Language of document : ECLI:EU:T:2014:240

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

8 de maio de 2014 (*)

«Marca comunitária — Processo de declaração de nulidade — Marca comunitária nominativa Simca — Má‑fé — Artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 207/2009»

No processo T‑327/12,

Simca Europe Ltd, com sede em Birmingham (Reino Unido), representada por N. Haberkamm, advogado,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por A. Schifko, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte na Câmara de Recurso do IHMI, interveniente no Tribunal Geral,

GIE PSA Peugeot Citroën, com sede em Paris (França), representado por P. Kotsch, advogado,

que tem por objeto um recurso interposto da decisão da Primeira Câmara de Recurso do IHMI de 12 de abril de 2012 (processo R 645/2011‑1), relativo a um processo de declaração de nulidade entre a GIE PSA Peugeot Citroën e a Simca Europe Ltd,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: A. Dittrich, presidente, J. Schwarcz (relator) e V. Tomljenović, juízes,

secretário: E. Coulon,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de julho de 2012,

vista a resposta do IHMI, apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de novembro de 2012,

vistas as observações da interveniente apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de novembro de 2012,

visto as partes não terem apresentado pedido de realização de audiência no prazo de um mês a contar da notificação do encerramento da fase escrita e, consequentemente, tendo decidido, com base no relatório do juiz‑relator e em aplicação do artigo 135.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, pronunciar‑se sem fase oral do processo,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 5 de dezembro de 2007, Joachim Wöhler (a seguir «antigo titular») apresentou um pedido de registo de marca comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1)].

2        A marca cujo registo foi pedido é o sinal nominativo Simca.

3        Os produtos para os quais o registo foi pedido pertencem à classe 12 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição: «Veículos; aparelhos de locomoção por terra, ar ou água».

4        O pedido de marca foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias n.° 16/2008, de 21 de abril de 2008, e o sinal nominativo Simca foi registado como marca comunitária em 18 de setembro de 2008, sob o número 6489371, para todos os produtos mencionados no n.° 3, supra.

5        Em 29 de setembro de 2008, a interveniente, a GIE PSA Peugeot Citroën, apresentou um pedido de declaração de nulidade da referida marca comunitária, em conformidade com o artigo 51.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 [que passou a artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009], para todos os produtos para os quais tinha sido registada. Em substância, a interveniente alegava que o antigo titular estava de má‑fé no momento da apresentação do pedido de registo da marca impugnada. Com este pedido de registo, pretendeu‑se, com efeito, unicamente impedir a recorrente de utilizar a denominação «simca» para comercializar os produtos visados pelo pedido de registo, e isto muito embora esta última dispusesse sobre a marca direitos anteriores ao referido pedido. A este propósito, a interveniente referiu‑se, designadamente, ao facto de que era titular de uma marca internacional SIMCA, registada sob o número 218957 e protegida desde 1959, designadamente na Alemanha, em Espanha, na Áustria e no Benelux, em particular para «veículos; aparelhos de locomoção por terra, ar ou água», pertencentes à classe 12 na aceção do Acordo de Nice, e da marca francesa SIMCA, registada sob o número 1606604, desde 1990, designadamente para «veículos automóveis», abrangidos por esta mesma classe. A interveniente sustentou que, apesar de estas marcas não terem sido utilizadas ao longo dos últimos anos, os seus direitos de marca se mantinham. Recordou que a marca «conhecida» de veículo automóvel SIMCA já tinha sido criada em 1934 por um construtor automóvel francês. A marca francesa anterior foi pedida pela primeira vez em 1935 e foi retomada em 1978 pela Automobiles Peugeot, SA, que a utilizou de maneira intensiva no mundo inteiro, incluindo na Europa. A interveniente sustentou ainda que em 2008 pediu, por duas vezes, ao antigo titular que renunciasse à marca impugnada. Em resposta, o referido titular exerceu «chantagem» sobre ela, pedindo‑lhe uma compensação financeira. Segundo a interveniente, o pedido de marca tinha sido feito pelo antigo titular para melhorar a sua situação financeira por extorsão, sem que tenha havido, da sua parte, uma verdadeira vontade de uso da referida marca. Tendo igualmente em conta que a relação contratual entre as partes tinha terminado pouco tempo antes da apresentação do pedido de marca comunitária em causa, a interveniente considerava que se tratava de uma simples «marca de especulação» ou de uma «marca de bloqueio».

6        Por decisão de 25 de janeiro de 2011, a Divisão de Anulação do IHMI indeferiu o pedido de declaração de nulidade na sua integralidade.

7        Em 24 de março de 2011, a interveniente interpôs recurso da referida decisão.

8        Em 29 de abril de 2011, a recorrente, Simca Europe Ltd, foi inscrita no registo da IHMI como novo titular da marca contestada.

9        Por decisão de 12 de abril de 2012 (a seguir «decisão impugnada»), a Primeira Câmara de Recurso do IHMI acolheu o recurso da interveniente, anulou a decisão da Divisão de Anulação e declarou nula a marca impugnada. Baseou‑se em fundamentos divididos em três partes, relativas, primeiramente, a observações preliminares, em segundo lugar, a factos «não contestados» e, em terceiro lugar, à própria existência de má‑fé do antigo titular à data do pedido de registo.

10      Em primeiro lugar, no que respeita às observações preliminares, por um lado, a Câmara de Recurso considerou que, enquanto novo titular da marca impugnada, a recorrente «devia deixar‑se imputar diretamente o comportamento» do antigo titular enquanto requerente inicial da referida marca.

11      Por outro lado, a Câmara de Recurso considerou não pertinente uma referência feita pela recorrente a um acórdão do Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça, Alemanha), sobre a marca alemã SIMCA. A Câmara de Recurso recordou, a este respeito, que o regime da marca comunitária era um sistema autónomo constituído por um conjunto de objetivos e de regras que lhe são específicos e cuja aplicação é independente de qualquer sistema nacional. Além disso, a Câmara de Recurso afirmou não ter conhecimento das provas apresentadas no processo paralelo a decorrer na Alemanha, pelo que o acórdão referido não podia ter por efeito criar um precedente.

