Language of document : ECLI:EU:T:2006:184

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

4 de Julho de 2006 (*)

«Concorrência − Acordos, decisões e práticas concertadas − Mercado neerlandês dos gases industriais e medicinais − Fixação dos preços − Cálculo do montante das coimas − Orientações para o cálculo do montante das coimas − Princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento»

No processo T‑304/02,

Hoek Loos NV, com sede em Schiedam (Países Baixos), representada por J. J. Feenstra e B. F. Van Harinxma thoe Slooten, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por A. Bouquet, na qualidade de agente,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação parcial da Decisão 2003/207/CE da Comissão, de 24 de Julho de 2002, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE (Processo COMP/E‑3/36 700 — Gases industriais e medicinais) (JO 2003, L 84, p. 1) e, a título subsidiário, um pedido de redução da coima aplicada à recorrente,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, F. Dehousse e D. Šváby, juízes,

secretário: I. Natsinas, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 19 de Janeiro de 2006,

profere o presente

Acórdão

 Factos na origem do litígio

1        A recorrente é uma empresa neerlandesa que produz, comercializa e distribui gases industriais e medicinais bem como equipamentos, sistemas e serviços conexos.

2        Em Dezembro de 1997 e durante o ano de 1998, a Comissão, nos termos do artigo 14.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), realizou investigações nas instalações da recorrente e de diferentes sociedades também activas no mercado dos gases industriais e medicinais, no caso a AGA Gas BV, a Air Liquide BV, a Air Products Nederland BV (a seguir «Air Products»), o Boc Group plc (a seguir «BOC»), a Hydrogas Holland BV, a Messer Nederland BV (a seguir «Messer») e a Westfalen Gassen Nederland BV (a seguir «Westfalen»).

3        Depois de, ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, ter enviado pedidos de informações às sociedades acima referidas, a Comissão, em 9 de Julho de 2001, remeteu uma comunicação de acusações a oito empresas, entre as quais a recorrente, que operam no sector em causa.

4        Na sua resposta, a recorrente não contestou os factos expostos na comunicação de acusações. Na sequência da liquidação da AGA Gas, a sociedade‑mãe desta, a AGA AB, apresentou uma resposta à referida comunicação relativa ao mérito, em nome da sua antiga filial, e declarou expressamente estar disposta a assumir a responsabilidade pelas infracções cometidas por esta última.

5        Na sequência da audição das empresas em causa, a Comissão adoptou a Decisão 2003/207/CE, de 24 de Julho de 2002, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE (Processo COMP/E‑3/36 700 – Gases industriais e medicinais) (JO 2003, L 84, p. 1, a seguir «decisão»).

6        A decisão foi notificada à recorrente em 29 de Julho de 2002 e enviada à AGA AB na sua qualidade de sucessora da AGA Gas.

7        A decisão contém as seguintes disposições:

«Artigo 1.°

A AGA AB, a Air Liquide BV, a [Air Products], o [BOC], a [Messer], a Hoek Loos [NV] e a [Westfalen] cometeram uma infracção ao n.° 1 do artigo 81.° [CE] ao participarem num acordo e/ou prática concertada continuados no sector dos gases industriais e medicinais nos Países Baixos.

A duração da infracção foi a seguinte:

–        AGA AB: desde Setembro de 1993 até Dezembro de 1997,

–        Air Liquide BV: desde Setembro de 1993 até Dezembro de 1997,

–        [Air Products]: desde Setembro de 1993 até Dezembro de 1997,

–        [BOC]: desde Junho de 1994 até Dezembro de 1995,

–        [Messer]: desde Setembro de 1993 até Dezembro de 1997,

–        Hoek Loos [NV]: desde Setembro de 1993 até Dezembro de 1997,

–        [Westfalen]: desde Março de 1994 até Dezembro de 1995.

[...]

Artigo 3.°

No que se refere à infracção referida no artigo 1.°, são aplicáveis as seguintes coimas:

–        AGA AB: 4,15 milhões de euros,

–        Air Liquide BV: 3,64 milhões de euros,

–        [Air Products]: 2,73 milhões de euros,

–        [BOC]: 1,17 milhões de euros,

–        [Messer]: 1 milhão de euros,

–        Hoek Loos [NV]: 12,6 milhões de euros,

–        [Westfalen]: 0,43 milhões de euros.»

8        Para efeitos do cálculo do montante das coimas, a Comissão aplicou, na decisão, o método constante das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações») e da Comunicação 96/C 207/4 sobre a não aplicação ou redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO 1996, C 207, p. 4, a seguir «comunicação sobre a cooperação»).

9        Deste modo, o montante de base da coima, determinado em função da gravidade e da duração da infracção, foi fixado, relativamente à recorrente, em 14 milhões de euros (considerando 438 da decisão).

10      A Comissão não considerou nenhuma circunstância agravante ou atenuante contra ou a favor da recorrente na decisão.

11      Por último, a Comissão procedeu a uma «redução significativa» do montante das coimas, na acepção do ponto D da comunicação sobre a cooperação. Nestes termos, a Comissão concedeu à recorrente uma redução de 10% do montante da coima que lhe teria sido aplicada na falta da sua cooperação, uma vez que não contesta a materialidade dos factos constantes da comunicação de objecções (considerandos 454, 457 a 459 da decisão).

12      Na sequência do recurso interposto da decisão, em 4 de Outubro de 2002, pela Westfalen no Tribunal de Primeira Instância (processo T‑303/02), a Comissão considerou que tinha cometido um erro de apreciação relativamente à duração da infracção de que esta empresa fora acusada.

13      Consequentemente, a Comissão adoptou, em 9 de Abril de 2003, a Decisão 2003/355/CE que altera a decisão (JO L 123, p. 49). Nessa decisão rectificativa, a Comissão reconheceu que tinha considerado incorrectamente a data de Março de 1994 ponto de partida da infracção imputada à Westfalen.

14      Deste modo, passou a ser mencionado no artigo 1.° da decisão, alterada, que a Westfalen violou o artigo 81.° CE ao participar num acordo e/ou prática concertada continuados no sector dos gases industriais e medicinais nos Países Baixos desde Outubro de 1994, e já não desde Março de 1994, até Dezembro de 1995. O artigo 3.° da decisão, alterada, prevê um montante da coima reduzido de 0,43 milhões de euros para 0,41 milhões de euros.

 Tramitação processual e pedidos das partes

15      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 7 de Outubro de 2002, a recorrente interpôs o presente recurso.

16      Tendo sido alterada a composição das Secções do Tribunal de Primeira Instância a partir de 13 de Setembro de 2004, o juiz‑relator foi afecto, na qualidade de presidente, à Quinta Secção, à qual o presente processo foi, por conseguinte, atribuído.

17      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Quinta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, convidou a Comissão a apresentar um documento.

18      Foram ouvidas as alegações das partes e as respectivas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 19 de Janeiro de 2006.

19      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o artigo 3.° da decisão, na parte que lhe diz respeito;

–        a título subsidiário, reduzir equitativamente e de forma substancial o montante da coima aplicada;

–        condenar a Comissão na totalidade das despesas, «incluindo os juros, ou seja, as despesas relacionadas com a garantia bancária».

20      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Argumentos das partes

 Quanto ao âmbito do recurso

21      A recorrente indica que não contesta, quanto ao mérito, a exposição dos factos que a Comissão fez na parte I, ponto E, da decisão nem a respectiva análise jurídica que fez na parte II, ponto D, recordando, no entanto, que os acordos em causa diziam unicamente respeito a uma pequena parte do mercado global dos gases industriais e medicinais.

