Language of document : ECLI:EU:C:1999:313

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

17 de Junho de 1999 (1)

«Auxílios de Estado — Artigo 92.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE) — Auxílio novo — Notificação prévia»

No processo C-295/97,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE (ex-artigo 177.°), pelo Tribunale di Genova (Itália), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Industrie Aeronautiche e Meccaniche Rinaldo Piaggio SpA

e

International Factors Italia SpA — (Ifitalia),

Dornier Luftfahrt GmbH,

Ministero della Difesa,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 92.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J.-P. Puissochet, presidente de secção, P. Jann, C. Gulmann, D. A. O. Edward e M. Wathelet (relator), juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,


secretário: L. Hewlett, administradora,

vistas as observações escritas apresentadas:

—    em representação da Industrie Aeronautiche e Meccaniche Rinaldo Piaggio SpA, por Tomaso Galletto, advogado no foro de Génova,

—    em representação da Dornier Luftfahrt GmbH, por Antonio Fusillo e Alessandro Fusillo, advogados no foro de Roma, e Gianfranco Nasuti, advogado no foro de Génova,

—    em representação do Governo italiano, pelo professor Umberto Leanza, chefe do Serviço do Contencioso Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por Oscar Fiumara, avvocato dello Stato,

—    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Gérard Rozet, consultor jurídico, e Paolo Stancanelli, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as observações orais da Industrie Aeronautiche e Meccaniche Rinaldo Piaggio SpA, representadas por Tomaso Galletto e Ivano Cavanna, advogado no foro de Génova, da Dornier Luftfahrt GmbH, representada por Antonio e Alessandro Fusillo, do Governo italiano, representado por Oscar Fiumara, e da Comissão, representada por Paolo Stancanelli, na audiência de 27 de Janeiro de 1999,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 4 de Março de 1999,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por despacho de 29 de Julho de 1997, que entrou no Tribunal de Justiça em 11 de Agosto seguinte, o Tribunale di Genova submeteu, nos termos do artigo 234.° CE (ex-artigo 177.°), duas questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 92.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE).

2.
    Estas questões foram submetidas no quadro de um litígio que opõe a Industrie Aeronautiche e Meccaniche Rinaldo Piaggio SpA (a seguir «Piaggio») à sociedade de direito alemão Dornier Luftfahrt GmbH (a seguir «Dornier»), a propósito do reembolso da soma de 30 028 894 382 LIT entregue em pagamento pela Piaggio à Dornier.

3.
    A Piaggio comprou à Dornier três aeronaves destinadas às Forças Armadas italianas. Em pagamento, a Piaggio efectuou, em benefício da Dornier, a partir do mês de Dezembro de 1992, diversos pagamentos, delegações de pagamentos e cessões de créditos.

4.
    Por decreto de 28 de Novembro de 1994, adoptado conjuntamente pelos Ministros da Indústria e das Finanças (GURI, n.° 281 de 1 de Dezembro de 1994), a Piaggio foi colocada sob o regime de administração extraordinária em aplicação da Lei n.° 95/79, de 3 de Abril de 1979 (GURI, n.° 94 de 4 de Abril de 1979, a seguir «Lei n.° 95/79»). Essa decisão deu seguimento a uma sentença do Tribunale di Genova de 28 de Outubro de 1994, que declarou o estado de insolvência da Piaggio, bem como a possibilidade de ser admitida a beneficiar do processo de administração extraordinária.

5.
    Em 14 de Fevereiro de 1996, a Piaggio solicitou a intervenção do Tribunale di Genova a fim de ver, por um lado, declarados nulos e sem qualquer efeito em relação à massa dos seus credores todos os pagamentos, cessões de crédito e delegações de pagamento efectuadas em favor da Dornier no decurso dos dois anos que precederam a sua colocação sob administração extraordinária e, por outro, condenada a Dornier a restituir as somas correspondentes, acrescidas de juros. A Piaggio sustentou, a esse propósito, que a Dornier, sabendo-a já em estado de cessação de pagamentos, tinha dela recebido, pela venda de três aeronaves, uma série de pagamentos preferenciais num total de 30 028 894 382 LIT, em violação do princípio da igualdade de tratamento de todos os credores.

