a perda irremediável dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto deve ser equiparada à introdução no consumo, salvo nos casos taxativamente enumerados nesta disposição, que incluem o caso fortuito ou de força maior (25).

41.      Daqui resulta que, no âmbito da Diretiva 2008/118, os impostos especiais de consumo são, por regra, também exigíveis relativamente a produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto totalmente inutilizados ou irremediavelmente perdidos. Como refere, acertadamente, a Comissão nas suas observações escritas e na sua resposta a uma das perguntas escritas do Tribunal de Justiça, a isenção prevista no artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118 em caso de inutilização ou de perda de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo devido, nomeadamente, a caso fortuito ou de força maior, constitui uma derrogação a esta regra geral e deve, por conseguinte, ser objeto de interpretação estrita (26).

42.      Por conseguinte, sou de opinião que a definição «habitual» de «força maior» que o Tribunal de Justiça adotou no Acórdão SPMR no âmbito do artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 92/12 — incluindo os esclarecimentos que figuram nos n.os 32 e 33 desse acórdão (27) — se aplica igualmente no âmbito do artigo 7.o, n.o 4, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/118. Esta análise parece ser confirmada pela afirmação do Tribunal de Justiça que consta do Acórdão IMPERIAL TOBACCO BULGARIA segundo a qual, uma vez que as disposições pertinentes da Diretiva 92/12 têm um alcance, em substância, idêntico às da Diretiva 2008/118, a sua jurisprudência relativa a esta primeira diretiva é igualmente aplicável à segunda (28).

43.      Quanto ao significado e alcance do conceito de «caso fortuito» que figura no artigo 7.o, n.o 4, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/118, as referências feitas pelo órgão jurisdicional de reenvio, pelo Governo Italiano e pela Comissão ao Acórdão Latvijas Dzelzceļš parecem ser particularmente pertinentes. Nesse acórdão, a questão em causa era a de saber se a fuga de solvente de uma cisterna causada pelo facto de o dispositivo de descarga inferior de um vagão‑cisterna não ter sido corretamente fechado ou ter sido danificado, podia ser considerada um caso fortuito ou de força maior na aceção do artigo 206.o, n.o 1, do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 (29). No seu acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que, no contexto da regulamentação aduaneira, os conceitos de «força maior» e de «caso fortuito» são ambos caracterizados pelo elemento objetivo e pelo elemento subjetivo descritos no n.o 35 das presentes conclusões (30). Assim, o Tribunal de Justiça atribuiu o mesmo conteúdo aos dois conceitos e reiterou a sua definição «habitual» de força maior (31). Nada parece opor‑se a que a assimilação, que consta do Acórdão Latvijas Dzelzceļš, dos conceitos de «força maior» e de «caso fortuito», na aceção do artigo 206.o, n.o 1, do Código Aduaneiro, se aplique igualmente ao artigo 7.o, n.o 4, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/118 (32).

44.      Em apoio desta conclusão, observo, em primeiro lugar, que as duas disposições têm um conteúdo semelhante.

45.      Em segundo lugar, no Acórdão Latvijas Dzelzceļš, o Tribunal de Justiça afirmou que o artigo 206.o, n.o 1, do Código Aduaneiro é uma exceção à regra prevista no artigo 204.o, n.o 1, alínea a), do mesmo, que define os factos constitutivos da dívida aduaneira na importação, e que, por conseguinte, os conceitos de «força maior» e de «caso fortuito», na aceção da primeira destas normas, devem ser interpretados de forma estrita (33). Estes dois conceitos são suscetíveis de afetar a exigibilidade do imposto especial de consumo no âmbito da isenção do imposto especial de consumo prevista no artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118. Enquanto derrogação a uma regra geral, devem, portanto, ser igualmente interpretados de forma estrita (34).