22      A recorrente especifica que também não contesta as diferentes etapas seguidas pela Comissão nos considerandos 412 a 448 da decisão para calcular o montante das diferentes coimas, as considerações relativas à gravidade da infracção, à duração desta e ao envolvimento das diferentes empresas, mas que não aceita o resultado final deste cálculo que traduz um importante desequilíbrio entre a coima que lhe foi aplicada e as que foram aplicadas às outras empresas, mais concretamente à AGA AB.

23      A este propósito, a recorrente observa, diversas vezes, que a coima que lhe foi aplicada, por um lado, é mais de três vezes superior à que veio a ser aplicada à AGA AB, quando, segundo a própria Comissão, teve um envolvimento no cartel do mesmo grau e durante o mesmo período que a AGA Gás, e, por outro, representa 50% do montante total das coimas aplicadas neste processo, o que não é, de forma alguma, proporcional à sua quota de mercado ou à sua participação na infracção.

24      A recorrente sustenta que a Comissão, no exercício do seu poder discricionário e, portanto, sem a isso estar obrigada de facto ou de direito, efectuou determinadas escolhas no momento do cálculo das coimas, mais concretamente no âmbito de aplicação da regra do limite máximo de 10% do volume de negócios da empresa em causa, prevista no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Ora, segundo a recorrente, estas escolhas levaram a um grande desequilíbrio no montante das coimas, devido à diferença desproporcionada entre o montante da coima que lhe foi aplicada e o das aplicadas às outras empresas. Deste modo, a Comissão violou, por um lado, o artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e o artigo 253.° CE e, por outro, os princípios da igualdade de tratamento, da proporcionalidade e da proibição de arbitrariedade, o que justifica a anulação do artigo 3.° da decisão.

25      A recorrente precisa ainda que o presente recurso não pretende contestar o montante das coimas aplicadas pela Comissão às outras empresas envolvidas no cartel. A recorrente não alega que as escolhas que a Comissão fez em benefício de outras empresas não são correctas ou justificadas, ainda que possa haver dúvidas a seu respeito, mas sim que a instituição devia ter feito as mesmas escolhas no momento do cálculo do montante da sua própria coima.

26      Por outro lado, independentemente das considerações jurídicas desenvolvidas supra, a recorrente considera que a grande diferença que os montantes das coimas apresentam em seu detrimento é injusta e pede, portanto, ao Tribunal que faça uso da plena jurisdição que lhe é atribuída pelo artigo 229.° CE e que, a esse título, reduza substancialmente o montante da coima que lhe foi aplicada.

27      A Comissão refere que, ao não se opor às operações de cálculo efectuadas para fixar a coima, a recorrente limitou o objecto do seu recurso à crítica relativa à comparação entre a coima que lhe foi aplicada e a de outros participantes no cartel, aceitando, portanto, a sua coima, considerada isoladamente. O recurso interposto pela recorrente contesta, simplesmente, a redução das coimas das outras empresas devido à aplicação do limite máximo de 10%.

 Quanto ao pedido de anulação do artigo 3.° da decisão

–       Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 253.° CE

28      A recorrente alega que resulta da decisão que se encontra, com a AGA Gas, num plano estrito de igualdade relativamente aos dois únicos critérios que, segundo o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, devem determinar o montante das coimas, ou seja, a gravidade e a duração da infracção. Refere, a este propósito, que é sem razão que a Comissão alega, nesta fase, que a sua quota de mercado é significativamente mais elevada do que a da AGA Gas. Esta última, pelo contrário, é o mais importante produtor de determinados tipos de gás, designadamente dos gases líquidos.

29      Sendo similares as situações da recorrente e da AGA Gas no que se refere à participação dessas sociedades na infracção, a Comissão aplicou incorrectamente o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, ao impor coimas de montantes muito diferentes a estas duas empresas, em detrimento da recorrente. A recorrente indica que, independentemente do método utilizado pela Comissão num processo para aplicar os critérios de gravidade e de duração da infracção, o resultado final deve respeitar ambos.

30      A recorrente afirma que a Comissão, no presente caso, aplicou incorrectamente o critério da gravidade cuja apreciação implica que seja tomado em conta o efeito de dissuasão. Sublinha que lhe foi aplicada, enquanto empresa relativamente modesta, uma coima elevada, ao passo que outras empresas, filiais de empresas de nível mundial, foram objecto de coimas muito menos importantes, o que constitui uma absoluta contradição com o efeito dissuasivo procurado.

31      Sustenta que os elementos tomados em conta pela Comissão para alcançar o resultado censurado, relativos à escolha dos destinatários da decisão, do volume de negócios para aplicação do limite máximo de 10% e da ordem segundo a qual o referido limite e as disposições da comunicação sobre a cooperação foram aplicadas, não explicam e não justificam a diferença extremamente grande entre o montante da coima que lhe foi aplicada e o da coima que acabou por ser aplicada à AGA AB.

32      A recorrente considera, em primeiro lugar, que a posição da Comissão no que se refere à escolha das empresas destinatárias da decisão é difícil de entender. Observa que a decisão foi enviada à sociedade‑mãe no caso de determinadas empresas (o BOC e a Hoek Loos) e à filial neerlandesa no caso de outras (a Air Products, a Air Liquide e a AGA AB), quando, no que se refere aos três últimos operadores citados, a Comissão tinha indicado na comunicação de acusações que as sociedades‑mãe estavam envolvidas, em maior ou menor medida, na infracção. Esta alteração não foi explicada na decisão.

33      Em resposta à afirmação da Comissão segundo a qual lhe cabe escolher o destinatário de uma decisão que aplica uma coima, a recorrente indica que «deixa de lado» a questão de saber se esta posição é conforme com a jurisprudência, referindo no entanto que o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 1999, Aristrain/Comissão (T‑156/94, Colect., p. II‑645), que a recorrida menciona, tem por objecto a relação de duas sociedades‑irmãs.

34      A recorrente alega que a escolha da sociedade destinatária tem consequências na aplicação do limite máximo de 10%. Estranha, a este propósito, que, depois de ter considerado a AGA AB responsável pelos factos imputados à sua antiga filial, AGA Gas, a Comissão tenha aplicado esse limite ao volume de negócios desta filial e não ao volume de negócios total da AGA AB.

35      No que se refere, em segundo lugar, ao volume de negócios a tomar em conta para a aplicação do limite máximo de 10%, a recorrente alega que é sem razão que a Comissão afirma que a escolha do destinatário da decisão determina o volume de negócios da empresa para a aplicação desse limite.

36      Segundo a jurisprudência, este limite de 10% aplica‑se ao volume de negócios mundial da empresa em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1985, Krupp/Comissão, 183/83, Recueil, p. 3609). Permitir que a Comissão enderece, conforme entender, uma decisão que aplica coimas a filiais nacionais de sociedades que operam a nível mundial e deste modo vincular o limite dos 10% ao volume de negócios dessas filiais significa violar a jurisprudência acima referida.

37      A recorrente sustenta, por outro lado, que o conceito de empresa, em direito comunitário da concorrência, é um conceito económico e não jurídico. É um conceito que visa um grupo de empresas. Deste modo, o facto de uma decisão que aplica uma coima ser enviada a uma filial não impede, segundo a recorrente, que o limite de 10% se refira ao volume de negócios total do grupo a que a filial pertence (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, HFB e o./Comissão, T‑9/99, Colect., p. II‑1487, n.os 528 e 529).

38      Se prevalecesse outra concepção, o montante da coima dependeria da forma como uma empresa repartisse as suas actividades entre diferentes sociedades, observando‑se que um número considerável de empresas internacionais, como a Air Products e a Air Liquide, exerce as suas actividades por intermédio de sociedades nacionais distintas. Abandonar‑se‑ia deste modo uma aplicação objectiva do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e atribuir‑se‑ia um conteúdo arbitrário ao elemento de dissuasão.

