Language of document : ECLI:EU:T:2021:128

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

10 de março de 2021 (*)

«Ação por omissão e pedido de anulação — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Utilização harmonizada do espetro de frequências de 2 GHz — Sistemas pan‑europeus que fornecem serviços móveis via satélite (MSS) — Decisão 2007/98/CE — Procedimento harmonizado de seleção dos operadores — Autorizações para os operadores selecionados — Decisão 626/2008/CE — Convite para agir — Inexistência de convite — Tomada de posição da Comissão — Inadmissibilidade — Recusa de agir — Ato não suscetível de recurso — Inadmissibilidade — Competência da Comissão»

No processo T‑245/17,

ViaSat, Inc., com sede em Carlsbad, Califórnia (Estados Unidos), representada por E. Righini, J. Ruiz Calzado, P. de Bandt, M. Gherghinaru e L. Panepinto, advogados,

demandante,

apoiada por:

Reino dos Países Baixos, representado por M. Bulterman, na qualidade de agente,

e por

Eutelsat SA, com sede em Paris (França), representada por L. de la Brosse e C. Barraco‑David, advogados,

intervenientes,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Braun, L. Nicolae e V. Di Bucci, na qualidade de agentes,

demandada,

apoiada por

EchoStar Mobile Ltd, com sede em Dublim (Irlanda), representada por A. Robertson, QC,

e por

Inmarsat Ventures Ltd, com sede em Londres (Reino Unido), representada por C. Spontoni, B. Amory, É. Barbier de La Serre, advogados, e A. Howard, barrister,

intervenientes,

que tem por objeto, a título principal, um pedido baseado no artigo 265.o TFUE e destinado a obter a declaração de que a Comissão se absteve ilegalmente de tomar certas medidas no âmbito da aplicação harmonizada das regras relativas à prestação de serviços móveis via satélite (MSS) na banda de frequências de 2 GHz, e, a título subsidiário, um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação das cartas da Comissão de 14 e 21 de fevereiro de 2017, em que esta respondeu ao convite para agir da demandante,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada),

composto por: M. van der Woude, presidente, A. Kornezov, E. Buttigieg (relator), K. Kowalik‑Bańczyk e G. Hesse, juízes,

secretário: B. Lefebvre, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 26 de junho de 2020,

profere o presente

Acórdão

I.      Quadro jurídico e antecedentes do litígio

1        A fim de assegurar uma gestão e uma utilização eficazes do espetro de radiofrequências através da coordenação das políticas nacionais e, sendo caso disso, da harmonização das condições relativas à sua disponibilidade e à sua utilização, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia adotaram a Decisão n.o 676/2002/CE, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar para a política do espetro de radiofrequências na [União] Europeia (decisão espetro de radiofrequências) (JO 2002, L 108, p. 1).

2        Por entender que a convergência dos setores das telecomunicações, dos meios de comunicação e das tecnologias da informação implica que todas as redes de transmissão e os serviços associados estejam sujeitos ao mesmo quadro regulamentar, o Parlamento e o Conselho adotaram uma série de diretivas relativas às redes e aos serviços de comunicações eletrónicas. Este quadro regulamentar consiste, nomeadamente, na Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva autorização) (JO 2002, L 108, p. 21), e na Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro) (JO 2002, L 108, p. 33).

3        Este quadro regulamentar foi objeto de uma atualização importante pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO 2009, L 337, p. 37).

4        Através da Decisão 2007/98/CE, de 14 de fevereiro de 2007, relativa à utilização harmonizada do espetro de radiofrequências nas bandas de frequências nos 2 GHz para a implementação de sistemas que fornecem serviços móveis via satélite (JO 2007, L 43, p. 32; a seguir «decisão harmonização»), adotada com fundamento no artigo 4.o, n.o 3, da decisão espetro de radiofrequências, a Comissão Europeia procedeu à harmonização das condições de utilização e de disponibilidade da banda de frequências de 2 GHz para a implementação de sistemas que fornecem serviços móveis via satélite (MSS).

5        A fim de promover o desenvolvimento de um mercado interno competitivo dos MSS na União Europeia e assegurar uma cobertura progressiva em todos os Estados‑Membros, o Parlamento e o Conselho adotaram, com fundamento no artigo 95.o CE (atual artigo 114.o TFUE), a Decisão n.o 626/2008/CE, de 30 de junho de 2008, relativa à seleção e autorização de sistemas que oferecem serviços móveis por satélite (MSS) (JO 2008, L 172, p. 15; a seguir «decisão MSS»).

6        Em execução das competências que lhe foram conferidas pelo artigo 9.o, n.o 3, da decisão MSS, a Comissão adotou a Decisão 2011/667/UE, de 10 de outubro de 2011, relativa às modalidades de aplicação coordenada das normas de imposição coerciva no que respeita aos MSS (JO 2011, L 265, p. 25; a seguir «decisão de execução»).

7        Por convite à apresentação de candidaturas, de 7 de agosto de 2008, para sistemas pan‑europeus que permitem oferecer serviços móveis por satélite (MSS) (JO 2008, C 201, p. 4), a Comissão lançou um procedimento de seleção, conforme previsto no título II da decisão MSS.

8        No termo do procedimento de seleção em causa, a Comissão adotou a Decisão 2009/449/CE, de 13 de maio de 2009, relativa à seleção dos operadores de sistemas pan‑europeus que permitem a oferta de serviços de comunicações móveis por satélite (MSS) (JO 2009, L 149, p. 65; a seguir «decisão de seleção»), através da qual selecionou dois candidatos: a Inmarsat Ventures Ltd (a seguir «Inmarsat») e a Solaris Mobile Ltd (atualmente EchoStar Mobile Ltd; a seguir «EchoStar»), intervenientes no presente processo em apoio dos seus pedidos.

9        A demandante, ViaSat, Inc., é, nas suas próprias palavras, uma empresa que fornece uma vasta gama de soluções de comunicação destinadas a empresas, indivíduos e governos. Fornece atualmente serviços de conectividade por satélite a bordo nos Estados Unidos e deseja fornecer, nomeadamente, o mesmo tipo de serviços, através de uma empresa comum constituída em 2016 com a Eutelsat SA, que intervém no presente processo em apoio dos pedidos da demandante, em toda a União e nas principais rotas aéreas que ligam a América do Norte à Europa.

10      A Inmarsat, um dos operadores selecionados no termo do procedimento de seleção comum para o fornecimento de MSS, desenvolveu um sistema que permite a prestação de serviços de conectividade a bordo de aeronaves que sobrevoam a Europa através de um sistema denominado European Aviation Network (a seguir «sistema EAN»), que se apoia em estações terrestres e elementos de satélite.

11      A Inmarsat solicitou as autorizações necessárias às autoridades reguladoras nacionais (a seguir «ARN») para explorar o sistema EAN utilizando a frequência que lhe havia sido atribuída na decisão de seleção.