12      Em segundo lugar, no que diz respeito aos elementos «não contestados» que têm, segundo a Câmara de Recurso, importância decisiva para a apreciação dos factos no caso presente, primeiramente, esta sublinhou que veículos automóveis designados pela marca SIMCA foram vendidos desde os anos 30 e que a interveniente ou uma empresa que faz parte do seu grupo tinha retomado esta marca em 1978. Além disso, a Câmara de Recurso sublinhou o facto de que a interveniente era titular de duas marcas figurativas protegidas, uma França, a saber, a marca nacional registada sob o número 121992, e a outra na República Checa, na Alemanha, em Espanha, na Itália, na Hungria, em Malta, em Portugal, na Roménia e no Benelux, bem como noutros países não membros da União Europeia, a saber, a marca internacional registada sob o número 218957. Estas marcas continuavam a estar, segundo a Câmara de Recurso, registadas na data da adoção da decisão impugnada, pelo menos para os veículos abrangidos pela classe 12, em nome da Automobiles Peugeot, uma empresa que fazia parte do grupo a que pertence a interveniente.

13      Seguidamente, segundo a Câmara de Recurso, embora a interveniente tivesse deixado de comercializar veículos sob a marca SIMCA em finais dos anos 70, esta marca gozava de um grau de notoriedade elevado, que, apesar de ter podido diminuir com o decorrer dos anos, continuava a existir na data da decisão impugnada.

14      Em terceiro lugar, a Câmara de Recurso sublinhou que o antigo titular tinha trabalhado como empresário independente no domínio da programação informática, durante mais de 18 meses, para a interveniente em Colónia (Alemanha) e, seguidamente, em Bremen (Alemanha). Conhecia, segundo a Câmara de Recurso, a história da marca SIMCA, como resulta, designadamente, de alguma da sua correspondência dirigida à interveniente.

15      Em quarto lugar, a Câmara de Recurso constatou que, mesmo antes da data em que foi pedido o registo da marca impugnada, o antigo titular já estava em contacto com uma empresa indiana para estudar um projeto de desenvolvimento de um veículo automóvel. No entanto, este projeto não foi posto em prática à data da adoção da decisão impugnada. A Câmara de Recurso sublinhou, a este respeito, que resultava da correspondência do antigo titular que estava à procura de uma marca «que tivesse deixado de ser utilizada ou que não estivesse registada».

16      Em quinto lugar, a Câmara de Recurso afirmou que, no mês de agosto de 2008, o antigo titular era igualmente titular do endereço Internet www.simca.info e que, desde dezembro de 2008, comercializava bicicletas elétricas através do referido sítio Internet.

17      Por fim, a Câmara de Recurso afirmou que, apesar de o antigo titular da marca conhecer os direitos da interveniente sobre a marca impugnada, supunha que tais direitos podiam ser anulados devido à falta de uso sério. O antigo titular estaria, no entanto, disposto a renunciar à marca impugnada se lhe fosse feita uma «proposta de indemnização por danos».

18      Em terceiro lugar, no que respeita à própria existência de má‑fé do antigo titular, a Câmara de Recurso considerou, em substância, que o ónus da prova a este respeito incumbia à interveniente enquanto requerente da nulidade. Havia, em seu entender, que recorrer a várias provas constitutivas de uma cadeia de indícios, a ponto de poder ser afirmado, com probabilidade próxima da certeza, que o requerente da marca comunitária estava de má‑fé.

19      Segundo a Câmara de Recurso, o conceito de «má‑fé», visado no artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, não se encontra definida, nem delimitada, nem sequer descrita de alguma maneira na legislação. Embora o Tribunal de Justiça tenha estabelecido uma lista de critérios relativos à interpretação do referido conceito no acórdão de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli (C‑529/07, Colet., p. I‑4893), estes não são, segundo a Câmara de Recurso, exaustivos. Uma vez que os factos na base do processo que deram origem à questão prejudicial em causa no processo referido diferem, segundo a Câmara de Recurso, substancialmente dos factos na base do processo em causa no presente processo, a mesma considera necessário estabelecer critérios suplementares.

20      Segundo a Câmara de Recurso, o facto de o antigo titular conhecer a existência das marcas anteriores e de, apesar disso, ter apresentado um pedido de marca comunitária é um indício da sua «intenção de colocar entraves» e da sua má‑fé. O facto de ter suposto que estas marcas eram suscetíveis de ser anuladas não tem, a seu ver, pertinência e constitui um simples pretexto, dado que, à data da adoção da decisão impugnada, o referido titular ainda não tinha apresentado nenhum pedido de caducidade da marca francesa anterior nem da marca internacional anterior.

21      A Câmara de Recurso indicou que o antigo titular também sabia pertinentemente que a marca SIMCA gozava de notoriedade para os veículos automóveis. Segundo a Câmara de Recurso, ressaltava das provas que o mesmo estava à procura de um nome de marca conhecido, pois o seu objetivo era explorar «de maneira parasitária» o renome das marcas registadas da interveniente e tirar proveito da boa reputação dessas marcas através do uso ilegítimo deliberado do sinal Simca. Ora, tal comportamento devia, em seu entender, ser considerado como má‑fé.

22      Consequentemente, a Câmara de Recurso considerou irrelevante o facto de o antigo titular comercializar bicicletas sob a marca Simca, desde dezembro de 2008, uma vez que essa comercialização não constituía uma justificação para o registo da marca impugnada.

 Pedidos das partes

23      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        anular a decisão impugnada;

¾        condenar o IHMI nas despesas, incluindo nas «despesas de representação».

24      O IHMI e a interveniente concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        negar provimento ao recurso;

¾        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto às peças apresentadas pela primeira vez perante o Tribunal Geral

25      Resulta da análise dos autos do IHMI que os documentos que figuram nos anexos K 8, K 9 e K 10 da petição não lhe tinham sido apresentados durante o procedimento administrativo. Esses documentos consistem, em primeiro lugar, no que respeita ao anexo K 8, numa carta datada de 16 de março de 2012, que a recorrente dirigiu à interveniente e que intimava esta última a renunciar à utilização da marca nominativa alemã SIMCA, registada sob o número 302008037708, em proveito da interveniente, e seguidamente, no que diz respeito ao anexo K 9, numa declaração de renúncia da interveniente, datada de 23 de março de 2012 e que visava a dita marca, bem como numa carta dirigida pela interveniente ao Deutsches Patent‑ und Markenamt (Instituto das Patentes e das Marcas alemão), informando‑o da sua renúncia, e, por último, no que respeita ao anexo K 10, num extrato do registo das marcas alemão, datado de 16 de julho de 2012, do qual resulta que a marca alemã visada foi anulada.

