Language of document : ECLI:EU:C:2019:851

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

10 de outubro de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens — Diretiva 92/43/CEE — Artigo 12.o, n.o 1 — Sistema de proteção rigorosa das espécies animais — Anexo IV — Canis lupus (lobo) — Artigo 16.o, n.o 1, alínea e) — Derrogação que permite a captura de um número limitado de determinados espécimes — Caça de controlo — Avaliação do estado de conservação das populações da espécie em causa»

No processo C‑674/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia), por Decisão de 28 de novembro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 1 de dezembro de 2017, no processo instaurado por

Luonnonsuojeluyhdistys Tapiola PohjoisSavo Kainuu ry

com intervenção de:

Risto Mustonen,

Kai Ruhanen,

Suomen riistakeskus,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Arabadjiev (relator), presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Segunda Secção, e C. Vajda, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 9 de janeiro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Luonnonsuojeluyhdistys Tapiola Pohjois‑Savo – Kainuu ry, por S. Kantinkoski e L. Iivonen,

–        em representação de K. Ruhanen, por P. Baarman, asianajaja,

–        em representação do Suomen riistakeskus, por S. Härkönen, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo finlandês, por J. Heliskoski, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo dinamarquês, por J. Nymann‑Lindegren, M. Wolff e P. Ngo, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo sueco, por A. Falk, C. Meyer‑Seitz, H. Shev, J. Lundberg e H. Eklinder, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Huttunen e C. Hermes, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de maio de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7; a seguir «Diretiva Habitats»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo intentado pela Luonnonsuojeluyhdistys Tapiola Pohjois‑Savo – Kainuu ry (a seguir «Tapiola») a respeito da legalidade de decisões do Suomen riistakeskus (Instituto Finlandês da Fauna Selvagem; a seguir «Instituto») que concedem derrogações para a caça ao lobo.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 1.o da Diretiva Habitats, sob a epígrafe «Definições», tem a seguinte redação:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

i)      Estado de conservação de uma espécie: o efeito do conjunto das influências que, atuando sobre a espécie em causa, podem afetar, a longo prazo, a repartição e a importância das suas populações no território a que se refere o artigo 2.o;

O “estado de conservação” será considerado “favorável” sempre que:

–        os dados relativos à dinâmica das populações da espécie em causa indicarem que essa espécie continua e é suscetível de continuar a longo prazo a constituir um elemento vital dos habitats naturais a que pertence

e

–        a área de repartição natural dessa espécie não diminuir nem correr o perigo de diminuir num futuro previsível

e

–        existir e continuar provavelmente a existir um habitat suficientemente amplo para que as suas populações se mantenham a longo prazo;

[…]»

4        O artigo 2.o dessa diretiva prevê:

«1.      A presente diretiva tem por objetivo contribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens no território europeu dos Estados‑Membros em que o Tratado é aplicável.

2.      As medidas tomadas ao abrigo da presente diretiva destinam‑se a garantir a conservação ou o restabelecimento dos habitats naturais e das espécies selvagens de interesse comunitário num estado de conservação favorável.

3.      As medidas tomadas ao abrigo da presente diretiva devem ter em conta as exigências económicas, sociais e culturais, bem como as particularidades regionais e locais.»

5        O artigo 12.o, n.o 1, da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para instituir um sistema de proteção rigorosa das espécies animais constantes do anexo IV, [alínea] a), dentro da sua área de repartição natural, proibindo:

a)      Todas as formas de captura ou abate intencionais de espécimes dessas espécies capturados no meio natural;

b)      A perturbação intencional dessas espécies, nomeadamente durante o período de reprodução, de dependência, de hibernação e de migração;

c)      A destruição ou a recolha intencionais de ovos no meio natural;

d)      A deterioração ou a destruição dos locais de reprodução ou áreas de repouso.»

6        O artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva Habitats prevê:

«Desde que não exista outra solução satisfatória e que a derrogação não prejudique a manutenção das populações da espécie em causa na sua área de repartição natural, num estado de conservação favorável, os Estados‑Membros poderão derrogar o disposto nos artigos 12.o, 13.o e 14.o e nas alíneas a) e b) do artigo 15.o:

a)      No interesse da proteção da fauna e da flora selvagens e da conservação dos habitats naturais;

b)      Para evitar prejuízos sérios, nomeadamente às culturas, à criação de gado, às florestas, às zonas de pesca e às águas e a outras formas de propriedade;

c)      No interesse da saúde e da segurança públicas ou por outras razões imperativas ou de interesse público prioritário, incluindo razões de caráter social ou económico e a consequências benéficas de importância primordial para o ambiente;

d)      Para fins de investigação e de educação, de repovoamento e de reintrodução dessas espécies e para as operações de reprodução necessárias a esses fins, incluindo a reprodução artificial das plantas;

e)      Para permitir, em condições estritamente controladas e de uma forma seletiva e numa dimensão limitada, a captura ou detenção de um número limitado especificado pelas autoridades nacionais competentes de determinados espécimes das espécies constantes do anexo IV.»

7        Entre as espécies animais «de interesse da comunidade que exigem uma proteção rigorosa», cuja lista está estabelecida no anexo IV, alínea a), da mesma diretiva, figura, nomeadamente, o «Canis lupus [lobo] (exceto […] as populações finlandesas no interior da área de exploração da rena, tal como definido no n.o 2 da Lei Finlandesa n.o 848/90, de 14 de setembro de 1990, Relativa à Exploração da Rena)».

 Direito finlandês

8        Em conformidade com o § 37, terceiro parágrafo, da metsästyslaki (615/1993) (Lei n.o 615/1993, sobre a Caça), de 28 de junho de 1993, conforme alterada pela Lei (159/2011), de 18 de fevereiro de 2011 (a seguir «Lei da Caça»), o lobo está sujeito a um regime de proteção permanente.