6.
    A Piaggio baseou a sua acção no artigo 67.° da Lei de Falências, aplicável ao caso em apreço por força das remissões constantes dos artigos 1.° da Lei n.° 95/79 e 203.° da Lei de Falências, que prevê a revogabilidade, em favor da massa dos credores da empresa insolvente, dos pagamentos efectuados no decurso dos dois anos anteriores à declaração de insolvência e à instauração do processo de colocação sob regime de administração extraordinária.

7.
    A Dornier invocou principalmente em sua defesa a incompatibilidade da Lei n.° 95/79 com o artigo 92.° do Tratado.

8.
    A Lei n.° 95/79 instituiu o processo de administração extraordinária das grandes empresas em situação económica difícil.

9.
    Nos termos do artigo 1.°, primeiro parágrafo, desta lei, este processo é susceptível de ser aplicado às empresas que, desde há pelo menos um ano empreguem, no mínimo, 300 assalariados e tenham, para com estabelecimentos de crédito, instituições de previdência e de segurança social ou sociedades de que o Estado é accionista maioritário, dívidas de montante igual ou superior a 80 444 mil milhões de LIT e superior ao quíntuplo do capital liberado da sociedade.

10.
    O processo é igualmente aplicável, segundo o artigo 1.°-A da mesma lei, quando a insolvência decorra da obrigação de reembolsar somas que se elevem, no mínimo, a 50 mil milhões de LIT, representando pelo menos 51% do capital liberado, ao Estado, a organismos públicos ou a sociedades de que o Estado é accionista maioritário, a título da restituição de auxílios ilegais ou incompatíveis com o Mercado Comum ou no quadro de financiamentos concedidos para inovações tecnológicas e actividades de investigação.

11.
    Nos termos do artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Lei n.° 95/79, para lhe poder ser aplicado o processo de administração extraordinária a empresa deve ter sido declarada insolvente pelos tribunais, quer em aplicação da Lei de Falências, quer devido à falta de pagamento dos salários desde há pelo menos três meses. O ministro da Indústria, depois de consultar o Ministro das Finanças, pode, por decreto, colocar a empresa sob administração extraordinária e, tendo em conta o interesse dos credores, autorizá-la, a prosseguir a sua actividade durante um período máximo de dois anos, prorrogável por um período suplementar máximo de dois anos, mediante parecer favorável do comité interministerial para a coordenação da política industrial (a seguir «CIPI»).

12.
    As empresas sob administração extraordinária ficam sujeitas às regras gerais da Lei de Falências, salvo derrogação expressa da Lei n.° 95/79 ou de leis posteriores. Portanto, tanto em caso de administração extraordinária como de processo normal de liquidação, o proprietário da empresa insolvente não pode dispor dos seus activos, que devem, em princípio, servir para pagamento dos credores. A contagem de juros sobre as dívidas existentes é suspensa. Não pode ser instaurada nem prosseguida qualquer execução a título individual sobre os bens da empresa em causa. Porém, ao contrário do processo comum de falência, no caso de administração extraordinária a suspensão da possibilidade de execução estende-se, nos termos do artigo 4.° da Lei n.° 544/81, às dívidas fiscais e às sanções, juros e agravamentos devidos em caso de atraso de pagamento do imposto sobre as sociedades.

13.
    Além disso, nos termos do artigo 2.° da Lei n.° 95/79, o Estado pode garantir, no todo ou em parte, dívidas contraídas pelas sociedades colocadas sob administração extraordinária para o financiamento da gestão corrente e para a reactivação e acabamento das instalações, edifícios e equipamentos industriais, nos termos e condições reguladas por decreto do Ministro das Finanças, mediante parecer favorável do CIPI.

