Language of document : ECLI:EU:T:2015:756

Processo T‑79/13

Alessandro Accorinti e o.

contra

Banque centrale européenne (BCE)

«Responsabilidade extracontratual — Política económica e monetária — BCE — Bancos centrais nacionais — Restruturação da dívida pública grega — Programa de compra de instrumentos de dívida — Acordo de troca de instrumentos de dívida unicamente em benefício dos bancos centrais do Eurosistema — Intervenção do setor privado — Cláusulas de ação coletiva — Reforço de crédito sob a forma de um programa de recompra destinado a consolidar a qualidade dos instrumentos de dívida como garantias — Credores privados — Violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares — Confiança legítima — Igualdade de tratamento — Responsabilidade por um ato normativo lícito — Prejuízo anormal e especial»

Sumário — Acórdão do Tribunal Geral (Quarta Secção) de 7 de outubro de 2015

1.      Processo judicial — Petição inicial — Requisitos de forma — Identificação do objeto do litígio — Exposição sumária dos fundamentos invocados — Petição destinada a obter a reparação de danos pretensamente causados por uma instituição da União

[Estatuto do Tribunal de Justiça, artigos 21.°, primeiro parágrafo, e 53.°, primeiro parágrafo; Regulamento de Processo do Tribunal Geral (1991), artigo 44.°, n.° 1, alínea c)]

2.      Acão de indemnização — Autonomia relativamente ao recurso de anulação — Limites — Pedidos de indemnização e de anulação com os mesmos fundamentos apresentados conjuntamente no prazo de recurso — Admissibilidade

(Artigos 263.°, sexto parágrafo, TFUE, 268.° TFUE e 340.°, terceiro parágrafo, TFUE)

3.      Responsabilidade extracontratual — Requisitos — Ilegalidade — Prejuízo — Nexo de causalidade — Condições cumulativas — Falta de um dos requisitos — Improcedência da ação na íntegra

(Artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE)

4.      Responsabilidade extracontratual — Requisitos — Ilegalidade — Violação suficientemente caracterizada do direito da União — Exigência de uma violação manifesta e grave pelas instituições dos limites dos seus poderes de apreciação — Apreciação em caso de atos de alcance geral adotados pelo Banco Central Europeu no exercício das suas competências em matéria monetária

(Artigos 127.° TFUE, 282.° TFUE e 340.° TFUE; Protocolo n.° 4 anexo aos tratados UE e FUE, artigo 18.°)

5.      Direito da União Europeia — Princípios — Proteção da confiança legítima — Limites — Adoção de medidas no domínio da política monetária — Poder de apreciação das instituições — Adaptação das medidas às variações da situação económica — Impossibilidade de invocar a proteção da confiança legítima

6.      Direito da União Europeia — Princípios — Proteção da confiança legítima — Requisitos —Declarações de membros do Banco Central Europeu quanto à restruturação da dívida pública grega — Falta de competência do Banco para decidir sobre essa restruturação —Conhecimento por um operador prudente e avisado do risco dos instrumentos de dívida gregos — Falta de criação de confiança legítima

(Artigo 120.° TFUE)

7.      Política económica e monetária — Política monetária — Execução — Restruturação da dívida pública grega através de um programa de compra de instrumentos de dívida do Estado — Conclusão de um acordo de troca de instrumentos de dívida unicamente em benefício dos bancos centrais do Eurosistema — Exclusão da participação dos investidores privados detentores desses instrumentos — Violação do princípio da igualdade de tratamento — Inexistência — Inobservância das competências do Banco Central Europeu — Inexistência

(Artigos 123.° TFUE, 127.°, n.os 1 e 2, TFUE e 282.°, n.° 1, TFUE; Protocolo n.° 4 anexo aos tratados UE e FUE, artigo 18.°, n.° 1; Decisão 2010/281 do Banco Central Europeu)

