Language of document : ECLI:EU:C:2022:467

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

16 de junho de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial — Reconhecimento das qualificações profissionais — Diretiva 2005/36/CE — Artigo 2.o — Âmbito de aplicação — Artigo 13.o, n.o 2 — Profissões regulamentadas — Condições para obter o direito de acesso ao título de psicoterapeuta num Estado‑Membro com base num diploma de psicoterapia emitido por uma universidade estabelecida noutro Estado‑Membro — Artigos 45.o e 49.o TFUE — Liberdades de circulação e de estabelecimento — Apreciação da equivalência da formação em causa — Artigo 4.o, n.o 3, TUE — Princípio da cooperação leal entre os Estados‑Membros — Questionamento, pelo Estado‑Membro de acolhimento, do grau dos conhecimentos e das qualificações que um diploma emitido noutro Estado‑Membro permite presumir — Condições»

No processo C‑577/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia), por Decisão de 29 de outubro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de novembro de 2020, no processo instaurado por

A

sendo interveniente:

Sosiaali ja terveysalan lupa ja valvontavirasto,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, L. Bay Larsen (relator), vice‑presidente do Tribunal de Justiça, I. Ziemele, P. G. Xuereb e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 2 de dezembro de 2021,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de A, por A. Palmujoki, asianajaja, e J. Pihlaja,

–        em representação do Sosiaali‑ ja terveysalan lupa‑ ja valvontavirasto, por K. Heiskanen, M. Henriksson e M. Mikkonen, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo finlandês, por M. Pere, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo francês, por A.–L. Desjonquères e N. Vincent, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo norueguês, por K. S. Borge, na qualidade de agente, assistida por I. Meinich e T. Sunde, advokater,

–        em representação da Comissão Europeia, por L. Armati e T. Sevón, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 10 de março de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais (JO 2005, L 255, p. 22), conforme alterada pela Diretiva 2013/55/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de novembro de 2013 (JO 2013, L 354, p. 132) (a seguir «Diretiva 2005/36»), bem como dos artigos 45.o e 49.o TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo instaurado por A a respeito da decisão do Sosiaali‑ ja terveysalan lupa‑ ja valvontavirasto (Autoridade Reguladora e de Supervisão para os Assuntos Sociais e de Saúde, Finlândia) (a seguir «Valvira») que lhe recusou reconhecer o direito de utilizar o título profissional de psicoterapeuta na Finlândia.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 1, 3, 6, 11, 17 e 44 da Diretiva 2005/36 apresentam a seguinte redação:

«(1)      Por força da alínea c) do n.o 1 do artigo 3.o do Tratado, a abolição dos obstáculos à livre circulação de pessoas e serviços entre os Estados‑Membros constitui um dos objetivos da Comunidade. Para os nacionais dos Estados‑Membros, a referida abolição comporta, designadamente, o direito de exercer uma profissão, por conta própria ou por conta de outrem, num Estado‑Membro diferente daquele em que tenham adquirido as suas qualificações profissionais. Por outro lado, o n.o 1 do artigo 47.o do Tratado prevê a aprovação de diretivas que visem o reconhecimento mútuo de diplomas, certificados e outros títulos.

[…]

(3)      A garantia conferida pela presente diretiva às pessoas que tenham adquirido as suas qualificações profissionais num Estado‑Membro para acederem à mesma profissão e a exercerem noutro Estado‑Membro, com os mesmos direitos que os nacionais desse Estado, não obsta a que o profissional migrante respeite eventuais condições de exercício não discriminatórias que possam ser impostas por este último Estado‑Membro, desde que essas condições sejam objetivamente justificadas e proporcionadas.

[…]

(6)      A facilitação da prestação de serviços tem de ser assegurada no contexto do rigoroso respeito da saúde e segurança públicas e da defesa dos consumidores. Por conseguinte, é necessário prever disposições específicas para as profissões regulamentadas que tenham impacto na saúde ou segurança públicas e que prestem serviços além‑fronteiras a título temporário ou ocasional.

[…]

(11)      Relativamente às profissões abrangidas pelo regime geral de reconhecimento dos títulos de formação, a seguir denominado “regime geral”, os Estados‑Membros devem conservar a faculdade de fixar o nível mínimo de qualificações necessário para garantir a qualidade dos serviços prestados no respetivo território. Todavia, por força dos artigos 10.o, 39.o e 43.o do Tratado, não deveriam exigir que um nacional de um Estado‑Membro adquira qualificações, geralmente determinadas pelos Estados‑Membros unicamente por referência aos diplomas existentes no âmbito do respetivo sistema nacional de ensino, se o interessado já tiver adquirido a totalidade ou parte dessas qualificações noutro Estado‑Membro. Por conseguinte, é conveniente estabelecer que todos os Estados‑Membros de acolhimento em que uma profissão esteja regulamentada tomem em conta as qualificações adquiridas noutro Estado‑Membro e avaliem se elas correspondem às que eles próprios exigem. Esse regime geral de reconhecimento não impede, contudo, que um Estado‑Membro imponha, a qualquer pessoa que exerça uma profissão nesse mesmo Estado‑Membro, exigências específicas decorrentes da aplicação das normas profissionais justificadas pelo interesse geral. Estas consistem, nomeadamente, em regras referentes à organização da profissão, em normas profissionais, incluindo normas deontológicas, e em regras de controlo e de responsabilidade. Por último, a presente diretiva não visa colidir com o interesse legítimo dos Estados‑Membros de obstarem a que alguns dos seus cidadãos se possam furtar à aplicação da legislação nacional em matéria profissional.