9        Segundo o § 41, primeiro parágrafo, dessa lei, o Instituto pode conceder uma autorização para derrogar a proteção prevista no § 37 da mesma lei, sem prejuízo da observância das condições previstas nos §§ 41a a 41c da referida lei. O § 41, quarto parágrafo, da mesma lei esclarece que um decreto governamental pode fixar as regras específicas relativas ao procedimento a seguir aquando da concessão de uma autorização excecional, as disposições a que esta autorização está sujeita, a declaração das capturas efetuadas ao abrigo da autorização excecional, a duração desta e a apreciação das condições de concessão da autorização excecional, bem como prever as datas em que é possível derrogar a proteção prevista no § 37. Nos termos do § 41, quinto parágrafo, da Lei da Caça, o número anual de capturas efetuadas com base nas autorizações excecionais pode ser limitado. Um despacho do Ministério da Agricultura e das Florestas pode fixar as regras específicas, nomeadamente no que respeita à quantidade máxima de capturas autorizadas.

10      O § 41a, terceiro parágrafo, da Lei da Caça, que transpõe para a ordem jurídica finlandesa o artigo 16.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva Habitats, prevê o seguinte:

«Podem igualmente ser concedidas autorizações excecionais relativamente ao lobo, ao urso, à lontra e ao lince para a captura ou o abate de forma seletiva e limitada de certos espécimes, em condições estritamente controladas.»

11      O Decreto Governamental (452/2013), adotado com base no § 41, quarto parágrafo, e no § 41a, quarto parágrafo, da Lei da Caça, indica, no seu § 3, primeiro parágrafo, ponto 1, que uma autorização excecional como a prevista no § 41a, terceiro parágrafo, dessa lei pode ser concedida para a captura ou o abate de lobos na área de exploração da rena, entre 1 de outubro e 31 de março, e, no resto do país, entre 1 de novembro e 31 de março, e precisa, no § 4, terceiro parágrafo, que tal autorização excecional só pode ser concedida para a caça em zonas em que a espécie em causa esteja fortemente representada.

12      O Despacho (1488/2015) do Ministério da Agricultura e das Florestas, adotado, para o ano cinegético de 2015‑2016, com base no § 41, quinto parágrafo, da Lei da Caça, fixou em 46 o número máximo de espécimes de lobo cuja captura podia ser autorizada fora das áreas de criação da rena, em aplicação das autorizações excecionais previstas no § 41a, terceiro parágrafo, dessa lei. O Despacho (1335/2016) desse mesmo ministério, adotado para os anos cinegéticos de 2016‑2018, fixou em 53, para cada um desses dois anos, o número máximo de espécimes de lobo cuja captura podia ser autorizada na área de exploração da rena, com base nas autorizações excecionais previstas no § 41, primeiro parágrafo, dessa lei.

13      Em 22 de janeiro de 2015, o Ministério da Agricultura e das Florestas adotou um novo plano de controlo da população de lobos na Finlândia, com base nos resultados de uma avaliação da evolução da política nacional em matéria de grandes carnívoros (a seguir «plano de controlo dos lobos»). Segundo esse plano, cujo objetivo é restabelecer e manter a população de lobos num estado de conservação favorável, a dimensão mínima de uma população de lobos viável é de 25 casais reprodutores. Decorre igualmente desse plano que o controlo da população de lobos na Finlândia está votado ao fracasso se não forem tidas em conta as necessidades das pessoas que vivem e trabalham nos territórios das alcateias, atendendo, nomeadamente, à crescente aceitação social da caça ilegal de lobos em certas circunstâncias. O objetivo das autorizações excecionais de controlo é, portanto, assegurar a existência da alcateia local, promovendo simultaneamente a coexistência do homem e do lobo. Nesta ótica, pretende‑se atuar contra os espécimes que causem danos e, desse modo, evitar o abate ilegal de lobos.

14      O plano de controlo dos lobos assenta no princípio do controlo local da população de lobos, alcateia a alcateia. Assim, para assegurar a viabilidade de uma alcateia, a autorização excecional concedida pelo Instituto em aplicação do § 41a, terceiro parágrafo, da Lei da Caça deve ser acompanhada de uma seleção dos espécimes a caçar. A caça deve visar um espécime jovem da alcateia, para que o impacto provável na viabilidade da alcateia seja o menor possível. É importante selecionar para abate o espécime que cause prejuízos ou danos às pessoas que habitam no território do lobo ou à propriedade destas.

15      Por último, as autorizações excecionais devem dizer respeito às zonas em que a espécie está fortemente representada e não devem exceder o limite do número de capturas fixado pelo despacho do Ministério da Agricultura e das Florestas.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16      Através de duas decisões de 18 de dezembro de 2015, o Instituto concedeu, respetivamente, a Risto Mustonen e a Kai Ruhanen autorizações excecionais, nos termos do § 41 e do § 41a, terceiro parágrafo, da Lei da Caça, para o abate de um total de sete lobos, no período compreendido entre 23 de janeiro e 21 de fevereiro de 2016, na região da Savónia do Norte (Finlândia). A primeira decisão autorizava o abate de dois lobos no território da alcateia de Juudinsalo (Finlândia) e de outros dois no território situado entre Sukeva (Finlândia) e Laakajärvi (Finlândia), e a segunda, o abate de um lobo no território da alcateia de Vieremä‑Kajaani‑Sonkajärvi (Finlândia) e de dois lobos no território da alcateia de Kiuruvesi‑Vieremä (Finlândia).

17      O Instituto fundamentou as suas decisões referindo‑se às disposições legais aplicáveis e ao plano de controlo, descrevendo a composição das alcateias em causa e evocando os danos causados em cães pelos lobos e a inquietação das populações locais. Observou que a proteção rigorosa baseada na concessão de autorizações excecionais ditas «a título de prevenção de danos» não tinha permitido atingir os objetivos descritos no plano de controlo anterior. Assim, segundo o Instituto, o objetivo das autorizações excecionais concedidas a título do controlo da população dos lobos era estabelecer uma abordagem legal de controlo dessa população, que permitisse atuar contra os espécimes que causam danos e ao mesmo tempo prevenisse o abate ilegal.

