Language of document : ECLI:EU:C:2000:496

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

26 de Setembro de 2000 (1)

«Normas e regulamentações técnicas - Obrigação de notificação e de adiamento da adopção - Aplicabilidade em processos cíveis»

No processo C-443/98,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), pelo Pretore di Milano (Itália), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Unilever Italia SpA

e

Central Food SpA,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Directiva 83/189/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO L 109, p. 8; EE 13 F14 p. 34), conforme alterada pela Directiva 94/10/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Março de 1994 que altera substancialmente pela segunda vez a Directiva 83/189/CEE, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO L 100, p. 30),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, L. Sevón e R. Schintgen, presidentes de secção, P. J. G. Kapteyn, C. Gulmann (relator), J. -P. Puissochet, H. Ragnemalm, M. Wathelet e V. Skouris, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,


secretário: D. Louterman-Hubeau, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

-    em representação da Unilever Italia SpA, por F. Capelli e G. Votta, advogados no foro de Milão

-    em representação do Governo italiano, pelo professor U. Leanza, chefe do Serviço do Contencioso Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por I. M. Braguglia, avvocato dello Stato,

-    em representação do Governo belga, por A. Snoecx, consultor-adjunto na Direcção-Geral do Serviço Jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, do Comércio Externo e da Cooperação para o Desenvolvimento, na qualidade de agente,

-    em representação do Governo dinamarquês, por J. Molde, chefe de divisão no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

-    em representação do Governo neerlandês, por M. A. Fierstra, chefe do serviço «Direito Europeu» no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

-    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por P. Stancanelli, membro do Serviço Jurídico, e M. Shotter, funcionário nacional destacado no mesmo serviço, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Unilever Italia SpA, do Governo italiano e da Comissão, na audiência de 16 de Novembro de 1999,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 27 de Janeiro de 2000,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por despacho de 6 de Novembro de 1998, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de Dezembro seguinte, o Pretore di Milano submeteu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), uma questão prejudicial relativa à interpretação da Directiva 83/189/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO L 109, p. 8), conforme alterada pela Directiva 94/10/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Março de 1994 que altera substancialmente pela segunda vez a Directiva 83/189/CEE (JO L 100, p. 30, a seguir «Directiva 83/189»).

2.
    Esta questão foi suscitada no quadro de um litígio que opõe a sociedade Unilever Itália SpA (a seguir «Unilever») à sociedade Central Food SpA (a seguir «Central Food») a propósito do pagamento pela Central Food de uma entrega de azeite efectuada pela Unilever.

O direito comunitário

3.
    O artigo 1.°, n.os 1, 2 e 9, da Directiva 83/189 determina:

«Para efeitos da presente directiva entende-se por:

1.    'Produto‘: qualquer produto de fabrico industrial e qualquer produto agrícola.

2.    'Especificação técnica‘: a especificação que consta de um documento que define as características exigidas de um produto, tais como os níveis de qualidade ou de propriedade de utilização, a segurança, as dimensões, incluindo as prescrições aplicáveis ao produto no que respeita à denominação de venda, à terminologia, aos símbolos, aos ensaios e métodos de ensaio, à embalagem, à marcação e à rotulagem, bem como aos processos de avaliação da conformidade.

    A expressão 'especificação técnica‘ abrange igualmente os métodos e processos de produção relativos aos produtos agrícolas ao abrigo do n.° 1 do artigo 38.° do Tratado, aos produtos destinados à alimentação humana e animal, bem como aos medicamentos definidos no artigo 1.° da Directiva 65/65/CEE, bem como aos métodos e processos de produção relativos aos outros produtos, desde que estes tenham incidência sobre as características destes últimos;

    ...

9.    'Regra técnica‘: as especificações técnicas, bem como as outras exigências, incluindo as disposições administrativas que lhes são aplicáveis e cujo cumprimento é obrigatório, de jure ou de facto, para a comercialização ou a utilização num Estado-Membro ou numa parte importante desse Estado, do mesmo modo que, sob reserva das disposições referidas no artigo 10.°, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros destinadas a proibir o fabrico, a importação, a comercialização ou a utilização de um produto.