[…]

(17)      A fim de atender a todas as situações para as quais não existe ainda nenhuma disposição sobre o reconhecimento das qualificações profissionais, o regime geral deve ser alargado aos casos não cobertos por um regime específico, quer quando a profissão em causa não se encontre abrangida por um destes regimes, quer quando, embora esteja abrangida por um regime específico, o requerente não reúna, por uma qualquer razão específica e excecional, as condições para beneficiar desse regime.

[…]

(44)      A presente diretiva não prejudica as medidas necessárias para assegurar um elevado nível de proteção da saúde e de defesa do consumidor.»

4        O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objeto», prevê:

«A presente diretiva estabelece as regras segundo as quais um Estado‑Membro que subordina o acesso a uma profissão regulamentada ou o respetivo exercício no seu território à posse de determinadas qualificações profissionais (adiante denominado “Estado‑Membro de acolhimento”) reconhece, para o acesso a essa profissão e para o seu exercício, as qualificações profissionais adquiridas noutro ou em vários outros Estados‑Membros (adiante denominados “Estado‑Membro de origem”) que permitem ao seu titular nele exercer a mesma profissão.

A presente diretiva estabelece também as regras relativas ao acesso parcial a uma profissão regulamentada e ao reconhecimento de estágios profissionais realizados noutro Estado‑Membro.»

5        O artigo 2.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», enuncia, no seu n.o 1, primeiro parágrafo, que a mesma é aplicável a qualquer nacional de um Estado‑Membro que pretenda exercer uma profissão regulamentada, incluindo as profissões liberais, por conta própria ou por conta de outrem, num Estado‑Membro diferente daquele em que adquiriu as suas qualificações profissionais.

6        O artigo 3.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Definições», dispõe, no seu n.o 1:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      “Profissão regulamentada”: a atividade ou o conjunto de atividades profissionais em que o acesso, o exercício ou uma das modalidades de exercício se encontram direta ou indiretamente subordinados, nos termos de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas, à posse de determinadas qualificações profissionais; constitui, nomeadamente, uma modalidade de exercício o uso de um título profissional limitado por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas aos detentores de uma determinada qualificação profissional. Quando não for aplicável a definição apresentada na primeira frase da presente definição, serão consideradas profissões regulamentadas as profissões a que se refere o n.o 2;

b)      “Qualificações profissionais”: as qualificações atestadas por um título de formação, uma declaração de competência tal como referida na subalínea i) da alínea a) do artigo 11.o e/ou experiência profissional;

c)      “Título de formação”: os diplomas, certificados e outros títulos emitidos por uma autoridade de um Estado‑Membro designada nos termos das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas desse Estado que sancionem uma formação profissional preponderantemente adquirida na Comunidade. Quando não for aplicável a primeira frase da presente definição, serão considerados títulos de formação os títulos a que se refere o n.o 3;

d)      “Autoridade competente”: todas as autoridades ou organismos investidos de autoridade pelos Estados‑Membros, habilitados nomeadamente para emitir ou receber títulos de formação e outros documentos ou informações, bem como a receber requerimentos e adotar as decisões a que se refere a presente diretiva;

e)      “Formação regulamentada”: qualquer formação especificamente orientada para o exercício de determinada profissão e que consista num ciclo de estudos eventualmente completado por uma formação profissional, um estágio profissional ou prática profissional.

A estrutura e o nível da formação profissional, do estágio profissional ou da prática profissional deverão ser determinados pelas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas do Estado‑Membro interessado, ou ser objeto de um controlo ou de aprovação pela autoridade designada para o efeito;

[…]»

7        O artigo 4.o da Diretiva 2005/36, sob a epígrafe «Efeitos do reconhecimento», prevê:

«1.      O reconhecimento das qualificações profissionais pelo Estado‑Membro de acolhimento deve permitir aos beneficiários ter acesso nesse Estado‑Membro à mesma profissão para a qual estão qualificados no Estado‑Membro de origem, e nele exercer essa profissão nas mesmas condições que os respetivos nacionais.

2.      Para efeitos da presente diretiva, a profissão que o requerente pretende exercer no Estado‑Membro de acolhimento será a mesma para a qual está qualificado no Estado‑Membro de origem, se as atividades abrangidas forem comparáveis.

[…]»

8        O artigo 13.o desta diretiva, sob a epígrafe «Condições para o reconhecimento», tem a seguinte redação:

«1.      Caso o acesso a uma profissão regulamentada ou o seu exercício esteja, num Estado‑Membro de acolhimento, subordinado à posse de determinadas qualificações profissionais, a autoridade competente desse Estado‑Membro deve permitir aos requerentes o acesso a essa profissão e o seu exercício, nas mesmas condições que aos seus nacionais, se estes possuírem uma declaração de competência ou o título de formação referido no artigo 11.o, exigido por outro Estado‑Membro para aceder à mesma profissão e a exercer no seu território.