18      O Instituto sublinhou que, nas zonas em causa, não existia solução mais satisfatória do que a concessão das referidas autorizações excecionais e acrescentou que o caráter seletivo e restrito da caça se concretizava pelos limites geográficos e quantitativos fixados nas decisões, bem como graças ao respeito do método de caça nelas prescrito.

19      O Instituto referiu igualmente que convinha evitar abater um macho dominante assim como um espécime que tivesse sido marcado com um dispositivo de identificação. Recomendava aos destinatários das referidas decisões o abate de espécimes jovens ou causadores de danos e precisava que, caso, posteriormente à adoção dessas decisões, as alcateias e os espécimes sofressem, antes do início da caça autorizada, uma mortalidade verificada pelas autoridades, essa circunstância devia ser tida em conta para reduzir, em termos quantitativos, o alcance da autorização.

20      A Tapiola, associação finlandesa de defesa do ambiente, impugnou estas duas decisões do Instituto para o Itä‑Suomen hallinto‑oikeus (Tribunal Administrativo da Finlândia Oriental, Finlândia). Por Decisões de 11 de fevereiro de 2016, este órgão jurisdicional julgou essas ações inadmissíveis, com fundamento em que a Tapiola não tinha legitimidade no caso em apreço.

21      Por Despachos de 29 de maio de 2017, o Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia) anulou as decisões do Itä‑Suomen hallinto oikeus (Tribunal Administrativo da Finlândia Oriental) e analisou as ações propostas pela Tapiola.

22      O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o lobo é uma espécie gravemente ameaçada na Finlândia. O número de lobos variou consideravelmente durante os últimos anos, provavelmente devido à caça furtiva. Na medida em que as autorizações excecionais que permitem o abate dos lobos a título da dita caça «de controlo da população» são concedidas para uma zona determinada, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, nomeadamente, sobre a questão de saber se o estado de conservação de uma espécie deve ser apreciado, para efeitos da concessão dessa autorização excecional, ao abrigo do artigo 16.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva Habitats, tendo por referência essa zona ou todo o território do Estado‑Membro. Pergunta‑se igualmente em que medida tais autorizações excecionais podem ser justificadas pela redução da caça furtiva e qual é a influência, a este respeito, do facto de se inserirem no âmbito de um plano nacional de controlo e de uma regulamentação nacional que fixam um número máximo de espécimes suscetíveis de ser anualmente capturados no território nacional. Solicita, além disso, esclarecimentos sobre o impacto das dificuldades relativas ao controlo da caça furtiva, no âmbito da análise da existência de uma solução satisfatória alternativa ao abate dos lobos. Por último, pretende saber se a vontade de evitar a ocorrência de danos em cães e de melhorar o sentimento geral de segurança das populações que habitam no território em causa estão entre os fundamentos suscetíveis de justificar a aplicação da referida autorização excecional.

23      Nestas condições, o Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O teor literal do artigo 16.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva [Habitats] permite que sejam concedidas, a pedido de caçadores individuais, autorizações excecionais para a [caça de controlo] em áreas geograficamente limitadas?

–        É relevante para a apreciação desta questão que o poder discricionário de concessão de uma autorização excecional seja exercido de acordo com um plano nacional de manutenção de populações e com um número máximo de espécimes que podem ser abatidos, fixado num regulamento que regula a concessão anual de autorizações excecionais de caça para o território desse Estado‑Membro?

–        Nessa apreciação podem ser tidos em conta outros aspetos, como o objetivo de evitar danos a cães e de aumentar o sentimento geral de segurança?

2)      A concessão de autorizações excecionais de caça para o controlo de populações, na aceção da primeira questão prejudicial, pode ser justificada pelo facto de não haver outra solução satisfatória, nos termos do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva [Habitats], para impedir a caça furtiva?

–        Podem, neste caso, ser tidas em conta as dificuldades práticas de vigilância da caça furtiva?

–        Na apreciação da questão de saber se existe outra solução satisfatória, também é relevante, eventualmente, o objetivo de evitar danos a cães e de aumentar o sentimento geral de segurança?

3)      Como deve ser apreciado o requisito referido no artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva [Habitats] que diz respeito ao estado de conservação das populações das espécies para efeitos de atribuição de autorizações excecionais regionalmente limitadas?

–        Deve o estado de conservação das populações de uma espécie ser apreciado tanto em relação a um determinado território como também ao território total do Estado‑Membro, ou em relação a uma área mais ampla de povoamento das espécies em causa?

–        É possível que os requisitos previstos no artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva [Habitats] para a concessão de uma autorização excecional estejam preenchidos apesar de, segundo uma avaliação objetiva, o estado de conservação das populações de uma espécie não poder ser considerado como favorável na aceção [desta] diretiva?

–        Em caso de resposta afirmativa à questão anterior: em que situação é que tal poderia ser tomado em consideração?»

 Quanto às questões prejudiciais

24      Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 16.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva Habitats deve ser interpretado no sentido de que se opõe à adoção de decisões que concedem derrogações à proibição de abate intencional do lobo, enunciada no artigo 12.o, n.o 1, alínea a), conjugado com o anexo IV, alínea a), dessa diretiva, a título de caça de controlo, cujo objetivo é o combate à caça furtiva.

25      A título preliminar, importa recordar que, nos termos do seu artigo 2.o, n.o 1, a Diretiva Habitats tem por objetivo contribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens no território europeu dos Estados‑Membros. Além disso, nos termos do artigo 2.o, n.os 2 e 3, dessa diretiva, as medidas tomadas ao abrigo dessa diretiva destinam‑se a garantir a conservação ou o restabelecimento dos habitats naturais e das espécies selvagens de interesse da União Europeia num estado de conservação favorável e devem ter em conta as exigências económicas, sociais e culturais, bem como as particularidades regionais e locais.