    ...»

4.
    Nos termos do artigo 8.°, n.os 1 a 3, da Directiva 83/189:

«1.    Sob reserva do disposto no artigo 10.°, os Estados-Membros comunicarão imediatamente à Comissão qualquer projecto de regra técnica, excepto se se tratar da mera transposição integral de uma norma internacional ou europeia, bastando neste caso uma simples informação relativa a essa norma. Enviarão igualmente à Comissão uma notificação referindo as razões da necessidade do estabelecimento dessa regra técnica, salvo se as mesmas já transparecerem do projecto.

    ...

    A Comissão transmitirá de imediato aos outros Estados-Membros o projecto de regra técnica e todos os documentos que lhe tenham sido comunicados; pode ainda submetê-lo aos pareceres do comité referido no artigo 5.° e, eventualmente, do comité competente no domínio em questão.

    ...

2.    A Comissão e os Estados-Membros podem enviar ao Estado-Membro que tiver apresentado um projecto de regra técnica, observações que este Estado-Membro tomará em consideração, na medida do possível, aquando da elaboração definitiva da regra técnica.

3.    Os Estados-Membros devem comunicar de imediato à Comissão o texto definitivo de qualquer regra técnica.»

5.
    O artigo 9.° da Directiva 83/189 prevê o seguinte:

«1.    Os Estados-Membros adiarão a adopção de um projecto de regra técnica por três meses a contar da data de recepção, pela Comissão, da comunicação referida no n.° 1 do artigo 8.°

2.    Os Estados-Membros adiarão:

-    por quatro meses, a adopção de um projecto de regra técnica sob a forma de acordo voluntário na acepção do ponto 9, segundo travessão, do artigo 1.°,

-     por seis meses, sem prejuízo dos n.os 3, 4 e 5, a adopção de qualquer outro projecto de regra técnica,

    prazos estes a contar da data de recepção pela Comissão da comunicação referida no n.° 1 do artigo 8.°, se nos três meses subsequentes a Comissão ou outro Estado-Membro emitir um parecer circunstanciado segundo o qual a medida prevista apresenta aspectos que podem eventualmente levantar entraves à livre circulação das mercadorias no âmbito do mercado interno.

O Estado-Membro em causa apresentará à Comissão um relatório sobre o seguimento que pretende dar a esses pareceres circunstanciados. A Comissão comentará esta reacção.

3.    Os Estados-Membros adiarão a adopção do projecto de regra técnica por doze meses a contar da data de recepção pela Comissão da comunicação referida no n.° 1 do artigo 8.° se, nos três meses subsequentes, a Comissão manifestar a sua intenção de propor ou adoptar uma directiva, um regulamento ou uma decisão nesta matéria, nos termos do artigo 189.° do Tratado.

4.    Os Estados-Membros adiarão a adopção do projecto de regra técnica por doze meses a contar da data de recepção pela Comissão da comunicação referida no n.° 1 do artigo 8.° se, nos três meses subsequentes, a Comissão verificar que o projecto de regra técnica incide sobre uma matéria abrangida por uma proposta de directiva, de regulamento ou de decisão apresentada ao Conselho nos termos do artigo 189.° do Tratado.

5.    Se o Conselho adoptar uma posição comum durante o período de statu quo referido nos n.os 3 e 4, esse período será, sob reserva do disposto no n.° 6, alargado para dezoito meses.

6.    As obrigações a que se referem os n.os 3, 4 e 5 cessam quando:

-     a Comissão informar os Estados-Membros de que renuncia à sua intenção de propor ou adoptar um acto comunitário vinculativo ou - a Comissão informar os Estados-Membros da retirada do seu projecto ou da sua proposta ou - for adoptado pelo Conselho ou pela Comissão um acto comunitário vinculativo.