46.      Como refere o Governo Italiano nas suas observações escritas, o Tribunal de Justiça, no Acórdão Dansk Transport og Logistik (35), sublinhou a existência de «semelhanças entre os direitos aduaneiros e os impostos especiais de consumo na medida em que surgem com a importação de mercadorias na [União] e a subsequente introdução destas no circuito económico dos Estados‑Membros». Tendo em conta estas semelhanças, e para garantir uma interpretação coerente da regulamentação da União aplicável, o Tribunal de Justiça declarou que há que considerar que a extinção dos impostos especiais de consumo tem lugar nas mesmas circunstâncias que as dos direitos aduaneiros.

47.      Por último, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça noutros domínios do direito da União que este não distingue claramente os conceitos de «caso fortuito» e de «força maior», mas, de facto, os equipara (36). Como salientou a advogada‑geral J. Kokott nas suas Conclusões no processo SPMR (37), o Tribunal de Justiça aprecia frequentemente estes conceitos em conjunto, por referência aos mesmos critérios e sem maior explicação quanto às diferenças entre si. Por exemplo, no Acórdão RF/Comissão (38), que dizia respeito à regulamentação respeitante aos prazos processuais constante do artigo 45.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, o Tribunal de Justiça declarou que «os conceitos de “caso fortuito” e de “força maior” compreendem os mesmos elementos e as mesmas consequências jurídicas». Na mesma ordem de ideias, pode observar‑se que, nos casos muito raros em que o Tribunal de Justiça definiu separadamente o conceito de «caso fortuito», adotou exatamente os mesmos termos que os utilizados para definir o conceito de «força maior» (39).

48.      Quanto à referência na primeira questão, in fine, ao facto de as circunstâncias deverem «escapa[r] objetivamente a qualquer possibilidade de controlo da […] parte [do depositário]», diz respeito ao elemento objetivo do conceito de «caso fortuito» e deve ser lida à luz dos n.os 32 e 33 do Acórdão SPMR, como se explica no n.o 36 das presentes conclusões. Também neste caso, não vejo nenhuma razão pela qual as conclusões apresentadas nestes números, desenvolvidas a propósito do conceito de «força maior», não se devam aplicar ao conceito de «caso fortuito».

49.      Tendo em conta o acima exposto, partilho da opinião do Governo Italiano e da Comissão segundo a qual o conceito de «caso fortuito», que figura no artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118, deve ser interpretado, à semelhança do conceito de «força maior» que consta desta disposição, no sentido de que se refere a circunstâncias alheias ao depositário autorizado, anormais e imprevisíveis, cujas consequências não poderiam ser evitadas apesar de todos os esforços desenvolvidos por este (40). O requisito segundo o qual as circunstâncias devem ser alheias ao depositário autorizado não se limita a circunstâncias que escapam ao seu controlo, numa aceção material ou física, mas incluem aquelas que objetivamente escapam ao seu controlo ou que se situam fora da sua esfera de responsabilidade.

 Quanto à segunda questão

50.      Com a segunda questão, pergunta‑se, em substância, se o reconhecimento do caso fortuito, na aceção do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118, exige que o depositário autorizado tenha desenvolvido todos os esforços para evitar a ocorrência do facto danoso.

51.      O Governo Italiano e a Comissão interpretam esta questão no sentido de que a mesma incide sobre o elemento subjetivo do conceito de «caso fortuito». Por conseguinte, a Comissão considera que o órgão jurisdicional de reenvio procura determinar se o desenvolvimento de todos os esforços pode ser relevante no que respeita à obrigação de o depositário autorizado se precaver contra as consequências de um acontecimento anormal, adotando medidas adequadas sem consentir sacrifícios excessivos.

52.      Analisada nesta perspetiva, partilho da opinião da Comissão segundo a qual as conclusões do Tribunal de Justiça apresentadas no Acórdão SPMR (41) podem ser aplicadas por analogia para determinar se o elemento subjetivo tinha sido preenchido nas circunstâncias do presente processo. Resulta do n.o 37 desse acórdão que, ainda que o cumprimento das exigências técnicas relativas à operação a realizar possa ser um requisito necessário para fundamentar uma conclusão segundo a qual existiu um comportamento diligente, uma diligência suficiente pressupõe ainda um comportamento ativo continuado, orientado para a identificação e a avaliação dos riscos potenciais, assim como a capacidade de tomar medidas adequadas e eficazes para prevenir que esses riscos se verifiquem.