12      Em 2 de agosto de 2016, a demandante enviou à Comissão uma carta pedindo‑lhe que agisse a fim de impedir que as ARN concedessem à Inmarsat as autorizações para utilizar a banda de frequências de 2 GHz para implementação do sistema EAN sem um novo convite à apresentação de candidaturas segundo um procedimento de seleção comum, tal como previsto nos artigos 3.o a 6.o da decisão MSS, a fim de garantir um resultado harmonizado. A este respeito, argumentou, em substância, que o sistema representava uma utilização completamente nova da banda de frequências de 2 GHz, uma vez que prosseguia finalidades fundamentalmente diferentes daquelas que tinham sido previstas pela referida decisão e no quadro desse procedimento de seleção comum, a saber, fornecer MSS pan‑europeus de conectividade universal.

13      Por correio eletrónico de 31 de outubro de 2016, a Comissão respondeu à carta da demandante de 2 de agosto de 2016 indicando que não tinha adotado nenhuma decisão relativa a um pedido de autorização para a utilização da banda de frequências de 2 GHz para os MSS por um dos operadores selecionados, porquanto essa questão devia, «em qualquer caso», ser tratada pelas autoridades nacionais competentes.

14      Uma vez que não ficou satisfeita com a resposta da Comissão de 31 de outubro de 2016, a demandante enviou‑lhe uma carta, em 22 de dezembro de 2016, solicitando‑lhe que tomasse posição na sequência do convite feito na sua carta de 2 de agosto de 2016, a fim de dar cumprimento à obrigação de agir que lhe incumbia por força do artigo 17.o TUE, do artigo 9.o, n.o 2, terceiro parágrafo, e do considerando 22 da decisão MSS, do artigo 5.o, n.o 2, e dos considerandos 24 e 35 da diretiva autorização e do artigo 19.o da diretiva‑quadro.

15      A Comissão respondeu à carta da demandante de 22 de dezembro de 2016 por cartas de 14 e 21 de fevereiro de 2017.

16      Na sua carta de 14 de fevereiro de 2017, a Comissão confirmou que, como já tinha indicado à demandante no seu correio eletrónico de 31 de outubro de 2016, não havia adotado nenhuma decisão relativa a um pedido de autorização para a utilização da banda de frequências de 2 GHz para os sistemas que fornecem MSS por um dos operadores selecionados, uma vez que esta questão devia, «em qualquer caso», ser tratada pelas autoridades nacionais competente. Além disso, indicou, por um lado, que, embora acompanhasse a evolução dos mercados e da regulamentação a esse respeito, nomeadamente no âmbito do Comité das Comunicações e do grupo de trabalho deste comité sobre os MSS, as medidas de execução relativas aos sistemas que fornecem MSS e aos seus operadores eram tomadas a nível nacional, e, por outro, que a Comissão apenas facilitava a cooperação entre os Estados‑Membros em conformidade com a decisão de execução. Acrescentou que não estava prevista nenhuma redefinição da finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz, tal como essa utilização estava prevista na decisão MSS, e que não tinha identificado nenhuma circunstância suscetível de conduzir à instauração de uma ação por incumprimento contra um Estado‑Membro, devido a medidas nacionais reais ou possíveis no domínio regido pela decisão MSS, relacionada com o exercício por essas autoridades nacionais das suas funções de autorização ou de execução em aplicação dessa decisão.

17      Na sua carta de 21 de fevereiro de 2017, a Comissão esclareceu que o quadro jurídico aplicável não lhe conferia uma competência específica a este respeito e que, por conseguinte, não podia agir a fim de tomar uma decisão que impedisse um Estado‑Membro de autorizar a Inmarsat a utilizar o espetro da banda de frequências de 2 GHz para o fornecimento de soluções ar‑terra para serviços de conectividade em voo.

II.    Tramitação processual e pedidos das partes

18      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de abril de 2017, a demandante instaurou a presente ação.

19      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de julho de 2017, a Eutelsat pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da demandante. Por Despacho de 12 de setembro de 2017, o presidente da Segunda Secção do Tribunal Geral autorizou esta intervenção. A interveniente apresentou o seu articulado e as partes principais apresentaram as suas observações sobre este articulado nos prazos fixados.

20      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de agosto de 2017, o Reino dos Países Baixos pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da demandante. Por Decisão de 15 de setembro de 2017, o presidente da Segunda Secção do Tribunal Geral autorizou esta intervenção. O Reino dos Países Baixos apresentou o seu articulado e as partes principais apresentaram as suas observações sobre este articulado nos prazos fixados.

21      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 22 e 23 de agosto de 2017, a Inmarsat e a EchoStar pediram para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão. Por Despachos de 11 de outubro de 2017, o presidente da Segunda Secção do Tribunal Geral autorizou estas intervenções. As intervenientes apresentaram os seus articulados e as partes principais apresentaram as suas observações acerca destes articulados nos prazos fixados.

22      A demandante, apoiada pelo Reino dos Países Baixos e pela Eutelsat, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        declarar a omissão por parte da Comissão;

–        subsidiariamente, anular, no todo ou em parte, a decisão da Comissão contida nas suas cartas de 14 e 21 de fevereiro de 2017;

–        condenar a Comissão nas despesas.

23      A Comissão, apoiada pela EchoStar e a Inmarsat, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        declarar a ação por omissão inadmissível ou, a título subsidiário, improcedente;

–        declarar o pedido de anulação inadmissível ou, a título subsidiário, improcedente;

–        condenar a demandante nas despesas.

24      Por Decisão de 10 de abril de 2019, a Segunda Secção do Tribunal Geral (anterior composição) decidiu suspender o presente processo, com fundamento no artigo 69.o, alíneas a) e d), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, até prolação do Acórdão no processo C‑100/19. Uma vez que o Acórdão Viasat UK e Viasat (C‑100/19, EU:C:2020:174) foi proferido em 5 de março de 2020, a tramitação no presente processo prosseguiu a partir dessa data.

25      Visto que a composição das secções do Tribunal Geral foi alterada, em aplicação do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo, o juiz relator foi afetado à Décima Secção, à qual o presente processo foi, consequentemente, atribuído.

26      Sob proposta da Décima Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

27      Sob proposta do juiz relator, o Tribunal Geral (Décima Secção) deu início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, convidou as partes a responderem a questões escritas. As partes deram cumprimento a esse convite nos prazos fixados.

III. Questão de direito

28      A título principal, porque entende que a Comissão não pôs termo à alegada omissão, a demandante pede que seja declarada uma omissão por parte da Comissão.

29      A título subsidiário, porque considera que a Comissão cometeu erros de interpretação no que respeita ao alcance das suas competências em matéria de MSS, a demandante pede a anulação da decisão contida nas cartas de 14 e 21 de fevereiro de 2017, que lhe foram dirigidas em resposta à sua carta de 22 de dezembro de 2016.

A.      Quanto à ação por omissão

30      A demandante alega que a Comissão se absteve ilegalmente de adotar as medidas necessárias para impedir uma utilização da banda de frequências de 2 GHz alegadamente diferente daquela que tinha sido objeto do procedimento de seleção comum e para assegurar a preservação do mercado interno harmonizado para os MSS pan‑europeus que garantem a conectividade universal nesta banda de frequências.