As declarações de competência ou os títulos de formação são emitidos por uma autoridade competente de um Estado‑Membro, designada nos termos das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas desse Estado‑Membro.

2.      O acesso a uma profissão e o seu exercício, nos termos do n.o 1, devem igualmente ser permitidos aos requerentes que tenham exercido a profissão em causa a tempo inteiro durante um ano ou um período de duração global equivalente a tempo parcial nos 10 anos anteriores noutro Estado‑Membro que não regulamente essa profissão, e que possuam uma ou várias declarações de competência ou provas de qualificações profissionais emitidos por outro Estado‑Membro que não regulamente essa profissão.

As declarações de competência e os títulos de formação devem preencher as seguintes condições:

a)      Terem sido emitidos por uma autoridade competente de um Estado‑Membro, designada nos termos das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas desse Estado‑Membro;

b)      Comprovarem que o titular obteve preparação para o exercício da profissão em causa.

A experiência profissional de um ano referida no primeiro parágrafo não pode, contudo, ser exigida se as provas de qualificações profissionais que o requerente possuir atestarem uma formação regulamentada.

[…]»

 Direito finlandês

 Lei Relativa aos Profissionais de Saúde

9        Ao abrigo do artigo 2.o, primeiro parágrafo, ponto 2, da laki terveydenhuollon ammattihenkilöistä (559/1994) [Lei Relativa aos Profissionais de Saúde (559/1994), a seguir «Lei Relativa aos Profissionais de Saúde»], para efeitos desta lei, entende‑se por «profissional de saúde» uma pessoa que, nos termos da referida lei, tem o direito de usar o título profissional de um profissional de saúde referido num decreto governamental (profissional detentor de um título profissional protegido). Nos termos do artigo 2.o, segundo parágrafo, da mesma lei, um profissional habilitado, titular de uma autorização ou de um título protegido, tem o direito de exercer a profissão em causa e de usar o título profissional correspondente. Outras pessoas com formação, experiência e competências profissionais suficientes podem também exercer uma profissão cujo título seja protegido.

10      Por força do artigo 3.o‑A, terceiro parágrafo, da Lei Relativa aos Profissionais de Saúde, o Valira é, para os profissionais de saúde, a autoridade competente mencionada na Diretiva 2005/36 e na laki ammattipätevyyden tunnustamisesta (1384/2015) [Lei Relativa ao Reconhecimento das Qualificações Profissionais (1384/2015), a seguir «Lei Relativa ao Reconhecimento das Qualificações Profissionais»].

 Decreto Relativo aos Profissionais de Saúde

11      Em conformidade com o artigo 1.o do asetus terveydenhuollon ammattihenkilöistä (564/1994) [Decreto Relativo aos Profissionais de Saúde (564/1994), a seguir «Decreto relativo aos Profissionais de Saúde»], entre os títulos profissionais, para os profissionais com um título profissional protegido, referidos no artigo 2.o, primeiro parágrafo, ponto 2, da Lei Relativa aos Profissionais de Saúde figura, entre outros, o título de psicoterapeuta.

12      Nos termos do artigo 2.o‑A, primeiro parágrafo, do Decreto Relativo aos Profissionais de Saúde, para que uma pessoa seja autorizada a usar o título profissional protegido de psicoterapeuta, deve ter‑se submetido a uma formação como psicoterapeuta ministrada por uma universidade ou por uma universidade e um outro organismo de ensino.

 Lei Relativa ao Reconhecimento das Qualificações Profissionais

13      Segundo o artigo 6.o, primeiro parágrafo, da Lei Relativa ao Reconhecimento das Qualificações Profissionais, o reconhecimento das qualificações profissionais assenta numa declaração de competência, num título de formação específico ou num conjunto de documentos emitidos por uma autoridade competente de um Estado‑Membro diferente da República da Finlândia. O reconhecimento das qualificações profissionais está subordinado à condição de o requerente ter, no seu Estado‑Membro de origem, o direito de exercer a profissão, para efeitos de cujo exercício requer uma decisão sobre o reconhecimento das suas qualificações profissionais.

14      Por força do artigo 6.o, segundo parágrafo, da Lei Relativa ao Reconhecimento das Qualificações Profissionais, o reconhecimento das qualificações profissionais aplica‑se igualmente aos requerentes que, nos últimos dez anos, exerceram a sua profissão a tempo inteiro durante um ano ou a tempo parcial durante um período equivalente num Estado‑Membro diferente da República da Finlândia onde a profissão em questão não está regulamentada, e que possuam uma ou várias declarações de competência ou um ou vários títulos de formação. Estes documentos devem demonstrar a capacidade do titular para exercer a profissão em questão. No entanto, não é exigida uma experiência profissional de um ano se os títulos de formação do requerente forem relativos a uma formação regulamentada.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      A, de nacionalidade finlandesa, solicitou ao Valvira, com fundamento num Postgraduate Diploma in Solution Focused Therapy (Diploma de terceiro ciclo que atesta uma formação em «terapia centrada nas soluções»; a seguir «formação em causa»), emitido em 27 de novembro de 2017 pela University of the West of England (Universidade do Oeste de Inglaterra, Reino Unido) (a seguir «UWE»), o direito de usar o título profissional de psicoterapeuta, que é protegido pela legislação finlandesa.