53.      Tendo em conta estas constatações, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se, no litígio no processo principal, o depositário autorizado não só cumpriu as exigências técnicas relativas à operação de carga de álcool etílico para o reservatório, mas também tinha identificado e avaliado os riscos potenciais de fuga, tendo em consideração os aparelhos mecânicos utilizados para carregar o reservatório e tinha tomado todas as medidas necessárias para evitar esses riscos. Quanto a este último ponto, como sugere o próprio órgão jurisdicional de reenvio, este poderia verificar se o depositário autorizado tinha instalado dispositivos de segurança para bloquear a abertura de válvulas aquando do carregamento do reservatório. Partilho da opinião do Governo Italiano segundo a qual tal medida preventiva não teria implicado um sacrifício excessivo.

54.      Contudo, resulta da redação da segunda questão prejudicial e da fundamentação do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio questiona o Tribunal de Justiça sobre o nível de diligência que o depositário autorizado deve empregar, não tanto para se precaver contra as consequências de um acontecimento anormal, mas sim para evitar a sua ocorrência.

55.      Entendida desta forma, a segunda questão prejudicial inclui tanto o elemento subjetivo como o elemento objetivo que, em conjunto, constituem o caso fortuito.

56.      A este respeito, pode ser estabelecido um paralelismo com os factos que deram origem ao Acórdão Latvijas Dzelzceļš, que abordou, nomeadamente, a questão de saber se a fuga de solvente de uma cisterna devia ser considerada um caso fortuito ou de força maior. No caso de a fuga ter sido causada pelo fecho incorreto de um dispositivo de descarga, o Tribunal de Justiça declarou que não se tratava de uma circunstância anormal ou estranha ao operador que efetua o transporte de líquidos, mas como a consequência de uma falta de diligência normalmente exigida no âmbito da sua atividade. Consequentemente, declarou que nem o elemento objetivo nem o elemento subjetivo que caracterizam os conceitos de «força maior» e de «caso fortuito» tinham sido respeitados (42).

57.      No caso em apreço, considero que, se a perda irremediável de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo se dever ao comportamento negligente do trabalhador do depositário autorizado no exercício das suas funções, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, falta o elemento objetivo do caso fortuito. Esse tipo de comportamento não constitui uma circunstância anormal e estranha a esse operador e situa‑se claramente na sua esfera de controlo ou de responsabilidade.

58.      Quanto ao elemento subjetivo, que implica uma apreciação do comportamento da pessoa em causa, entendo que a inexistência de culpa, quer seja considerada «não grave» ou negligente, é uma condição essencial para a existência de um caso fortuito. Não se verifica um caso fortuito quando uma parte não emprega a diligência que é normalmente exigida às pessoas que exercem uma atividade comercial.

59.      Tendo em conta estas observações, proponho que o Tribunal de Justiça responda à segunda questão do seguinte modo: o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que o reconhecimento de um caso fortuito exige que o depositário autorizado tenha desenvolvido todos os esforços para evitar a ocorrência do facto danoso.

 Quanto à terceira questão

60.      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que equipara o caso fortuito e de força maior a factos constitutivos de uma culpa não grave, que sejam imputáveis ao devedor do imposto ou a um terceiro.

61.      Resulta da minha análise da primeira e segunda questões que um comportamento negligente ou a culpa suscetível de ser qualificada de «não grave» imputável ao operador em causa, ou a um dos seus trabalhadores, não constitui um caso fortuito ou de força maior, na aceção do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118. A culpa não grave de um terceiro, e não do devedor do imposto ou de um dos seus trabalhadores, só pode constituir um caso fortuito ou de força maior, na aceção desta disposição, se estiverem reunidos o elemento objetivo e o elemento subjetivo que caracterizam estes dois conceitos.