39      No que se refere, em terceiro lugar, à ordem segundo a qual se deve aplicar o limite máximo de 10% e as disposições da comunicação sobre a cooperação, a recorrente observa que, antes de aplicar a comunicação sobre a cooperação, a Comissão reduziu o montante da coima relativa à AGA Gas nos termos do limite de 10%, reduzindo a coima de 14 para 5,54 milhões de euros. Depois de ter sido efectuada uma redução de 25% ao abrigo da comunicação acima referida, foi aplicada à AGA AB uma coima final de 4,15 milhões de euros pelos factos cometidos pela sua antiga filial.

40      Ora, tanto o legislador como a jurisprudência (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T‑23/99, Colect., p. II‑1705, n.os 287 a 289) consideram 10% o limite último do montante da coima e, portanto, o último critério que deve ser aplicado. De qualquer modo, a ordem adoptada pela Comissão não obedece a uma necessidade imperiosa.

41      A recorrente refere que se a Comissão tivesse seguido a ordem de aplicação das regras de cálculo do montante das coimas a AGA AB teria sido objecto de uma coima de 5,54 milhões de euros, o que, comparado com a coima de 12,6 milhões de euros aplicada à recorrente, continua a representar uma diferença injustificável.

42      A recorrente conclui indicando que não há, portanto, factores obrigatórios ou de necessidade objectiva que possam explicar a grande diferença entre o montante da coima que lhe foi aplicada e o das coimas aplicadas às outras empresas, especialmente à AGA AB. A Comissão aplicou, pois, de forma incorrecta os critérios da gravidade e da duração da infracção e violou o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, «na medida em que fundamentou de modo convincente esta aplicação».

43      A Comissão pede que se considere improcedente o primeiro fundamento.

–       Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação dos princípios da igualdade de tratamento, da proporcionalidade e da proibição de arbitrariedade

44      A recorrente afirma que, independentemente do método segundo o qual a Comissão calcule as coimas dos diferentes protagonistas nos processos de concorrência, esta deve actuar sempre de forma a que o resultado final desse cálculo respeite os princípios gerais de direito comunitário acima referidos, o que não sucedeu no presente caso.

45      Considera, em primeiro lugar, que ao tratar de forma tão diferente duas empresas que ela própria considera terem participado de forma idêntica na infracção, a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento. Acrescenta que a aplicação do limite máximo de 10% não pode constituir uma justificação objectiva da grande diferença entre o montante das coimas aplicadas e remete para a sua argumentação relativa à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

46      A recorrente sustenta, em segundo lugar, que a coima extremamente elevada que lhe foi aplicada em comparação com as coimas impostas às outras empresas viola também o princípio da proporcionalidade. A própria Comissão indicou na decisão que a recorrente e a AGA Gas se encontravam no mesmo plano no que se refere aos dois critérios utilizados para a determinação do montante das coimas, a saber, a gravidade e a duração da infracção. Consequentemente, segundo a recorrente, se a aplicação de outra regra conduz a uma diminuição substancial para uma das empresas e não para a outra, o montante que a segunda ainda terá de suportar já não é proporcional ao objectivo prosseguido através da aplicação de uma coima. Remete, por outro lado, para a sua argumentação relativa à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

47      A recorrente alega, em terceiro lugar, que a grande diferença que existe entre o montante da coima que lhe foi aplicada e os das coimas impostas a outras empresas viola a proibição de arbitrariedade. Não é possível considerar que a Comissão chegou a esta decisão através de critérios de equidade. Remete, por outro lado, para a sua argumentação relativa à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

48      A Comissão pede que se considere improcedente o segundo fundamento.

 Quanto ao pedido de redução do montante da coima

49      A título subsidiário, a recorrente pede ao Tribunal que verifique, no âmbito da sua plena jurisdição prevista no artigo 229.° CE, o carácter adequado do montante da coima que lhe foi aplicada.

50      A forma como a Comissão aplicou o limite máximo de 10% conduz à situação singular de ser aplicada, a uma pequena empresa como a recorrente, cujas actividades são essencialmente nacionais, uma coima muito mais pesada do que às filiais neerlandesas de grupos de empresas que operam a nível mundial e possuem volumes de negócios bem mais significativos do que a recorrente. Tal situação contraria o efeito dissuasivo procurado.

51      A recorrente contesta o exercício numérico efectuado pela Comissão na sua contestação e relembra que deve ser considerada uma empresa perfeitamente distinta da sociedade Linde de que é filial.

52      Sublinha que, embora, segundo a Comissão, a coima que lhe foi aplicada represente 3% do seu volume de negócios total nos Países Baixos, este número refere‑se a todas as suas actividades, incluindo as vendas à tonelada (duas vezes mais significativas do que o volume de negócios para o gás em botija e o gás líquido) e as vendas relativas a gases medicinais. Por outro lado, a comparação entre o volume de negócios realizado no mercado em causa, antes da aplicação da comunicação sobre a cooperação, e o montante da coima revela uma grande diferença entre a recorrente e a AGA Gas. O carácter não equitativo da sanção imposta à recorrente é ainda demonstrado pelo facto de a coima representar 50% do montante total das coimas aplicadas, quando a recorrente deteve, durante o período em causa, uma quota de mercado representando, na melhor das hipóteses, um terço deste último.

53      A Comissão alega que a comparação entre o volume de negócios realizado no mercado em causa e o montante da coima antes da aplicação da comunicação sobre a cooperação só tem sentido se se referir ao montante de partida da coima, antes da aplicação das majorações e reduções puramente individuais. Tal comparação revela que a recorrente não foi objecto de um tratamento severo, bem pelo contrário. Conclui que o montante da coima aplicada à recorrente é equitativo e que não deve ser reduzido.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 Considerações preliminares

54      Antes de mais, há que observar que, no âmbito do seu primeiro fundamento, a recorrente invoca simultaneamente a violação de uma regra substancial e de uma regra processual, no presente caso e respectivamente, o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e o artigo 253.° CE relativo ao dever de fundamentação.

55      Deste modo, à laia de conclusão da argumentação relativa ao primeiro fundamento de anulação, a recorrente afirma, na petição inicial, que a Comissão aplicou incorrectamente os critérios de gravidade e de duração da infracção e violou o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, «na medida em que fundamentou de modo convincente esta aplicação».

56      Resulta desta formulação, e mais concretamente da utilização do adjectivo «convincente», que a acusação da recorrente não visa propriamente uma falta ou insuficiência de fundamentação, que constituiria uma violação de formalidades essenciais na acepção do artigo 230.° CE, referindo‑se antes à justeza da decisão e, portanto, à legalidade substancial deste acto.

57      A recorrente observa ainda que a decisão foi enviada à sociedade‑mãe no caso de determinadas empresas (o BOC e ela própria) e à filial neerlandesa no caso de outras (a Air Products, a Air Liquide e a AGA Gas), quando, relativamente aos últimos operadores citados, a Comissão tinha indicado na comunicação de acusações que as sociedades‑mãe estavam envolvidas, em maior ou menor grau, na infracção. A recorrente afirma que esta alteração não foi explicada na decisão.

58      Na medida em que esta última alegação possa ser entendida como a expressão de uma acusação relativa à violação do dever de fundamentação, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer o seu controlo. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas directa e individualmente afectadas pelo acto podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 63, e jurisprudência citada).

59      No presente caso, há que referir, por um lado, que a decisão, ainda que redigida sob a forma de uma única decisão, deve ser analisada como um conjunto de decisões individuais que declaram, relativamente a cada uma das empresas destinatárias, a infracção ou as infracções que lhe são imputadas e que lhe aplicam uma coima e, por outro, que o objecto do presente litígio consiste unicamente na anulação ou na redução do montante da coima aplicada à recorrente no artigo 3.° da decisão.