31      A título principal, a Comissão contesta a admissibilidade da ação por omissão. A título subsidiário, sustenta que este pedido não é procedente.

32      Quanto à admissibilidade da ação por omissão, a Comissão, apoiada pela Inmarsat, alega, por um lado, que tomou posição na sequência do convite para agir da demandante, e, por outro, que o objeto daquele pedido não corresponde ao do convite, na medida em que, em substância, não foi formalmente convidada a dirigir individualmente um ato à Inmarsat para a impedir de utilizar a banda de frequências de 2 GHz ou a agir a fim de evitar a fragmentação do mercado interno, e, consequentemente, não pôde tomar posição a este respeito. Considera que definiu a sua posição em termos claros na sequência do convite para agir da demandante, embora essa resposta não tenha resultado na adoção das medidas que a demandante havia solicitado. Por último, considera que a ação por omissão é igualmente inadmissível, dado que certos atos que poderia ser levada a adotar em conformidade com o convite para agir estão abrangidos pelo seu poder discricionário e que, em qualquer caso, a demandante não seria direta e individualmente afetada por esses atos.

33      A este respeito, importa determinar qual é, no caso vertente, o objeto do convite para agir da demandante. Esse convite tem por efeito delimitar o quadro em que a ação por omissão podia ser instaurada no caso de a Comissão se ter abstido de tomar posição. A determinação desse objeto permite também verificar, nomeadamente, se a Comissão tomou efetivamente posição na sequência do referido convite para agir.

1.      Quanto ao objeto do convite para agir da demandante e ao quadro em que a ação por omissão podia ser instaurada

34      A Comissão, por um lado, alega que, na carta da demandante de 22 de dezembro de 2016, esta última a convidou a dirigir um ato, qualquer que fosse a sua forma (decisão ou parecer), às ARN a fim de as impedir de emitir as autorizações à Inmarsat para certas utilizações da banda de frequências de 2 GHz, ao passo que, no quadro da presente ação por omissão, pede ao Tribunal Geral que declare que a Comissão não tomou medidas destinadas a impedir uma outra utilização dessa banda de frequências. Segundo a Comissão, esta última atuação poderia implicar um ato de alcance geral ou um ato dirigido individualmente à Inmarsat, casos em que elementos muito diferentes teriam de ser apreciados.

35      Por outro lado, a Comissão alega que a demandante pede ao Tribunal que declare que incorreu numa omissão culposa ao não tomar nenhuma medida a fim de preservar o desenvolvimento de um mercado interno harmonizado para os MSS pan‑europeus na banda de frequências de 2 GHz que asseguram uma conectividade universal, quando não tinha sido claramente convidada a agir sobre este aspeto. Considera que a carta da demandante de 22 de dezembro de 2016 não contém os elementos necessários para lhe permitir tomar uma posição adotando uma decisão ou propondo um projeto de decisão aos colegisladores da União a fim de evitar a fragmentação do mercado interno, uma vez que essa carta não contém nenhuma referência a esse respeito. Ora, cabe à demandante expor o conteúdo da referida decisão em termos concretos.

36      A demandante alega que não existe nenhum requisito formal especial no que respeita ao convite e que aquele que enviou à Comissão por carta de 22 de dezembro de 2016 era suficientemente preciso para lhe permitir conhecer de forma concreta o conteúdo da decisão que a demandante a convidava a adotar, nomeadamente tendo em conta os termos claros da sua carta de 2 de agosto de 2016.

37      Além disso, a demandante alega que, na sua carta de 22 de dezembro de 2016, analisou as obrigações que os Tratados impunham à Comissão no quadro do «bom funcionamento do mercado único» e os seus poderes para «corrigir os obstáculo[s]» ao mercado interno suscetíveis de surgir quando, como acontece no caso presente, pudessem ocorrer divergências entre as ARN.

38      A este respeito, cabe recordar que, nos termos do artigo 265.o, segundo parágrafo, TFUE, uma ação por omissão só é admissível se a instituição em causa tiver sido previamente convidada a agir. Este convite dirigido à instituição é uma formalidade essencial e tem por efeito, por um lado, dar início ao prazo de dois meses no qual a instituição está obrigada a tomar posição e, por outro, delimitar o quadro no qual uma ação pode ser intentada, no caso de a instituição se abster de tomar posição. Muito embora não sujeita a uma condição de forma especial, é, contudo, necessário que o convite para agir seja suficientemente explícito e preciso, de modo que permita à Comissão um conhecimento concreto do conteúdo da decisão que lhe é solicitada e revele a pretensão de levar a Comissão a tomar posição (ver Acórdãos de 3 de junho de 1999, TF1/Comissão, T‑17/96, EU:T:1999:119, n.o 41 e jurisprudência referida, e de 29 de setembro de 2011, Ryanair/Comissão, T‑442/07, não publicado, EU:T:2011:547, n.o 22).

39      No entanto, os termos da ação por omissão e os do convite para agir não têm de ser idênticos. Com efeito, por ocasião dessa ação, o demandante não pode pedir ao Tribunal Geral que imponha à Comissão a adoção do ato em falta, mas unicamente que declare, sendo esse o caso, que a Comissão violou o Tratado ao não adotar as medidas solicitadas, em violação das obrigações que lhe incumbem (v., neste sentido, Acórdão de 8 de junho de 2000, Camar e Tico/Comissão e Conselho, T‑79/96, T‑260/97 e T‑117/98, EU:T:2000:147, n.o 67). Por conseguinte, a própria natureza dessa ação não exige que a demandante, ao apresentar os seus pedidos ao Tribunal Geral, utilize os mesmos termos que os que figuram no convite dirigido à Comissão.

40      A este respeito, cabe sublinhar que o objeto do convite para agir da demandante decorre, nomeadamente, do título da sua carta de 22 de dezembro de 2016, que diz o seguinte:

«Convite, nos termos do artigo 265.o, segundo parágrafo, TFUE, destinado a que a Comissão […] satisfaça o pedido [da demandante] de 2 de agosto de 2016 no sentido de adotar uma decisão definitiva que impeça [as ARN] de autorizarem a Inmarsat a utilizar o espetro da banda [de frequências de 2 GHz] para o fornecimento de soluções ar‑terra para os serviços de conectividade em voo.»

41      Além disso, após expor todas as regras jurídicas com base nas quais entende que a Comissão está obrigada a agir, a demandante reitera o pedido em causa nos seguintes termos, diferentes, é certo, mas semelhantes:

«[A demandante] solicitou, portanto, à Comissão que atue urgentemente […] a fim de impedir que as ARN autorizem a Inmarsat a utilizar o espetro da banda [de frequências de 2 GHz] para o fornecimento de uma conectividade em voo sem um novo convite à apresentação de candidaturas para a atribuição do direito de utilizar [e]sse espetro.»