62.      Nesse âmbito, o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118 contém uma lista exaustiva das circunstâncias em que a inutilização total ou a perda irremediável dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto não devem ser consideradas introdução no consumo e, por conseguinte, não dão origem à exigência do imposto sobre o consumo. Esta disposição não se refere a culpa não grave. Como a Comissão indica na sua resposta a uma pergunta escrita do Tribunal de Justiça, a limitação da isenção do imposto especial de consumo às três circunstâncias aí descritas explica‑se pelo facto de a Diretiva 2008/118 visar, nomeadamente, prevenir as fraudes e os abusos. O legislador da União considerou que as circunstâncias enunciadas nesta disposição assentavam numa presunção que excluía qualquer risco de fraude ou de abuso. Esta presunção não pode aplicar‑se em caso de culpa não grave, independentemente de ser imputada ao devedor do imposto ou a um terceiro.

63.      Uma vez que o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118 derroga a regra geral segundo a qual o imposto especial de consumo é igualmente exigível relativamente aos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto que tenham sido totalmente inutilizados ou irremediavelmente perdidos (43), deve ser objeto de interpretação estrita. Daqui resulta que os Estados‑Membros não podem acrescentar causas de isenção do imposto especial de consumo que não figurem nesta disposição. Como parece reconhecer o Governo Italiano nas suas observações escritas, permitir aos Estados‑Membros fazê‑lo prejudicaria o objetivo enunciado no considerando 8 da Diretiva 2008/118, segundo o qual, para o correto funcionamento do mercado interno, é necessário que o conceito e as condições de exigibilidade do imposto especial de consumo sejam uniformes em todos os Estados‑Membros.

64.      Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda à terceira questão do seguinte modo: o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que equipara os factos constitutivos de uma culpa não grave a um caso fortuito e de força maior.

 Quanto à quarta questão

65.      A quarta questão tem em vista saber se a expressão «na sequência de autorização das autoridades competentes do Estado‑Membro», que figura no artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118, deve ser entendida no sentido de que permite aos Estados‑Membros acrescentarem uma circunstância geral fundada em culpa não grave àquelas circunstâncias estabelecidas nesta disposição quando a inutilização total ou a perda irremediável dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo não constitua uma introdução no consumo.

66.      Partilho do ponto de vista do Governo Italiano e da Comissão segundo o qual a expressão examinada deve ser entendida no sentido de que se refere à possibilidade de as autoridades nacionais competentes autorizarem, casuisticamente, a inutilização de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, quando condições ou exigências específicas justifiquem uma isenção do imposto especial de consumo. Concretamente, o termo «autorização», lido no seu contexto, refere‑se ao direito de essas autoridades adotarem autorizações em casos individuais. Não confere aos Estados‑Membros a possibilidade de acrescentarem, por via legislativa ou regulamentar, circunstâncias adicionais às previstas no artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118.

67.      O facto de a expressão examinada começar pelos termos «na sequência de» esclarece igualmente, como sustenta acertadamente a Comissão, que uma autorização deve preceder o acontecimento que a mesma permite. Pela sua própria natureza, acontecimentos imprevisíveis, como a perda irremediável de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, não podem ser objeto de autorização prévia.

68.      Como se explica no n.o 63 das presentes conclusões, se se permitisse aos Estados‑Membros acrescentarem, mediante autorizações concedidas ao abrigo do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118, circunstâncias gerais adicionais em que a inutilização total ou a perda irremediável de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo não fossem consideradas introdução no consumo, estes poderiam determinar de forma autónoma as condições de exigibilidade do imposto especial de consumo, pondo assim em causa o objetivo de harmonização enunciado no considerando 8 da Diretiva 2008/118. Esta possibilidade seria igualmente contrária ao princípio de interpretação estrita de uma disposição derrogatória, como o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118.

69.      Resulta das considerações anteriores que o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que a expressão «na sequência de autorização das autoridades competentes do Estado‑Membro» não permite aos Estados‑Membros acrescentarem uma circunstância geral fundada em culpa não grave às circunstâncias em que a inutilização total ou a perda irremediável dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo não é considerada introdução no consumo.

 Observações finais

70.      Nas suas observações escritas, a Girelli sublinha que, no caso em apreço, é pacífico que o álcool etílico que se espalhou no pavimento das suas instalações de desnaturação devido a um erro cometido por um dos seus trabalhadores ficou irremediavelmente perdido e já não pôde ser introduzido no consumo. Uma vez que um funcionário da Agência Aduaneira estava presente e registou o incidente num relatório, não existiu risco de fraude ou abuso.