26      A este propósito, há que recordar que o recurso interposto no Tribunal Geral visa a fiscalização da legalidade das decisões das Câmaras de Recurso, na aceção do artigo 65.° do Regulamento n.° 207/2009, e que, no contencioso de anulação, a legalidade do ato impugnado deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data em que o ato foi adotado. Assim, segundo jurisprudência constante, não é função do Tribunal Geral reexaminar as circunstâncias de facto à luz das provas que sejam apresentadas perante si pela primeira vez. Com efeito, a admissão destas provas é contrária ao n.° 4 do artigo 135.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, nos termos do qual as respostas das partes não podem alterar o objeto do litígio perante a Câmara de Recurso [v. acórdão do Tribunal Geral de 21 de março de 2012, Feng Shen Technology/IHMI — Majtczak (FS), T‑227/09, n.° 25 e jurisprudência referida].

27      Resulta daí que os documentos apresentados pela primeira vez perante o Tribunal Geral, constantes dos anexos K 8, K 9 e K 10 da petição, não podem ser tomados em consideração e devem, portanto, ser afastados.

 Quanto à admissibilidade da remissão global, pela recorrente, para os argumentos apresentados no IHMI

28      No diz respeito aos argumentos para os quais a recorrente remete de maneira global, no n.° 67 da petição, e que apresentou durante o processo no IHMI, há que recordar que, por força do artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a petição deve conter uma exposição sucinta dos fundamentos invocados. Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir ao recorrido preparar a sua defesa e ao Tribunal conhecer do recurso, sendo caso disso, sem recorrer a qualquer outra informação [v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 18 de setembro de 2012, Scandic Distilleries/IHMI — Bürgerbräu, Röhm & Söhne (BÜRGER), T‑460/11, não publicado na Coletânea, n.° 16 e jurisprudência referida].

29      Recorde‑se que, ainda que o texto da petição se possa basear e ser completado, em pontos específicos, por remissões para passagens de documentos a ela anexados, uma remissão global para outros documentos, mesmo que anexados à petição inicial, não poderá suprir a ausência dos elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais, por força das disposições atrás recordadas, devem constar da petição (v., neste sentido, acórdão BÜRGER, referido no n.° 28, supra, n.° 17 e jurisprudência referida).

30      No caso vertente, a recorrente limitou‑se a indicar, no n.° 67 da petição, que estava a fazer referência «à totalidade da argumentação invocada […] no IHMI no seu articulado de 2 de agosto de 2011 e aos documentos juntos a este em anexo» e que «os documentos em questão [estavam] expressamente declarados como fazendo parte do objeto do recurso enquanto conteúdo suplementar da […] petição».

31      Assim, a recorrente não identifica os pontos específicos da petição inicial que pretende completar com essa remissão nem os documentos em que esses eventuais argumentos estariam expostos.

32      Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral não tem de procurar, de maneira global, no articulado acima referido apresentado no IHMI, os argumentos aos quais a recorrente poderia fazer referência nem de examinar esses argumentos, uma vez que os mesmos são inadmissíveis. Em contrapartida, o Tribunal Geral examinará, de entre os elementos apresentados durante o procedimento administrativo no IHMI, aqueles para os quais remetem argumentos específicos e suficientemente concretos suscitados na petição.

 Quanto ao pedido de anulação da decisão impugnada

33      A recorrente invoca um único fundamento em apoio do seu recurso, relativo à inobservância do disposto no artigo 52.° do Regulamento n.° 207/2009. Em sua opinião, em substância, a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito ao concluir que o antigo titular estava de má‑fé quando apresentou ao IHMI um pedido de registo da marca em causa como marca comunitária.

34      O IHMI e a interveniente contestam os argumentos da recorrente.

35      A título preliminar, importa referir que, em conformidade com o artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, a nulidade da marca comunitária deve ser declarada na sequência de pedido apresentado ao IHMI ou de pedido reconvencional numa ação de contrafação, sempre que o titular da marca não tenha agido de boa‑fé no ato de depósito do pedido de marca. Cabe ao requerente da declaração de nulidade que pretende invocar este fundamento estabelecer as circunstâncias que permitem concluir que o titular de uma comunitária estava de má‑fé ao apresentar o pedido de registo desta última [acórdão do Tribunal Geral de 14 de fevereiro de 2012, Peeters Landbouwmachines/IHMI — Fors MW (BIGAB), T‑33/11, n.° 17].

36      Conforme refere acertadamente a Câmara de Recurso nos n.os 34 e seguintes da decisão impugnada, o Tribunal de Justiça deu algumas precisões sobre como deve ser interpretado o conceito de má‑fé a que se refere o artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009 (acórdão Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli, referido no n.° 19, supra, n.os 37 e segs.). Sublinhou, assim, que a má‑fé do requerente, para efeitos dessa disposição, devia ser apreciada globalmente, tendo em atenção todos os fatores pertinentes do caso, nomeadamente:

¾        o facto de o requerente saber ou dever saber que um terceiro utiliza, pelo menos num Estado‑Membro, um sinal idêntico ou semelhante para um produto idêntico ou semelhante, suscetível de gerar confusão com o sinal cujo registo é pedido;

¾        a intenção de o requerente impedir esse terceiro de continuar a utilizar tal sinal;

¾        o grau de proteção de que goza o sinal do terceiro e o sinal cujo registo é pedido.

37      O tribunal de Justiça indicou igualmente, nos n.os 43 e 44 do acórdão Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli, referido no n.° 19, supra, que a intenção de impedir a comercialização de um produto pode, em determinadas circunstâncias, caracterizar a má‑fé dor requerente. Assim é, designadamente, quando se verifica, posteriormente, que o requerente registou um sinal como marca comunitária, sem intenção de o utilizar, unicamente com o objetivo de impedir a entrada de um terceiro no mercado.

38      Assim sendo, como sublinhou acertadamente a Câmara de Recurso no n.° 35 da decisão impugnada, resulta da formulação dada pelo acórdão Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli, referido no n.° 19, supra, que os três fatores enumerados no n.° 36, supra, são meros exemplos de entre um conjunto de elementos suscetíveis de ser tomados em consideração para efeitos da apreciação da eventual má‑fé de um requerente de marca no momento da apresentação do pedido (acórdão BIGAB, referido no n.° 35, supra, n.° 20).

39      Importa, pois, considerar que, no quadro da análise global feita ao abrigo do artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, se pode igualmente tomar em consideração a origem da palavra ou do sinal constitutivo da marca impugnada e o seu uso anterior no domínio dos negócios enquanto marca, designadamente por empresas concorrentes, bem como a lógica comercial em que se inscreve a apresentação do pedido de registo da marca comunitária constituída por esta palavra ou por esta sigla.