26      O artigo 12.o, n.o 1, alíneas a) e d), da Diretiva Habitats impõe aos Estados‑Membros que tomem as medidas necessárias para instituir um sistema de proteção rigorosa das espécies animais constantes do anexo IV, alínea a), dessa diretiva, dentro da sua área de repartição natural, proibindo todas as formas de captura ou abate intencionais de espécimes dessas espécies no meio natural e a deterioração ou a destruição dos locais de reprodução ou áreas de repouso [Acórdão de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (Floresta de Białowieża), C‑441/17, EU:C:2018:255, n.o 230].

27      A observância dessa disposição impõe aos Estados‑Membros não só a adoção de um quadro legislativo completo mas igualmente a execução de medidas concretas e específicas de proteção. De igual modo, o sistema de proteção rigorosa pressupõe a adoção de medidas coerentes e coordenadas, de caráter preventivo. Tal sistema de proteção rigorosa deve, pois, permitir evitar efetivamente a captura ou abate intencionais no meio natural e a deterioração ou a destruição dos locais de reprodução ou das áreas de repouso das espécies animais que constam do anexo IV, alínea a), da Diretiva Habitats [Acórdão de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (Floresta de Białowieża), C‑441/17, EU:C:2018:255, n.o 231 e jurisprudência referida].

28      Embora o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva Habitats autorize os Estados‑Membros a derrogar as disposições dos artigos 12.o a 14.o e do artigo 15.o, alíneas a) e b), dessa diretiva, uma derrogação adotada com esse fundamento, na medida em que permite a esses Estados‑Membros isentar‑se das obrigações que o sistema de proteção rigorosa das espécies naturais implica, está sujeita à condição de não existir outra solução satisfatória e de essa derrogação não prejudicar a manutenção, num estado de conservação favorável, das populações das espécies em causa na sua área de repartição natural.

29      Há que observar que estas condições dizem respeito a todos os casos previstos no artigo 16.o, n.o 1, da referida diretiva.

30      Importa igualmente sublinhar que o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva Habitats, que define com precisão e exaustividade as condições em que os Estados‑Membros podem derrogar os artigos 12.o a 14.o e o artigo 15.o, alíneas a) e b), dessa diretiva, constitui uma exceção ao sistema de proteção previsto pela referida diretiva, que deve ser interpretada restritivamente (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de outubro de 2005, Comissão/Reino Unido, C‑6/04, EU:C:2005:626, n.o 111, e de 10 de maio de 2007, Comissão/Áustria, C‑508/04, EU:C:2007:274, n.os 110 e 128), e faz recair o ónus da prova da existência das condições impostas, para cada derrogação, sobre a autoridade que toma a decisão (v., por analogia, Acórdão de 8 de junho de 2006, WWF Italia e o., C‑60/05, EU:C:2006:378, n.o 34).

31      Por outro lado, há que observar que a espécie Canis lupus, comummente denominada de lobo, figura entre as espécies animais «de interesse da comunidade que exigem uma proteção rigorosa», cuja lista está estabelecida no anexo IV, alínea a), da Diretiva Habitats, com exceção, nomeadamente, das «populações finlandesas no interior da área de exploração da rena».

32      Por último, como salientou o advogado‑geral no n.o 40 das suas conclusões, o conceito de «captura», na aceção do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva Habitats, deve ser entendido no sentido de que inclui tanto a captura como o abate de espécimes das espécies em causa, de modo que essa disposição pode, em princípio, servir de fundamento à adoção de derrogações que visam, nomeadamente, permitir o abate de espécimes das espécies referidas no anexo IV, alínea a), desta diretiva, mediante a observância das condições específicas aí previstas.

33      É à luz destas considerações preliminares que importa examinar as questões do órgão jurisdicional de reenvio.

34      No que se refere, em primeiro lugar, ao objetivo visado por uma derrogação concedida ao abrigo do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva Habitats, há que salientar que, embora as alíneas a) a d), dessa disposição explicitem, para cada uma das derrogações que preveem, os objetivos prosseguidos, a saber, o interesse da proteção da fauna e da flora selvagens e a conservação dos habitats naturais [a)], evitar prejuízos sérios [b)], o interesse da saúde e da segurança públicas, bem como o interesse público prioritário [c)], a investigação e a educação, o repovoamento e a reintrodução de espécies [d)], tal não é o caso da alínea e) da referida disposição, uma vez que esta não especifica o objetivo prosseguido pela derrogação aí prevista.

35      Por outro lado, as derrogações baseadas no artigo 16.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva Habitats devem respeitar condições suplementares face às previstas no artigo 16.o, n.o 1, alíneas a) a d), dessa diretiva. Permitem, em condições estritamente controladas e de uma forma seletiva e numa dimensão limitada, a captura ou detenção de um número limitado especificado de certos espécimes das espécies constantes do anexo IV da referida diretiva.

36      O artigo 16.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva Habitats não pode, portanto, constituir uma base jurídica geral para a concessão de derrogações ao artigo 12.o, n.o 1, desta diretiva, sob pena de privar de efeito útil os outros casos do artigo 16.o, n.o 1, da mesma diretiva e o referido sistema de proteção rigorosa.

37      Por conseguinte, o objetivo de uma derrogação baseada no artigo 16.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva Habitats não pode, em princípio, ser confundido com os objetivos das derrogações baseadas no artigo 16.o, n.o 1, alíneas a) a d), desta diretiva, de modo que a primeira disposição apenas pode servir de fundamento à adoção de uma derrogação nos casos em que estas últimas disposições não sejam pertinentes.

38      Em todo o caso, as derrogações concedidas ao abrigo do artigo 16.o, n.o 1, da referida diretiva não devem, globalmente consideradas, produzir efeitos contrários aos objetivos prosseguidos por esta última, conforme recordados no n.o 25 do presente acórdão.