71.      Poder‑se‑ia ser tentado a perguntar se o facto de a Diretiva 2008/118 não prever nenhuma derrogação à exigibilidade do imposto especial de consumo em tal situação, como resulta das respostas que proponho às quatro questões prejudiciais, é conforme com o princípio da proporcionalidade.

72.      Em minha opinião, esta questão não é submetida ao Tribunal de Justiça.

73.      No pedido de decisão prejudicial está em causa a interpretação, e não a validade, do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118. No âmbito da repartição de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça no âmbito do artigo 267.o TFUE, cabe aos primeiros decidir da pertinência das questões prejudiciais que submetem. No entanto, o Tribunal de Justiça pode identificar, com base no conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, os elementos do direito da União que requerem, tendo em conta o objeto do litígio, uma interpretação ou uma apreciação de validade (44). As dúvidas que o órgão jurisdicional de reenvio pode expressar quanto à validade de um ato da União, ou a circunstância de tal questão ter sido levantada no litígio no processo principal, constituem elementos que o Tribunal de Justiça tem em conta no âmbito da sua apreciação da questão de saber se deve conhecer oficiosamente da questão da validade de um ato, quanto ao qual, tenha sido pedida a interpretação pelo órgão jurisdicional de reenvio (45).

74.      Não resulta da decisão de reenvio que as partes principais pretendem impugnar a validade da Diretiva 2008/118. O órgão jurisdicional de reenvio também não se pronuncia sobre esta questão. Nestas circunstâncias, sou de opinião que o Tribunal de Justiça não tem de examinar esta questão.

75.      Em todo o caso, partilho da opinião da Comissão segundo a qual o facto de a Diretiva 2008/118 não prever nenhuma derrogação à exigibilidade do imposto especial de consumo numa situação como a descrita no n.o 70 das presentes conclusões não é contrário ao princípio da proporcionalidade.

76.      Entendo que a equiparação da perda irremediável de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo colocados em regime de suspensão do imposto devido ao comportamento negligente de um depositário autorizado ou de um dos seus trabalhadores à introdução no consumo é justificada pelo objetivo legítimo de estabelecer, ao nível da União, todas as condições de exigibilidade do imposto especial de consumo, a fim de garantir o funcionamento adequado do mercado interno. Considero igualmente que tal equiparação não vai além do que é adequado e necessário para alcançar esse objetivo. Como a Comissão alegou tanto na sua resposta a uma pergunta escrita do Tribunal de Justiça como na audiência, a falta de exigibilidade do imposto especial de consumo nessas circunstâncias poderia comprometer todo o sistema de tributação e cobrança dos impostos especiais de consumo ao permitir eludir o pagamento desses direitos.

77.      Deve ser tido em consideração o facto de o artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118 estabelecer igualmente uma linha de demarcação entre as perdas irremediáveis que desencadeiam a exigibilidade do imposto especial de consumo e as que, excecionalmente, dão origem a uma isenção. Do mesmo modo, esta disposição define e limita os riscos que os operadores responsáveis pela aplicação do regime suspensivo assumem voluntariamente. No caso em apreço, entendo que a legislação é suficientemente clara para permitir aos depositários autorizados determinarem a natureza e a extensão dos riscos — incluindo as perdas causadas por um comportamento negligente — que assumem ao abrigo do regime especial de que beneficiam e, portanto, contra os quais podem optar por segurar‑se (46).

78.      Por último, na sua resposta a uma das perguntas escritas do Tribunal de Justiça e na audiência, a Comissão evocou a possibilidade de, numa situação muito específica como a descrita no n.o 70 das presentes conclusões, as autoridades nacionais competentes poderem, após a ocorrência de uma perda irremediável, adotar uma decisão administrativa com a qual concedem uma isenção do imposto especial de consumo. Em meu entender, não existe base jurídica para a concessão de tal isenção. Interrogada sobre este ponto na audiência, a Comissão não conseguiu identificar nenhuma base jurídica para esta abordagem (47). Essa possibilidade seria, em todo o caso, manifestamente contrária ao objetivo de harmonização prosseguido pela Diretiva 2008/118 e à exigência que daí decorre de interpretar de forma restritiva o seu artigo 7.o, n.o 4.