7.    Os n.os 1 a 5 não são aplicáveis sempre que, por razões urgentes, resultantes de uma situação grave e imprevisível, relacionadas com a defesa da saúde das pessoas e dos animais, a preservação dos vegetais ou a segurança, um Estado-Membro deva elaborar, no mais breve prazo, normas técnicas que adoptará e porá em vigor de imediato, sem ser possível proceder a uma consulta. Na comunicação referida no artigo 8.°, o Estado-Membro deve indicar os motivos que justificam a urgência das medidas. A Comissão deve pronunciar-se sobre esta comunicação o mais rapidamente possível. A Comissão tomará medidas adequadas em caso de recurso abusivo a esse procedimento. A Comissão manterá o Parlamento Europeu informado.»

6.
    Nos termos do artigo 10.°, n.° 1, primeiro travessão, da Directiva 83/189:

«Os artigos 8.° e 9.° não são aplicáveis às disposições legislativas, regulamentares ou administrativas dos Estados-Membros ou aos acordos voluntários através dos quais estes:

-    dêem cumprimento aos actos comunitários vinculativos cujo efeito seja a adopção de especificações técnicas».

7.
    Nos n.os 54 e 55 do acórdão de 30 de Abril de 1996, CIA Security Internatioonal (C-194/94, Colect., p. I-2201, a seguir «acórdão CIA Security International»), o Tribunal declarou que a Directiva 83/189 deve ser interpretada no sentido de que a inobservância da obrigação de notificação acarreta a inaplicabilidade das normas técnicas em questão, pelo que não podem ser opostas aos particulares e que estes podem, assim, invocar os artigos 8.° e 9.° da Directiva 83/189 perante o juiz nacional, ao qual compete recusar a aplicação de uma norma técnica nacional que não tenha sido notificada em conformidade com a directiva.

8.
    Como o Tribunal afirmou no n.° 35 do acórdão de 16 de Junho de 1998, Lemmens (C-226/97, Colect., p.I-3711), a falta de notificação de normas técnicas, que constitui processual na respectiva adopção, torna estas últimas inaplicáveis na medida em que impedem a utilização ou a comercialização dum produto não conforme com estas regras.

A regulamentação italiana e o processo de notificação

9.
    Resulta dos autos que um projecto de lei que tem por objecto regular a rotulagem relativa à origem geográfica de diferentes tipos de azeite foi submetido ao Parlamento italiano em 27 de Janeiro de 1998. O Senado procedeu à sua leitura em Fevereiro e Março desse mesmo ano e a Câmara dos Deputados em Abril e em Junho.

10.
    Entretanto, tendo sido informada da existência do projecto, a Comissão tinha convidado as autoridades italianas a procederem à sua comunicação, em conformidade com o artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 83/189, o que fizeram em 4 de Maio de 1998. A Comissão levou então o projecto ao conhecimento dos Estados-Membros e, em 10 de Junho de 1998, publicou no Jornal Oficial das Comunidades Europeias uma comunicação informando que o prazo de adiamento da adopção de três meses previsto no artigo 9.°, n.° 1, da Directiva 83/189 terminava em 5 de Agosto de 1998 e chamava a atenção para o facto de, em conformidade com o acórdão CIA Security International, compete ao juiz nacional recusar a aplicação de uma norma técnica nacional que não tenha sido notificada em conformidade com a Directiva 83/189, embora as normas técnicas em questão sejam oponíveis aos particulares (JO 1998, C 177, p. 2).

11.
    Em 23 de Julho de 1998, a Comissão informou as autoridades italianas da sua intenção de legislar na matéria abrangida pelo projecto de lei e convidou-as a adiar a sua adopção por um período de doze meses a contar da sua comunicação, em conformidade com o artigo 9.°, n.° 3, da Directiva 83/189.