14.
    No quadro do processo de saneamento, é autorizada a venda do conjunto dos estabelecimentos da empresa insolvente, nos termos previstos na Lei n.° 95/79. Segundo o artigo 5.°-A desta mesma lei, a transmissão total ou parcial da propriedade da empresa está, nesse caso, sujeita a um imposto de registo fixo no montante de um milhão de LIT.

15.
    Por outro lado, por força do disposto no artigo 3.°, segundo parágrafo, da Lei n.° 19/87, de 6 de Fevereiro de 1987 (GURI n.° 32, de 9 de Fevereiro de 1987), as empresas colocadas sob administração extraordinária estão dispensadas do pagamento das multas e coimas aplicadas em caso de falta de pagamento das cotizações sociais obrigatórias.

16.
    Segundo o artigo 2.°, segundo travessão, da Lei n.° 95/79, quando uma empresa sob administração extraordinária for autorizada a prosseguir a sua actividade, o administrador nomeado deve preparar um plano de gestão adequado, cuja compatibilidade com as grandes linhas de orientação da política industrial nacional será examinada pelo CIPI antes da aprovação pelo Ministro da Indústria. As decisões respeitantes a questões como a reestruturação, a venda de activos, a liquidação ou o termo do período de administração extraordinária devem ser aprovadas pelo mesmo ministro.

17.
    Só no fim do período de administração extraordinária é que os credores da empresa colocada sob esse regime podem ser compensados, total ou parcialmente, por liquidação dos activos da empresa ou pelos seus novos lucros. Além disso, nos termos dos artigos 111.° e 212.° da Lei de Falências, as despesas motivadas pela administração extraordinária e pela continuação em actividade, incluindo as dívidas contraídas, serão pagas retirando as respectivas somas do produto da realização da massa, com prioridade sobre os créditos existentes na data de instauração do processo de administração extraordinária.

18.
    O processo de administração extraordinária encerra-se através de concordata, repartição integral do activo, extinção total dos créditos ou insuficiência do activo, ou ainda pela recuperação pela empresa da capacidade de fazer face às suas obrigações e, portanto, pelo retorno ao equilíbrio financeiro.

19.
    Deve especificar-se, por outro lado, que, no ofício E 13/92 (JO 1994, C 395, p. 4), enviada ao Governo italiano nos termos do artigo 88.°, n.° 1, CE (ex-artigo 93.°, n.° 1, do Tratado CE), a Comissão referiu que a Lei n.° 95/79 lhe parecia relevar, em diversos aspectos, do âmbito de aplicação dos artigos 92.° e seguintes do Tratado, pedindo que lhe fossem previamente notificados todos os casos de aplicação da lei, a fim de poderem ser examinados no quadro da regulamentação aplicável aos auxílios às empresas em situação económica difícil.

20.
    Tendo as autoridades italianas respondido não estarem dispostas a proceder à notificação prévia a não ser nos casos de concessão da garantia do Estado referida

no artigo 2.°-A da Lei n.° 95/79, a Comissão decidiu instaurar o procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE. Não resulta dos autos que a Comissão tenha já adoptado uma decisão final neste procedimento.

21.
    Foi nestas condições que o órgão jurisdicional de reenvio, interrogando-se sobre a questão da compatibilidade da Lei n.° 95/79 com o artigo 92.° do Tratado, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)    É admissível que um órgão jurisdicional nacional peça directamente ao Tribunal de Justiça CE que se pronuncie sobre a compatibilidade de uma norma da legislação de um Estado-Membro com o disposto no artigo 92.° do Tratado (auxílios concedidos pelos Estados)?

2)    Caso a resposta à questão anterior seja afirmativa, pode considerar-se que, com a Lei n.° 26, de 3 de Abril de 1979, que institui o processo de administração extraordinária das grandes empresas em crise — e, em especial, através das providências enunciadas na fundamentação da presente decisão constantes da lei em causa — o Estado italiano concedeu a certas empresas previstas nesse mesmo diploma (isto é, às grandes empresas) auxílios incompatíveis com o disposto no artigo 92.° do Tratado?»