 Conclusão

79.      À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália) nos seguintes termos:

1)      O artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE,

deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «caso fortuito», que figura nesta disposição, se refere, à semelhança do conceito de «força maior», a circunstâncias alheias ao depositário autorizado, anormais e imprevisíveis, cujas consequências não poderiam ser evitadas, apesar de todos os esforços desenvolvidos por este. O requisito segundo o qual as circunstâncias devem ser alheias ao depositário autorizado não se limita a circunstâncias que escapam ao seu controlo, numa aceção material ou física, mas incluem aquelas que objetivamente se situam fora da sua esfera de responsabilidade.

2)      O artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118

deve ser interpretado no sentido de que o reconhecimento de um caso fortuito exige que o depositário autorizado tenha desenvolvido todos os esforços para evitar a ocorrência do facto danoso.

3)      O artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118

deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que equipara os factos constitutivos de uma culpa não grave a um caso fortuito e de força maior.

4)      O artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118

deve ser interpretado no sentido de que a expressão «na sequência de autorização das autoridades competentes do Estado‑Membro», que figura nesta disposição, não permite aos Estados‑Membros acrescentarem uma circunstância geral fundada em culpa não grave às circunstâncias em que a inutilização total ou a perda irremediável dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo não é considerada introdução no consumo.


1      Língua original: inglês.


2      Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE (JO 2009, L 9, p. 12). Esta diretiva foi reformulada e revogada, com efeitos a partir de 13 de fevereiro de 2023, pela Diretiva (UE) 2020/262 do Conselho, de 19 de dezembro de 2019, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo (JO 2020, L 58, p. 4).


3      Suplemento ordinário da GURI n.o 279, de 29 de novembro de 1995 (a seguir «Decreto n.o 504/1995»).


4      GURI n.o 75, de 31 de março de 2010.


5      Acórdão de 18 de dezembro de 2007 (C‑314/06, a seguir «Acórdão SPMR», EU:C:2007:817).


6      Acórdão de 18 de maio de 2017 (C‑154/16, a seguir «Acórdão Latvijas Dzelzceļš», EU:C:2017:392).


7      O órgão jurisdicional de reenvio cita o n.o 40 do Acórdão SPMR. A primeira questão prejudicial, in fine, deve ser entendida à luz desta citação.


8      A Girelli remete para o artigo 7.o, n.o 4, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/118 e para o artigo 4.o, n.o 5, do Decreto Legislativo n.o 504/1995.


9      Acórdão de 13 de outubro de 2022, Baltijas Starptautiskā Akadēmija e Stockholm School of Economics in Riga (C‑164/21 e C‑318/21, EU:C:2022:785, n.os 32 e 33 e jurisprudência referida).


10      A redação desta questão baseia‑se, em substância, nos termos utilizados pelo Tribunal de Justiça nos n.os 23 e 33 do Acórdão SPMR para definir o conceito de «força maior» no âmbito da Diretiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO 1992, L 76, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 94/74/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994 (JO 1994, L 365, p. 46). V. também n.o 36 das presentes conclusões.


11      A ordem jurídica da União não define, em princípio, conceitos por referência a uma ou várias ordens jurídicas nacionais, salvo disposição expressa nesse sentido. V., neste sentido, Acórdão SPMR (n.o 21 e jurisprudência referida).


12      Ibidem.


13      V. artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118.


14      V., neste sentido, Acórdão SPMR (n.o 22).


15      A Diretiva 2008/118 revogou e substituiu a Diretiva 92/12 com efeitos a partir de 1 de abril de 2010. Por força do artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 92/12, «[o] depositário autorizado beneficiará de uma franquia para as perdas ocorridas durante o regime de suspensão, devido a casos fortuitos ou a casos de força maior determinados pelas autoridades de cada Estado‑Membro».