40      No caso vertente, resulta, a título preliminar, que importa rejeitar as alegações da recorrente em que esta critica a Câmara de Recurso por ter tido em conta um «novo indício de má‑fé», que não foi previsto no quadro da jurisprudência do Tribunal de Justiça, designadamente no acórdão Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli, referido no n.° 19, supra, ou que está mesmo em contradição com os critérios mencionados no referido acórdão. Com efeito, por um lado, à semelhança da Câmara de Recurso, há que sublinhar que os referidos critérios jurisprudenciais são meros exemplos. Por outro lado, importa constatar que os critérios acolhidos pela Câmara de Recurso na decisão impugnada não estão em contradição com os critérios estabelecidos no acórdão acima referido, mas a estes últimos se acrescentam segundo uma lógica aí prevista, que consiste em apreciar globalmente todos os fatores pertinentes do caso concreto. Assim, foi com razão que a Câmara de Recurso avaliou tanto a origem da sigla constitutiva da marca impugnada Simca como o seu uso anterior no domínio dos negócios como marca, designadamente por empresas concorrentes, e a lógica comercial em que se inscreve a apresentação do pedido de registo da marca impugnada formada por essa sigla. Além disso, neste contexto, nada proibia a Câmara de Recurso de analisar igualmente o conhecimento que o titular da marca cuja nulidade foi pedida tinha, na data do pedido de registo, da existência das marcas anteriores que incluíam a referida sigla Simca e do seu grau de notoriedade.

41      A este propósito, o Tribunal Geral refere, antes de mais, que é pacífico que a sigla SIMCA fora criada em França em 1934 por um construtor automóvel e que veículos designados por uma marca que contém esta sigla foram vendidos desde os anos 30. Esta marca foi posteriormente retomada, em 1978, pela Automobiles Peugeot, que a utilizou no mundo inteiro, incluindo na Europa.

42      É igualmente pacífico que a interveniente é titular de duas marcas figurativas anteriores que incluem a palavra «simca», sendo uma francesa, registada sob o número 121992 e apresentada em 5 de março de 1959, e a outra internacional, registada sob o número 218957, baseada na referida marca francesa e protegida em certos Estados‑Membros da União, como a Alemanha, a Espanha, a Itália, a Hungria, a Roménia e o Benelux. Tanto a marca francesa anterior como a marca internacional anterior, apesar de não terem sido utilizadas ao longo das últimas décadas, como constatado no n.° 24 da decisão impugnada, foram, no entanto, renovadas e continuavam registadas em proveito da interveniente na data do pedido de registo da marca impugnada.

43      Além disso, embora a Câmara de Recurso tenha afirmado, no n.° 23 da decisão impugnada, in fine, de maneira pouco clara que as marcas acima referidas continuavam registadas «pelo menos para ‘veículos’ da classe 12», por um lado, importa observar que a recorrente não apresente no Tribunal Geral alegações específicas relativas às consequências eventuais que esta afirmação poderia ter quanto à existência de má‑fé do antigo titular relativamente ao seu pedido de registo da marca impugnada para os restantes produtos em causa, a saber, os «aparelhos de locomoção por terra, ar ou água». Com efeito, a recorrente contesta sobretudo a pertinência do registo das marcas anteriores enquanto tal na apreciação da má‑fé do antigo titular e, seguidamente, salienta, enquanto elemento que demonstra a inexistência de má‑fé, o facto de o antigo titular utilizar efetivamente a marca impugnada na sequência do seu registo, e isto, num primeiro momento, para comercializar bicicletas elétricas, com a intenção de, posteriormente, utilizar a referida marca igualmente para um «nicho» de veículos motorizados.

44      Por outro lado, e de qualquer modo, impõe‑se concluir que resulta do dossier administrativo do IHMI que o registo da marca internacional anterior, do qual uma cópia está anexada ao pedido de declaração de nulidade da interveniente e que assenta na marca na marca francesa anterior, enumera, de entre os produtos visados, as duas categorias abrangidas pela 12, suprarreferidas. Por outro lado, importa considerar, na falta de elementos em sentido contrário, que as conclusões da Câmara de Recurso a propósito da má‑fé do antigo titular visam tanto a parte do seu pedido de registo da marca impugnada que tem por objeto os «veículos» como a parte que tem por objeto os «aparelhos de locomoção por terra, ar ou água».

45      Seguidamente, conforme declarou a Câmara de Recurso no n.° 37 da decisão impugnada, lido em conjugação com os seus n.os 1, 27 e 28, está assente que o antigo titular só pediu o registo da marca impugnada em 5 de dezembro de 2007 e que apresentou esse pedido apesar de saber da existência das marcas anteriores SIMCA da interveniente, pelo menos como marcas «históricas». Além disso, também não se contesta que o antigo titular não pediu a caducidade das marcas francesa ou internacional anteriores, tendo a recorrente sustentado no Tribunal Geral unicamente que faria esses pedidos no futuro. No que respeita a algumas referências feitas pela recorrente a diligências com vista à declaração de nulidade já iniciadas pela recorrente contra certas marcas anteriores da interveniente, além de que as mesmas assentam em documentos invocados pela primeira vez no Tribunal Geral e que, portanto, são inadmissíveis (v. n.os 25 a 27, supra), importa observar que, de qualquer modo, tais diligências respeitam apenas a uma marca alemã da interveniente, registada sob o número 302008037708, e não às marcas francesa ou internacional anteriores.

46      Observe‑se igualmente que, contrariamente às alegações da recorrente, foi acertadamente que a Câmara de Recurso afirmou, no n.° 38 da decisão impugnada, em referência aos elementos de prova apresentados designadamente pelo próprio antigo titular, que este sabia pertinentemente que a marca SIMCA gozava de notoriedade para os veículos automóveis. Por outro lado, como resulta do n.° 25 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso considerou que a referida notoriedade tinha sido de elevado grau no passado, podia ter diminuído ao longo dos anos, mas existia ainda na data da adoção da decisão impugnada, e isto «designadamente junto das pessoas que entraram em contacto com veículos que foram comercializados sob o nome de marca ‘SIMCA’».