42      Além disso, na sua carta de 22 de dezembro de 2016, a demandante solicitou explícita e formalmente à Comissão que satisfizesse o pedido em causa. Nestas circunstâncias, a referida carta deve ser interpretada como um convite para agir na aceção do artigo 265.o TFUE tendo em conta todos os elementos exaustivamente expostos na carta de 2 de agosto de 2016 (v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 1999, TF1/Comissão, T‑17/96, EU:T:1999:119, n.o 42).

43      É portanto necessário examinar se o convite dirigido à Comissão em 22 de dezembro de 2016, lido à luz da carta da demandante de 2 de agosto de 2016, contém um convite para agir, destinado a impedir a utilização «fundamentalmente diferente» da banda de frequências de 2 GHz e a fragmentação do mercado interno, suficientemente explícito e preciso para permitir à Comissão conhecer em termos concretos o conteúdo da decisão que lhe era pedida e se desse convite para agir resulta que o mesmo tem por objeto obrigar a Comissão a tomar posição na aceção da jurisprudência referida no n.o 38, supra.

44      A este respeito, em primeiro lugar, importa salientar que, na sua carta de 2 de agosto de 2016, a demandante tinha, nomeadamente, expressado a sua opinião de que, se as autorizações fossem concedidas à Inmarsat pelas ARN para o sistema EAN, tal constituiria uma utilização da banda de 2 GHz «fundamentalmente diferente» da prevista pelo legislador da União.

45      Assim, quando a demandante pede ao Tribunal Geral que declare a omissão da Comissão na medida em que não tomou medidas a fim de «impedir as ARN de autorizarem a Inmarsart, sem qualquer coordenação, a utilizar a banda de 2 GHz principalmente para redes ar‑terra» e a fim de impedir uma utilização «fundamentalmente diferente» da banda de 2 GHz, esse pedido não excede, contrariamente ao que alega, em substância a Comissão, o quadro em que a ação por omissão podia ser intentada, tal como delimitada pelo convite dirigido à Comissão em 22 de dezembro de 2016, lido à luz da carta da demandante de 2 de agosto de 2016.

46      O mesmo se aplica ao pedido da demandante destinado a que o Tribunal Geral declare que a Comissão se absteve ilegalmente de «impedir outra utilização da banda de frequências de 2 GHz».

47      Em contrapartida, tal como a Comissão sustenta, a ação por omissão é inadmissível na medida em que a demandante pede ao Tribunal Geral que declare que a Comissão se absteve ilegalmente de adotar um ato dirigido individualmente à Inmarsat e destinado a impedi‑la de utilizar a banda de frequências de 2 GHz para o seu sistema ar‑terra que assegura a conectividade a bordo de aeronaves. Com efeito, em resposta à pergunta escrita do Tribunal Geral e na audiência, a demandante indicou que um dos atos que a Comissão tinha competência para adotar em conformidade com o convite para agir era uma «notificação para cumprir» dirigida à Inmarsat proibindo‑a de utilizar a banda de frequências de 2 GHz para a exploração do sistema EAN. Ora, nem no convite enviado em 22 de dezembro de 2016 à Comissão nem na sua carta de 2 de agosto de 2016 para a qual aquele convite remete, a demandante convidou a Comissão a adotar semelhante ato dirigido à Inmarsat. Também não se pode inferir um convite para agir nesse sentido do contexto em que o referido convite e a referida carta foram dirigidos pela demandante à Comissão, contexto esse que visava claramente a adoção de um ato destinado a impedir as ARN de concederem as autorizações à Inmarsat, nomeadamente tendo em conta a utilização dessa banda de frequências, que, segundo a demandante, não era conforme com as finalidades harmonizadas e com a decisão de seleção.

48      Consequentemente, a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão e baseada no facto de o objeto deste pedido não coincidir com o do convite é em parte fundada.

49      Em segundo lugar, cabe sublinhar que o convite para agir que a demandante dirigiu à Comissão se baseia na premissa de que esta está obrigada a agir sempre que exista um risco de a harmonização do mercado interno dos MSS ser afetada. A este respeito, a demandante baseou‑se no artigo 17.o TUE e no papel da Comissão, enquanto «guardiã dos Tratados», de assegurar o cumprimento do direito da União, bem como nos poderes que, na sua opinião, a Comissão tem nos termos do artigo 19.o da diretiva‑quadro e do considerando 35 da diretiva autorização a fim de controlar o funcionamento do mercado interno dos MSS.

50      A este respeito, recorde‑se que, segundo a jurisprudência, um convite para agir deve fornecer indicações quanto ao conteúdo do ato solicitado, mas nada exige que essa formulação chegue ao ponto de designar com extrema precisão o ato reclamado (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de julho de 1970, Hake/Comissão, 75/69, EU:C:1970:65, n.os 4 a 10, e de 22 de maio de 1985, Parlamento/Conselho, 13/83, EU:C:1985:220, n.os 35 a 37).

51      No caso vertente, a Comissão estava em condições de deduzir do convite que lhe foi dirigido em 22 de dezembro de 2016, lido à luz da carta da demandante de 2 de agosto de 2016, que o ato que a demandante a convidava a adotar devia ter como consequência preservar o mercado interno na utilização da banda de frequências de 2 GHz para os MSS, tal como tinha sido estabelecido pelo quadro jurídico aplicável. Além disso, cabe referir, à semelhança da demandante, que a Comissão respondeu, na sua carta de 21 de fevereiro de 2017, que os seus serviços «acompanha[va]m a evolução do mercado e da regulamentação».

52      Atendendo às considerações anteriores, por um lado, ao contrário do que alega a Comissão, o convite para agir foi suficientemente preciso e explícito quanto ao conteúdo do ato que foi convidada a adotar para lhe dar a oportunidade de tomar posição sobre as medidas a adotar a fim de impedir as ARN de concederem as autorizações à Inmarsat, com vista a preservar o mercado interno dos MSS.

53      Por outro lado, a ação por omissão é inadmissível na medida em que a demandante pede ao Tribunal Geral que declare que a Comissão se absteve ilegalmente de adotar um ato dirigido individualmente à Inmarsat e destinado a impedi‑la de utilizar a banda de frequências de 2 GHz para o seu sistema ar‑terra que garante a conectividade a bordo de aeronaves.

2.      Quanto à existência de uma tomada de posição pela Comissão na sequência do convite para agir da demandante

54      A Comissão alega que, nas suas cartas de 14 e 21 de fevereiro de 2017, tomou posição na sequência do convite da demandante para que adotasse um ato destinado a impedir as ARN de concederem à Inmarsat as autorizações para utilizar o espetro da banda de frequências de 2 GHz, a fim de fornecer soluções ar‑terra para serviços de conectividade em voo. Considera que definiu a sua posição em termos claros em resposta ao referido convite para agir, embora essa resposta não tenha conduzido à adoção das medidas solicitadas pela demandante.