8.      Política económica e monetária — Política monetária — Execução — Restruturação da dívida pública grega através de um programa de compra de instrumentos de dívida do Estado — Reforço de crédito unicamente em benefício dos bancos centrais nacionais do Eurosistema com o objetivo de consolidar a qualidade dos instrumentos em causa — Exclusão do benefício do reforço para os investidores privados detentores desses instrumentos — Violação do princípio da igualdade de tratamento — Exclusão — Inobservância das competências do Banco Central Europeu — Inexistência

(Artigos 123.° TFUE, 127.°, n.os 1 e 2, TFUE e 282.°, n.° 1, TFUE; Protocolo n.° 4 anexo aos tratados UE e FUE, artigo 18.°, n.° 1; Decisão 2012/153 do Banco Central Europeu, artigo 1.°)

9.      Direito da União Europeia — Princípios — Princípio da igualdade dos credores — Princípio não consagrado pelo direito da União

(Artigo 127.° TFUE; Protocolo n.° 4 anexo aos tratados UE e FUE, artigo 18.°; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 20.° e 21.°; Regulamento n.° 1346/2000 do Conselho)

10.    Recurso de anulação — Fundamentos — Desvio de poder — Conceito

(Artigo 263.° TFUE)

11.    Responsabilidade extracontratual — Responsabilidade causada por um ato lícito —Comportamento abrangido pela competência normativa da União — Exclusão — Limites — Prejuízo resultante da diminuição do valor de instrumentos de dívida grega quando da implementação pelo Banco Central Europeu de uma oferta de troca destinada aos detentores desses instrumentos pertencentes ao setor privado — Inexistência de um prejuízo anormal e especial — Responsabilidade do Banco — Exclusão

(Artigo 340.°, terceiro parágrafo, TFUE; Decisão 2012/153 do Banco Central Europeu)

1.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 53, 57)

2.      Apenas a título excecional e para evitar que o prazo do recurso de anulação seja elidido, um pedido de indemnização é declarado inadmissível, em concreto, quando este foi apresentado conjuntamente com um pedido de anulação, com o fundamento de que o pedido de indemnização se destina, na realidade, à anulação de uma decisão individual dirigida ao recorrente e tornada definitiva e tinha por efeito, se fosse procedente, anular os efeitos jurídicos de tal decisão. Por outro lado, quando o referido recurso de anulação foi interposto no prazo previsto no artigo 263.°, sexto parágrafo, TFUE, está desde logo excluído que uma ação de indemnização visasse elidir o referido prazo.

A este respeito, a ação de indemnização é uma via de recurso autónoma, com uma função particular no quadro do sistema das vias de recurso e está subordinada a condições de exercício concebidas em atenção ao seu objeto específico. Enquanto os recursos de anulação e por omissão visam punir a ilegalidade de um ato juridicamente vinculativo ou a inexistência desse ato, a ação de indemnização tem por objeto o pedido de reparação de um prejuízo decorrente de um ato ou de um comportamento ilícito imputável a uma instituição ou a um órgão da União. Por um lado, esta autonomia da ação de indemnização não pode ser posta em causa pelo simples facto de um demandante decidir interpor sucessivamente um recurso de anulação e uma ação de indemnização. Por outro lado, a inadmissibilidade de um recurso de anulação não implica a de uma ação de indemnização intentada posteriormente pelo simples facto de que se baseiam em fundamentos de ilegalidade semelhantes, ou mesmo idênticos. Com efeito, tal interpretação seria contrária ao próprio princípio da autonomia das vias de recurso e, portanto, privaria o artigo 268.° TFUE, conjugado com o artigo 340.°, terceiro parágrafo, TFUE, do seu efeito útil.