39      No caso vertente, decorre do pedido de decisão prejudicial que as derrogações em causa no processo principal, à semelhança do plano de controlo dos lobos no âmbito do qual se inseriam, prosseguiam o objetivo de reduzir a caça furtiva. A prevenção dos danos em cães e a melhoria do sentimento geral de segurança das pessoas que habitam na proximidade das zonas ocupadas pelos lobos eram apresentadas como os fundamentos pertinentes a esse respeito e estreitamente relacionados com esse objetivo, na medida em que a sua realização devia contribuir, segundo o Instituto, para aumentar a «tolerância social» das populações humanas locais face ao lobo e, por conseguinte, reduzir a caça ilegal.

40      Além disso, resulta de uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça durante a audiência que o plano de controlo dos lobos aprovado em 2015 incluía medidas e projetos para alcançar um estado de conservação favorável desta espécie e que a autorização da caça de controlo aos lobos tinha por objetivo reforçar a boa vontade dos habitantes face ao lobo e, por conseguinte, reduzir a caça furtiva.

41      Importa, assim, recordar que os objetivos invocados em apoio de uma derrogação devem ser definidos de forma clara, precisa e fundamentada na decisão de derrogação. Com efeito, uma derrogação baseada no artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva Habitats só pode constituir uma aplicação concreta e pontual para responder a exigências precisas e a situações específicas (v., por analogia, Acórdãos de 8 de junho de 2006, WWF Italia e o., C‑60/05, EU:C:2006:378, n.o 34, e de 11 de novembro de 2010, Comissão/Itália, C‑164/09, não publicado, EU:C:2010:672, n.o 25).

42      A este respeito, há que salientar, primeiro, que resulta do conteúdo das decisões de derrogação em causa no processo principal e, nomeadamente, do plano de controlo em que se inserem que a caça furtiva constituía, face ao objetivo da Diretiva Habitats, um desafio importante para a preservação das espécies ameaçadas. O órgão jurisdicional de reenvio precisou, a este propósito, que o número de lobos na Finlândia flutuou consideravelmente ao longo dos anos e que supõe que essas variações estejam relacionadas com a caça furtiva que, atendendo ao estatuto ameaçado do lobo, representava um desafio para a sua conservação. Por outro lado, na audiência, tanto o Instituto como o Governo finlandês confirmaram que o combate à caça furtiva visava, enquanto objetivo final, a conservação da espécie em causa.

43      Assim, o combate à caça furtiva pode ser invocado como método que contribui para a manutenção ou para o restabelecimento num estado de conservação favorável da espécie em causa e, portanto, como um objetivo abrangido pelo artigo 16.o, n.o 1, alínea e), dessa diretiva.

44      Segundo, no que se refere à aptidão das derrogações adotadas ao abrigo do artigo 16.o, n.o 1, alínea e), da referida diretiva para alcançar o objetivo prosseguido, há que sublinhar que, na medida em que as autorizações excecionais em causa no processo principal provinham de uma experiência destinada a verificar se uma autorização limitada da caça legal podia contribuir para reduzir a caça furtiva e, em última análise, melhorar o estado de conservação da população de lobos, a sua aptidão para atingir estes objetivos, nas circunstâncias em que a sua concessão foi pedida, estava rodeada de incertezas no momento da sua adoção pelo Instituto.

45      Neste contexto, como salientou o advogado‑geral no n.o 62 das suas conclusões, compete à autoridade nacional fundamentar, com base em dados científicos rigorosos, incluindo, se for caso disso, dados comparativos sobre as consequências da caça de controlo para o estado de conservação do lobo, a hipótese segundo a qual a autorização da caça de controlo pode realmente fazer reduzir a caça ilegal, de tal forma que exerce um efeito positivo líquido no estado de conservação da população de lobos, tendo simultaneamente em conta o número de derrogações previstas e as estimativas mais recentes do número de capturas ilegais.

46      No caso vertente, o Instituto sustenta que está demonstrado que a caça de controlo é suscetível de reduzir a caça furtiva, o que é contestado pela Tapiola e pela Comissão Europeia. Por seu turno, o órgão jurisdicional de reenvio observa que nenhuma prova científica permite concluir que a caça legal de uma espécie protegida reduz a caça furtiva a ponto de, globalmente, ter um efeito positivo no estado de conservação do lobo. Cabe assim ao referido órgão jurisdicional determinar, em definitivo, à luz das considerações precedentes, a aptidão das derrogações concedidas a título da caça de controlo para alcançar o seu objetivo de combate à caça furtiva no interesse da proteção da espécie e com observância, pelo Instituto, das suas obrigações a esse respeito.

47      Em segundo lugar, não pode ser concedida uma derrogação ao abrigo do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva Habitats quando o objetivo prosseguido por essa derrogação possa ser alcançado por outra solução satisfatória, na aceção desta disposição. Assim, tal derrogação só pode ocorrer caso não haja uma medida alternativa que permita alcançar de maneira satisfatória o objetivo prosseguido, que respeite simultaneamente as proibições previstas pela referida diretiva.

48      No caso vertente, há que considerar que a simples existência de uma atividade ilegal como a caça furtiva ou as dificuldades encontradas na execução do controlo desta não podem bastar para dispensar um Estado‑Membro da sua obrigação de garantir a proteção das espécies protegidas ao abrigo do anexo IV da Diretiva Habitats. Nessa situação, incumbe‑lhe, pelo contrário, privilegiar o controlo estrito e eficaz dessa atividade ilegal, por um lado, e a aplicação de meios que não impliquem a inobservância das proibições impostas nos termos dos artigos 12.o a 14.o e do artigo 15.o, alíneas a) e b), desta diretiva, por outro.

49      Além disso, importa salientar que o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva Habitats obriga os Estados‑Membros a fornecer uma fundamentação precisa e adequada relativa à inexistência de outra solução satisfatória que permita alcançar os objetivos invocados em apoio da derrogação em causa (v., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 2007, Comissão/Finlândia, C‑342/05, EU:C:2007:341, n.o 31).