Quanto à admissibilidade do reenvio prejudicial

22.
    A Piaggio sustenta que o reenvio prejudicial é inadmissível em virtude, por um lado, de o despacho de reenvio não definir suficiente e claramente o enquadramento regulamentar em que se insere a interpretação pedida e, por outro, de as questões submetidas não serem pertinentes para a solução do litígio no processo principal, baseando-se a acção revogatória que intentou em disposições ordinárias em matéria de falência que prevêem a revogabilidade dos pagamentos efectuados no decurso dos dois anos que precedem a declaração de insolvência.

23.
    A este propósito, se é verdade que o despacho de reenvio apenas apresenta sucintamente o enquadramento que está subjacente ao pedido prejudicial, essa circunstância não é todavia susceptível, no caso em apreço, de implicar a sua inadmissibilidade. Com efeito, essa apresentação é suficiente, pois permite compreender claramente as questões submetidas.

24.
    Por outro lado, há que recordar que compete apenas ao juiz nacional, a que foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, acórdão de 1 de Dezembro de 1998, Ecotrade, C-200/97, ainda não publicado na Colectânea, n.° 25).

25.
    De resto, basta constatar que, no presente processo, a questão de saber se um regime como o instituído pela Lei n.° 95/79 deve ser qualificado de auxílio novo ou de auxílio existente, questão que o Tribunal de Justiça examinará adiante oficiosamente, no quadro da cooperação estreita que deve estabelecer com os órgãos jurisdicionais nacionais, não é irrelevante para a solução do litígio no processo principal, tendo em conta as consequências que o órgão jurisdicional de reenvio pode ser chamado a tirar, à luz dos artigos 92.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE) e 88.° CE (ex-artigo 93.°), da ausência de notificação prévia à Comissão do regime de auxílio eventualmente em causa.

26.
    Além disso, nada permite afirmar perfunctoriamente que, se a Piaggio tivesse estado integralmente sujeita ao processo ordinário de falência, a situação da Dornier seria em todos os pontos idêntica, em particular, quanto às possibilidades de recuperar os créditos, pelo menos parcialmente, não obstante o facto de a revogabilidade dos pagamentos efectuados no decurso do período suspeito que precede a declaração de insolvência estar igualmente prevista no quadro do processo ordinário de falência. Esta questão releva da apreciação do órgão jurisdicional nacional.

27.
    Há, portanto, que responder às questões prejudiciais.

Quanto à primeira questão prejudicial

28.
    Através da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se pode convidar o Tribunal de Justiça a pronunciar-se directamente sobre a compatibilidade de uma medida nacional com o artigo 92.° do Tratado.

29.
    Deve, em primeiro lugar, recordar-se que, segundo jurisprudência constante, no âmbito de um processo ao abrigo do artigo 234.° CE, o Tribunal de Justiça não é competente para interpretar o direito nacional ou para decidir sobre a compatibilidade de uma medida nacional com o direito comunitário. (v., nomeadamente, acórdão de 21 de Janeiro de 1993, Deutsche Shell, C-188/91, Colect., p. I-363, n.° 27).

30.
    No que toca, mais particularmente, ao controlo do cumprimento pelos Estados-Membros das obrigações decorrentes dos artigos 92.° do Tratado e 88.° CE, há que ter em conta os papéis complementares e distintos desempenhados pelos órgãos jurisdicionais nacionais e pela Comissão, tais como recordados pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 11 de Julho de 1996, SFEI e o. (C-39/94, Colect., p. I-3547, n.os 41 e segs.).