12.
    Depois da aprovação definitiva pelas duas Câmaras do Parlamento italiano, a Lei n.° 313, relativa à rotulagem de origem de azeite extra-virgem, azeite virgem e azeite (a seguir «lei controvertida»), foi assinada em 3 de Agosto de 1998 pelo Presidente da República, pelo Primeiro Ministro e pelo Ministro da Agricultura.

13.
    No dia seguinte, a Comissão comunicou ao representante permanente da Itália na União Europeia que iria instaurar um processo nos termos do artigo 169.° do Tratado (actual artigo 226.° CE) se a lei fosse publicada na Gazzetta ufficiale della Repubblica italiana e declarou que esta lei não era oponível aos particulares se fosse publicada antes de 4 de Maio de 1999.

14.
    Em 4 de Agosto de 1998, a Comissão recebeu dos Governos espanhol e português pareceres circunstanciados na acepção do artigo 9.°, n.° 2, da Directiva 83/189, segundo os quais o projecto de lei devia ser alterado e, em 5 de Agosto, recebeu observações do Governo neerlandês, em aplicação do artigo 8.°, n.° 2.

15.
    Em 29 de Agosto de 1998, a lei controvertida foi publicada na Gazzetta ufficiale della Repubblica italiana n.° 201 e entrou em vigor no dia seguinte.

16.
    O artigo 1.° desta lei prevê, no essencial, que os tipos de azeite em questão apenas podem ser comercializados com a indicação de que foram «produzidos» ou«fabricados» em Itália se todo o processo de colheita, produção, transformação e embalagem tiver decorrido em Itália. A rotulagem de azeite obtido em Itália a partir de azeitona total ou parcialmente originária de outros países deve mencionar esse facto, indicando as percentagens em causa, bem como o país ou os países de origem; o azeite deste tipo, no qual não figurem as referidas indicações deve ser escoado no prazo de quatro meses a contar da entrada em vigor da lei ou retirado do mercado depois dessa data.

17.
    Em 22 de Dezembro de 1998, a Comissão adoptou a regulamentação que tinha anunciado às autoridades italianas, sob a forma do Regulamento (CE) n.° 2815/98 relativo às normas comerciais para o azeite (JO L 349, p. 56) que fixa, designadamente, as normas que regulam a designação da origem do produto nos rótulos e nas embalagens das variedades de azeite virgem e extra-virgem.

Litígio no processo principal e questão prejudicial

18.
    Em 29 de Setembro de 1998, no cumprimento de um pedido da Central Food, a Unilever forneceu à Central Food 648 litros de azeite extra-virgem num montante de 5 330 708 ITL.

19.
    Por carta de 30 de Setembro de 1998, a Central Food comunicou à Unilever que o azeite fornecido não estava rotulado em conformidade com a lei controvertida. Consequentemente, recusou-se a pagar o montante devido e convidou a Unilever a retirar a mercadoria armazenada no seu depósito.

20.
    Em 2 de Outubro de 1998, a Unilever contestou o pedido da Central Food. Sustentando que, no quadro do processo de notificação e exame dos projectos de normas técnicas instituído pela Directiva 83/189, a Comissão tinha ordenado à República italiana que se abstivesse de legislar em matéria de rotulagem de azeite até 5 de Maio de 1999 e, recordando o acórdão CIA Security International, a Unilever sustentou que a lei controvertida não devia ser aplicada. Afirmando que o azeite fornecido estava, consequentemente, em total conformidade com a regulamentação italiana em vigor, convidou a Central Food a aceitar a entrega e a efectuar o respectivo pagamento.

21.
    Na sequência da nova recusa da Central Food, a Unilever requereu, em 21 de Outubro de 1998, a intervenção do Pretore di Milano a fim de obter um despacho de injunção para pagamento do montante correspondente ao preço da entrega.