55      Na réplica, a demandante contesta os argumentos da Comissão argumentando que a resposta desta última ao seu convite para agir, tal como expressa nas suas cartas de 14 e 21 de fevereiro de 2017, equivalia a uma omissão. No entanto, na sua resposta às perguntas escritas do Tribunal Geral, a demandante indicou que era «dado assente que, nas [referidas cartas], a Comissão [tinha tomado] posição e que esta posição [equivalia] à rejeição do [seu convite para agir]». Interrogada sobre este ponto pelo Tribunal Geral na audiência, confirmou que já não contestava que a Comissão tivesse tomado posição na sequência do seu convite para agir, o que foi registado na ata da audiência.

56      A este respeito, recorde‑se que, nos termos do artigo 265.o, segundo parágrafo, TFUE, uma ação por omissão «só é admissível se a instituição, o órgão ou o organismo em causa tiver sido previamente convidado a agir. Se, decorrido um prazo de dois meses a contar da data do convite, a instituição, o órgão ou o organismo não tiver tomado posição, o recurso pode ser introduzido dentro de novo prazo de dois meses».

57      Segundo jurisprudência constante, as condições de admissibilidade de uma ação por omissão, fixadas pelo artigo 265.o TFUE, não estão preenchidas quando a instituição convidada a agir tenha tomado posição na sequência desse convite antes de a ação ser instaurada (ver Acórdão de 21 de julho de 2016, Nutria/Comissão, T‑832/14, não publicado, EU:T:2016:428, n.o 45 e jurisprudência referida).

58      No caso vertente, resulta das cartas da Comissão de 14 e 21 de fevereiro de 2017 que esta considerou que não podia agir, por falta de competência, na sequência do convite da demandante para que tomasse medidas destinadas a impedir as ARN de concederem à Inmarsat as autorizações destinadas à utilização da banda de frequências de 2 GHz para a exploração do sistema EAN, a fim de preservar o mercado interno resultante da harmonização da utilização dessa banda de frequências para os MSS. Trata‑se, portanto, de uma recusa de agir.

59      Ora, decorre de jurisprudência constante que a instituição não incorre numa omissão não apenas quando adota um ato que dá satisfação ao pedido do requerente, mas igualmente quando se recusa a adotar esse ato e responde ao pedido que lhe é feito indicando as razões pelas quais considera que não deve adotar o referido ato ou que não tem competência para o fazer (v. Despacho de 7 de dezembro de 2017, Techniplan/Comissão, T‑853/16, não publicado, EU:T:2017:928, n.o 22 e jurisprudência referida; v., igualmente, neste sentido, Acórdãos de 8 de março de 1972, Nordgetreide/Comissão, 42/71, EU:C:1972:16, n.o 4, e de 24 de novembro de 1992, Buckl e o./Comissão, C‑15/91 e C‑108/91, EU:C:1992:454, n.os 15 e 20; e Despacho de 8 de dezembro de 2005, Campailla/Comissão, C‑211/05 P, não publicado, EU:C:2005:760, n.o 17).

60      Consequentemente, a recusa expressa pela instituição em causa de agir em conformidade com um convite constitui uma tomada de posição que põe termo à omissão [Despacho de 4 de maio de 2005, Holcim (França)/Comissão, T‑86/03, EU:T:2005:157, n.o 36, e Acórdão de 21 de julho de 2016, Nutria/Comissão, T‑832/14, não publicado, EU:T:2016:428, n.o 44; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 19 de novembro de 2013, Comissão/Conselho, C‑196/12, EU:C:2013:753, n.os 22 a 31].

61      Por conseguinte, cabe concluir que, no caso vertente, a Comissão pôs termo, antes da instauração da presente ação, à omissão de que era acusada. Nestas circunstâncias, a ação por omissão deve ser considerada inadmissível.

62      Atendendo às considerações anteriores, não é necessário examinar a alegação da Comissão segundo a qual a ação por omissão é inadmissível dado que certos atos que poderia ser levada a adotar em conformidade com o convite para agir da demandante estão abrangidos pelo seu poder discricionário e não podiam, portanto, ser objeto desse convite, e que, em qualquer caso, a demandante não seria direta e individualmente afetada por esses atos.

B.      Quanto ao pedido de anulação

63      A demandante alega que, nas cartas de 14 e 21 de fevereiro de 2017 que lhe foram dirigidas pela Comissão, esta cometeu um erro de direito ao considerar que competia exclusivamente aos Estados‑Membros tomar as decisões relativas à autorização de exploração das frequências na banda de frequências de 2 GHz em relação aos operadores de MSS selecionados e à execução dessas autorizações. Sustenta que a Comissão dispõe de competência para tomar as medidas adequadas a fim de impedir os Estados‑Membros de concederem as autorizações à Inmarsat e de evitar a fragmentação do mercado interno dos MSS.

64      A Comissão considera que o pedido de anulação é inadmissível, nomeadamente pelo facto de as suas cartas de 14 e 21 de fevereiro de 2017 não serem vinculativas e não constituírem, enquanto tais, atos impugnáveis na aceção do artigo 263.o, primeiro parágrafo, TFUE.

65      A título subsidiário, a Comissão afirma que o pedido de anulação é infundado, pois, uma vez que não dispõe de competência para adotar os atos solicitados pela demandante, não cometeu um erro de direito ao responder assim ao convite para agir nas suas cartas de 14 e 21 de fevereiro de 2017.

1.      Quanto à decisão contida nas cartas de 14 e 21 de fevereiro de 2017 e à fiscalização de legalidade efetuada pelo Tribunal Geral

66      A Comissão, apoiada pela Inmarsat, considera que as suas cartas de 14 e 21 de fevereiro de 2017 não constituem atos impugnáveis na aceção do artigo 263.o, primeiro parágrafo. Baseando‑se na jurisprudência, considera que as referidas cartas contêm, por um lado, uma simples informação, dirigida à demandante, de que não foi tomada nenhuma decisão pela Comissão «em resposta a um pedido de autorização de MSS», e, por outro, um parecer jurídico segundo o qual essa decisão estava, em qualquer caso, abrangida pelas prerrogativas das autoridades nacionais competentes. Considera, além disso, que o ponto de vista da demandante segundo o qual essas cartas afetam de forma caracterizada a sua posição jurídica é puramente especulativo, uma vez que se baseia numa série de pressupostos.

67      A demandante, apoiada pelo Reino dos Países Baixos, considera que as cartas da Comissão de 14 e 21 de fevereiro de 2017 contêm uma decisão suscetível de ser objeto de um recurso de anulação. Na opinião da demandante, essas cartas contêm uma posição definitiva da Comissão, que consiste numa recusa de agir na sequência do convite da demandante para que tomasse medidas com vista a impedir as ARN de concederem à Inmarsat as autorizações destinadas à utilização da banda de frequências de 2 GHz para a exploração do sistema EAN, a fim de preservar o mercado interno resultante da harmonização da utilização dessa banda de frequências para os MSS.

68      Segundo jurisprudência constante, apenas as medidas que produzem efeitos jurídicos vinculativos de natureza a afetar os interesses de terceiros modificando de maneira caracterizada a sua situação jurídica constituem atos suscetíveis de ser objeto de um recurso de anulação (Acórdãos de 31 de março de 1971, Comissão/Conselho, 22/70, EU:C:1971:32, n.o 42; de 2 de março de 1994, Parlamento/Conselho, C‑316/91, EU:C:1994:76, n.o 8; e de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C 475/10 P, EU:C:2011:656, n.o 36).