16      A formação em causa tinha sido organizada pela UWE na Finlândia e em língua finlandesa, em parceria com a Helsingin Psykoterapiainstituutti Oy, uma sociedade anónima finlandesa que opera na Finlândia.

17      No decurso de 2017, o Valvira tinha sido contactado por antigos participantes nesta formação que lhe tinham transmitido as suas preocupações relativas a diversas lacunas no conteúdo efetivo da referida formação e das suas modalidades práticas em relação aos objetivos previstos. O próprio Valvira tinha contactado outras pessoas que tinham participado nessa formação e que tinham descrito experiências semelhantes.

18      Por ter dúvidas quanto à equivalência da formação em causa com os requisitos previstos na legislação finlandesa relativa ao acesso à profissão de psicoterapeuta e ao seu exercício, o Valvira, por Decisão de 29 de junho de 2018, indeferiu o pedido de A, com o fundamento principal de que esta última não lhe tinha fornecido informações suficientes sobre o conteúdo dessa formação. Por Decisão de 10 de setembro de 2018, o Valvira indeferiu a reclamação de A contra a Decisão de 29 de junho de 2018.

19      Por Acórdão de 25 de abril de 2019 o Helsingin hallinto‑oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia, Finlândia) negou provimento ao recurso interposto por A contra a Decisão do Valvira de 10 de setembro de 2018. Este tribunal declarou que se devia considerar que a formação em causa tinha sido realizada no Reino Unido, apesar de, na prática, ter sido organizada na Finlândia e em língua finlandesa. No entanto, o regime geral de reconhecimento dos títulos de formação previsto pela Diretiva 2005/36 não exige o deferimento do pedido de A, uma vez que esta não exerceu a profissão de psicoterapeuta nem no Reino Unido, no qual a profissão e a formação de psicoterapeuta não estão regulamentadas, nem noutro Estado‑Membro com um regime semelhante.

20      Tendo constatado que a formação em causa apresentava lacunas e diferenças significativas em relação à formação de psicoterapeuta na Finlândia, o Helsingin hallinto‑oikeus (Tribunal Administrativo de Helsínquia) considerou que o Valvira tinha decidido legitimamente que A não tinha demonstrado que os seus conhecimentos e habilitações eram equivalentes aos que uma pessoa com uma formação de psicoterapeuta teria adquirido na Finlândia. As liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE também não implicam que a decisão de indeferimento adotada pelo Valvira seja ilegal.

21      No âmbito do seu recurso interposto contra esse acórdão para o órgão jurisdicional de reenvio, o Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia), A sustenta que se deve considerar que a formação em causa foi ministrada na Finlândia e que a UWE, como autoridade competente, atestou que esta formação cumpria os requisitos relativos à formação de psicoterapeutas previstos, na Finlândia, pelo Decreto relativo aos Profissionais de Saúde. Como tal, deve reconhecer‑se que a formação em causa lhe confere o direito ao título profissional de psicoterapeuta que solicita.

22      Contudo, na eventualidade de não se dever considerar que a formação em causa foi ministrada na Finlândia, a sua equivalência relativamente à formação de psicoterapeuta organizada na Finlândia deve ser apreciada com base nos documentos relativos ao curso e à qualidade do programa da formação em causa, conforme apresentados por A e pelos organizadores da formação. O Valvira não fez essa apreciação, tendo antes baseado a sua decisão de indeferimento em cartas anónimas, num parecer solicitado a uma universidade finlandesa concorrente da UWE e em entrevistas por si realizadas. Ora, o princípio de lealdade consagrado pelo direito da União implica que o Valvira não questione um documento emitido pela UWE na sua qualidade de autoridade competente de outro Estado‑Membro.

23      Por seu turno, o Valvira considera que a formação como psicoterapeuta realizada noutro Estado‑Membro deve ser comparável à ministrada atualmente pelas universidades finlandesas. Ora, segundo esta autoridade, a formação em causa não preenche, em muitos aspetos, os requisitos materiais e qualitativos que as formações em psicoterapia devem satisfazer na Finlândia e, por conseguinte, não pode dar lugar ao direito de usar o título profissional de psicoterapeuta. O Valvira acrescenta que, por princípio, confia nos certificados emitidos pelas universidades e outras instituições de ensino dos outros Estados‑Membros, assim como nas informações que estas fornecem sobre o conteúdo e as modalidades práticas das formações disponibilizadas, e que os examina apenas na medida do necessário para determinar se existem ou não diferenças entre a formação finlandesa e a formação correspondente no outro Estado‑Membro.

24      O órgão jurisdicional de reenvio recorda que já declarou, no âmbito de outro processo, que não se pode considerar que a formação em causa tenha sido frequentada na Finlândia, no sentido da Lei Relativa aos Profissionais de Saúde. Na Finlândia, a profissão de psicoterapeuta é uma profissão regulamentada, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2005/36, já que o direito de usar o título profissional em causa só é concedido a pessoas que satisfaçam as qualificações profissionais exigidas pela legislação finlandesa aplicável.