31.
    Enquanto a apreciação da compatibilidade de medidas de auxílio com o mercado comum releva da competência exclusiva da Comissão, agindo sob controlo do Tribunal de Justiça, os órgãos jurisdicionais nacionais zelam pela salvaguarda dos

direitos dos particulares em caso de violação da obrigação de notificação prévia dos auxílios de Estado à Comissão prevista no artigo 88.°, n.° 3, CE.

32.
    A este propósito, para determinar se uma medida estatal criada sem ter em conta o processo de exame preliminar instituído pelo artigo 88.°, n.° 3, CE, lhe deve ou não ser sujeita, o órgão jurisdicional nacional pode ter de interpretar o conceito de auxílio referido no artigo 92.° do Tratado. Caso, como sucede no caso vertente, tal como resulta do despacho de reenvio, tenha dúvidas quanto à qualificação como auxílio de Estado das medidas em causa, pode solicitar esclarecimentos à Comissão sobre este ponto ou pode ou deve, nos termos do artigo 234.°, segundo e terceiro parágrafos, CE, submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça sobre a interpretação do artigo 92.° do Tratado (acórdão SFEI e o., já referido, n.os 49 a 51).

33.
    Neste sentido, a fim de fornecer uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, deve examinar-se a questão de saber se um auxílio como o instituído pela Lei n.° 95/79, que derroga as regras de direito comum em matéria de falência, deve ser qualificado de auxílio de Estado na acepção do artigo 92.° do Tratado e devia ter sido notificado à Comissão antes de posto em execução por aplicação do disposto no artigo 88.°, n.° 3, CE.

Quanto à qualificação como auxílio

34.
    Como já foi decidido pelo Tribunal de Justiça, o conceito de auxílio é mais lato do que o de subvenção, pois não se limita a abranger prestações positivas, como as próprias subvenções, compreendendo também intervenções que, de formas diversas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa, pelo que, não sendo subvenções na acepção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (v. acórdãos de 15 de Março de 1994, Banco Exterior de España, C-387/92, Colect., p. I-877, n.° 3, e Ecotrade, já referido, n.° 34).

35.
    O termo «auxílio», na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, implica necessariamente vantagens concedidas directa ou indirectamente provenientes de recursos estatais ou que constituam um encargo suplementar para o Estado ou para os organismos designados ou instituídos para esse efeito (v., nomeadamente, acórdão de 7 de Maio de 1998, Viscido e o., C-52/97 a C-54/97, Colect., p. I-2629, n.° 13).

36.
    À semelhança do que o Tribunal de Justiça julgou, a propósito do artigo 4.°, alínea c), do Tratado CECA, no acórdão Ecotrade, já referido, várias características do regime instaurado pela Lei n.° 95/79, tendo particularmente em conta as circunstâncias do caso no processo principal, são susceptíveis de comprovar, caso o alcance que a seguir lhes é atribuído for confirmado pelo órgão jurisdicional de reenvio, a existência de um auxílio na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado.

37.
    Em primeiro lugar, resulta dos autos que a Lei n.° 95/79 tem vocação para se aplicar de modo selectivo ás grandes empresas industriais em situação económica difícil que estão numa situação devedora particularmente gravosa em relação a determinadas categorias de credores, na maioria de natureza pública. Como o Tribunal de Justiça salientou no n.° 38 do acórdão Ecotrade, já referido, é mesmo altamente provável que o Estado ou organismos públicos figurem entre os principais credores da empresa em causa.

38.
    Importa sublinhar igualmente que as decisões do Ministro da Indústria de submeter a administração extraordinária uma empresa em situação económica difícil e de a autorizar a continuar em actividade, mesmo que se admita que essas decisões tenham sido tomadas tendo em devida conta os interesses dos credores e, designadamente, as possibilidades de valorização dos activos da empresa, são igualmente influenciadas, tal como o Tribunal de Justiça reconheceu no n.° 39 do acórdão Ecotrade, já referido, e como confirmou o órgão jurisdicional de reenvio, pela preocupação de preservar, em nome de considerações de política industrial nacional, a actividade económica da empresa.