69      A fim de determinar se um ato ou uma decisão cuja anulação é solicitada produz tais efeitos, há que ter em conta a sua substância (Acórdão de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 9), bem como a intenção dos seus autores na classificação desses atos (Acórdãos de 17 de julho de 2008, Athinaïki Techniki/Comissão, C‑521/06 P, EU:C:2008:422, n.o 42, e de 26 de janeiro de 2010, Internationaler Hilfsfonds/Comissão, C‑362/08 P, EU:C:2010:40, n.o 52). Em contrapartida, a forma que reveste um ato ou uma decisão é, em princípio, irrelevante para a admissibilidade de um recurso de anulação (v., neste sentido, Acórdãos IBM/Comissão, já referido, n.o 9, e de 7 de julho de 2005, Le Pen/Parlamento, C‑208/03 P, Colet., p. I‑6051, n.o 46).

70      No presente caso, como decorre dos n.os 58 a 60, supra, a Comissão tomou posição, através das suas cartas de 14 e 21 de fevereiro de 2017, na sequência do convite para agir da demandante em que lhe foi solicitado que tomasse medidas com vista a impedir as ARN de concederem à Inmarsat as autorizações destinadas à utilização da banda de frequências de 2 GHz para a exploração do sistema EAN, a fim de preservar o mercado interno resultante da harmonização da utilização dessa banda de frequências para os MSS, tendo considerado que não podia agir por não ter competência a esse respeito. Ao contrário do que a Comissão sustenta, essas cartas não contêm uma simples informação ou um parecer jurídico, mas devem ser consideradas uma recusa de agir.

71      A este respeito, importa recordar que uma recusa manifestada pela instituição em causa de agir em conformidade com um convite constitui, em princípio, um ato impugnável na aceção do artigo 263.o TFUE [v., neste sentido, Despacho de 4 de maio de 2005, Holcim (França)/Comissão, T‑86/03, EU:T:2005:157, n.o 36; Acórdão de 21 de julho de 2016, Nutria/Comissão, T‑832/14, não publicado, EU:T:2016:428, n.o 44; e Despacho de 7 de dezembro de 2017, Techniplan/Comissão, T‑853/16, não publicado, EU:T:2017:928, n.o 20].

72      Resulta igualmente de jurisprudência constante que, quando um ato da Comissão reveste caráter negativo, como acontece no caso vertente, deve ser apreciado em função da natureza do pedido ao qual constitui uma resposta (Acórdãos de 8 de março de 1972, Nordgetreide/Comissão, 42/71, EU:C:1972:16, n.o 5; de 24 de novembro de 1992, Buckl e o./Comissão, C‑15/91 e C‑108/91, EU:C:1992:454, n.o 22; e Despacho de 13 de março de 2007, Arizona Chemical e o./Comissão, C‑150/06 P, não publicado, EU:C:2007:164, n.o 22). Especialmente, uma recusa é um ato suscetível de ser objeto de um recurso de anulação na aceção do artigo 263.o TFUE, desde que o ato que a instituição se recusa a adotar pudesse ter sido impugnado ao abrigo desta disposição (v. Acórdão de 22 de outubro de 1996, Salt Union/Comissão, T‑330/94, EU:T:1996:154, n.o 32 e jurisprudência referida; v. igualmente, neste sentido, Despachos de 13 de março de 2007, Arizona Chemical e o./Comissão, C‑150/06 P, não publicado, EU:C:2007:164, n.o 23, e de 22 de janeiro de 2010, Makhteshim‑Agan Holding e o./Comissão, C‑69/09 P, não publicado, EU:C:2010:37, n.o 46).

73      Assim, para apreciar a admissibilidade do pedido de anulação da recusa de agir da Comissão na sequência do convite da demandante para que tomasse medidas com vista a impedir as ARN de concederem à Inmarsat as autorizações destinadas à utilização da banda de frequências de 2 GHz para a exploração do sistema EAN, a fim de preservar o mercado interno resultante da harmonização da utilização dessa banda de frequências para os MSS, é necessário examinar se o ato que a Comissão foi convidada a adotar constituiria, por si só, um ato cuja legalidade pudesse ser fiscalizada pelo Tribunal Geral em conformidade com o artigo 263.o TFUE (v., neste sentido, Despacho de 13 de março de 2007, Arizona Chemica e o./Comissão, C 150/06 P, não publicado, EU:C:2007:164, n.o 23).

74      Esta questão está, no presente processo, relacionada com a questão de saber se a Comissão dispõe de competência para adotar um ato dessa natureza. Com efeito, a fim de determinar se, no caso vertente, a medida que a Comissão se recusou a adotar devido à sua alegada incompetência seria ele próprio impugnável em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 73, supra, é necessário, nomeadamente, determinar a natureza desse ato em função das competências alegadas pela demandante. Isto implica, portanto, antes de mais, examinar as competências da Comissão para adotar um ato em conformidade com o convite para agir. Seguidamente, se ela dispuser da competência exigida, há que examinar, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 73, supra, se a legalidade do ato que é competente para adotar poderia ser fiscalizada pelo Tribunal Geral. Se a resposta a uma destas questões for negativa, ou seja, se a Comissão não tiver competência ou se a demandante não puder interpor um recurso de anulação contra um ato que a Comissão tem competência para adotar, o pedido de anulação deve ser rejeitado, no primeiro caso, por ser infundado, ou, no segundo caso, por ser inadmissível à luz da jurisprudência referida no n.o 73, supra. Em contrapartida, se a Comissão for competente para adotar um ato com o conteúdo solicitado pela demandante, cuja anulação a demandante poderia solicitar ao abrigo do artigo 263.o TFUE, o pedido deverá ser julgado procedente na medida em que a Comissão se tenha recusado a agir por considerar que não tinha competência para esse efeito.

75      Assim, a legalidade da recusa de agir contida nas cartas de 14 e 21 de fevereiro de 2017 será examinada ao mesmo tempo que a admissibilidade do pedido de anulação dessa recusa de agir (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 1993, França/Comissão, C‑325/91, EU:C:1993:245, n.o 11).

76      Além disso, convém recordar que o Tribunal Geral pode apreciar, em função das circunstâncias de cada caso, se uma boa administração da justiça justifica julgar improcedente um pedido sem decidir previamente da exceção de admissibilidade suscitada pela Comissão a respeito do pedido de anulação e baseada numa falta de interesse em agir da demandante ou na falta de legitimidade da demandante para pedir a anulação de um ato solicitado no convite para agir (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer, C‑23/00 P, EU:C:2002:118, n.o 52). No caso vertente, tendo em conta a relação que existe entre a admissibilidade e o mérito do pedido de anulação, o Tribunal Geral considera que é conveniente decidir em primeiro lugar sobre a competência da Comissão para adotar um ato na sequência do convite para agir que lhe foi dirigido pela demandante, sem prejuízo do disposto nos n.os 107 a 112 e 164 a 180, infra.