47      A este propósito, a título preliminar, quanto ao conhecimento e à perceção que tinha o antigo titular da marca Simca, refira‑se que, como resulta da sua carta de 15 de junho de 2007, dirigida à empresa indiana W. (anexo XIV da resposta do antigo titular, datada de 26 de dezembro de 2008, ao articulado da interveniente que expõe os fundamentos do pedido de nulidade), este estava à procura de uma marca «apropriada» que já não era utilizada ou que não tivesse sido registada e que, por conseguinte, não estivesse juridicamente protegida. Foi somente na sequência das declarações acima referidas que o antigo titular pediu o registo da marca impugnada, retomando, tal e qual, o elemento nominativo das marcas figurativas anteriores. De mesmo modo, resulta de uma carta do antigo titular, datada de 5 de setembro de 2007 e dirigida à referida empresa indiana, que o mesmo tinha conhecimento de um registo anterior da marca SIMCA‑1100 City‑Laster, na Alemanha, em vigor até 1983, bem como do sucesso das viaturas de desporto de marca SIMCA nas corridas de automóveis nos anos 70.

48      Seguidamente, resulta da carta do antigo titular datada de 17 de março de 2008, dirigida a S., chefe do conselho de direção da interveniente, que, embora tenha sido redigida posteriormente ao pedido de registo da marca impugnada, é portadora de elementos pertinentes que permitem deduzir as razões que levaram o antigo titular a apresentar o referido pedido, que este último tinha por desígnio conservar a «maravilhosa» marca SIMCA para a posteridade. Nesta mesma carta, o antigo titular também se referiu expressamente à «extraordinária história da marca SIMCA». Estas declarações devem ser lidas conjuntamente com a parte introdutória da referida carta, na qual o antigo titular salienta os seus conhecimentos do setor automóvel e as suas afinidades particulares e constantes em relação às viaturas francesas, designadamente da marca Peugeot ou Citroën. No mesmo contexto, o antigo titular referiu expressamente ter feito pesquisas tanto na Internet como junto do IHMI para saber se a referida marca SIMCA continuava registada.

49      Tendo igualmente em conta a afirmação do antigo titular, avançada nesta mesma carta, segundo a qual este tinha comprado «em janeiro de 2008, em França, uma viatura SIMCA Aronde 9 que se ajustava de forma ideal à marca [comunitária] cujo registo [ele] tinha pedido» um mês antes, importa concluir que foi acertadamente que a Câmara de Recurso considerou que o referido titular «sabia pertinentemente que a marca SIMCA gozava de notoriedade para os veículos automóveis». Com efeito, os elementos acima referidos permitem ao Tribunal Geral concluir que, aos olhos do antigo titular, se considerava, no mínimo, que a marca em questão ainda mantinha uma certa notoriedade residual, o que explica, de resto, o seu interesse por essa marca tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, bem como a sua intenção de a salvaguardar para as gerações futuras.

50      Esta conclusão e corroborada pela alegação da recorrente segundo a qual era «de notoriedade pública que a marca SIMCA já não era utilizada pela [interveniente] desde há várias décadas». Com efeito, tal afirmação pressupõe que a própria existência da marca SIMCA, enquanto marca «histórica», era um facto notoriamente conhecido, pelo menos por parte do público em questão constituída por pessoas que conheceram veículos comercializados sob esta marca no passado.

51      Estes desenvolvimentos não podem ser invalidados pela referência da recorrente ao conteúdo da sua carta na fase pré‑contenciosa datada de 2 de agosto de 2011 e dirigida ao IHMI, na qual é sustentado que mesmo o público dos conhecedores já não se recordava da marca SIMCA. A este propósito, importa referir que os elementos apresentados a fim de alicerçar esta afirmação, em anexo à referida carta, consistem, em especial, em excertos de páginas Internet de alguns vendedores de veículos automóveis, designadamente no mercado de veículos usados.

52      Ora, na medida em que é possível extrair certas conclusões a partir desses excertos das páginas Internet acima referidas, estes demonstram apenas, quando muito, que certos vendedores já não propunham para venda veículos de marca SIMCA no mercado de veículos usados. Deste modo, na falta de outros elementos de prova concordantes, como sondagens ao público pertinente, não se pode excluir que, tal como sustenta a Câmara de Recurso no n.° 25 da decisão impugnada, ao fazer referência, no n.° 5 desta, às provas relativas ao «historial» da marca SIMCA, pode ter persistido uma notoriedade residual, em especial na parte do público pertinente conforme definida pela Câmara de Recurso (v. n.os 46 e 50, supra).

53      Importa acrescentar, por outro lado, que, além do artigo de uma revista alemã, datada de dezembro de 1989 e relativo à história das viaturas produzidas sob a marca SIMCA 1000, documento ao qual a interveniente se tinha referido no procedimento administrativo no IHMI, designadamente na sua carta de 29 de março de 2010 e que é mencionado no n.° 5 da decisão impugnada, a conclusão de que existia, na data pertinente da apresentação do pedido de registo da marca impugnada, uma certa notoriedade residual das marcas anteriores SIMCA da interveniente é corroborada pela referência do antigo titular, na sua carta na fase pré‑contenciosa datada de 26 de dezembro de 2008 e dirigida ao IHMI, ao excerto de uma página Internet sobre a exposição de veículos franceses Francemobile. Com efeito, na medida em que até o organizador da referida exposição retomava, no seu sítio publicitário, entre os diferentes logótipos expostos de produtores de veículos, o da marca SIMCA, esse excerto pode considerar‑se um indício adicional da notoriedade desta, independentemente da questão de saber se esse logótipo correspondia ao registado para a interveniente.

54      Por outro lado, contrariamente ao que a recorrente afirma, a Câmara de Recurso também não cometeu nenhum erro de direito ao ter em conta, no quadro da sua apreciação global de indícios que demonstram a má‑fé do antigo titular, elementos factuais relativos às suas intenções e aos seus objetivos à data do pedido de registo. Não lhe pode ser censurado, a este respeito, o facto de ter analisado elementos «subjetivos da motivação intrínseca» da ação do antigo titular, designadamente tendo em conta as suas cartas dirigidas aos parceiros comerciais e, na sequência da apresentação do seu pedido de registo, igualmente à interveniente, em resposta à correspondência desta.

55      Com efeito, basta observar que resulta do acórdão Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli, referido no n.° 19, supra (n.os 38 a 42), que, para apreciar a existência da má‑fé do requerente no momento da apresentação do pedido de registo de um sinal, havia, além disso, que ter em conta a sua «intenção» de impedir um terceiro de continuar a utilizar este sinal, tendo o Tribunal de Justiça observado que a referida intenção era um elemento subjetivo que devia ser determinado por referência às circunstâncias objetivas do caso concreto.