22.
    Nestas circunstâncias, o Pretori di Milano decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A lei interna, promulgada e que entrou em vigor no Estado-Membro (Lei n.° 313 de 3 de Agosto de 1998), pode não ser aplicada pelo juiz nacional chamado a proferir uma injunção para pagamento relativamente ao fornecimento de azeite extra-virgem rotulado de modo não conforme com as disposições da referida leinacional, considerando que, após a notificação e consequente análise de um projecto de lei nacional relativo à rotulagem de origem do azeite extra-virgem, do azeite virgem e do azeite, a Comissão Europeia procedeu, com base no artigo 9.°, n.° 3, da Directiva 83/189 (em matéria de processo de informação no sector das normas e das regulamentações técnicas) ao envio formal de um convite ao Estado em causa para não adoptar, num prazo determinado (até 14.9.99) normas relativas à comercialização do azeite enquanto se aguarda a adopção de regulamentação comunitária na matéria em causa?»

Quanto à questão prejudicial

O carácter de normas técnicas das normas relativas à rotulagem que figuram na lei controvertida

23.
    A título liminar, deve examinar-se se, como sustenta o Governo italiano, a questão prejudicial é destituída de objecto, uma vez que a lei controvertida não está abrangida pelo âmbito de aplicação da Directiva 83/189.

24.
    Em primeiro lugar, o Governo italiano observa que a lei controvertida não inclui normas que possam considerar-se normas técnicas na acepção da Directiva 83/189. Faz referência à finalidade da lei controvertida, que consiste em proteger o consumidor através de uma informação correcta sobre a origem ou a proveniência do azeite, ao facto de se tratar de produtos agrícolas e à circunstância de as normas previstas na lei controvertida não dizerem respeito não terem por objecto e não se repercutirem nas características destes produtos.

25.
    A este propósito, basta recordar que o artigo 1.°, n.° 1, a Directiva 83/189 entende por «produto», não só os produtos industriais, mas também os produtos agrícolas e que, segundo o n.° 2 do mesmo artigo, «especificação técnica» na acepção da Directiva 83/189 é uma especificação que figura num documento que define as características exigidas aos produtos, incluindo as exigências impostas ao produto em matéria de rotulagem. Normas técnicas nacionais que contenham tais especificações constituem especificações na acepção da Directiva 83/189 independentemente dos motivos que tenham justificado a sua adopção (v., neste sentido, Bic Benelux, C-13/96, Colect., p. I-1753, n.° 19).

26.
    Assim, a lei controvertida, que regulamenta a rotulagem relativa à origem do azeite, inclui normas que devem ser qualificadas como «especificações técnicas» na acepção da Directiva 83/189.

27.
    Uma vez que a observância destas normas é obrigatória de jure para a comercialização de azeite em Itália, trata-se efectivamente de normas técnicas na acepção da Directiva 83/189.

28.
    Em segundo lugar, o Governo italiano sustentou que a lei controvertida estava dispensada de notificação nos termos do artigo 10.° da Directiva 79/112/CEE do Conselho, de 18 de Dezembro de 1978, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios destinados ao consumidor final (JO L 33, p. 1; EE 13 F 09 p. 162) que, no artigo 3.°, n.° 1, ponto 7, impõe a indicação no rótulo do local de origem ou de proveniência quando a omissão desta indicação for susceptível de induzir em erro o consumidor quanto à origem ou proveniência real do género alimentício.

29.
    Este ponto de vista não pode ser acolhido. Como a Comissão salientou, esta disposição da Directiva 79/112, redigida em termos gerais, deixa aos Estados-Membros uma margem de manobra suficientemente importante para excluir que normas nacionais tendo por objecto a rotulagem relativa à origem, como as instituídas pela lei controvertida, possam qualificar-se como disposições nacionais que dêem cumprimento a um acto comunitário vinculativo, na acepção do artigo 10, n.° 1, primeiro travessão, da Directiva 83/189.

30.
    Nestas condições, deve conclui-se que normas como as relativas à rotulagem que figuram na lei controvertida constituem normas técnicas abrangidas pelo âmbito de aplicação da Directiva 83/189.