(cf. n.os 60, 61)

3.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 64‑66, 116)

4.      No que respeita ao primeiro requisito da responsabilidade da União, nos termos do artigo 340.° TFUE, relativo ao comportamento ilegal imputado à instituição ou ao órgão em causa, é necessário que esteja demonstrada uma violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito que tenha por objeto conferir direitos aos particulares. O critério decisivo que permite considerar que uma violação é suficientemente caracterizada consiste na violação manifesta e grave, pela instituição ou órgão da União em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. É unicamente quando essa instituição ou esse órgão apenas dispõe de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, que a simples infração ao direito da União pode bastar para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada.

Os comportamentos de que o BCE é acusado tiveram lugar no âmbito de missões que lhe são atribuídas para efeitos da definição e execução da política monetária da União, nos termos dos artigos 127.° TFUE e 282.° TFUE e do artigo 18.° do Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu, designadamente através da sua intervenção no mercado de capitais e da sua gestão de operações de crédito. Estas disposições conferem ao BCE um amplo poder de apreciação, cujo exercício implica avaliações complexas de ordem económica e social, bem como de situações submetidas a evolução rápida, que devem ser efetuadas no contexto do Eurosistema, ou mesmo da União no seu conjunto. Assim, uma eventual violação suficientemente caracterizada das regras de direito em causa deve basear‑se numa inobservância manifesta e grave dos limites do amplo poder de apreciação de que o Banco dispõe no exercício das suas competências em matéria de política monetária. É tanto mais assim quando o exercício desse poder de apreciação implica a necessidade de o Banco, por um lado, antecipar e avaliar evoluções económicas de natureza complexa e incerta, como a evolução dos mercados de capitais, da massa monetária e da taxa de inflação, que afetam o bom funcionamento do Eurosistema e dos sistemas de pagamento e de crédito, e, por outro, fazer opções de ordem política, económica e social que exigem a ponderação e a arbitragem entre os diferentes objetivos previstos no artigo 127.°, n.° 1, TFUE, sendo o objetivo principal a manutenção da estabilidade dos preços.

Além disso, no que respeita à atividade normativa das instituições, incluindo a adoção pelo Banco de atos de caráter geral, a conceção restritiva da responsabilidade da União decorrente do exercício das referidas atividades normativas explica‑se pelo facto de, por um lado, o exercício da função legislativa, mesmo quando existe uma fiscalização jurisdicional da legalidade dos atos, não dever ser dificultado pela perspetiva de pedidos de indemnização sempre que o interesse geral da União imponha que se adotem medidas normativas suscetíveis de prejudicar os interesses dos particulares e de, por outro, num contexto normativo que se caracteriza pela existência de um amplo poder de apreciação, indispensável à execução de uma política da União, só existir responsabilidade da União se a instituição em causa tiver violado de forma manifesta e grave os limites que se impõem ao exercício dos seus poderes.

(cf. n.os 67‑69)

5.      O direito de invocar o princípio da proteção da confiança legítima estende‑se a todos os sujeitos relativamente aos quais uma instituição da União tenha criado expectativas fundadas. O direito de invocar este princípio pressupõe, porém, a reunião de três requisitos cumulativos. Em primeiro lugar, garantias precisas, incondicionais e concordantes, emanadas de fontes autorizadas e fiáveis, devem ter sido fornecidas ao interessado pela Administração da União. Em segundo lugar, essas garantias devem ser de molde a criar uma expectativa legítima no espírito daquele a quem se dirigem. Em terceiro lugar, as garantias devem ser conformes com as normas aplicáveis. Além disso, embora a possibilidade de invocar a proteção da confiança legítima, como princípio fundamental do direito da União, esteja aberta a qualquer operador económico em quem uma instituição tenha criado expectativas fundadas, não é menos verdade que, quando um operador económico prudente e avisado tenha a possibilidade de prever a adoção de uma medida da União capaz de afetar os seus interesses, não pode invocar o benefício desse princípio quando essa medida é adotada. Além disso, os operadores económicos não têm fundamento para depositar a sua confiança legítima na manutenção de uma situação existente que pode ser alterada no quadro do poder de apreciação das instituições da União, em especial num domínio como o da política monetária, cujo objetivo implica uma constante adaptação em função das variações da situação económica.