56      Tendo em conta o que precede, há que considerar que a Câmara de Recurso podia, com razão, inferir das circunstâncias especiais do caso concreto que, com o seu pedido de registo de marca comunitária, o antigo titular visava na realidade explorar de maneira parasitária o renome das marcas registadas da interveniente e dele retirar proveito.

57      É certo que, como sustenta a recorrente, e como inicialmente sublinhou a Divisão de Anulação, resulta do considerando 10 do Regulamento n.° 207/2009 que apenas se justifica proteger as marcas comunitárias e, contra elas, as marcas anteriores, na medida em que essas marcas sejam efetivamente utilizadas.

58      Do mesmo modo, por um lado, a recorrente faz referência à Primeira Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), mais especificamente ao seu artigo 12.°, dedicado aos «motivos de caducidade», que se aplica, lido em conjugação com o artigo 1.° da referida diretiva, «a todas as marcas […] que tenham sido objeto de registo ou de pedido de registo […] num Estado‑Membro ou no Instituto de Marcas do Benelux, ou que tenham sido objeto de um registo internacional com efeitos num Estado‑Membro». Por outro lado, a recorrente faz referência ao artigo L‑714.5 do code de la propriété intellectuelle français (Código da Propriedade Intelectual francês) e aos §§ 25 e 49 da Gesetz über den Schutz von Marken und sonstigen Kennzeichen (Markengesetz, lei alemã relativa à proteção das marcas e outros sinais), de 25 de outubro de 1994 (BGBl. 1994 I, p. 3082, BGBl. 1995 I, p. 156, e BGBl. 1996 I, p. 682), uma vez que estas disposições preveem, também elas, em substância, a nível nacional, em que condições pode ser declarada a caducidade dos direitos sobre as marcas por falta de uso sério, designadamente na sequência de um pedido judicial apresentado por uma pessoa interessada.

59      Ora, no caso vertente, importa observar que o facto, recordado no n.° 37 da decisão impugnada, de o antigo titular ter pedido o registo da marca impugnada não obstante o seu conhecimento das marcas anteriores, e isso sem ter, anteriormente, pedido a caducidade destas, não tinha sido o único a ser julgado pertinente, pela Câmara de Recurso, para concluir pela existência de má‑fé.

60      Com efeito, como resulta do n.° 38 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso teve particularmente em conta o objetivo específico do antigo titular «de explorar, de maneira parasitária, o valor das marcas registadas conhecidas da [interveniente] e de tirar proveito da boa reputação [das mesmas] […] através do uso ilegítimo deliberado do sinal SIMCA». Esta abordagem não constitui um erro de direito, uma vez que, no acórdão Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli, referido no n.° 19, supra, a má‑fé do requerente, na aceção do artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, deve ser apreciada globalmente, atendendo a todos os fatores pertinentes do caso concreto. Em primeiro lugar, como já foi recordado (v. n.° 39, supra), fazem parte destes fatores a origem da palavra ou da sigla constitutiva da marca impugnada e o uso anterior da mesma no domínio dos negócios enquanto marca, designadamente por empresas concorrentes, ou seja, no caso vertente, as circunstâncias não contestadas que digam respeito a um uso sério, no mínimo «histórico», de marcas que contenham a sigla SIMCA pela interveniente ou por uma empresa que faça parte do seu grupo, que tenha precedido o uso da referida sigla pelo antigo titular no quadro da marca impugnada.

61      Em segundo lugar, a Câmara de Recurso pôde, com razão, fazer referência à lógica comercial na qual se inscreveu a apresentação do pedido de registo da sigla como marca comunitária pelo antigo titular, tendo em conta o facto de que este se referiu explicitamente, diante dos seus parceiros comerciais, a um lógica baseada na intenção de utilizar uma marca adaptada aos produtos visados pelo registo, quer se trate de uma marca não registada ou de uma marca que, embora registada, tinha perdido proteção jurídica, designadamente devido à falta de uso sério pelo seu titular (v. n.os 45 e segs., supra). De resto, a recorrente salienta esta mesma fundamentação no n.° 41 da petição, sublinhando que era precisamente o facto de as marcas anteriores terem deixado de ser usadas desde há muito tempo que podia ser considerado «um motivo que tinha incitado [o antigo titular], informado desta circunstância, a apresentar um pedido de marca com vista a usar esta última em seu proveito».

62      Nestas circunstâncias, e na medida em que não está demonstrado que o antigo titular tinha comercializado, mesmo antes de apresentar o pedido de registo da marca impugnada, produtos no mercado pertinente sob a referida marca, não é possível perceber outra lógica comercial que não seja a de tirar proveito da referência à interveniente ou às empresas que fazem parte do seu grupo. Em especial, a recorrente não pode afirmar que o antigo titular visava, através do referido pedido, opor‑se a que empresas terceiras façam uso da sua marca sem a sua autorização, criando na clientela a ilusão de distribuir os mesmos produtos que os do antigo titular, ou teria simplesmente pretendido alargar a proteção da marca impugnada através do seu registo.

63      Nestas circunstâncias, a recorrente não pode basear‑se unicamente no facto de que as marcas anteriores não eram utilizadas para afastar a constatação de má‑fé do antigo titular à data do registo. Com efeito, como foi observado, os elementos do caso concreto comprovam que o registo do sinal impugnado foi deliberadamente pedido a fim de gerar uma associação com as marcas anteriores e de tirar proveito do seu renome no mercado automóvel, ou mesmo de lhes fazer concorrência na hipótese de estas serem utilizadas futuramente pela interveniente. A este propósito, não incumbia ao antigo titular avaliar as intenções comerciais futuras da interveniente enquanto titular das marcas anteriores, regularmente renovadas, nem mesmo concluir, na falta de pedido de declaração de nulidade, que a interveniente «não tinha a qualidade de titular digna de proteção». De resto, sem sequer ser necessário avaliar a veracidade da alegação do IHMI apresentada no Tribunal Geral, segundo a qual era habitual no mercado automóvel que marcas não utilizadas durante um período de tempo bastante longo o sejam de novo, em edições limitadas, para amadores de viaturas, importa observar que resulta do artigo publicado em 2 de setembro de 2008 num jornal quotidiano, retomado pelo sítio Internet Autohaus em linha, do qual um excerto é junto à carta do antigo titular datada de 26 de dezembro de 2008 e dirigida ao IHMI, que este tinha tomado conhecimento, o mais tardar nessa data e sem que isso tenha tido por consequência a sua renúncia à marca impugnada, do facto de que a interveniente ponderava reutilizar marcas «como a Talbot», designadamente para veículos a baixo preço, seguindo, segundo esse artigo, neste aspeto, a empresa Renault que relançou a sua marca Dacia. Nestas circunstâncias, uma futura intenção da interveniente visando reutilizar igualmente a sua marca SIMCA não podia ser excluída.