39.
    Nestas condições, tendo em conta a categoria das empresas abrangidas pela regulamentação em litígio e a extensão do poder de apreciação de que goza o ministro, em particular quando autoriza uma empresa insolvente sob administração extraordinária a prosseguir a sua actividade, a regulamentação em causa preenche a condição de especificidade que constitui uma das características do conceito de auxílio de Estado (v., neste sentido, acórdão de 26 de Setembro de 1996, França/Comissão, C-241/94, Colect., p. I-4551, n.os 23 e 24).

40.
    Em seguida, qualquer que seja o objectivo prosseguido pelo legislador nacional, verifica-se que a regulamentação em causa é susceptível de colocar as empresas a que se aplica numa situação mais favorável do que outras, na medida em que permite o prosseguimento da respectiva actividade económica em circunstâncias em que tal eventualidade seria excluída no quadro da aplicação das regras ordinárias em matéria de falência, sendo que estas últimas têm em conta de forma determinante a protecção dos interesses dos credores. Ora, atendendo à natureza prioritária dos créditos ligados à prossecução da actividade económica, a autorização de a prosseguir, em tais circunstâncias, pode implicar um encargo suplementar para os poderes públicos se for efectivamente demonstrado que o Estado ou os organismos públicos figuram entre os principais credores da empresa em situação económica difícil, tanto mais que esta é, por hipótese, devedora de somas consideráveis.

41.
    Por outro lado, para além da concessão da garantia do Estado a título do artigo 2.°-A da Lei n.° 95/79, que as autoridades italianas aceitaram notificar previamente à Comissão, a colocação sob administração extraordinária implica a extensão daproibição e a suspensão de qualquer via de execução individual das dívidas e das sanções, juros e agravamentos em caso de mora de pagamento do imposto sobre

as sociedades, a exoneração da obrigação de pagamento de multas e sanções pecuniárias em caso de falta de pagamento das contribuições sociais, bem como a aplicação de uma taxa preferencial em caso de transferência, no todo ou em parte, da empresa, estando a transferência sujeita ao imposto de registo fixo de um milhão de LIT, quando o imposto de registo ordinário ascende a 3% do valor dos bens cedidos.

42.
    Tais vantagens, concedidas pelo legislador nacional, podem igualmente implicar um encargo suplementar para os poderes públicos, sob a forma de garantia de Estado, da renúncia efectiva aos créditos públicos, da exoneração da obrigação de pagamento de multas ou outras sanções pecuniárias ou da taxa reduzida de imposto. Só assim não será se ficar demonstrado que a colocação sob administração extraordinária e a prossecução da actividade económica da empresa não implicaram efectivamente, ou não implicarão, um encargo suplementar para o Estado, em comparação ao que teria decorrido da aplicação das disposições ordinárias do regime da falência. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar esses elementos após, sendo esse o caso, ter pedido esclarecimentos à Comissão.

43.
    Tendo em conta o que precede, há que concluir que a aplicação a uma empresa de um regime como o instituído pela Lei n.° 95/79, que derroga as regras de direito comum em matéria de falência, deve ser considerada como dando lugar à concessão de um auxílio de Estado, na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, quando ficar demonstrado que essa empresa

—    foi autorizada a prosseguir a actividade em circunstâncias em que tal não teria sucedido no quadro da aplicação das regras de direito comum em matéria de falência, ou

—    beneficiou de uma ou várias vantagens, como sejam, garantia de Estado, taxa reduzida de imposto, exoneração da obrigação de pagamento de multas e outras sanções pecuniárias ou renúncia efectiva, total ou parcial, aos créditos públicos, benefícios esses a que não podia aspirar uma empresa insolvente no quadro da aplicação das regras de direito comum em matéria de falência.