Efeitos da inobservância do artigo 9.° da Directiva 83/189

31.
    Na questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se compete ao juiz nacional, no quadro de um processo cível que opõe particulares a propósito de direitos e obrigações de natureza contratual, recusar a aplicação de uma norma técnica nacional adoptada na pendência do período de adiamento da adopção previsto no artigo 9.° da Directiva 83/189.

32.
    A este propósito, no entender da Unilever, o Tribunal de Justiça confirmou, no acórdão CIA Security International, que uma norma técnica adoptada em violação das obrigações decorrentes dos artigos 8.° e 9.° da Directiva 83/189 não pode, em caso algum, ser oponível aos particulares.

33.
    A Comissão defende, por um lado, que o acórdão CIA Security International, relativo a um litígio entre particulares, declarou a inaplicabilidade de uma regulamentação técnica adoptada em violação da Directiva 83/189 e que resulta deste acórdão a possibilidade de invocar a inaplicabilidade em litígios entre particulares. Acrescenta que não há razão para que esta consequência do desrespeito da Directiva 83/189 não se produza igualmente num processo de injunção para pagamento, do tipo do processo principal.

34.
    Por outro lado, segundo a Comissão, a inaplicabilidade impõe-se simultaneamente em caso de violação da obrigação de notificação prevista no artigo 8.° da Directiva 83/189 e em caso de desrespeito dos períodos de adiamento da adopção previstosno artigo 9.° da mesma directiva. Com efeito, a adopção de uma norma técnica nacional depois da notificação do projecto mas durante o período de suspensão, sem ter em conta as observações ou outras reacções dos Estados-Membros e da Comissão, comportaria, de facto, um risco de criação de novos obstáculos às trocas intracomunitárias completamente idêntico ao resultante da adopção de uma norma técnica nacional em violação da obrigação de notificação.

35.
    O Governo italiano, apoiado pelo Governo dinamarquês, salienta que, embora o Tribunal de Justiça tenha reconhecido um efeito directo a determinadas disposições das directivas, no sentido de os particulares poderem invocar estas disposições em relação ao Estado-Membro incumpridor, declarou também que, alargar esta jurisprudência ao domínio das relações entre particulares equivaleria a reconhecer à Comunidade o poder de fixar, com efeito imediato, obrigações para os particulares e não pode, portanto, enquanto tal, ser-lhes oponível. Esta conclusão não pode ser afastada com base no acórdão CIA Security International. O dispositivo deste acórdão não parece destinado a inverter o princípio segundo o qual uma directiva não pode produzir efeito directo horizontal nas relações entre particulares.

36.
    Além disso, os Governos italiano, dinamarquês e neerlandês defendem, nomeadamente, que, no acórdão CIA Security International, o tribunal declarou apenas que a inobservância da obrigação de comunicação prevista no artigo 8.° da Directiva 83/189 tem por efeito a inaplicabilidade da norma técnica em questão. Ora, o artigo 9.° da Directiva 83/189 é bastante diferente do artigo 8.° É a eficácia do controlo preventivo previsto no artigo 8.° da Directiva 83/189 que determina esta interpretação. Inversamente, a inaplicabilidade em caso de incumprimento das obrigações de adiamento previstas no artigo 9.° não contribui para o objectivo de eficácia do controlo pela Comissão. Numa situação deste tipo, a circunstância de um Estado-Membro não ter respeitado uma regra processual como a prevista no artigo 9.°, n.° 3, da Directiva 83/189 não pode ter outro efeito que não seja o de permitir que a Comissão instaure uma acção por incumprimento contra o Estado incumpridor.

37.
    Tendo em conta estas observações, convém, em primeiro lugar, analisar se a consequência jurídica do desrespeito das obrigações da Directiva 83/189 é a mesma tratando-se da obrigação de respeito dos períodos de adiamento da adopção, em conformidade com o artigo 9.° da Directiva 83/189 e tratando-se da obrigação de notificação nos termos do artigo 8.° da Directiva 83/189.