64      Estas conclusões não são invalidadas pelas várias alegações da recorrente, relativas à «prescrição aquisitiva no direito de marca».

65      Como resulta das alegações da recorrente, esta contesta que possa existir um princípio jurídico segundo o qual uma marca, já registada, mas cujo «período de proteção chegou ao fim», não pode ser novamente registada em proveito de um terceiro que não era o seu titular original. A recorrente faz referência, a este respeito, ao artigo 19.° e ao considerando 11 do Regulamento n.° 207/2009.

66      Ora, impõe‑se observar que a questão que se coloca no caso concreto não está limitada à questão acima referida, mas, como já foi sublinhado, a Câmara de Recurso tomou em consideração, para concluir pela má‑fé do antigo titular, igualmente elementos de facto relativos à notoriedade residual das marcas anteriores e à lógica comercial na qual se inscrevia a apresentação do pedido de registo da marca impugnada, querendo o antigo titular, por este meio, tirar proveito das referidas marcas. Portanto, contrariamente à apreciação da recorrente, que decorre de uma leitura errada da decisão impugnada, a Câmara de Recurso não propôs adotar o princípio enunciado no número precedente. Por esta razão, as referências da recorrente ao considerando 11 e ao artigo 19 do Regulamento n.° 207/2009 são inoperantes, e não têm uma ligação concreta com o elemento decisivo que levou a Câmara de Recurso a concluir que o comportamento do antigo titular era constitutivo de má‑fé, a saber, o facto de que pretendia tirar proveito da notoriedade residual das marcas anteriores.

67      No que diz respeito às diferentes alegações da recorrente segundo as quais a propositura de uma ação contra marcas anteriores oponíveis, suscetíveis de serem declaradas nulas, não era uma condição para ilidir a presunção de má‑fé, basta constatar que a Câmara de Recurso não aplicou essa condição, mas, como já foi observado, analisou globalmente todos os elementos pertinentes do caso vertente (v., neste sentido, os n.os 37 a 39 da decisão impugnada, lidos em conjugação com o n.° 25 da mesma).

68      No que respeita, seguidamente, às alegações da recorrente segundo as quais, mesmo que não fossem suscetíveis de serem declaradas nulas, as marcas anteriores protegeriam «apenas elementos figurativos ou a combinação de elementos figurativos e nominativos ao passo que a marca controvertida [era] uma marca puramente nominativa cujo domínio de proteção [era] diferente», sustentando assim a recorrente que os «domínios de proteção» destas marcas eram diferentes, importa referir que resulta do raciocínio da Câmara de Recurso na decisão impugnada, designadamente dos n.os 25, 27 e 38 desta, que ela considerava que a notoriedade residual das marcas anteriores incidia, em especial, sobre a palavra «simca», único elemento nominativo das referidas marcas figurativas, retomado, tal e qual, na marca impugnada. Do mesmo modo, resulta do raciocínio da Câmara de Recurso que esta considerou que a marca comunitária do antigo titular se inspirava nas marcas anteriores, com vista a explorar de maneira parasitária o seu renome e a tirar proveito desta através do uso ilegítimo do sinal Simca. Por outro lado, resulta de jurisprudência constante que nada se opõe a que se verifique a existência de uma semelhança visual entre uma marca nominativa e uma marca figurativa, uma vez que estes dois tipos de marcas têm uma configuração gráfica suscetível de causar uma impressão visual [v. acórdão do Tribunal Geral de 23 de abril de 2013, Apollo Tyres/IHMI — Endurance Technologies (ENDURACE), T‑109/11, não publicado na Coletânea, n.° 60 e jurisprudência referida].

69      Nestas circunstâncias e na medida em que o antigo titular não tinha sugerido, ao IHMI, argumentos concretos para sustentar que as marcas em conflito são diferentes a ponto de não gerar confusão, limitando‑se antes a remeter, a título geral, para o facto de que as marcas anteriores eram figurativas, importa concluir que não se impunha à Câmara de Recurso a obrigação de explicitar com mais detalhe a sua apreciação das semelhanças entre as referidas marcas, uma vez que, por outro lado, a Câmara de Recurso ilustrou suficientemente as suas considerações suprarreferidas, relativas à existência de uma notoriedade residual do elemento nominativo que estas marcas têm em comum.

70      No que diz respeito à alegação da recorrente relativa ao facto de «a proposta de indemnização» que tinha sido feita pelo antigo titular à interveniente não poder ser, segundo a jurisprudência, [acórdão do Tribunal Geral de 1 de fevereiro de 2012, Carrols/IHMI — Gambettola (Pollo Tropical CHICKEN ON THE GRILL), T‑291/09], considerada um indício de má‑fé, e à sua alegação segundo a qual nem o antigo titular nem ela própria tinham «abordado [a interveniente] para lhe chamar a atenção para [a marca comunitária em causa] e para obter uma vantagem pecuniária», importa sublinhar que, como referiu a própria recorrente na petição, embora a Câmara de Recurso tenha recordado na parte da decisão impugnada intitulada «factos não contestados» alguns elementos julgados «de importância decisiva para a apreciação dos factos», todavia, não retomou esses factos na parte relativa à existência de má‑fé. Em especial, impõe‑se observar que a Câmara de Recurso não extraiu consequências específicas a este respeito da sua afirmação constante do n.° 31 da decisão impugnada e relativa «à proposta de indemnização», no âmbito da qual o antigo titular afirmava estar disposto, mediante condições, a renunciar à marca impugnada.

71      Por conseguinte, a alegação suprarreferida da recorrente, segundo a qual a proposta de transação relativa à proposta de renunciar a uma marca mediante uma compensação não constitui um indício suficiente da má‑fé, é, nas circunstâncias do caso vertente, inoperante e não pode afetar a legalidade da decisão impugnada.