60      Neste contexto, se um destinatário da decisão decide interpor um recurso de anulação, o juiz comunitário só é chamado a conhecer dos elementos da decisão que lhe dizem respeito. Em contrapartida, aqueles que digam respeito a outros destinatários que não tenham sido impugnados não pertencem ao objecto do litígio que o juiz comunitário é chamado a resolver (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 1999, Comissão/AssiDomän Kraft Products e o., C‑310/97 P, Colect., p. I‑5363, n.° 53).

61      No presente caso, a recorrente não alega falta ou insuficiência de fundamentação relativamente à imputação da infracção que lhe é feita na decisão. A falta de explicações invocada poderia assim afectar a legalidade dessa decisão relativamente às três filiais neerlandesas, a Air Products, a Air Liquide e a AGA Gas. Ora, a Air Products e a Air Liquide não interpuseram recurso da decisão de que foram destinatárias, nem a AGA AB o fez da decisão que lhe foi notificada, na sua qualidade de sucessora da AGA Gas.

62      Na medida em que a recorrente alega que a decisão é ilegal devido à falta de fundamentação em relação ao tratamento conferido às sociedades‑mãe da Air Products e da Air Liquide, que não foram destinatárias da decisão e a quem não foi, portanto, aplicada sanção, há que referir que a recorrente não pode invocar uma tal circunstância para evitar ela própria a aplicação da sanção de que seja objecto por violação do artigo 81.° CE, numa situação em que o órgão jurisdicional não é chamado a pronunciar‑se sobre a situação dessas duas outras empresas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, C‑89/85, C‑104/85, C‑114/85, C‑116/85, C‑117/85 e C‑125/85 a C‑129/85, Colect., p. I‑1307, n.° 197, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Dezembro de 1996, Van Megen Sports/Comissão, T‑49/95, Colect., p. II‑1799, n.° 56).

63      Por último, há que considerar que a decisão está, de qualquer forma, suficientemente fundamentada relativamente à recorrente, uma vez que foi dada a esta última a possibilidade de conhecer os motivos que levaram a Comissão a considerá‑la responsável pela infracção que lhe foi imputada e a aplicar‑lhe uma coima, e isto independentemente do tratamento conferido a outras empresas mencionadas na comunicação de acusações, mas que não foram destinatárias da mesma. De igual modo, o Tribunal considera que pode perfeitamente exercer a sua fiscalização no que se refere à decisão na parte relativa à situação da recorrente.

64      Resulta das considerações precedentes que, na medida em que os articulados da recorrente possam ser entendidos como contendo uma acusação relativa à violação do dever de fundamentação, referido no artigo 253.° CE, há que julgar improcedente essa acusação.

65      Importa sublinhar, em segundo lugar, que a análise dos articulados da recorrente revela uma certa interligação entre os dois fundamentos de anulação suscitados e a expressão de três acusações, todos eles criticando a aplicação incorrecta dos critérios da gravidade e da duração previstos no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. As duas primeiras acusações são relativas à natureza desproporcionada e discriminatória da coima aplicada. Uma grande parte da argumentação da recorrente refere‑se às diferenças no montante final das coimas, analisadas e criticadas à luz da comparação com a situação da AGA Gas e da aplicação, no presente caso, do limite máximo de 10%. No âmbito da terceira acusação, a recorrente refere uma contradição entre a coima aplicada e o objectivo de dissuasão.

66      Há igualmente que referir que a recorrente desenvolve as acusações relativas à desproporção da coima aplicada, à sua natureza discriminatória e à sua contradição com o objectivo de dissuasão, tanto no âmbito dos pedidos tendentes à anulação do artigo 3.° da decisão como no âmbito daqueles que, a título subsidiário, têm por objecto a redução da coima por parte do Tribunal, com base na sua plena jurisdição.

67      Nestas circunstâncias, há que analisar a argumentação da recorrente à luz do pedido de supressão ou de redução da coima nela contido, distinguindo as três acusações acima referidas.

 Quanto ao pedido de supressão ou de redução da coima

68      Há que recordar, a título preliminar, que segundo jurisprudência assente, na determinação do montante de cada coima, a Comissão dispõe de poder de apreciação e não é obrigada a aplicar, para esse efeito, uma fórmula matemática precisa (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Martinelli/Comissão, T‑150/89, Colect., p. II‑1165, n.° 59, e de 14 de Maio de 1998, Mo och Domsjö/Comissão, T‑352/94, Colect., p. II‑1989, n.° 268, confirmado por acórdão do Tribunal de Justiça, em sede de recurso, de 16 de Novembro de 2000, Mo och Domsjö/Comissão, C‑283/98 P, Colect., p. I‑9855, n.° 47). A sua apreciação deve, no entanto, ser efectuada com respeito pelo direito comunitário, o qual inclui não só as disposições do Tratado mas também os princípios gerais do direito (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.° 38).

69      Importa também referir que a apreciação do carácter proporcionado da coima aplicada relativamente à gravidade e à duração da infracção, critérios referidos no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, está abrangida pelo controlo de plena jurisdição confiado ao Tribunal por força do artigo 17.° do mesmo regulamento.

70      No presente caso, é facto assente que a Comissão determinou o montante da coima aplicada à recorrente em conformidade com o método geral que decorre das suas orientações.

71      As orientações dispõem, no ponto 1, primeiro parágrafo, que, para o cálculo do montante das coimas, o montante de base é determinado em função da gravidade e da duração da infracção que constituem os únicos critérios referidos no n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17. A título de observação de carácter geral, o ponto 5, alínea a), das orientações precisa igualmente que «o resultado final do cálculo da coima de acordo com este método (montante de base corrigido por percentagem de majoração e de diminuição) nunca poderá ultrapassar 10% do volume de negócios mundial das empresas nos termos do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17». Consequentemente, as orientações não ultrapassam o quadro jurídico das sanções como definido por esta última disposição (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.os 250 e 252).

72      Para determinar o montante de partida das coimas, fixado em função da gravidade da infracção, a Comissão considerou que, independentemente do facto de as empresas em causa terem participado num cartel sobre os preços, a referida infracção devia qualificar‑se de grave e não muito grave, atendendo ao reduzido âmbito geográfico do mercado e ao facto de o sector em causa ter uma importância económica média (considerandos 423 e 428 da decisão).

73      A fim de ter em conta a importância específica do comportamento ilícito de cada empresa envolvida no cartel e, portanto, o seu impacto real na concorrência, a Comissão agrupou as referidas empresas em quatro categorias em função da sua importância relativa no mercado em causa. Para este efeito, a Comissão considerou adequado utilizar o volume de negócios realizado, em 1996, nesse mercado como base para a comparação da importância relativa das empresas no mesmo (considerandos 429 a 432 da decisão).

74      Consequentemente, a recorrente e a AGA Gas, consideradas de longe os dois maiores intervenientes no mercado relevante, foram classificadas na primeira categoria. A Air Products e a Air Liquide, que são operadores de dimensão média nesse mercado, foram colocadas na segunda categoria. A Messer e o BOC, cuja importância no mercado em causa é qualificada de «muito mais reduzida», foram incluídas na terceira categoria. Na quarta categoria figura a Westfalen, que tem uma quota de mercado extremamente reduzida (considerando 431 da decisão).

75      Baseando‑se nas considerações precedentes, a Comissão adoptou um montante de partida idêntico para a recorrente e a AGA Gas, ou seja 10 milhões de euros, contra 2,6 milhões de euros para a Air Products e a Air Liquide, 1,2 milhões de euros para a Messer e o BOC e 0,45 milhões de euros para a Westfalen.