(cf. n.os 75, 76)

6.      Não podem constituir garantias precisas, incondicionais e concordantes, emanadas de fontes autorizadas e fiáveis, que poderiam ter criado expetativas legítimas no espírito de credores privados detentores de instrumentos de dívida gregos, as declarações públicas de determinados membros do Banco Central Europeu em 2010 e 2011 destinadas a excluir uma eventual restruturação da dívida pública grega. Com efeito, atendendo, primeiro, ao seu caráter geral, segundo, à falta de competência do Banco para decidir quanto a uma eventual restruturação da dívida pública de um Estado‑Membro afetado por uma falta de pagamento seletiva, e, terceiro, à incerteza reinante nos mercados financeiros na época, sobretudo, no que respeita à evolução futura da situação financeira da República Helénica, estas declarações não podiam ser qualificadas de garantias precisas e incondicionais provenientes de fontes autorizadas e fiáveis, e menos ainda quanto à eventual não adoção por este Estado‑Membro de uma decisão relativa a tal restruturação.

Com efeito, embora estivesse associado à vigilância da evolução da situação financeira da República Helénica no âmbito da «troika», constituída por ele, pelo Fundo Monetário Internacional e pela Comissão, o Banco não era competente para decidir sobre tal medida, que é da competência, a título principal, ou mesmo exclusivo, do poder soberano e da autoridade orçamental do Estado‑Membro em causa, designadamente do seu poder legislativo, e, em certa medida, da coordenação da política económica pelos Estados‑Membros ao abrigo dos artigos 120.° TFUE e seguintes. Nestas circunstâncias, a oposição a tal restruturação, tal como reiteradamente expressa em público por sucessivos presidentes do Banco num clima de incerteza crescente no espírito dos atores dos mercados financeiros, deve ser interpretada como tendo caráter puramente político‑económico. Em particular, ao proceder assim, os seus autores pretendiam alertar os referidos atores contra, por um lado, uma deterioração adicional da situação económica na época, ou mesmo uma eventual insolvência da República Helénica, cujos instrumentos de dívida potencialmente não pagáveis não poderiam ser aceites no âmbito de operações de crédito do Eurosistema e, por outro, os riscos que tal evolução poderia implicar para a estabilidade do sistema financeiro e para o funcionamento do Eurosistema no seu todo. Além disso, a oposição dos sucessivos presidentes do Banco era acompanhada da especificação de que, no caso de ocorrer tal incumprimento e os Estados‑Membros em causa decidirem restruturar a dívida pública, o Banco exigiria que essa restruturação fosse apoiada por garantias suficientes a fim de proteger a sua integridade e manter a estabilidade e a confiança dos mercados financeiros. Daí resulta que, com a sua atuação, o Banco também não alimentou expetativas legítimas quanto à manutenção da sua oposição no caso de os Estados‑Membros em causa tomarem a decisão contrária de proceder a tal restruturação, ou mesmo quanto à sua eventual capacidade jurídica — inexistente — de evitar essa posição.

Além disso, a compra por um investidor de instrumentos de dívida pública constitui, por definição, uma transação que comporta um certo risco financeiro, porque está sujeita às vicissitudes da evolução dos mercados de capitais. Ora, face à situação económica da República Helénica e às incertezas que a afetavam na época, os investidores que adquiriram instrumentos de dívida gregos durante o período em que a crise financeira da República Helénica estava no seu nível máximo não poderiam alegar que agiram como operadores económicos prudentes e avisados, podendo invocar a existência de expetativas legítimas. Pelo contrário, atendendo às referidas declarações públicas do Banco, esses investidores deviam conhecer a situação económica muito instável que determinava a flutuação do valor dos instrumentos de dívida gregos por eles adquiridos, bem como o risco não negligenciável de um incumprimento, ainda que seletivo, da República Helénica. Por outro lado, um operador económico prudente e avisado que tenha tido conhecimento dessas declarações públicas não poderia ter excluído o risco de uma restruturação da dívida pública grega, dadas as posições divergentes existentes a este respeito nos Estados‑Membros da zona euro e nos outros órgãos implicados, como a Comissão, o FMI e o Banco.