72      Importa acrescentar, a título exaustivo, que, enquanto, no quadro do processo que deu origem ao acórdão Pollo Tropical CHICKEN ON THE GRILL, referido no n.° 70, supra (n.os 61 e 62), o Tribunal tinha declarado que a requerente do pedido de declaração de nulidade de uma marca comunitária tinha apresentado provas que permitiam presumir que o titular desta não podia ignorar a existência de marcas anteriores nas quais assentava a alegação da sua má‑fé, no caso em apreço, é, pelo contrário, pacífico que o antigo titular tinha, já na data do depósito da marca impugnada, conhecimento da existência das marcas anteriores SIMCA da interveniente e do seu uso anterior aos anos 70. Nestas circunstâncias, a proposta de renunciar à marca comunitária em caso de indemnização tem um alcance diferente da feita no processo que deu origem ao acórdão Pollo Tropical CHICKEN ON THE GRILL, referido no n.° 70, supra, designadamente devido ao facto de que o antigo titular podia, a partir da apresentação do seu pedido de registo, esperar, de maneira não puramente hipotética, receber uma proposta de compensação financeira da parte da interveniente.

73      Por último, importa afastar as restantes alegações específicas da recorrente, uma vez que nenhuma de entre elas permite invalidar as conclusões acima referidas.

74      Em primeiro lugar, o simples facto de o antigo titular ter realmente comercializado, sob a marca comunitária Simca, bicicletas elétricas, «pelo menos desde […] 2008», considerando que está demonstrado, não pode ser julgado pertinente, na medida em que, como resulta dos n.os 37 a 40 da decisão impugnada, a conclusão da Câmara de Recurso relativa à existência de má‑fé do antigo titular não assenta na inexistência de um interesse real em comercializar os produtos visados pela referida marca, mas antes em intenções de exploração parasitária do renome de uma marca registada em proveito de outrem e conhecida no mercado pertinente.

75      Em segundo lugar, no que diz respeito às diferentes referências da recorrente aos procedimentos administrativos e jurisdicionais na Alemanha, importa constatar que foi acertadamente que a Câmara de Recurso considerou, designadamente nos n.os 20 e 21 da decisão impugnada, que o regime da marca comunitária era um sistema autónomo constituído por um conjunto de objetivos e de regras que lhe são específicas e cuja aplicação é independente de qualquer sistema nacional [v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 11 de julho de 2007, Mülhens/IHMI — Minoronzoni (TOSCA BLU), T‑150/04, Colet., p. II‑2353, n.° 40 e jurisprudência referida]. Na aceção deste acórdão, uma decisão emanada de uma instância nacional não pode vincular as instâncias do IHMI nem o juiz da União.

76      No entanto, resulta igualmente da jurisprudência que nem as partes nem o próprio Tribunal Geral podem ser impedidos de se inspirar, na interpretação do direito da União, em elementos respeitantes à jurisprudência da União, nacional ou internacional [v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 12 de julho de 2006, Vitakraft‑Werke Wührmann/IHMI — Johnson’s Veterinary Products (VITACOAT), T‑277/04, Colet., p. II‑2211, n.os 69 a 71].

77      Ora, no caso vertente, para além da pertinência da declaração da Câmara de Recurso feita no n.° 21 da decisão impugnada, segundo a qual não sabia quais eram as provas apresentadas no processo paralelo na Alemanha, pelo que o acórdão do Bundesgerichtshof não podia constituir um precedente, importa constatar que as marcas anteriores, uma francesa e outra internacional, protegida, designadamente, em vários Estados da União, podem produzir efeitos processuais diferentes, por um lado, no processo paralelo sobre uma marca alemã e, por outro, no presente processo, que tem por objeto um pedido de declaração de nulidade de uma marca comunitária em razão de má‑fé e no qual a questão da notoriedade residual das marcas anteriores entra em consideração.

78      Em terceiro lugar, a recorrente alega que a atividade independente que o antigo titular tinha exercido para a Citroën AG em Colónia e, em 2005, para uma sucursal da Peugeot em Bremen não tinha relação nenhuma com o seu pedido de marca comunitária. Em especial, em seu entender, se o antigo titular tivesse obtido informações no quadro da sua atividade temporária enquanto prestador de serviços de programação informática, não teria, precisamente, tido necessidade de pesquisas suplementares para proceder ao pedido de marca «pretensamente parasitária».

79      Ora, a este propósito, basta constatar, de maneira análoga ao que foi julgado nos n.os 70 e 71, supra, que resulta da estrutura e do conteúdo da decisão impugnada que a Câmara de Recurso não se baseou, para declarar a existência de má‑fé do antigo titular, na referida relação de cooperação que tinha tido, no passado, com a interveniente ou outras empresas pertencentes ao seu grupo.

80      Por último, no que diz respeito às alegações da recorrente, relativas à «brevidade desproporcionada» da decisão e sobre a pretensa inexistência da «menor argumentação jurídica bem como de qualquer apreciação dos princípios do direito das marcas», importa rejeitar as mesmas, independentemente de estas visarem um erro de apreciação de mérito pela Câmara de Recurso ou uma fundamentação insuficiente.

81      A este propósito, primeiramente, na medida em que a recorrente tem assim em vista a apreciação quanto ao mérito do caso concreto pela Câmara de Recurso, o Tribunal Geral já declarou, nos argumentos que desenvolveu no presente acórdão, a justeza da decisão impugnada. Neste quadro, o Tribunal Geral teve em conta tanto os argumentos jurídicos apresentados pela Câmara de Recurso como os «princípios do direito das marcas».

82      Em segundo lugar, embora as alegações suprarreferidas da recorrente devam ser entendidas no sentido de que visam uma pretensa fundamentação insuficiente da decisão impugnada, basta constatar que, como resulta das considerações enunciadas pela Câmara de Recurso, conforme resumidas nos n.os 9 a 22, supra, esta revelou, em conformidade com uma jurisprudência constante, de forma clara e inequívoca, o seu raciocínio, permitindo assim à recorrente conhecer a justificação da medida tomada e, desse modo, defender os seus direitos, e ao juiz da União exercer a sua fiscalização sobre a legalidade da referida decisão [v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 15 de outubro de 2013, Electric Bike World/IHMI — Brunswick (LIFECYCLE), T‑379/12, não publicado na Coletânea, n.° 30 e jurisprudência referida].

83      À luz de todo o exposto, há que julgar improcedente o fundamento único da recorrente e negar provimento ao recurso na totalidade.

 Quanto às despesas

84      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

85      Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos do IHMI e da interveniente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Simca Europe Ltd é condenada nas despesas.

Dittrich

Schwarcz

Tomljenović

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de maio de 2014.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.