Quanto às consequências de ausência de notificação prévia

44.
    O Tratado previu e organizou, no artigo 88.° CE, o exame permanente e o controlo dos auxílios pela Comissão. No que diz respeito aos auxílios novos que os Estados-Membros tenham a intenção de instituir, estabelece um processo prévio sem o qual qualquer auxílio não poderá ser considerado como regularmente instituído. Por força do artigo 88.°, n.° 3, primeira frase, CE, os projectos relativos à instituição ou alteração de auxílios devem ser notificados à Comissão antes da respectiva concretização.

45.
    No entanto, a Comissão qualificou o regime da Lei n.° 95/79 de «auxílio de Estado existente», reconhecendo, no entanto, que essa lei, se bem que promulgada após a entrada em vigor do Tratado, lhe não foi notificada em conformidade com as disposições do artigo 88.°, n.° 3, CE. A sua posição baseou-se em razões de oportunidade, entre as quais figuram, nomeadamente, as suas próprias dúvidas, que se prolongaram durante catorze anos, quanto à qualificação da Lei n.° 95/79 como auxílio de Estado, a confiança dos operadores económicos sujeitos a esse regime, a aplicação pouco frequente deste regime, a impossibilidade prática de obter o reembolso das somas eventualmente recuperáveis.

46.
    Essa posição não pode ser aceite.

47.
    Com efeito, a resposta à questão de saber se um auxílio é novo e se a sua instituição requer, em consequência, a instauração do processo de exame preliminar, previsto no artigo 88.°, n.° 3, CE, não pode estar dependente de uma apreciação subjectiva da Comissão.

48.
    Tal como o Tribunal de Justiça julgou já, no acórdão de 9 de Agosto de 1994, Namur-Les assurances du crédit (C-44/93, Colect., p. I-3829, n.° 13), decorre tanto do conteúdo como dos objectivos das disposições do artigo 88.° CE (ex-artigo 93.°) que devem ser considerados como auxílios existentes, na acepção do n.° 1 desse artigo, os que existiam antes da data da entrada em vigor do Tratado e aqueles que puderam ser regularmente postos em execução nas condições previstas no artigo 88.°, n.° 3, CE, incluindo os resultantes da interpretação desta disposição dada pelo Tribunal de Justiça no acórdão 11 de Dezembro de 1973, Lorenz (120/73, Colect., p. 553, n.os 4 a 6), ao passo que devem, pelo contrário, ser considerados como auxílios novos, sujeitos à obrigação de notificação prevista nesta última disposição, as medidas que visem a instituição ou a alteração dos auxílios, sendo que as alterações podem ter por efeito quer auxílios existentes, quer projectos iniciais notificados à Comissão.

49.
    Por conseguinte, desde que seja demonstrado que um regime como o instituído pela Lei n.° 95/79 é susceptível, por si, de gerar a concessão de auxílios de Estado, na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, o referido regime não pode ser posto em execução se não tiver sido notificado à Comissão e, em caso de notificação, antes de uma decisão da Comissão que reconheça a compatibilidade do projecto de auxílio com o mercado comum, ou se a Comissão não tomar qualquer decisão no prazo de dois meses contados da notificação, antes de expirado o referido prazo (v. acórdão Lorenz, já referido, n.° 4).

50.
    Há, por isso, que responder à primeira questão como segue:

No quadro de um processo instaurado nos termos do artigo 234.° CE, o Tribunal de Justiça não é competente para interpretar o direito nacional ou pronunciar-se sobre a compatibilidade de uma medida nacional com o artigo 92.° do Tratado.

Todavia, um órgão jurisdicional nacional, quando lhe seja submetido um pedido no sentido de que tire as consequências da violação do artigo 88.°, n.° 3, última frase, CE, pode pedir esclarecimentos à Comissão ou, em conformidade com o disposto no artigo 234.°, segundo e terceiro parágrafos, CE, pode ou deve submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça sobre a interpretação do artigo 92.° do Tratado, a fim de determinar se as medidas estatais em causa constituem auxílios de Estado que deviam ter sido notificados à Comissão.