16      Como a regulamentação agrícola ou as regras relativas aos prazos de recurso enunciados no artigo 45.o do Estatuto do Tribunal de Justiça.


17      Segundo jurisprudência constante, não tendo o conceito de força maior o mesmo conteúdo nos diversos domínios de aplicação do direito da União, o seu significado deve ser determinado em função do quadro legal no qual está destinado a produzir efeitos (v. Acórdão, n.o 25 SPMR e jurisprudência referida). Como observa a advogada‑geral J. Kokott nas suas Conclusões nos processos Société Pipeline Méditerranée et Rhône (C‑314/06, EU:C:2007:457, n.o 31) e Comissão/Itália (C‑334/08, EU:C:2010:187, n.o 21), a definição de força maior é de aplicação geral.


18      Acórdão SPMR (n.os 25 a 31).


19      Acórdão SPMR (n.o 23 e jurisprudência referida).


20      Acórdão SPMR (n.o 24 e jurisprudência referida).


21      Acórdão SPMR (n.os 31 a 33).


22      Compare‑se com as conclusões apresentadas no n.o 27 do Acórdão SPMR.


23      Por força do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2008/118, entre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo figura o álcool.


24      Compare‑se com as conclusões apresentadas no n.o 28 do Acórdão SPMR.


25      O artigo 7.o, n.o 4, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/118 estabelece as condições em que se considerada que os produtos estão totalmente inutilizados ou irremediavelmente perdidos, e o terceiro parágrafo desta disposição prevê as condições em que essa inutilização ou perda deve ser provada.


26      Compare‑se com a conclusão apresentada no n.o 30 do Acórdão SPMR. V. também considerando 9 da Diretiva 2008/118, que se refere a «determinadas circunstâncias».


27      V. n.os 35 e 36 das presentes conclusões.


28      Acórdão de 9 de junho de 2022, IMPERIAL TOBACCO BULGARIA (C‑55/21, EU:C:2022:459, n.o 37).


29      Regulamento do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO 1992, L 302, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 648/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de abril de 2005 (JO 2005, L 117, p. 13) (a seguir «Código Aduaneiro»). O artigo 206.o, n.o 1, do Código Aduaneiro prevê, nomeadamente, que, em derrogação do artigo 204.o, n.o 1, alínea a), do mesmo código, se considera que não há constituição de qualquer dívida aduaneira quanto a determinada mercadoria se o interessado fizer prova de que o incumprimento das obrigações decorrentes da utilização do regime aduaneiro ao qual essa mercadoria foi submetida resulta da inutilização total ou da perda definitiva da referida mercadoria por causa inerente à sua própria natureza ou devido a caso fortuito ou de força maior.


30      Acórdão Latvijas Dzelzceļš (n.o 61). V. também, no contexto da regulamentação aduaneira, Acórdão de 4 de fevereiro de 2016, C & J Clark International and Puma (C‑659/13 e C‑34/14, EU:C:2016:74, n.o 192).


31      V. n.o 35 das presentes conclusões.


32      Para sustentar a sua afirmação que figura no n.o 61 do Acórdão Latvijas Dzelzceļš, o Tribunal de Justiça remete, nomeadamente, para o Acórdão SPMR. Como se explica no n.o 35 das presentes conclusões, o Tribunal de Justiça também adotou, relativamente ao conceito de «força maior», na aceção do artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 92/12, a definição «habitual» desse conceito noutros setores do direito da União.