2.      Quanto à argumentação da demandante relativa a cada uma das competências da Comissão para adotar os atos solicitados na sequência do seu convite para agir

77      Convém recordar que, na sua carta de 22 de dezembro de 2016, a demandante solicitou explícita e formalmente à Comissão que satisfizesse o seu pedido, formulado na sua carta de 2 de agosto de 2016, no sentido de que atuasse a fim de impedir que as ARN concedessem à Inmarsat as autorizações destinadas à utilização da banda de frequências de 2 GHz para a exploração do sistema EAN, a fim de preservar o mercado interno resultante da harmonização da utilização dessa banda de frequências para os MSS.

78      Das cartas da Comissão de 14 e 21 de fevereiro de 2017 resultam, em substância, três elementos de resposta ao convite para agir da demandante. Primeiro, a Comissão indicou que as decisões sobre os pedidos de autorização e as medidas de execução relativas aos MSS e aos seus operadores são tomadas a nível nacional. Segundo, sustentou que apenas facilitava a cooperação entre os Estados‑Membros em conformidade com a decisão de execução e indicou que não estava prevista nenhuma redefinição da finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz. Terceiro, considerou que o quadro jurídico aplicável não lhe conferia competências específicas para agir a fim de impedir que um Estado‑Membro concedesse à Inmarsat as autorizações destinadas à utilização da banda de frequências de 2 GHz com vista ao fornecimento de soluções ar‑terra para serviços de conectividade em voo.

79      A demandante, apoiada pelo Reino dos Países Baixos e pela Eutelsat, considera que, através das cartas de 14 e 21 de fevereiro de 2017, a Comissão negou, erradamente, ter competência para agir na sequência do convite que lhe tinha sido dirigido. Contesta também que não possa pedir a anulação dos atos que a Comissão era competente para adotar.

80      A este respeito, a título preliminar, no que respeita à natureza do ato que a Comissão estava obrigada, no seu entender, a adotar na sequência do seu convite para agir, a demandante indicou, em substância, em resposta às perguntas escritas e orais do Tribunal Geral, que a atuação da Comissão poderia assumir a forma de um ato dirigido individualmente à Inmarsat e destinado a proibi‑la de utilizar a banda de frequências de 2 GHz para a implantação do sistema EAN, alegadamente incompatível com o quadro regulamentar relativo aos MSS, de um ato que lhe retirasse o benefício da decisão de seleção, de um ato dirigido individualmente às ARN e destinado a impedi‑las de conceder à Inmarsat as autorizações destinadas à utilização da banda de frequências de 2 GHz para a exploração do referido sistema ou ainda de um ato de alcance geral destinado a preservar a harmonização da finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz e que tivesse como consequência que as ARN fossem impedidas de conceder tais autorizações à Inmarsat.

81      A este respeito, em primeiro lugar, deve salientar‑se, como decorre do n.o 47, supra, que o convite para agir que a demandante dirigiu à Comissão não continha um convite para adotar um ato dirigido individualmente à Inmarsat e destinado a proibi‑la de utilizar a banda de frequências de 2 GHz para a exploração do sistema EAN. Consequentemente, a demandante não pode contestar validamente a legalidade da decisão contida nas cartas da Comissão de 14 e 21 de fevereiro de 2017 a esse respeito. Uma vez que a Comissão não foi convidada pela demandante a adotar esse ato, não pôde necessariamente adotar uma decisão a esse respeito.

82      Seguidamente, a demandante entende que a Comissão cometeu um erro de direito ao recusar‑se a adotar um ato dirigido individualmente às ARN ou um ato de alcance geral, ou ao ignorar ou interpretar erradamente as competências que para ela resultavam, primeiro, do quadro jurídico relativo à gestão do espetro de radiofrequências e aos MSS; segundo, dos princípios gerais do direito em matéria de contratos públicos; terceiro, da sua obrigação de evitar a fragmentação do mercado interno, a fim de assegurar o efeito útil da iniciativa de harmonização da banda MSS de 2 GHz; e, quarto, do princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE. Por último, considera que essas competências são de natureza implícita.

a)      Quanto à existência de competências explícitas da Comissão

1)      Quanto às competências da Comissão no quadro jurídico relativo à gestão do espetro de radiofrequências e aos MSS

83      Segundo a demandante, o sistema EAN que oferece as soluções ar‑terra para a conectividade em voo, para o qual a Inmarsat solicita as autorizações às ARN, não corresponde nem à definição das finalidades da utilização da banda de frequências de 2 GHz na decisão harmonização nem aos compromissos assumidos pela Inmarsat no âmbito do procedimento de seleção e para cuja implementação foi escolhida, a saber, o fornecimento de MSS que assegurem uma conectividade universal.

84      A demandante alega que, embora a competência para conceder as autorizações seja conferida às ARN pela decisão MSS, as competências que consistem em determinar as frequências dedicadas ao MSS, em definir as finalidades para as quais a banda de frequências de 2 GHz será utilizada e em selecionar os operadores de acordo com o procedimento comum cabem exclusivamente à Comissão em aplicação, nomeadamente, do título II da decisão MSS. Segundo a demandante, apoiada pela Eutelsat, uma autorização concedida por um Estado‑Membro que permite à Inmarsat alterar a utilização da banda de frequências de 2 GHz em favor da rede ar‑terra constitui um abuso manifesto dessa competência reservada à Comissão e uma redefinição dos conceitos de «sistemas móveis por satélite» e de «componentes terrestres complementares», tal como definidos na decisão MSS e nas condições e obrigações impostas pela Comissão no convite à apresentação de candidaturas e na decisão de seleção.

85      Segundo a demandante, na medida em que foi a Comissão que adotou a decisão harmonização e a decisão de seleção, deveria controlar a correta aplicação dessas decisões e, nesse âmbito, decidir que a utilização do espetro da banda de frequências de 2 GHz para MSS numa rede predominantemente terrestre, tal como proposta pela Inmarsat, constituía uma mudança fundamental na utilização harmonizada dessa banda de frequências a nível da União. A este respeito, na opinião do candidato e da Eutelsat, a Comissão deveria ter comunicado às ARN, primeiro, que esta nova utilização proposta não fazia parte do âmbito de utilização do espetro atribuído à Inmarsat na sequência do procedimento de seleção em aplicação da decisão MSS, e, segundo, que qualquer decisão sobre uma utilização diferente desse espetro teria de ser adotada em conformidade com «um procedimento da União», a saber, após um novo convite à apresentação de candidaturas.

86      Além disso, a demandante alega que a decisão de execução, adotada pela Comissão com fundamento no artigo 9.o, n.o 3, da decisão MSS e à qual a Comissão faz referência na sua carta de 14 de fevereiro de 2017 afirmando que a sua competência em matéria de medidas de execução em relação a um operador autorizado se limitava ao acompanhamento das medidas tomadas a esse respeito a nível nacional, só se aplica a eventuais violações das condições comuns visadas no artigo 7.o, n.o 2, dessa decisão, e, portanto, não diz respeito à fase de «autorização», descrita no título III da mesma decisão.