50      Este dever de fundamentação não está preenchido quando a decisão de derrogação não contiver qualquer menção relativa à inexistência de outra solução satisfatória nem remissão para os relatórios técnicos, jurídicos e científicos pertinentes a este respeito (v., por analogia, Acórdãos de 16 de outubro de 2003, Ligue pour la protection des oiseaux e o., C‑182/02, EU:C:2003:558, n.o 14, e de 21 de junho de 2018, Comissão/Malta, C‑557/15, EU:C:2018:477, n.os 50 e 51).

51      Face ao exposto, incumbe às autoridades nacionais competentes, no contexto da autorização de derrogações como as que estão em causa no processo principal, demonstrar que, tendo em conta, nomeadamente, os melhores conhecimentos científicos e técnicos pertinentes, e à luz das circunstâncias relativas à situação específica em causa, não existe outra solução satisfatória que permita alcançar o objetivo prosseguido, com observância das proibições estabelecidas na Diretiva Habitats.

52      No caso vertente, a decisão de reenvio não contém nenhum elemento que indique que o Instituto tenha demonstrado que o único meio de alcançar o objetivo invocado em apoio das autorizações excecionais de controlo consistia na autorização, ao abrigo do artigo 16.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva Habitats, de um determinado nível de caça de controlo do lobo.

53      Por conseguinte, afigura‑se que as decisões que autorizam derrogações como as que estão em causa no processo principal não cumprem a obrigação de fundamentação precisa e adequada relativa à inexistência de outra solução satisfatória que permita alcançar o objetivo invocado, recordada no n.o 49 do presente acórdão, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio confirmar.

54      Em terceiro lugar, importa assegurar que a derrogação em causa não infringe a condição, enunciada no artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva Habitats, segundo a qual essa derrogação não pode prejudicar a manutenção das populações da espécie em causa na sua área de repartição natural, num estado de conservação favorável.

55      Com efeito, o estado de conservação favorável dessas populações na sua área de repartição natural é uma condição necessária e prévia à concessão das derrogações previstas no referido artigo 16.o, n.o 1 (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2007, Comissão/Áustria, C‑508/04, EU:C:2007:274, n.o 115).

56      A este respeito, há que recordar que o artigo 1.o, alínea i), da Diretiva Habitats qualifica um estado de conservação como favorável sempre que, primeiro, os dados relativos à dinâmica das populações da espécie em causa indicarem que essa espécie continua e é suscetível de continuar a longo prazo a constituir um elemento vital dos habitats naturais a que pertence; segundo, a área de repartição natural dessa espécie não diminuir nem correr o perigo de diminuir num futuro previsível; e, terceiro, existir e continuar provavelmente a existir um habitat suficientemente amplo para que as suas populações se mantenham a longo prazo.

57      Uma derrogação ao abrigo do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva Habitats deve, assim, basear‑se em critérios definidos de modo a assegurar a preservação a longo prazo da dinâmica e da estabilidade social da espécie em causa.

58      Por conseguinte, como salientou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 79 a 82 das suas conclusões, no contexto da apreciação da concessão de uma derrogação baseada no referido artigo 16.o, n.o 1, cabe à autoridade nacional competente determinar, nomeadamente, a nível nacional ou, sendo caso disso, a nível da região biogeográfica em causa quando as fronteiras desse Estado‑Membro abranjam várias regiões biogeográfica ou, ainda, se a área de repartição natural da espécie o exigir e, tanto quanto possível, no plano transfronteiriço, num primeiro momento, o estado de conservação das populações das espécies em causa e, num segundo momento, o impacto geográfico e demográfico que as derrogações previstas poderão produzir nesse estado de conservação.

59      Além disso, como salientou o advogado‑geral no n.o 83 das suas conclusões, a avaliação do impacto de uma derrogação a nível do território de uma população local é geralmente necessária para determinar o seu efeito no estado de conservação da população em causa em maior escala. De facto, na medida em que tal derrogação deve, em conformidade com as considerações recordadas no n.o 41 do presente acórdão, responder a exigências precisas e a situações específicas, as consequências de tal derrogação serão geralmente sentidas mais imediatamente na zona local objeto dessa decisão. Por outro lado, como resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, o estado de conservação de uma população à escala nacional ou biogeográfica depende igualmente do efeito cumulativo das várias autorizações excecionais que afetam zonas locais.

60      Em contrapartida, contrariamente ao que alega o Instituto, não se pode ter em conta, para efeitos dessa avaliação, a parte da área de repartição natural da população em causa que se estende a certas partes do território de um Estado terceiro, que não está vinculado pelas obrigações de proteção rigorosa das espécies de interesse para a União.

61      Por conseguinte, tal derrogação não pode ser adotada sem terem sido avaliados o estado de conservação das populações da espécie em causa e o impacto que a derrogação prevista é suscetível de ter nesse estado de conservação, a nível local e a nível do território desse Estado‑Membro ou, sendo caso disso, a nível da região biogeográfica em causa quando as fronteiras desse Estado‑Membro abranjam várias regiões biogeográficas ou, ainda, se a área de repartição natural da espécie o exigir e, tanto quanto possível, no plano transfronteiriço.

62      Atendendo às interrogações do órgão jurisdicional de reenvio, importa acrescentar, primeiro, que um plano de controlo e uma regulamentação nacional que fixem o número máximo de espécimes que podem ser abatidos num determinado ano cinegético no território nacional podem constituir um fator pertinente para efeitos de determinar a observância do requisito recordado no n.o 54 do presente acórdão, uma vez que são suscetíveis de garantir que o efeito cumulativo anual das derrogações individuais não prejudica a manutenção ou o restabelecimento das populações da espécie em causa, num estado de conservação favorável.