76      Relativamente à duração da infracção, a Comissão considerou que teve uma duração média (de um a quatro anos) para cada empresa em causa, tendo a recorrente, a AGA Gas, a Air Products, a Air Liquide e a Messer infringido o artigo 81.°, n.° 1, CE, de Setembro de 1993 a Dezembro de 1997, o BOC de Junho de 1994 a Dezembro de 1995 e a Westfalen de Outubro de 1994 a Dezembro de 1995. Logo, o montante de partida adoptado relativamente à recorrente e à AGA Gas foi majorado em 10% por ano, ou seja uma majoração de 40% (considerandos 433 e 434 da decisão).

77      O montante de base da coima, determinado em função da gravidade e da duração da infracção, foi, portanto, fixado, tanto no que se refere à recorrente como à AGA Gas, em 14 milhões de euros, contra 3,64 millhões de euros para a Air Products e a Air Liquide, 1,68 milhões de euros para a Messer, 1,38 milhões de euros para o BOC e 0,51 milhões de euros para a Westfalen.° Há que referir que a Comissão não considerou circunstâncias agravantes ou atenuantes contra ou em benefício das empresas envolvidas no cartel, com excepção do BOC e da Westfalen que beneficiaram de uma redução de 15% do montante de base da coima devido ao papel apenas passivo na infracção (considerandos 438 a 448 da decisão).

78      Embora, nesta fase do cálculo do montante das coimas, a recorrente e a AGA Gas se encontrassem em estrito pé de igualdade, é facto assente que veio a ser aplicada à recorrente uma coima de 12,6 milhões de euros, ou seja um montante efectivamente três vezes maior que o da coima aplicada à AGA AB, no caso 4,15 milhões de euros, que representa perto de 50% do montante total das coimas aplicadas.

79      Resulta da decisão que a diferença no montante das coimas aplicadas referida no número anterior tem uma dupla origem, a saber, a redução do montante de base da coima de 14 para 5,54 milhões de euros para aplicação do limite máximo de 10% a favor da AGA Gas e a atribuição, em seguida, a esta última de uma redução de 25% do montante da coima nos termos da comunicação sobre a cooperação, tendo a recorrente beneficiado apenas, por seu lado, de uma redução de 10% (considerandos 450, 454 a 459 da decisão).

–       Quanto ao carácter alegadamente desproporcionado da coima aplicada

80      A recorrente sublinha que o montante final da coima que lhe foi aplicada é três vezes superior ao aplicado à AGA AB e representa perto de 50% do montante total das coimas aplicadas pela Comissão na decisão, o que não é, de forma alguma, proporcional à sua participação na infracção ou à sua quota de mercado, representando esta última na melhor das hipóteses um terço do mercado durante o período em causa.

81      Esta acusação revela uma contradição nos articulados da recorrente. Na petição inicial, esta última indicou claramente que não contestava as diferentes etapas seguidas pela Comissão nos considerandos 412 a 448 da decisão para calcular o montante das coimas, as considerações relativas à gravidade da infracção, à duração desta e ao envolvimento das diferentes empresas (v. n.° 22 supra).

82      Ora, o montante final da coima não é mais do que o resultado de uma série de apreciações numéricas efectuadas pela Comissão em conformidade com as orientações, tal como foram acima recordadas e, sendo caso disso, com a comunicação sobre a cooperação.

83      Por outro lado, a alegação da desproporção do montante final da coima aplicada à recorrente, comparado ao montante total das coimas aplicadas, à luz do primeiro parâmetro alegado, relativo à participação individual da recorrente na infracção, não está de forma alguma provada.

84      No que se refere ao segundo parâmetro alegado, relativo à tomada em conta da importância da empresa no mercado afectado, há que recordar, em primeiro lugar, que a Comissão não é obrigada, ao proceder à determinação do montante das coimas em função da gravidade e da duração da infracção em causa, a assegurar que, no caso de serem impostas coimas a várias empresas implicadas numa mesma infracção, os montantes finais das coimas resultantes do seu cálculo reflictam, relativamente às empresas envolvidas, qualquer diferenciação entre elas quanto ao seu volume de negócios global ou quanto ao seu volume de negócios pertinente (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 71, supra, n.° 312).

85      Em seguida, há que referir que o montante final da coima não constitui, a priori, um elemento adequado para determinar uma eventual falta de proporcionalidade da coima à luz da importância dos participantes no acordo. Com efeito, a determinação do referido montante final depende, designadamente, de diversas circunstâncias ligadas ao comportamento individual da empresa em causa, tais como a duração da infracção, a existência de circunstâncias agravantes ou atenuantes e o grau de cooperação da referida empresa, e não à sua quota de mercado ou ao seu volume de negócios.

86      Pelo contrário, o montante de partida da coima constitui, no presente caso, um elemento pertinente para apreciar uma eventual falta de proporcionalidade da coima, à luz da importância dos participantes no acordo.

87      Com efeito, como foi exposto, a Comissão, na decisão e a fim de ter em conta a importância específica do comportamento ilícito de cada empresa envolvida no cartel, e, portanto, do seu impacto real na concorrência, classificou as empresas em causa em quatro categorias, em função precisamente da sua importância relativa no mercado em causa. A recorrente e a AGA Gas, consideradas de longe os dois principais operadores nos mercados relevantes, foram classificadas na primeira categoria.

88      A este respeito, a Comissão reportou‑se às indicações numéricas da terceira coluna do Quadro 1 constante do considerando 75 da decisão:

Empresas

Volume de negócios total dos destinatários da decisão, no que se refere a 2001 (em euros)

Volume de negócios para os gases em garrafas e os gases líquidos nos Países Baixos (em euros) e quotas de mercado estimadas para 1996

Hoek Loos [NV]

470 648 000

71 400 000 (39,7%)

AGA Gas BV 1

55 479 000 2

49 200 000 (27,4%)

[Air Products]

110 044 000

18 600 000 (10,4%)

Air Liquide BV

60 720 000

12 900 000 (7,2%)

[Messer]

11 275 000

8 200 000 (4,4%)

[BOC]

6 690 905 000

6 800 000 (3,8%)

[Westfalen]

5 455 000

2 600 000 (1,5%)

1 Na sequência da liquidação da AGA Gas BV em 2000‑2001, a AGA AB [...] assumiu responsabilidade pelos actos da sua filial e é a destinatária da presente decisão.

2 2000 é o último ano completo relativamente ao qual existem dados referentes ao volume de negócios [...] [d]a AGA Gas BV.


89      Há que referir que a AGA Gas tinha um volume de negócios no mercado em causa e uma quota de mercado sensivelmente inferiores aos da recorrente. Ora, não obstante o facto de o referido volume de negócios da recorrente ser superior em 40% ao da AGA Gas, estas duas empresas foram classificadas na mesma categoria e foi‑lhes atribuído um montante de partida idêntico de 10 milhões de euros, que pode objectivamente ser considerado favorável à recorrente. Por outro lado, embora esta última questione a forma como foi calculado o volume de negócios da AGA Gas, não fornece qualquer elemento concreto que permita pôr em causa a avaliação numérica constante do quadro acima reproduzido.

90      A recorrente tenta minimizar a sua importância através da comparação das suas quotas de mercado com as quotas mais importantes da AGA Gas no que se refere a determinados subsegmentos do mercado em causa, ou seja, determinados tipos de gases, e remete, para este efeito, para as indicações numéricas fornecidas pelos quadros 3 (gases em garrafas) e 4 (gases líquidos) da decisão (considerandos 77 e 78). No entanto, como refere com razão a Comissão, esta comparação não é pertinente para apreciar a importância respectiva das duas empresas, uma vez que as quotas de mercado constantes do Quadro 1 da decisão apresentam a média ponderada destes diversos subsegmentos e permitem, portanto, avaliar de forma adequada a importância relativa das referidas empresas.