25      A profissão de psicoterapeuta está sujeita ao regime geral de reconhecimento dos títulos de formação previsto, entre outros, nos artigos 10.o a 14.o dessa diretiva. Uma vez que a profissão e a formação de psicoterapeuta não estão regulamentadas no Reino Unido, o artigo 13.o, n.o 2, da referida diretiva é aplicável à situação de A.

26      Todavia, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, dado que A não preenche o requisito, previsto nessa disposição, segundo o qual deve ter exercido a profissão de psicoterapeuta noutro Estado‑Membro onde esta profissão não esteja regulamentada, a interessada não pode reivindicar o direito de aceder a esta profissão na Finlândia.

27      O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, não obstante as disposições da Diretiva 2005/36, a situação de A deve igualmente ser analisada à luz das liberdades fundamentais garantidas pelos artigos 45.o e 49.o TFUE, bem como da jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre esta matéria. Em caso afirmativo, este órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se, para se certificar de que o diploma emitido noutro Estado‑Membro atesta, relativamente ao seu titular, conhecimentos e habilitações, se não idênticos, pelo menos equivalentes aos comprovados pelo diploma nacional, a autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento pode basear‑se também noutras informações que obteve sobre as modalidades da formação em questão ou se deve ater‑se às informações fornecidas a este respeito por uma universidade de outro Estado‑Membro, como a UWE.

28      Nestas circunstâncias, o Korkein hallinto‑oikeus (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem as liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado da União Europeia e pela [Diretiva 2005/36] ser interpretadas no sentido de que a autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento deve apreciar o direito de um requerente de exercer uma profissão regulamentada ao abrigo dos artigos 45.o e 49.o TFUE e da jurisprudência a este respeito (especialmente o[s] Acórdão[s] de [7 de maio de 1991, Vlassopoulou, C‑340/89, EU:C:1991:193, e de] 6 de outubro de 2015, C‑298/14, Brouillard), apesar de o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2005/36/CE prever condições harmonizadas para o exercício de uma profissão regulamentada, segundo as quais o Estado‑Membro de acolhimento deve autorizar o exercício da profissão a um requerente com um título de formação de um Estado em que a profissão não é regulamentada, mas que não satisfaz a exigência do exercício da profissão prevista nessa disposição da [referida] diretiva?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: o direito da União — tendo em conta as considerações no processo C‑298/14, Brouillard (n.o 55 do acórdão)[,] relativas aos critérios exclusivos de avaliação da equivalência de certificados — opõe‑se a que, numa situação como a que está em causa no presente processo, a autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento baseie a sua apreciação da equivalência de uma formação também em informações diferentes das obtidas da instituição de formação ou das autoridades do outro Estado‑Membro sobre o conteúdo exato da formação e o modo como foi realizada?»

 Observação preliminar

29      Importa salientar que os factos pertinentes relativos ao processo principal ocorreram quando o direito da União se aplicava ao Reino Unido. Por conseguinte, os artigos 45.o e 49.o TFUE e a Diretiva 2005/36 são suscetíveis de aplicação no caso em apreço.

 Quanto à primeira questão

30      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2005/36 e os artigos 45.o e 49.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que um pedido de acesso a uma profissão regulamentada e de autorização para a exercer no Estado‑Membro de acolhimento apresentado, ao abrigo deste artigo 13.o, n.o 2, por uma pessoa que, por um lado, é titular de um título de formação relativo a essa profissão, emitido num Estado‑Membro no qual a referida profissão não está regulamentada, e que, por outro, não preenche o requisito de ter exercido essa profissão durante o período mínimo previsto no referido artigo 13.o, n.o 2, deve ser apreciado pela autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento à luz dos artigos 45.o e 49.o TFUE.

31      A título preliminar, há que sublinhar que, no caso em apreço, embora A tenha frequentado uma formação organizada pela UWE na Finlândia e em língua finlandesa, em parceria com o Helsingin Psykoterapiainstituutti, não deixa de ser certo que o diploma de psicoterapia foi atribuído a A na sequência dessa formação pela UWE, que está sediada no Reino Unido.

32      Ora, segundo o artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2005/36, esta é aplicável a qualquer nacional de um Estado‑Membro que pretenda exercer uma profissão regulamentada, incluindo as profissões liberais, por conta própria ou por conta de outrem, num Estado‑Membro diferente daquele em que adquiriu as suas qualificações profissionais.

33      Além disso, ao abrigo do artigo 3.o, alíneas b) a d), da referida diretiva, entende‑se por «qualificações profissionais», nomeadamente, as qualificações atestadas por um título de formação como, em particular, um diploma emitido por uma autoridade competente de um Estado‑Membro que sancione uma formação profissional preponderantemente adquirida na União Europeia.

34      Daqui resulta que, uma vez que o título de formação em causa no processo principal, que atesta uma formação profissional adquirida na União, foi emitido por uma autoridade competente de um Estado‑Membro diferente daquele em que A pretende exercer uma profissão regulamentada, a situação em causa no processo principal é suscetível de ser abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2005/36.