(cf. n.os 78, 79, 81, 82)

7.      O princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de forma diferente e que situações diferentes não sejam tratadas da mesma forma, a menos que haja justificações objetivas para tal. O caráter comparável de situações diferentes é apreciado tendo em conta todos os elementos que as caracterizam. Esses elementos devem, designadamente, ser determinados e apreciados à luz do objeto e da finalidade do ato da União que institui a distinção em causa. Devem, além disso, ser tomados em consideração os princípios e os objetivos do domínio a que pertence o ato em causa.

A este respeito, investidores privados que adquiriram instrumentos de dívida gregos unicamente no seu interesse patrimonial privado, independentemente do motivo exato das suas decisões de investimento, encontram‑se numa situação diferente da dos bancos centrais do Eurosistema que adquiriram igualmente esses instrumentos no exercício das suas atribuições fundamentais, na aceção do artigo 127.°, n.os 1 e 2, TFUE, conjugado com o artigo 282.°, n.° 1, TFUE, bem como no artigo 18.°, n.° 1, primeiro travessão, do Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu, com o objetivo de manutenção da estabilidade dos preços e de boa gestão da política monetária, bem como nos limites estabelecidos pelas disposições da Decisão 2010/281, que estabelece um programa relacionado com os mercados de títulos de dívida. Assim, dado que as situações em causa não são comparáveis, a celebração e a aplicação de um acordo de troca que tinha por objeto a troca de instrumentos de dívida gregos detidos pelo Banco Central Europeu e pelos bancos centrais nacionais do Eurosistema visando evitar que estes últimos participem na restruturação da dívida pública grega não podem constituir uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

Do mesmo modo, os investidores privados e os bancos centrais do Eurosistema também não se encontram em situações comparáveis relativamente à incidência na economia europeia dos efeitos da redução do valor dos seus ativos. Com efeito, atendendo ao montante total em valor dos instrumentos de dívida gregos adquiridos e detidos pelos referidos bancos centrais, a eventual participação dos mesmos bancos na restruturação da dívida pública de um Estado‑Membro da zona euro, independentemente do seu caráter lícito ou não à luz do artigo 123.° TFUE, poderia afetar a integridade financeira de todo o Eurosistema e, designadamente, a sua capacidade de intervir nos mercados de capitais e de refinanciar as instituições de crédito nos termos do artigo 18.°, n.° 1, primeiro e segundo travessões, do Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu. A este respeito, importa precisar que os instrumentos de dívida pública constituem simultaneamente garantias que estes bancos centrais normalmente devem aceitar para efeitos das operações de crédito no Eurosistema e para manter o acesso das instituições de crédito nacionais à liquidez. Em consequência, deve também ser julgada improcedente a alegação de que o Banco e os bancos centrais nacionais do Eurosistema se reservaram um estatuto de credor de nível privilegiado em detrimento do setor privado, sob pretexto da sua atribuição de política monetária.

Além disso, a criação, através da celebração e da aplicação do referido acordo de troca, do alegado estatuto de credor privilegiado dos bancos centrais do Eurosistema para evitar a restruturação da dívida pública grega não pode ser considerada abusiva ou excedendo os limites das competências do Banco. Pelo contrário, essas medidas integravam‑se no quadro do exercício das suas competências e atribuições fundamentais na medida em que tinham precisamente por objetivo preservar a margem de manobra dos referidos bancos centrais e assegurar a continuidade do bom funcionamento do Eurosistema. A este propósito, a celebração do referido acordo de troca visava evitar que os bancos centrais do Eurosistema participem na restruturação da dívida pública grega sacrificando uma parte do valor dos instrumentos de dívida gregos detidos nas respetivas carteiras. Ora, uma participação incondicional dos referidos bancos centrais nessa restruturação teria precisamente corrido o risco de ser qualificada de intervenção com um efeito equivalente ao da aquisição direta de instrumentos de dívida pública por esses bancos, proibida pelo artigo 123.° TFUE.