63      A este respeito, resulta dos números avançados pela Tapiola e pela Comissão, cuja exatidão deverá ser verificada pelo órgão jurisdicional de reenvio, que, por um lado, foram abatidos na Finlândia 43 ou 44 lobos, com base em derrogações a título da caça de controlo, autorizadas ao abrigo da regulamentação nacional, durante o ano cinegético de 2015‑2016, metade dos quais eram espécimes reprodutores, numa população avaliada no total entre 275 e 310 espécimes a nível nacional. Assim, a caça de controlo levou ao abate de cerca de 15 % da população total de lobos na Finlândia, dos quais numerosos espécimes reprodutores. Por outro lado, o número anual de capturas ilegais foi estimado em cerca de 30 espécimes no plano de controlo.

64      Por conseguinte, esta caça de controlo conduziu ao abate de 13 ou 14 espécimes adicionais em relação aos que, segundo as estimativas, sucumbiram por causa da caça furtiva, causando assim um efeito líquido negativo na referida população.

65      Face ao que precede, pode‑se duvidar se o plano de controlo e a regulamentação nacional que fixa o número máximo de espécimes que podem ser abatidos em cada ano cinegético, no contexto dos quais se inserem as derrogações em causa no processo principal, permitem respeitar o requisito recordado no n.o 54 do presente acórdão, o que cabe, no entanto, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

66      Neste contexto, importa igualmente sublinhar que, em conformidade com o princípio da precaução consagrado no artigo 191.o, n.o 2, TFUE, se o exame dos melhores dados científicos disponíveis deixar subsistir uma incerteza sobre a questão de saber se tal derrogação prejudicará ou não a manutenção ou o restabelecimento das populações de uma espécie ameaçada de extinção, num estado de conservação favorável, o Estado‑Membro deve abster‑se de a adotar ou de a aplicar.

67      Cabe, assim, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se o Instituto demonstrou, com base em dados científicos, que os limites territoriais e quantitativos que enquadram as derrogações em causa no processo principal eram suficientes para garantir que não prejudicavam a manutenção, num estado de conservação favorável, das populações das espécies em causa na sua área de repartição natural.

68      Segundo, no que respeita ao impacto do estado de conservação desfavorável de uma espécie na possibilidade de se autorizarem derrogações ao abrigo do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva Habitats, o Tribunal de Justiça já declarou que a concessão dessas derrogações continua a ser possível, a título excecional, quando estiver devidamente demonstrado que não são suscetíveis de agravar o estado de conservação não favorável das populações ou de impedir o seu restabelecimento, num estado de conservação favorável. Com efeito, segundo o Tribunal de Justiça, não se pode excluir que o abate de um número limitado de espécimes não tenha consequências para o objetivo previsto no referido artigo 16.o, n.o 1, que consiste em manter num estado de conservação favorável a população de lobos na sua área de repartição natural. Assim, tal derrogação seria neutra para a espécie em causa (Acórdão de 14 de junho de 2007, Comissão/Finlândia, C‑342/05, EU:C:2007:341, n.o 29).

69      Importa, no entanto, sublinhar que a concessão, a título excecional, de tais derrogações deve ser apreciada igualmente à luz do princípio da precaução, recordado no n.o 66 do presente acórdão.

70      Em quarto lugar, o artigo 16.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva Habitats impõe o respeito de condições relativas ao caráter limitado e especificado do número de espécimes das espécies que podem ser objeto de captura ou detenção, à forma seletiva e em certa medida limitada em que essa captura ou detenção pode ocorrer, bem como ao caráter estrito do controlo a que deve ser submetido o respeito dessas condições.

71      No que se refere, desde logo, à condição relativa ao número limitado e especificado de capturas ou detenções de certos espécimes das espécies em causa, importa salientar que esse número dependerá, em cada caso, do nível da população da espécie, do seu estado de conservação e das suas características biológicas. Esse número deve, pois, ser determinado com base em informações científicas rigorosas de natureza geográfica, climática, ambiental e biológica assim como à luz das informações que permitam apreciar a situação relativa à reprodução e à mortalidade anual total por causas naturais da espécie em causa (v., por analogia, Acórdãos de 8 de junho de 2006, WWF Italia e o., C‑60/05, EU:C:2006:378, n.os 25 e 29, e de 21 de junho de 2018, Comissão/Malta, C‑557/15, EU:C:2018:477, n.o 62).

72      O número de capturas autorizadas ao abrigo da derrogação prevista no artigo 16.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva Habitats deve, assim, para que se possa considerar que preenche essa condição, ser circunscrito de modo que não implique o risco de um impacto negativo significativo na estrutura da população em causa, ainda que não prejudique, em si mesmo, a manutenção, num estado de conservação favorável, das populações das espécies em causa na sua área de repartição natural. Esse número deve ser não só estritamente limitado à luz dos critérios mencionados mas também claramente especificado nas decisões de derrogação.

73      No que se refere, em seguida, às condições de seletividade e de limitação da captura ou detenção de certos espécimes das espécies, há que considerar que estas impõem que a derrogação incida sobre um número de espécimes determinado da forma mais restrita, específica e oportuna possível, tendo em conta o objetivo prosseguido pela derrogação em causa. Pode, assim, ser necessário, atendendo ao nível da população da espécie em causa, ao seu estado de conservação e às suas características biológicas, que a derrogação seja limitada não apenas à espécie em causa ou aos tipos ou grupos de espécimes desta mas também aos espécimes individualmente identificados.

74      Por último, o requisito relativo ao enquadramento das derrogações baseadas no artigo 16.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva Habitats em condições estritamente controladas implica, em especial, que essas condições e a maneira como o seu respeito é assegurado permitam garantir o caráter seletivo e limitado das capturas ou detenção de espécimes das espécies em questão. Assim, para qualquer derrogação baseada nesta disposição, a autoridade nacional competente deve certificar‑se do respeito das condições aí previstas antes da sua adoção e vigiar os seus efeitos a posteriori. Com efeito, a regulamentação nacional deve garantir que a legalidade das decisões que concedem derrogações ao abrigo dessa disposição e a maneira como essas decisões são aplicadas, incluindo no que se refere ao respeito das condições relativas, nomeadamente, aos locais, datas, quantidades e tipos de espécimes em causa, a que são sujeitas, sejam controladas de maneira efetiva e em tempo útil (v., por analogia, Acórdão de 8 de junho de 2006, WWF Italia e o., C‑60/05, EU:C:2006:378, n.o 47).