38.
    A este propósito, há que recordar que o acórdão CIA Security International tinha por objecto uma norma técnica não notificada nos termos do artigo 8.° da Directiva 83/189, o que explica porque razão este acórdão, na parte decisória, se limita a declarar a não aplicabilidade das normas técnicas não notificadas em conformidade com este artigo.

    

39.
    Todavia, na exposição dos fundamentos que o levaram a esta conclusão, o Tribunal analisou igualmente as obrigações decorrentes do artigo 9.° da Directiva 83/189. Ora, estes fundamentos demonstram que, tendo em conta os objectivos da directiva 83/189, bem como o teor do seu artigo 9.°, as referidas obrigações devem receber o mesmo tratamento que as obrigações que resultam do artigo 8.° da mesma directiva.

40.
    Assim, no n.° 40 do acórdão CIA Security International, foi sublinhado que a Directiva 83/189 tem como objectivo, através de um controlo preventivo, proteger a livre circulação de mercadorias, que é um dos fundamentos da Comunidade e que o controlo instituído pela directiva é eficaz na medida em que todos os projectos de normas técnicas por ela abrangidos devem ser notificados e que a adopção e a entrada em vigor dessas regras - exceptuando aquelas para as quais a urgência das medidas justifica uma excepção - devem ser suspensas durante os períodos fixados pelo artigo 9.°

41.
    Seguidamente, no n.° 41 do mesmo acórdão, o Tribunal declarou que a notificação e o período de adiamento da adopção fornecem à Comissão e aos restantes Estados-Membros a ocasião, por um lado, de avaliar se o projecto em causa cria entraves às trocas comerciais contrários ao Tratado CE ou entraves que há que evitar através da adopção de medidas comuns ou harmonizadas e, por outro, de propor alterações às medidas nacionais previstas. Este procedimento permite, por outro lado, à Comissão propor ou adoptar normas comunitárias sobre a matéria que é objecto da medida prevista.

42.
    No n.° 50 do acórdão CIA Security International, o Tribunal de Justiça declarou que o objectivo da directiva não é simplesmente informar a Comissão, mas que tem uma finalidade mais geral, que consiste em eliminar ou restringir os entraves às trocas comerciais, informar os outros Estados das regulamentações técnicas projectadas por um Estado, dar à Comissão e aos outros Estados-Membros o tempo necessário para reagir e propor alterações que permitam atenuar as restrições à livre circulação de mercadorias decorrentes da medida prevista e deixar à Comissão o tempo necessário para propor uma directiva de harmonização.

43.
    O Tribunal prosseguiu declarando que a redacção dos artigos 8.° e 9.° da Directiva 83/189 é clara, uma vez que estes preceitos prevêem um processo de controlo comunitário dos projectos de regulamentações nacionais e a sujeição da data da sua execução ao acordo ou à não oposição da Comissão.

44.
    Embora, no n.° 48 do acórdão CIA Security International, depois de ter recordado que o objectivo da Directiva 83/189 é a protecção da livre circulação das mercadorias através de um controlo preventivo e que a obrigação de notificação constitui um meio essencial à realização deste controlo comunitário, o Tribunal tenha declarado que a eficácia do controlo ficará tanto mais reforçada quanto a directiva for interpretada no sentido de que a inobservância da obrigação de notificação constitui um vício processual essencial susceptível de acarretar ainaplicabilidade aos particulares das normas técnicas em causa, resulta das considerações reproduzidas nos n.os 40 a 43 do presente acórdão que a inobservância das obrigações de adiamento da adopção, preconizadas no artigo 9.° da Directiva 83/189 constitui igualmente um vício processual essencial susceptível de acarretar a inaplicabilidade das normas técnicas.

45.
    Consequentemente, há que examinar, em segundo lugar, se a inaplicabilidade das normas técnicas adoptadas com inobservância do artigo 9.° da Directiva 83/189 pode ser invocada num processo cível entre particulares a propósito de direitos e obrigações de ordem contratual.