33      Acórdão Latvijas Dzelzceļš (n.os 58 e 62).


34      V. n.os 39 a 41 das presentes conclusões.


35      Acórdão de 29 de abril de 2010 (C‑230/08, EU:C:2010:231, n.o 84).


36      Nas suas Conclusões nos processos apensos C & J Clark International e Puma (C‑659/13 e C‑34/14, EU:C:2015:620), o advogado‑geral Y. Bot foi ao ponto de afirmar que, «[n]a prática, o conceito de caso fortuito assemelha‑se ao de força maior» (n.o 135). Nas suas Conclusões no processo RF/Comissão (C‑660/17 P, EU:C:2019:67), o advogado‑geral N. Wahl adotou uma abordagem mais matizada quando observou que «[e]mbora o Tribunal de Justiça nunca tenha feito […] uma distinção clara entre os dois conceitos, é razoável supor que o seu alcance não é exatamente o mesmo» (n.o 33). Em seu entender, a força maior refere‑se a «um conjunto mais limitado de acontecimentos extremos», a «uma força externa que impede a parte de cumprir uma obrigação e não lhe permite nenhuma via de ação alternativa» (n.o 35), ao passo que o conceito de caso fortuito é «um pouco mais flexível» e «[p]ode abranger um conjunto mais vasto de circunstâncias não abrangidas pela força maior» (n.o 36). Considera, todavia, que, «[e]m certa medida, a definição destes conceitos um em relação ao outro é subjetiva», que «podem até sobrepor‑se parcialmente» e que «independentemente da forma como se traça a fronteira entre os dois conceitos, é evidente que os mesmos estão estreitamente ligados e designam um conjunto de circunstâncias excecionais» (n.o 37). O advogado‑geral N. Wahl conclui que «a existência de um “caso fortuito ou de força maior” deve, por conseguinte, ser avaliado em conjunto, como um grupo conceptual» (n.o 41).


37      Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo SPMR (C‑314/06, EU:C:2007:457, n.o 27). V. também, em termos semelhantes, Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo RF/Comissão (C‑660/17 P, EU:C:2019:67, n.o 30).


38      Acórdão de 19 de junho de 2019 (C‑660/17 P, EU:C:2019:509, n.o 37). V. também Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 30 de setembro de 2014, Faktor B. i W. Gęsina/Comissão (C‑138/14 P, EU:C:2014:2256, n.o 19).


39      V., por exemplo, Despacho de 21 de setembro de 2012, Noscira/IHMI (C‑69/12 P, EU:C:2012:589, n.o 39).


40      Cumpre referir que, contrariamente à redação da primeira questão prejudicial in fine, segundo a jurisprudência do órgão jurisdicional de reenvio, são as «consequências», e não as «circunstâncias», que não poderiam ser evitadas.


41      Neste processo, foram derramados hidrocarbonetos de um oleoduto no qual eram transportados em regime de suspensão do imposto especial de consumo. O operador imputou as fugas e o rebentamento do oleoduto a um fenómeno de corrosão das fissuras. Solicitou uma franquia do imposto especial de consumo sobre o combustível perdido. A Administração indeferiu este pedido por considerar que o operador não preenchia as condições que lhe permitiam invocar um caso de força maior.


42      Acórdão Latvijas Dzelzceļš (n.o 63).


43      V. n.o 41 das presentes conclusões.


44      Acórdão de 17 de setembro de 2020, Compagnie des pêches de Saint‑Malo (C‑212/19, EU:C:2020:726, n.o 27 e jurisprudência referida).


45      Ibidem, n.o 28.


46      No n.o 52 do Acórdão de 24 de fevereiro de 2021, Silcompa (C‑95/19, EU:C:2021:128), o Tribunal de Justiça declarou o seguinte: «Assim, no contexto do procedimento de circulação dos produtos sujeitos a imposto especial de consumo e colocados em regime de suspensão, o legislador da União atribuiu um papel central ao depositário autorizado, o que se traduz num regime de responsabilidade pela totalidade dos riscos inerentes a essa circulação. Por conseguinte, este depositário é designado como devedor dos impostos especiais de consumo quando, durante a circulação desses produtos, tiver sido cometida uma infração ou uma irregularidade que desencadeie a respetiva exigibilidade. Esta responsabilidade é, além disso, objetiva, e assenta, não na culpa provada ou presumida do depositário, mas na sua participação numa atividade económica.»


47      Concretamente, não podia constituir uma «autorização das autoridades competentes do Estado‑Membro» ao abrigo do artigo 7.o, n.o 4, da Diretiva 2008/118, uma vez que, como se explica no n.o 67 das presentes conclusões, essa autorização deve ser concedida ex ante para permitir a ocorrência de um acontecimento futuro.