35      Todavia, resulta do pedido de decisão prejudicial e, em concreto, da primeira questão, que A não cumpre o requisito, previsto no artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2005/36, de ter exercido a profissão que invoca durante o período mínimo estabelecido nesta disposição. Nestas condições, não só A não pode invocar esta disposição nem, mais amplamente, o regime geral de reconhecimento dos títulos de formação previsto nos artigos 10.o a 14.o da Diretiva 2005/36, como também não pode invocar outro regime de reconhecimento das qualificações profissionais instituído por esta diretiva.

36      Por conseguinte, há que determinar se uma situação como a de A deve ser apreciada à luz do artigo 45.o ou 49.o TFUE.

37      A este respeito, importa, em primeiro lugar, recordar que o Tribunal de Justiça declarou que a livre circulação de pessoas não seria totalmente realizada se os Estados‑Membros pudessem recusar os benefícios das liberdades garantidas pelos artigos 45.o e 49.o TFUE a alguns dos seus cidadãos que utilizaram as facilidades previstas pelo direito da União e adquiriram, ao seu abrigo, qualificações profissionais num Estado‑Membro diferente do da sua nacionalidade. Esta consideração aplica‑se também quando um nacional de um Estado‑Membro adquiriu, noutro Estado‑Membro, uma qualificação universitária que pretende invocar num Estado‑Membro de que é nacional (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Brouillard, C‑298/14, EU:C:2015:652, n.o 27).

38      No processo que deu origem ao Acórdão de 6 de outubro de 2015, Brouillard (C‑298/14, EU:C:2015:652), tendo o interessado invocado, no Estado‑Membro de que era nacional, um diploma universitário que tinha obtido noutro Estado‑Membro, o Tribunal de Justiça considerou, no n.o 29 deste acórdão, que o benefício das disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de pessoas não lhe podia ser recusado e que a circunstância de esse diploma ter sido obtido após uma formação por correspondência não era importante a este respeito.

39      O mesmo entendimento é válido para uma pessoa como A, que invoca, no Estado‑Membro de que é nacional, um diploma universitário que obteve noutro Estado‑Membro, ainda que seja na sequência de uma formação ministrada no primeiro Estado‑Membro em parceria com uma autoridade competente para emitir esse diploma do outro Estado‑Membro.

40      Em segundo lugar, deve recordar‑se que as autoridades de um Estado‑Membro, às quais é apresentado, por um cidadão da União, um pedido de autorização para exercer uma profissão cujo acesso está dependente, segundo a legislação nacional, da posse de um diploma ou de uma qualificação profissional, ou ainda de períodos de experiência prática, devem tomar em consideração o conjunto dos diplomas, certificados e outros títulos, bem como a experiência pertinente do interessado, procedendo a uma comparação entre, por um lado, as competências comprovadas por esses títulos e essa experiência e, por outro, os conhecimentos e as qualificações exigidos pela legislação nacional (Acórdão de 8 de julho de 2021, Lietuvos Respublikos sveikatos apsaugos ministerija, C‑166/20, EU:C:2021:554, n.o 34 e jurisprudência referida).

41      Uma vez que essa jurisprudência constitui apenas a expressão jurisprudencial de um princípio inerente às liberdades fundamentais do Tratado FUE, esse princípio não pode perder parte do seu valor jurídico devido à adoção de diretivas relativas ao reconhecimento mútuo dos diplomas (Acórdão de 8 de julho de 2021, Lietuvos Respublikos sveikatos apsaugos ministerija, C‑166/20, EU:C:2021:554, n.o 35 e jurisprudência referida).

42      Com efeito, as diretivas relativas ao reconhecimento mútuo dos diplomas, e nomeadamente a Diretiva 2005/36, não têm por finalidade e não podem ter por efeito tornar mais difícil o reconhecimento de tais diplomas, certificados e outros títulos nas situações não cobertas por elas [Acórdão de 3 de março de 2022, Sosiaali‑ ja terveysalan lupa‑ ja valvontavirasto (Formação médica de base), C‑634/20, EU:C:2022:149, n.o 37 e jurisprudência referida].

43      Ora, numa situação como a do processo principal em que, como resulta do n.o 35 do presente acórdão, a interessada não preenche os requisitos de nenhum dos regimes de reconhecimento das qualificações profissionais instituídos pela Diretiva 2005/36, o Estado‑Membro de acolhimento em causa deve respeitar as suas obrigações em matéria de reconhecimento das qualificações profissionais, conforme recordadas no n.o 40 do presente acórdão, que se aplicam às situações abrangidas tanto pelo artigo 45.o TFUE como pelo artigo 49.o TFUE (v., por analogia, Acórdão de 8 de julho de 2021, Lietuvos Respublikos sveikatos apsaugos ministerija, C‑166/20, EU:C:2021:554, n.o 38 e jurisprudência referida).

44      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2005/36 e os artigos 45.o e 49.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que um pedido de acesso a uma profissão regulamentada e de autorização para a exercer no Estado‑Membro de acolhimento, apresentado, ao abrigo deste artigo 13.o, n.o 2, por uma pessoa que, por um lado, é titular de um título de formação relativo a essa profissão, emitido num Estado‑Membro no qual a referida profissão não está regulamentada, e que, por outro, não preenche o requisito de ter exercido essa profissão durante o período mínimo previsto no referido artigo 13.o, n.o 2, deve ser apreciado pela autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento à luz dos artigos 45.o e 49.o TFUE.