75      No caso vertente, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, primeiro, que as derrogações em causa no processo principal incidem sobre o abate de um número limitado de lobos, a saber, sete espécimes. Ora, como salientou a Comissão, para efeitos da apreciação da observância das condições previstas no artigo 16.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva Habitats, este número deve ser inserido no contexto mais amplo das capturas autorizadas a título da caça de controlo, que, como foi recordado nos n.os 62 a 64 do presente acórdão, permite duvidar da observância dos requisitos impostos por esta disposição.

76      Segundo, é verdade que as decisões de derrogação em causa no processo principal contêm determinadas indicações relativas aos tipos de espécimes alvo, em particular, os espécimes jovens ou os que causam danos.

77      Todavia, como resulta da decisão de reenvio e dos esclarecimentos prestados na audiência, estas derrogações limitam‑se a recomendar aos seus destinatários que abatam determinados indivíduos e que evitem outros, sem os obrigar a isso. Assim, não permitem excluir que, na execução dessas derrogações, sejam abatidos os espécimes reprodutores que revestem uma importância particular à luz dos objetivos da Diretiva Habitats, conforme recordados no n.o 25 do presente acórdão.

78      Terceiro, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, apesar da indicação em sentido contrário nas referidas derrogações, 20 machos dominantes parecem ter sido abatidos no âmbito da caça de controlo no ano cinegético em causa no processo principal, o que permite duvidar da natureza seletiva das derrogações concedidas, da eficácia do controlo da sua aplicação e do caráter limitado das capturas.

79      Assim, sem prejuízo das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que as condições em que foram concedidas as derrogações em causa no processo principal e que a maneira como é controlado o seu respeito permitem garantir o caráter seletivo e limitado das capturas de espécimes das espécies em causa, na aceção do artigo 16.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva Habitats.

80      Atendendo às considerações precedentes, há que responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 16.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva Habitats deve ser interpretado no sentido de que se opõe à adoção de decisões que concedem derrogações à proibição de abate intencional do lobo, enunciada no artigo 12.o, n.o 1, alínea a), conjugado com o anexo IV, alínea a), desta diretiva, a título da caça de controlo, cujo objetivo é o combate à caça furtiva, se:

–        o objetivo prosseguido por essas derrogações não estiver fundamentado com clareza e precisão e se, à luz de dados científicos rigorosos, a autoridade nacional não conseguir demonstrar que essas derrogações são adequadas a alcançar esse objetivo;

–        não estiver devidamente demonstrado que o objetivo que visam não pode ser alcançado com outra solução satisfatória, não podendo a simples existência de uma atividade ilegal ou as dificuldades encontradas na execução do seu controlo constituir um elemento suficiente a este respeito;

–        não estiver garantido que as derrogações não prejudicarão a manutenção, num estado de conservação favorável, das populações da espécie em causa na sua área de repartição natural;

–        as derrogações não tiverem sido objeto de uma avaliação do estado de conservação das populações da espécie em causa e do impacto que a derrogação prevista é suscetível de ter no referido estado de conservação, a nível do território desse Estado‑Membro ou, sendo caso disso, a nível da região biogeográfica em causa quando as fronteiras desse Estado‑Membro abranjam várias regiões biogeográficas ou, ainda, se a área de repartição natural da espécie o exigir e, tanto quanto possível, no plano transfronteiriço; e

–        não estiverem preenchidas todas as condições relativas à maneira seletiva e à medida limitada das capturas de um número limitado e especificado de certos espécimes das espécies constantes do anexo IV da referida diretiva em condições estritamente controladas, cujo respeito deve ser demonstrado atendendo, nomeadamente, ao nível da população, ao seu estado de conservação e às suas características biológicas.

Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é esse o caso no processo principal.

 Quanto às despesas

81      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 16.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à adoção de decisões que concedem derrogações à proibição de abate intencional do lobo, enunciada no artigo 12.o, n.o 1, alínea a), conjugado com o anexo IV, alínea a), desta diretiva, a título da caça de controlo, cujo objetivo é o combate à caça furtiva, se:

–        o objetivo prosseguido por essas derrogações não estiver fundamentado com clareza e precisão e se, à luz de dados científicos rigorosos, a autoridade nacional não conseguir demonstrar que essas derrogações são adequadas a alcançar esse objetivo;

–        não estiver devidamente demonstrado que o objetivo que visam não pode ser alcançado com outra solução satisfatória, não podendo a simples existência de uma atividade ilegal ou as dificuldades encontradas na execução do seu controlo constituir um elemento suficiente a este respeito;

–        não estiver garantido que as derrogações não prejudicarão a manutenção, num estado de conservação favorável, das populações da espécie em causa na sua área de repartição natural;

–        as derrogações não tiverem sido objeto de uma avaliação do estado de conservação das populações da espécie em causa e do impacto que a derrogação prevista é suscetível de ter no referido estado de conservação, a nível do território desse EstadoMembro ou, sendo caso disso, a nível da região biogeográfica em causa quando as fronteiras desse EstadoMembro abranjam várias regiões biogeográficas ou, ainda, se a área de repartição natural da espécie o exigir e, tanto quanto possível, no plano transfronteiriço; e

–        não estiverem preenchidas todas as condições relativas à maneira seletiva e à medida limitada das capturas de um número limitado e especificado de certos espécimes das espécies constantes do anexo IV da referida diretiva em condições estritamente controladas, cujo respeito deve ser demonstrado atendendo, nomeadamente, ao nível da população, ao seu estado de conservação e às suas características biológicas.

Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é esse o caso no processo principal.

Assinaturas


*      Língua do processo: finlandês.