46.
    Em primeiro lugar, há que salientar que, no quadro de um processo cível desta natureza, a aplicação das normas técnicas adoptadas com inobservância do artigo 9.° da Directiva 83/189 pode ter por efeito criar entraves à utilização ou à comercialização de um produto não conforme com essas regras.

47.
    É, pois, esse o caso no processo principal, uma vez que a aplicação da regulamentação italiana é susceptível de colocar entraves à comercialização pela Unilever de azeite extra-virgem que ela tinha posto à venda.

48.
    Seguidamente, há que recordar que a inaplicabilidade enquanto consequência jurídica da inobservância da obrigação de notificação foi declarada no acórdão CIA Security International em resposta a questões prejudiciais colocadas no quadro de um processo que opõe duas empresas concorrentes, com base em disposições nacionais que proíbem práticas comerciais desleais.

49.
    Assim, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a inaplicabilidade de uma norma técnica que não foi notificada em conformidade com o artigo 8.° da Directiva 83/189 pode ser invocada num litígio entre particulares pelas razões invocadas nos n.os 40 a 43 do presente acórdão. O mesmo é válido tratando-se do não respeito das obrigações fixadas no artigo 9.° da mesma directiva e não há razão, a este propósito, para tratar de forma diferente litígios entre particulares, em matéria de concorrência desleal como no processo CIA Security International, e litígios que opõem particulares a propósito de direitos e obrigações de ordem contratual, como o litígio no processo principal.

50.
    Embora seja certo, como salientaram os Governos italiano e dinamarquês, que uma directiva não pode, por si só, criar obrigações para um particular e que, enquanto tal, não pode, portanto, ser invocada contra ele (v. acórdão de 14 de Julho de 1994, Faccini Dori, C-91/92, Colect., p. I-3325, n.° 20), esta jurisprudência não se aplica numa situação em que o não-respeito do artigo 8.° ou do artigo 9.° da Directiva 83/189, que constitui um vício processual essencial, acarreta a inaplicabilidade da norma técnica adoptada com inobservância de um destes artigos.

51.
    Numa situação desse tipo, e contrariamente à hipótese da não transposição das directivas a que se refere a jurisprudência invocada por estes dois governos, a Directiva 83/189 não define de modo algum o conteúdo material da norma jurídica com base na qual o juiz nacional deve resolver o litígio que lhe foi submetido. Não cria direitos nem obrigações para os particulares.

52.
    À luz das considerações precedentes, deve responder-se à questão que cabe ao juiz nacional, no quadro de um processo cível que opõe particulares a propósito de direitos e obrigações de natureza contratual, recusar a aplicação de uma norma técnica nacional que foi adoptada durante um período de adiamento da adopção previsto no artigo 9.° da Directiva 83/189.

Quanto às despesas

As despesas efectuadas pelos Governos italiano, belga, dinamarquês e neerlandês, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Pretore di Milano em 6 de Novembro de 1998 declara:

Cabe ao juiz nacional, no quadro de um processo cível que opõe particulares a propósito de direitos e obrigações de natureza contratual, recusar a aplicação de uma norma técnica nacional que foi adoptada na pendência do período de adiamento da adopção previsto no artigo 9.° da Directiva 83/189 do Conselho, de 28 de Março de 1983 relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas, conforme alterada especialmente pela Directiva do Conselho de 22 de Março de 1988 (JO L 81, p. 75) e pela Directiva 94/10/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Março de 1994, que altera substancialmente pela segunda vez a Directiva 83/189.

Rodríguez Iglesias
Sevón
Schintgen

Kapteyn

Gulmann
Puissochet

Ragnemalm

Wathlet
Skouris

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 26 de Setembro de 2000.

O secretário

O presidente

R. Grass

G. C. Rodríguez Iglesias


1: Língua do processo: italiano.