91      Importa, na realidade, referir que, nos seus articulados, a recorrente insiste, de forma reveladora, na semelhança entre a sua situação e a situação da AGA Gas e alega, a este respeito, que resulta do Quadro 1 da decisão que o seu volume de negócios para o gás em garrafas e o gás líquido é comparável ao da AGA Gas e que foi, portanto, correctamente que a Comissão classificou estas duas empresas na mesma categoria.

92      A importância do volume de negócios da recorrente e da sua quota de mercado explica e justifica um montante de partida que representa perto de quatro vezes aquele que foi imposto às empresas da segunda categoria e mais de oito vezes aquele que foi aplicado relativamente às empresas da terceira categoria. Por outro lado, as relações entre os volumes de negócios no mercado afectado das empresas visadas no Quadro 1 da decisão e os montantes de partida das coimas considerados pela Comissão para cada uma delas não revelam qualquer tratamento desproporcionado da recorrente, uma vez que os montantes de partida das coimas representam 14% do volume de negócios do mercado em causa para a recorrente contra 20,3% para a AGA Gas, 13,98% para a Air Products, 20,2% para a Air Liquide, 14,6% para a Messer, 17,6% para o BOC e 17,3% para a Westfalen.

93      Nestas condições, o facto de o montante final da coima aplicada à recorrente representar aproximadamente 50% do total das coimas aplicadas pela Comissão não permite concluir que o referido montante seja desproporcionado, uma vez que o montante de partida da sua coima está justificado à luz do critério adoptado pela Comissão para a apreciação da importância de cada uma das empresas no mercado pertinente (v., neste sentido, acórdão LR AF 1998/Comissão, n.° 40, supra, n.° 304).

94      Esta última apreciação justifica também a rejeição do argumento da recorrente relativo à comparação com a AGA Gas no que se refere à relação entre o volume de negócios realizado no mercado em causa e o montante da coima antes da aplicação da comunicação sobre a cooperação.

95      Além disso, há que referir que a redução, antes da aplicação da comunicação sobre a cooperação, da coima da AGA Gas de 14 para 5,54 milhões de euros, quando a da recorrente permaneceu estável em 14 milhões de euros, se explica pela aplicação do limite máximo de 10% e não revela qualquer tratamento discriminatório em prejuízo da recorrente, como a seguir se indica.

–       Quanto à natureza alegadamente discriminatória da coima aplicada

96      Segundo jurisprudência assente, o princípio da igualdade de tratamento só é violado quando situações comparáveis são tratadas de modo diferente ou quando situações diferentes são tratadas de igual maneira, salvo se esse tratamento se justificar por razões objectivas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 1984, Sermide, 106/83, Recueil, p. 4209, n.° 28, e de 28 de Junho de 1990, Hoche, C‑174/89, Colect., p. I‑2681, n.° 25; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, BPB de Eendracht/Comissão, T‑311/94, Colect., p. II‑1129, n.° 309).

97      Embora a recorrente conteste, de forma geral, a diferença entre o montante da coima que lhe foi aplicada e o montante das coimas aplicadas às outras empresas envolvidas no cartel, é relativamente ao tratamento reservado em especial à AGA Gas que a recorrente baseia e desenvolve a sua acusação sobre a natureza alegadamente discriminatória da sua coima. Assim, é apenas face à AGA Gas que a recorrente alega estar na mesma posição no que se refere à gravidade e à duração da infracção.

98      Resulta da decisão que a Comissão adoptou efectivamente um montante de base da coima, determinado em função da gravidade e da duração da infracção, idêntico para a AGA Gas e para a recorrente, mas que acabou por aplicar a esta última uma coima três vezes superior à que aplicou à AGA AB pelos factos cometidos pela sua antiga filial.

99      A recorrente sustenta que a Comissão, no exercício da sua competência discricionária, efectuou determinadas escolhas no momento do cálculo das coimas, mais concretamente no âmbito de aplicação do limite máximo de 10%, que conduziram ao resultado final contestado. Segundo a recorrente, não há factores obrigatórios que possam explicar a diferença tão grande entre o montante da coima que lhe foi aplicada e o montante adoptado contra a AGA AB.

100    Como foi referido, a diferença mencionada acima explica‑se pela diminuição do montante da coima da AGA Gas na sequência da aplicação do limite máximo de 10% e pela concessão a esta última de uma redução de 25%, contra 10% apenas para a recorrente, do montante da coima nos termos da comunicação sobre a cooperação.

101    A recorrente não formulou qualquer observação nos seus articulados sobre as condições em que a Comissão aplicou a referida comunicação tanto a si como às outras empresas em causa.

102    Embora a Comissão seja livre de apreciar, sob a fiscalização do Tribunal de Primeira Instância, a concessão de reduções das coimas nos termos da comunicação sobre a cooperação à luz das circunstâncias de cada processo, tem, em contrapartida, obrigação de respeitar o limite máximo de 10%. Contrariamente às afirmações da recorrente, a Comissão não dispõe de um poder discricionário na aplicação desse limite, que está apenas vinculada pela importância do volume de negócios referido no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Como refere o advogado‑geral A. Tizzano nas conclusões que apresentou no processo Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 71, supra (Colect., p. I‑5439, n.° 125), «por definição, um limite representa um valor absoluto que se aplica automaticamente, no caso de se alcançar um determinado limiar e independentemente de qualquer outro elemento de apreciação».

103    Por conseguinte, só na definição do volume de negócios, adoptada pela Comissão na decisão, é que pode residir a discriminação alegada pela recorrente.

104    Segundo jurisprudência assente, o volume de negócios visado no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 deve ser interpretado no sentido de que corresponde ao volume de negócios global da empresa em causa, o qual apenas dá uma indicação aproximada da importância e da influência dessa empresa no mercado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Colect., p. 1825, n.° 119, e Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 71, supra, n.° 181; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Julho de 1994, Dunlop Slazenger/Comissão, T‑43/92, Colect., p. II‑441, n.° 160).

105    No presente caso, a Comissão considerou que os factos descritos na parte I da decisão demonstravam que a recorrente participou directamente nos acordos colusivos relativos aos gases medicinais e industriais nos Países Baixos e que devia, consequentemente, assumir a responsabilidade relativamente às suas infracções, tornando‑se destinatária da presente decisão (considerando 396 da decisão).

106    Resulta, por outro lado, da decisão que o volume de negócios global da recorrente ascendia, no ano de 2001, a 470 648 000 EUR (Quadro 1 da decisão), ao passo que o montante de base da coima adoptado a seu respeito, no final do cálculo efectuado em conformidade com as orientações, era de 14 000 000 EUR. É evidente que este último montante é significativamente inferior ao limite acima referido, que não devia, portanto, aplicar‑se.

107    Ao invés, no final do cálculo efectuado nos termos das orientações, a Comissão adoptou, para a AGA Gas, um montante de coima de 14 milhões de euros, manifestamente superior ao limite de 10% do volume de negócios global da empresa em causa, que ascendia a 55 479 000 EUR no ano 2000, último exercício completo relativamente ao qual existiam dados sobre o volume de negócios desta empresa. É isto que explica que a coima tenha sido reduzida para o nível máximo autorizado, ou seja, para um montante de 5,54 milhões de euros. Tendo em conta um volume de negócios total avaliado em 11,275 milhões de euros, a Messer beneficiou igualmente, através da aplicação do limite máximo de 10%, de uma limitação da sua coima a 1,12 milhões de euros.