(cf. n.os 87, 88, 92, 93, 108, 114)

8.      Não poderia constituir uma desigualdade de tratamento imputável ao Banco Central Europeu em prejuízo dos investidores privados o facto de o artigo 1.° da sua Decisão 2012/153, relativa à elegibilidade dos instrumentos de dívida emitidos ou integralmente garantidos pela República Helénica no contexto da sua oferta de troca de dívida, prever uma obrigação desta última de prestar um reforço de crédito aos bancos centrais nacionais sob a forma de um programa de aquisição destinado a consolidar a qualidade dos instrumentos de dívida gregos. Com efeito, ao ter por único objetivo garantir a manutenção da possibilidade de os referidos bancos centrais aceitarem os instrumentos de dívida gregos como garantias adequadas aos objetivos das operações de crédito do Eurosistema na aceção do artigo 18.°, n.° 1, segundo travessão, do Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu, a referida obrigação assegurava, assim, a manutenção da margem de manobra dos bancos centrais do Eurosistema nos termos do disposto no artigo 127.°, n.os 1 e 2, TFUE, conjugado com o artigo 282.°, n.° 1, TFUE, bem como no artigo 18.°, n.° 1, primeiro e segundo travessões, do referido Protocolo relativo aos Estatutos, e, portanto, tinha por objeto uma situação que não era comparável com a dos investidores privados. Com efeito, uma vez que estes últimos tinham adquirido e detinham instrumentos de dívida gregos para fins exclusivamente privados, encontravam‑se numa situação diferente dos bancos centrais do Eurosistema investidos dos poderes e deveres conferidos pelas disposições referidas. Daí resulta que os referidos investidores privados não podiam reivindicar, ao abrigo do princípio da igualdade de tratamento, o benefício análogo de um programa de recompra dos seus instrumentos de dívida pelo Estado grego.

Assim, esta medida não pode ser considerada abusiva ou excedendo os limites das competências do Banco, mas integrada no quadro do exercício das suas competências e atribuições fundamentais na medida em que tinham precisamente por objetivo preservar a margem de manobra dos referidos bancos centrais e assegurar a continuidade do bom funcionamento do Eurosistema.

(cf. n.os 94, 108)

9.      A cláusula denominada par condicio creditorum ou pari passu, que pressupõe que os credores sejam tratados de maneira igual no pagamento, não existe na ordem jurídica da União. A este respeito, o Regulamento n.° 1346/2000, relativo aos processos de insolvência, constatou que existia uma grande variedade de legislações nas ordens jurídicas nacionais, incluindo no que respeita aos privilégios creditórios dos credores, e limitou‑se a estabelecer regras de conflito de leis uniformes, designadamente para coordenar a distribuição do produto e para preservar ao máximo a igualdade de tratamento dos credores.

De resto, na medida em que uma regra que impõe o pari passu implica um tratamento igualitário dos credores sem tomar em consideração as situações distintas em que se encontram, designadamente, os investidores privados, por um lado, e os bancos centrais do Eurosistema agindo no exercício das suas atribuições ao abrigo do artigo 127.° TFUE e do artigo 18.° do Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu, por outro, o reconhecimento de tal regra na ordem jurídica da União poderia ser contrário ao princípio da igualdade de tratamento, tal como está consagrado nos artigos 20.° e 21.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Por conseguinte, só a sua inserção no âmbito de cláusulas contratuais, incluindo as relativas à emissão e à venda de instrumentos de dívida pública, que regulam a relação entre emitente e devedor e detentor e credor de uma obrigação é, eventualmente, passível de atribuir caráter juridicamente obrigatório a uma cláusula pari passu.