 Quanto à segunda questão

45      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União, e nomeadamente os artigos 45.o e 49.o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento à qual foi apresentado um pedido de autorização para exercer uma profissão regulamentada nesse Estado‑Membro baseie a sua apreciação da equivalência da formação que o requerente invoca relativamente às formações correspondentes no referido Estado‑Membro também em informações sobre o conteúdo exato e as modalidades concretas dessa formação que lhe foram fornecidas por pessoas diferentes dos organizadores da referida formação ou pelas autoridades de outro Estado‑Membro.

46      Importa recordar que, numa situação como a do processo principal, em que a interessada não preenche os requisitos de nenhum dos regimes de reconhecimento das qualificações profissionais instituídos pela Diretiva 2005/36, mas à qual se aplica o artigo 45.o TFUE ou o artigo 49.o TFUE, o Estado‑Membro em causa deve respeitar as suas obrigações em matéria de reconhecimento das qualificações profissionais, conforme recordadas no n.o 40 do presente acórdão [v., por analogia, Acórdão de 3 de março 2022, Sosiaali‑ ja terveysalan lupa‑ ja valvontavirasto (Formação médica de base), C‑634/20, EU:C:2022:149, n.o 41].

47      O processo de exame comparativo mencionado no n.o 40 do presente acórdão deve permitir às autoridades do Estado‑Membro de acolhimento certificarem‑se objetivamente de que o diploma estrangeiro comprova, em relação ao seu titular, conhecimentos e qualificações, se não idênticos, pelo menos equivalentes aos comprovados pelo diploma nacional. Esta apreciação da equivalência do diploma estrangeiro deve fazer‑se exclusivamente tendo em consideração o grau dos conhecimentos e as qualificações que esse diploma, tendo em conta a natureza e a duração dos estudos e as formações práticas cuja realização comprova, permite presumir relativamente ao seu titular [Acórdão de 3 de março 2022, Sosiaali‑ ja terveysalan lupa‑ ja valvontavirasto (Formação médica de base), C‑634/20, EU:C:2022:149, n.o 42 e jurisprudência referida].

48      A este respeito, importa salientar que este processo de exame comparativo pressupõe a confiança mútua entre os Estados‑Membros quanto aos títulos que atestam as qualificações profissionais emitidas por cada Estado‑Membro. Consequentemente, a autoridade do Estado‑Membro de acolhimento é, em princípio, obrigada a considerar verídico um documento como, designadamente, um diploma emitido pela autoridade de outro Estado‑Membro.

49      Todavia, quando a autoridade competente de um Estado‑Membro tenha dúvidas sérias que vão além das simples suspeitas quanto à autenticidade ou à veracidade de um documento, a autoridade ou a instituição emissora é obrigada, a pedido da primeira autoridade, a reexaminar o fundamento do documento em causa e, eventualmente, a revogá‑lo (Acórdão de 19 de junho de 2003, Tennah‑Durez, C‑110/01, EU:C:2003:357, n.o 80).

50      Assim, quando a autoridade competente de um Estado‑Membro submete à autoridade emissora elementos concretos que formam um conjunto coerente de indícios que sugerem que o diploma invocado pelo requerente não reflete o grau dos conhecimentos e das qualificações que permite presumir adquiridos pelo seu titular em conformidade com o regime recordado no n.o 47 do presente acórdão, a autoridade emissora é obrigada, por força do princípio da cooperação leal, enunciado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, a reexaminar, à luz desses elementos, o fundamento da emissão do referido diploma e, se for caso disso, a revogá‑lo.

51      Entre os referidos elementos concretos podem figurar, consoante o caso, nomeadamente, informações transmitidas tanto por pessoas diferentes dos organizadores da formação em causa como pelas autoridades de outro Estado‑Membro atuando no quadro das suas funções.

52      A autoridade do Estado‑Membro de acolhimento, que, como resulta da jurisprudência recordada no n.o 48 do presente acórdão, é em princípio obrigada a considerar verídico um documento como um diploma emitido pela autoridade de outro Estado‑Membro, não pode, em princípio, pôr em causa o grau dos conhecimentos e das qualificações profissionais que esse diploma permite presumir adquiridos pelo seu titular quando a autoridade emissora reexaminou, à luz dos elementos mencionados no n.o 50 do presente acórdão, o fundamento da sua emissão, sem o revogar (v, por analogia, Acórdão de 19 de junho de 2003, Tennah‑Durez, C‑110/01, EU:C:2003:357, n.o 79). Só a título excecional é que a autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento pode pôr em causa o grau dos conhecimentos e das qualificações que esse diploma permite presumir adquiridos pelo seu titular.

53      Assim, se as circunstâncias do caso, ocorridas, como no processo principal, no território do Estado‑Membro de acolhimento, revelarem que manifestamente o referido diploma não é verídico, esse Estado‑Membro não pode ser obrigado a ignorá‑las (v., por analogia, Acórdão de 27 de setembro de 1989, van de Bijl, 130/88, EU:C:1989:349, n.os 25 e 26).