108    Ora, além de não ter contestado o montante fixado pela recorrida como o seu volume de negócios global, a recorrente não provou nem sequer alegou que os comportamentos anticoncorrenciais de que é acusada pela Comissão deviam ser imputados a outra empresa e que não é a autora da infracção ao artigo 81.° CE. A recorrente, destinatária da comunicação de acusações, insiste, pelo contrário, no facto de que, não obstante a detenção pela sociedade Linde de 58%, em 1992 e, em seguida, de 65%, em 1995, do seu capital social, era, em larga medida, livre de definir ela própria a sua política comercial e de que não existia uma relação de grupo na acepção da jurisprudência. Também não alega que a sua filial, a Hoek Loos BV, que agrupa as suas actividades neerlandesas, seja a autora das actuações anticoncorrenciais censuradas e que tenha determinado o seu comportamento no mercado de forma autónoma.

109    A recorrente limita‑se, por um lado, a afirmar que foi sem razão que a Comissão lhe atribuiu um tratamento diferente daquele que foi aplicado às outras empresas e, em especial, à AGA Gas, e a exigir, por outro, o mesmo tratamento que foi atribuído a essa empresa, que qualifica de vantajoso.

110    Basta referir que esta argumentação da recorrente não é susceptível de fundamentar a alegação segundo a qual a Comissão cometeu, a seu respeito, um erro de apreciação no que se refere ao limite máximo de 10%, quer esteja em causa a questão prévia da imputabilidade da infracção ou a do volume de negócios que deve ser tido em conta.

111    No que se refere à argumentação relativa ao tratamento concedido às outras empresas e mais concretamente à AGA Gas, a recorrente indica, na réplica, ter demonstrado que as escolhas favoráveis feitas pela Comissão quanto aos destinatários da decisão, ao volume de negócios afectado pelo limite máximo de 10% e à ordem segundo a qual se deve aplicar este último e as disposições da comunicação sobre a cooperação «nem sempre eram lógicas, sem no entanto alegar que não eram correctas e sem se pronunciar sobre a sua oportunidade, ainda que pudessem surgir (talvez) dúvidas a seu respeito». A recorrente estranha, designadamente, que a Comissão não tenha considerado a AGA AB responsável pela infracção e tido em conta o volume de negócios total da referida empresa. Afirma que o facto de a decisão se dirigir à AGA AB, na sua qualidade de sucessora da sua antiga filial AGA Gas, não constitui um argumento convincente para justificar a grande diferença entre as coimas aplicadas.

112    Uma vez que a recorrente se limita a sublinhar a vantagem obtida pela AGA Gas devido à aplicação do limite máximo de 10%, basta referir que esta empresa e a recorrente não se encontravam numa situação comparável e que essa diferença objectiva de situação explica e justifica a diferença objectiva de tratamento de que foram alvo. Assim, aquilo que a recorrente descreve como um resultado final discriminatório do processo de cálculo seguido pela Comissão mais não é, na realidade, do que uma consequência inevitável da aplicação do limite de 10%.

113    Na medida em que a recorrente invoca uma redução ilegal da coima obtida pela AGA Gas e mesmo admitindo que a Comissão tenha indevidamente atribuído uma redução a essa empresa através de uma aplicação incorrecta do limite máximo de 10%, há que recordar que o respeito do princípio da igualdade de tratamento deve conciliar‑se com o respeito do princípio da legalidade, segundo o qual ninguém pode invocar, em seu benefício, uma ilegalidade cometida a favor de terceiro (acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 1985, Williams/Tribunal de Contas, 134/84, Recueil, p. 2225, n.° 14; do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, SCA Holding/Comissão, T‑327/94, Colect., p. II‑1373, n.° 160, confirmado por acórdão do Tribunal de Justiça, em sede de recurso, de 16 de Novembro de 2000, SCA Holding/Comissão, C‑297/98 P, Colect., p. I‑10101; e acórdão LR AF 1998/Comissão, n.° 40, supra, n.° 367).

114    A título acessório, há ainda que salientar que as alegações da recorrente sobre a escolha dos destinatários da decisão, a tomada em conta do volume de negócios mundial do grupo a que pertence a empresa destinatária da decisão para aplicação do limite máximo de 10% e a necessária aplicação da comunicação sobre a cooperação antes do referido limite são infundadas.

115    Em primeiro lugar, ainda que a recorrente critique a alteração da apreciação da Comissão relativamente à AGA AB quanto à imputabilidade dos comportamentos anticoncorrenciais identificados, há que observar, por um lado, que foi efectivamente a AGA Gas, e não a AGA AB, a única destinatária da comunicação de acusações e, portanto, a única empresa à qual a Comissão imputou a infracção e, por outro, que a recorrida manteve esta apreciação na decisão ao considerar a AGA Gas única responsável pela infracção identificada na mesma. A recorrente não apresentou nenhum elemento susceptível de infirmar esta apreciação e de provar que a AGA AB devia ter sido inicialmente considerada responsável, sozinha ou solidariamente com a AGA Gas, pelas actuações desta última.

116    Em segundo lugar, a Comissão deve, para efeitos da aplicação do limite máximo de 10%, ter em conta o volume de negócios da empresa em causa, a saber, a empresa à qual foi imputada a infracção e que, por esse motivo, foi declarada responsável e notificada da decisão que aplica a coima (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Junho de 2005, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑71/03, T‑74/03, T‑87/03 e T‑91/03, não publicado na Colectânea, n.° 390).

117    A tese da recorrente relativa à necessária tomada em consideração do volume de negócios global do grupo a que pertence a filial destinatária da decisão que aplica coimas por violação das regras de concorrência é incompatível, retirando‑lhe todo o sentido, com a jurisprudência assente segundo a qual o comportamento anticoncorrencial de uma empresa pode ser imputado a outra, quando aquela não determinou de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplicou no essencial as instruções que lhe foram dadas por esta última, em particular tendo em conta os laços económicos e jurídicos que as unem (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Metsä‑Serla e o./Comissão, C‑294/98 P, Colect., p. I‑10065, n.° 27, e Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 71, supra, n.° 117). Assim, o comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe quando a filial não determina de forma autónoma a sua linha de acção no mercado, mas aplica no essencial as instruções que lhe são atribuídas pela sociedade‑mãe (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1972, ICI/Comissão, 48/69, Colect., p. 205, n.° 133).

118    A tese da recorrente tornaria inútil qualquer análise das relações dentro de um grupo de sociedades para determinar se este último pode constituir uma empresa única para efeitos da aplicação das regras da concorrência, uma vez que o reconhecimento da responsabilidade de uma empresa membro do grupo implica, ipso facto, a responsabilidade solidária da sociedade‑mãe que representa o grupo, quando exista, ou das outras empresas que o constituem. Contradiz assim totalmente o princípio da individualização das penas e das sanções, por força do qual uma empresa só deve ser punida por factos que lhe sejam individualmente imputados, princípio que é aplicável em qualquer procedimento administrativo susceptível de conduzir a sanções nos termos das normas comunitárias da concorrência (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 2001, Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão, T‑45/98 e T‑47/98, Colect., p. II‑3757, n.° 63, confirmado por acórdão do Tribunal de Justiça, em sede de recurso, de 14 de Julho de 2005, ThyssenKrupp Stainless e ThyssenKrupp Acciai speciali Terni/Comissão, C‑65/02 P e C‑73/02 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 82).

119    A este propósito, é sem razão que a recorrente invoca o acórdão HFB e o./Comissão, n.° 37, supra. Embora, nesse acórdão, o Tribunal tenha efectivamente calculado o limite máximo de 10% com base no volume de negócios cumulado de três sociedades que constituem o grupo em causa, validou igualmente a decisão da Comissão que considerou cada uma dessas sociedades solidariamente responsável pela infracção declarada em relação ao grupo que, em si mesmo, constitui a empresa que cometeu a infracção na acepção do artigo 81.° CE (acórdão HFB e o./Comissão, n.° 37, supra, n.° 527).