A aplicação a uma empresa de um regime como o instituído pela Lei n.° 95/79, que derroga as regras de direito comum em matéria de falência, deve ser considerada como dando lugar à concessão de um auxílio de Estado, na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, quando ficar demonstrado que essa empresa

—    foi autorizada a prosseguir a actividade económica em circunstâncias em que tal não teria sucedido no quadro da aplicação das regras de direito comum em matéria de falência, ou

—    beneficiou de uma ou várias vantagens, como sejam, garantia de Estado, taxa reduzida de imposto, exoneração da obrigação de pagamento de multas e outras sanções pecuniárias ou renúncia efectiva, total ou parcial, aos créditos públicos, benefícios esses a que não podia aspirar uma empresa insolvente no quadro da aplicação das regras de direito comum em matéria de falência.

Desde que fique demonstrado que um regime como o instituído pela Lei n.° 95/79 é susceptível, por si, de gerar a concessão de auxílios de Estado, na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, o referido regime não pode ser posto em execução se não tiver sido notificado à Comissão e, em caso de notificação, antes de uma decisão da Comissão que reconheça a compatibilidade do projecto de auxílio com o mercado comum, ou se a Comissão não tomar qualquer medida no prazo de dois meses contados da notificação, antes de expirado o referido prazo.

Quanto à segunda questão prejudicial

51.
    Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

Quanto às despesas

52.
    As despesas efectuadas pelo Governo italiano e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Tribunale di Genova, por despacho de 29 de Julho de 1997, declara:

1.
    No quadro de um processo instaurado nos termos do artigo 234.° CE (ex-artigo 177.°), o Tribunal de Justiça não é competente para interpretar o direito nacional ou pronunciar-se sobre a compatibilidade de uma medida nacional com o artigo 92.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE). Todavia, um órgão jurisdicional nacional, quando lhe seja submetido um pedido no sentido de que tire as consequências da violação do artigo 88.°, n.° 3, última frase, CE (ex-artigo 93.°, n.° 3, última frase), pode pedir esclarecimentos à Comissão ou, em conformidade com o disposto no artigo 234.°, segundo e terceiro parágrafos, CE, pode ou deve submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça sobre a interpretação do artigo 92.° do Tratado, a fim de determinar se as medidas estatais em causa constituem auxílios de Estado que deviam ter sido notificados à Comissão.

2.
    A aplicação a uma empresa de um regime como o instituído pela Lei italiana n.° 95/79, de 3 de Abril de 1979, que derroga as regras de direito comum em matéria de falência, deve ser considerada como dando lugar à concessão de um auxílio de Estado, na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, quando ficar demonstrado que essa empresa

    —    foi autorizada a prosseguir a actividade económica em circunstâncias em que tal não teria sucedido no quadro da aplicação das regras de direito comum em matéria de falência, ou

    —    beneficiou de uma ou várias vantagens, como sejam, garantia de Estado, taxa reduzida de imposto, exoneração da obrigação de pagamento de multas e outras sanções pecuniárias ou renúncia efectiva, total ou parcial, aos créditos públicos, benefícios esses a que não pode aspirar uma empresa insolvente no quadro da aplicação das regras de direito comum em matéria de falência.

3.
    Desde que fique demonstrado que um regime como o instituído pela Lei n.° 95/79 é susceptível, por si, de gerar a concessão de auxílios de Estado, na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, o referido regime não pode ser posto em execução se não tiver sido notificado à Comissão e, em caso de notificação, antes de uma decisão da Comissão que reconheça a compatibilidade do projecto de auxílio com o mercado comum, ou se a Comissão não tomar qualquer decisão no prazo de dois meses contados da notificação, antes de expirado o referido prazo.

Puissochet
Jann
Gulmann

Edward

Wathelet

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Junho de 1999.

O secretário

O presidente da Quinta Secção

R. Grass

J.-P. Puissochet


1: Língua do processo: italiano.