(cf. n.os 98‑101)

10.    V. texto da decisão.

(cf. n.° 106)

11.    No que respeita à responsabilidade extracontratual do Banco Central Europeu nos termos do artigo 340.°, terceiro parágrafo, TFUE, pela prática de um ato lícito abrangido pela esfera de competência normativa da União, no estado atual do direito desta, o exame comparativo das ordens jurídicas dos Estados‑Membros não permite consagrar a existência de um regime de responsabilidade extracontratual da União devido ao exercício lícito, por esta, das suas atividades que se inserem na esfera normativa. Portanto, no que respeita aos atos de caráter geral adotados pelo Banco no exercício dos seus poderes normativos de decisão, entre os quais a Decisão 2012/153, relativa à elegibilidade dos instrumentos de dívida emitidos ou integralmente garantidos pela República Helénica no contexto da sua oferta de troca de dívida, ou à recusa desta em adotar tal ato, deve, por esta única razão, ser negado provimento a um pedido de indemnização.

De resto, na hipótese de o princípio de tal responsabilidade ser reconhecido, a responsabilidade do Banco implicaria a existência de um prejuízo anormal e especial. Um prejuízo tem caráter anormal quando ultrapassa os limites dos riscos económicos inerentes às atividades no setor económico em causa, e deve ser qualificado de especial se o ato em causa afetar uma categoria específica de operadores económicos de modo desproporcionado em relação aos restantes operadores. Tal não acontece quando se trata de um prejuízo que consiste na redução do valor dos instrumentos de dívida gregos quando da execução da oferta de troca de obrigações gregas no âmbito da intervenção dos investidores privados e de um processo previsto pelo direito grego que tornou obrigatória a troca de instrumentos de dívida para todos os investidores privados abrangidos. Com efeito, esse prejuízo não ultrapassa os limites dos riscos económicos inerentes às atividades comerciais no setor financeiro, designadamente às transações sobre instrumentos de dívida negociáveis emitidos por um Estado, sobretudo quando esse Estado apresenta uma baixa notação. Pelo contrário, independentemente do princípio geral segundo o qual qualquer credor deve suportar o risco de insolvência do seu devedor, incluindo um devedor público, tais transações são efetuadas em mercados particularmente voláteis, frequentemente sujeitos a vicissitudes e riscos não controláveis quanto à diminuição ou ao aumento do valor desses instrumentos, o que pode conduzir à especulação para obter rendimentos elevados num espaço de tempo muito curto. Assim sendo, mesmo que nem todos os operadores que pediram a reparação do referido prejuízo realizassem transações especulativas, deviam estar conscientes das referidas vicissitudes e riscos quanto a uma eventual perda considerável de valor dos instrumentos adquiridos É tanto mais assim quando, mesmo antes do início da sua crise financeira em 2009, o Estado‑Membro emitente já se debatia com um endividamento e um défice elevados. Portanto, o prejuízo sofrido não pode ser qualificado de anormal.

Também não é possível qualificar este prejuízo de especial, uma vez que era aplicável aos operadores em causa, do mesmo modo que a todos os outros investidores privados, ainda que com a exceção dos bancos centrais do Eurosistema, a oferta de troca voluntária de obrigações gregas no âmbito da intervenção dos investidores privados e o mecanismo de desconto baseado no direito nacional. Nestas condições e tendo em conta o grande número de investidores abrangidos, identificados pelo referido direito nacional de maneira geral e objetiva em função, designadamente, dos números de série dos instrumentos em causa, não se pode considerar que os operadores que pediram a reparação do referido prejuízo pertencem a uma categoria específica de operadores económicos afetados de forma desproporcionada relativamente a outros operadores.

(cf. n.os 119‑122)