120    Nestas circunstâncias, não tendo a AGA AB sido inicialmente considerada responsável pelas actuações anticoncorrenciais da sua filial AGA Gas, só o volume de negócios desta última devia ter sido tomado em conta para efeitos da aplicação do limite máximo de 10%, independentemente de a decisão ter acabado por ser enviada à AGA AB, na qualidade de sucessora da sua filial, que tinha deixado de existir juridicamente depois do envio da comunicação de acusações.

121    Há que referir, a este propósito, que, em princípio, cabe à pessoa singular ou colectiva que dirigia a empresa em causa no momento em que a infracção foi cometida responder por ela, mesmo que, na data da adopção da decisão que dá por provada a infracção, a exploração da empresa já esteja sob a responsabilidade de outra pessoa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Cascades/Comissão, C‑279/98 P, Colect., p. I‑9693, n.° 78, e SCA Holding/Comissão, n.° 113, supra, n.° 27). Só assim não será se a ou as pessoas colectivas responsáveis pela exploração da empresa tiverem cessado a sua existência jurídica após o cometimento da infracção (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, Colect., p. I‑4125, n.° 145, e acórdão HFB e o./Comissão, n.° 37, supra, n.° 104), situação que se verifica no presente caso.

122    Na sequência da liquidação da AGA Gas, a sociedade‑mãe, a AGA AB, aceitou assumir a responsabilidade da sua antiga filial e, portanto, a sanção que teria sido da AGA Gas se esta tivesse continuado a existir. Em tal caso, o montante da coima é determinado pela participação e pela situação da AGA Gas.

123    Em terceiro lugar, tratando‑se da questão de o factor relativo à cooperação ter sido tomado em conta pela Comissão depois da aplicação do limiar de 10%, basta referir que esta abordagem assegura que a comunicação sobre a cooperação possa produzir plenamente o seu efeito útil: se o montante de base excedesse em larga medida o limite de 10% antes da aplicação da referida comunicação, como no caso da AGA Gas, sem que este limite pudesse ser aplicado imediatamente, o incentivo à empresa em causa para cooperar com a Comissão seria muito menor, uma vez que, em qualquer caso, a coima final seria reduzida a 10%, com ou sem cooperação (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Novembro de 2005, SNCZ/Comissão, T‑52/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 41).

124    Daqui resulta que a acusação da recorrente atinente a um tratamento discriminatório relativamente ao que foi reservado à AGA Gas, bem como às outras empresas envolvidas no cartel, na medida em que a referida acusação se referiu igualmente ao tratamento reservado a estas últimas, não está provada.

–       Quanto à alegada contradição com o objectivo de dissuasão

125    A recorrente alega que a forma como a Comissão, na decisão, aplicou o limite máximo de 10% conduziu a um resultado, no que se refere ao montante final das coimas, em completa contradição com o objectivo de dissuasão. Sublinha que lhe foi aplicada, enquanto empresa relativamente modesta cujas actividades são essencialmente nacionais, uma coima muito mais pesada do que às filiais neerlandesas de grupos de empresas que operam a nível mundial e possuem volumes de negócios bem mais significativos do que a recorrente. Cita, a este propósito, os volumes de negócios mundiais das sociedades‑mãe da Air Products (5 717 milhões de dólares) e da Air Liquide (8 328 milhões de euros).

126    Acrescenta que o facto de não aplicar o limite máximo de 10% ao volume de negócios total do grupo a que pertence a filial única destinatária de uma decisão que aplica uma coima conduz a uma situação na qual o montante da coima depende da forma como uma empresa repartiu as suas actividades entre diferentes sociedades, observando‑se que um número considerável de empresas internacionais, como as sociedades centrais da Air Products e da Air Liquide, exerceriam as suas actividades através da representação de sociedades nacionais distintas. Abandonar‑se‑ia deste modo uma aplicação objectiva do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e atribuir‑se‑ia um conteúdo arbitrário ao elemento de dissuasão.

127    Há desde já que referir que a recorrente efectua uma comparação desprovida de qualquer relevância, uma vez que compara o seu volume de negócios global (470 648 000 euros em 2001) com aqueles, efectivamente mais significativos que o seu, realizados por empresas que não foram consideradas responsáveis pela infracção identificada pela Comissão e não foram, portanto, destinatárias da decisão.

128    Verifica‑se, na realidade, que a argumentação da recorrente se baseia numa premissa errada, a saber, a necessária tomada em conta, para efeitos de aplicação do limite máximo de 10%, do volume de negócios total do grupo a que pertence a única filial responsável pela infracção e destinatária de uma decisão de aplicação de coimas, como foi acima demonstrado nos n.os 116 a 118.

129    Contrariamente às afirmações da recorrente, uma aplicação do limite máximo de 10% em conformidade com a jurisprudência não faz depender o montante da coima da repartição orgânica, por parte de um operador, das suas diferentes actividades. A determinação do montante da coima baseia‑se numa apreciação jurídica da Comissão, sujeita à fiscalização do Tribunal, a saber, a da imputação da infracção a uma ou várias empresas, o que constitui o único entendimento conforme com o princípio da responsabilidade pessoal. A questão da imputabilidade tem uma resposta variável em função das circunstâncias específicas de cada processo em que se coloca, que pode ser a da responsabilidade única da filial ou da sociedade‑mãe ou a da responsabilidade solidária destas duas entidades.

130    Uma vez que a recorrente alega que o montante final da sua coima contraria o efeito dissuasor procurado, já que é bastante mais elevado do que os montantes das coimas aplicadas às filiais neerlandesas, destinatárias da decisão, das grandes multinacionais de fornecimento de gás, há que recordar a jurisprudência assente segundo a qual, na sua apreciação do nível geral das coimas, a Comissão tem o direito de tomar em conta o facto de as infracções manifestas às regras comunitárias da concorrência serem ainda relativamente frequentes e, portanto, tem perfeita legitimidade para aumentar o nível das coimas a fim de reforçar o seu efeito dissuasivo (acórdão de 14 de Maio de 1998, SCA Holding/Comissão, n.° 113, supra, n.° 179).

131    A este propósito, o ponto 1 A, quarto parágrafo, das orientações prevê, designadamente, que é necessário, no âmbito da avaliação da gravidade de uma infracção e do montante de partida da coima, «determinar um montante que assegure que a coima apresenta um carácter suficientemente dissuasivo».

132    No presente caso, que corresponde a um tipo de infracção clássica do direito da concorrência e a um comportamento cuja ilegalidade foi afirmada pela Comissão sucessivas vezes desde as suas primeiras intervenções na matéria, a Comissão pode considerar necessário fixar o montante da coima num nível suficientemente dissuasivo dentro dos limites fixados no Regulamento n.° 17.

133    Ora, como foi acima referido (n.° 110), a recorrente não demonstrou que a Comissão tenha, no que lhe diz respeito, cometido um erro de apreciação relativamente ao limite máximo de 10%, tendo também sido recordado que a instituição está obrigada, por força do Regulamento n.° 17, a aplicar esse limite.

134    Resulta de todas as considerações precedentes que as acusações da recorrente relativas à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, à natureza alegadamente desproporcionada, discriminatória e contrária ao objectivo de dissuasão da coima aplicada, devem ser julgadas improcedentes e que o montante final da coima aplicada à recorrente é inteiramente adequado, uma vez que nenhuma das circunstâncias invocadas por esta justifica que o referido montante seja reduzido.

135    Por último, no que se refere à alegada violação do «princípio da proibição de arbitrariedade», há que referir que a argumentação da recorrente relativa a esta acusação não permite distingui‑lo, na sua substância, dos que foram mencionados no número anterior, pelo que há também que julgá‑lo improcedente.

 Quanto às despesas

136    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A recorrente é condenada nas despesas.

Vilaras

Dehousse

Šváby

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 4 de Julho de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      M. Vilaras


* Língua do processo: neerlandês.