54      Com efeito, não se pode recusar ao Estado‑Membro de acolhimento o direito de adotar medidas destinadas a impedir que as liberdades de circulação das pessoas consagradas no Tratado FUE sejam utilizadas pelos interessados para se subtraírem às exigências em matéria de formação profissional impostas aos titulares de um diploma nacional (v., por analogia, Acórdão de 27 de setembro de 1989, van de Bijl, 130/88, EU:C:1989:349, n.o 26).

55      Em particular, foi declarado que a proteção da saúde pública constitui uma razão imperiosa de interesse geral que é suscetível de justificar uma medida nacional que restringe as referidas liberdades de circulação, desde que seja adequada para alcançar o objetivo prosseguido e não exceda o que é necessário para esse fim (v., neste sentido, Acórdão de 21 de setembro de 2017, Malta Dental Technologists Association e Reynaud, C‑125/16, EU:C:2017:707, n.os 58 e 59).

56      Neste contexto, importa precisar que a falta de veracidade de um diploma é manifesta, designadamente quando é claro que o conteúdo real da formação ministrada difere consideravelmente do conteúdo da formação conforme resulta do diploma em questão.

57      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que os artigos 45.o e 49.o TFUE, conjugados com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, devem ser interpretados no sentido de que a autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento à qual foi apresentado um pedido de autorização para exercer uma profissão regulamentada nesse Estado‑Membro é obrigada a considerar verídico um diploma emitido pela autoridade de outro Estado‑Membro e não pode, em princípio, pôr em causa o grau dos conhecimentos e das qualificações profissionais que esse diploma permite presumir adquiridos pelo titular. Só quando tenha dúvidas sérias, baseadas em elementos concretos que formem um conjunto coerente de indícios que deixem pensar que o diploma invocado pelo requerente não reflete o grau dos conhecimentos e das qualificações que permite presumir adquiridos por este último, é que essa autoridade pode pedir à autoridade emissora que reexamine, à luz desses elementos, o fundamento da emissão do referido diploma, devendo esta última autoridade, se for caso disso, revogá‑lo. Entre os referidos elementos concretos podem figurar, consoante o caso, nomeadamente, informações transmitidas tanto por pessoas diferentes dos organizadores da formação em causa como pelas autoridades de outro Estado‑Membro atuando no quadro das suas funções. Quando a autoridade emissora tenha reexaminado, à luz dos referidos elementos, o fundamento da sua emissão, sem o revogar, só a título excecional, no caso de as circunstâncias do caso concreto revelarem que manifestamente o diploma em causa não é verídico, é que a autoridade do Estado‑Membro de acolhimento pode pôr em causa o fundamento da emissão do referido diploma.

 Quanto às despesas

58      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 13.o, n.o 2, da Diretiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais, conforme alterada pela Diretiva 2013/55/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de novembro de 2013, e os artigos 45.o e 49.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que um pedido de acesso a uma profissão regulamentada e de autorização para a exercer no EstadoMembro de acolhimento, apresentado, ao abrigo deste artigo 13.o, n.o 2, por uma pessoa que, por um lado, é titular de um título de formação relativo a essa profissão, emitido num EstadoMembro no qual a referida profissão não está regulamentada, e que, por outro, não preenche o requisito de ter exercido essa profissão durante o período mínimo previsto no referido artigo 13.o, n.o 2, deve ser apreciado pela autoridade competente do EstadoMembro de acolhimento à luz dos artigos 45.o ou 49.o TFUE.

2)      Os artigos 45.o e 49.o TFUE, conjugados com o artigo 4.o, n.o 3, TUE, devem ser interpretados no sentido de que a autoridade competente do EstadoMembro de acolhimento à qual foi apresentado um pedido de autorização para exercer uma profissão regulamentada nesse EstadoMembro é obrigada a considerar verídico um diploma emitido pela autoridade de outro EstadoMembro e não pode, em princípio, pôr em causa o grau dos conhecimentos e das qualificações profissionais que esse diploma permite presumir adquiridos pelo titular. Só quando tenha dúvidas sérias, baseadas em elementos concretos que formem um conjunto coerente de indícios que deixem pensar que o diploma invocado pelo requerente não reflete o grau dos conhecimentos e das qualificações que permite presumir adquiridos por este último, é que essa autoridade pode pedir à autoridade emissora que reexamine, à luz desses elementos, o fundamento da emissão do referido diploma, devendo esta última autoridade, se for caso disso, revogálo. Entre os referidos elementos concretos podem figurar, consoante o caso, nomeadamente, informações transmitidas tanto por pessoas diferentes dos organizadores da formação em causa como pelas autoridades de outro EstadoMembro atuando no quadro das suas funções. Quando a autoridade emissora tenha reexaminado, à luz dos referidos elementos, o fundamento da sua emissão, sem o revogar, só a título excecional, no caso de as circunstâncias do caso concreto revelarem que manifestamente o diploma em causa não é verídico, é que a autoridade do EstadoMembro de acolhimento pode pôr em causa o fundamento da emissão do referido diploma.

Assinaturas


*      Língua do processo: finlandês.