87      Consequentemente, segundo a demandante, a Comissão estava obrigada a agir a fim de evitar o risco de desvio em relação ao âmbito e aos critérios definidos para a utilização exclusiva da banda de frequências de 2 GHz autorizada no âmbito do processo de harmonização e do procedimento de seleção que dele resultou.

88      A Comissão, apoiada pela Inmarsat e EchoStar, alega que o quadro legal da União aplicável aos sistemas que fornecem MSS não lhe confere competência no que respeita às autorizações a conceder aos operadores para uma utilização particular de uma banda de frequências. Essa competência está exclusivamente reservada às ARN, que são as únicas competentes para conceder autorizações aos candidatos selecionados e para adotar medidas de execução destinadas a assegurar o cumprimento das condições comuns.

89      A este respeito, é importante referir que o quadro regulamentar relativo à gestão do espetro de radiofrequências e aos MSS prevê uma repartição clara de competências entre a Comissão e os Estados‑Membros.

90      Por um lado, resulta do quadro regulamentar relativo à gestão do espetro de radiofrequências e aos MSS que a Comissão possui, como a demandante salienta, certas competências para adotar atos com efeitos jurídicos vinculativos. Com efeito, o artigo 4.o, n.o 3, da decisão espetro de radiofrequências confiou à Comissão uma competência para determinar a disponibilidade e a finalidade de utilização das frequências, competência que ela exerceu, no que respeita à utilização da banda de frequências de 2 GHz para os sistemas que fornecem MSS, através da adoção da decisão harmonização.

91      Tal como a demandante sustenta, a Comissão dispõe também, de acordo com o título II da Decisão MSS, de competência exclusiva para selecionar os operadores de MSS na banda de frequências de 2 GHz segundo um procedimento de seleção comum. Como a Comissão confirmou na audiência em resposta a uma pergunta do Tribunal Geral, no âmbito desse procedimento de seleção comum, cabe‑lhe determinar, nomeadamente, se o sistema proposto na resposta ao convite à apresentação de candidaturas corresponde à definição de um sistema que fornece os MSS tal como estabelecido no artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da referida decisão. Com efeito, como decorre desse título, a Comissão organiza um procedimento de seleção comparativo para a seleção dos operadores de sistemas móveis por satélite. Foi em execução desta competência exclusiva que a Comissão adotou a decisão de seleção, através da qual selecionou a Inmarsat e a Solaris (posteriormente EchoStar) como operadores de sistemas que fornecem MSS na banda de frequências de 2 GHz (ver n.o 8, supra).

92      Por outro lado, o quadro regulamentar aplicável aos MSS confere certas competências exclusivas aos Estados‑Membros. Assim, em primeiro lugar, são as autoridades nacionais competentes que, nos termos do título III da decisão MSS, concedem aos operadores selecionados pela Comissão as autorizações necessárias para utilizar as radiofrequências de rádio atribuídas com vista ao funcionamento dos sistemas móveis por satélite.

93      Com efeito, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, da decisão MSS, cabe exclusivamente aos Estados‑Membros assegurar que os candidatos selecionados tenham o direito de utilizar as radiofrequências específicas identificadas na decisão da Comissão e o direito de explorar um sistema móvel por satélite. Além disso, nos termos do artigo 8.o, n.o 1, dessa decisão, os Estados‑Membros asseguram que as respetivas autoridades competentes concedam aos candidatos selecionados de acordo com o título II da referida decisão e autorizados a utilizar o espetro ao abrigo do artigo 7.o da mesma decisão as autorizações necessárias para a oferta de componentes terrestres complementares de sistemas móveis por satélite no seu território.

94      Decorre do teor do artigo 7.o, n.o 1, e do artigo 8.o, n.o 1, da decisão MSS que a concessão da autorização a título da primeira destas disposições está sujeita a uma única condição, a saber, que o operador que solicita essa autorização seja um candidato selecionado em conformidade com o título II da referida decisão, ao passo que a autorização a título da segunda dessas disposições está sujeita a duas condições, segundo as quais, além de ter a qualidade de operador selecionado, o requerente da autorização também deve estar autorizado a utilizar o espetro de radiofrequências em causa ao abrigo do artigo 7.o dessa decisão (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 5 de março de 2020, Viasat UK e Viasat, C‑100/19, EU:C:2020:174, n.o 46).

95      Consequentemente, uma interpretação literal do artigo 7.o, n.o 1, e do artigo 8.o, n.o 1, da decisão MSS conduz à conclusão de que uma autorização a título de uma destas disposições não pode ser recusada por uma ARN com o fundamento de que o sistema para o qual a autorização foi solicitada não é um sistema móvel por satélite ou de que o operador em causa não respeitou o compromisso assumido durante o procedimento de seleção (v., neste sentido, Acórdão de 5 de março de 2020, Viasat UK e Viasat, C 100/19, EU:C:2020:174, n.o 49). Neste contexto, cabe salientar, como resulta do n.o 91, supra, que a Comissão deve avaliar, antes de adotar a decisão de seleção, se o sistema proposto por um operador em resposta ao convite à apresentação de candidaturas é um sistema móvel por satélite.

96      Conclui‑se que as ARN não dispõem de nenhuma margem de apreciação na concessão das autorizações, pelo que não as podem recusar se o pedido for proveniente de um operador selecionado pela Comissão, o que a demandante reconhece.

97      A demandante considera, em substância, que essa circunstância implica que a Comissão está obrigada a agir a fim de «proteger» as suas competências exclusivas e, assim, impedir que as autorizações sejam concedidas pelas ARN no caso de o sistema para cuja exploração um operador selecionado solicita a autorização ter sido modificado, como acontece aqui com o sistema EAN, em relação àquele para cuja implementação havia sido selecionado pela Comissão, e de o novo sistema não responder às finalidades previstas na decisão harmonização e na decisão MSS nem aos compromissos assumidos pelo operador em causa no âmbito do procedimento de seleção comum.

98      A este respeito, em segundo lugar, importa sublinhar que a competência para controlar o cumprimento das condições comuns previstas, respetivamente, pelo artigo 7.o, n.o 2, e pelo artigo 8.o, n.o 3, da decisão MSS, a que estão sujeitas as autorizações, e dos compromissos assumidos pelo operador em causa no âmbito do procedimento de seleção, assim como a competência para punir eventuais infrações, foi conferida aos Estados‑Membros, limitando‑se a Comissão a dispor, a este respeito, de uma competência de coordenação.

99      Com efeito, primeiro, o artigo 9.o da decisão MSS prevê um sistema de controlo do cumprimento das condições comuns a que estão sujeitas as autorizações concedidas pelas ARN e o procedimento de execução em caso de incumprimento das referidas condições comuns por parte do operador selecionado e autorizado. As competências a este respeito são conferidas pela decisão MSS em primeiro lugar aos Estados‑Membros.

100    Assim, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, da decisão MSS, os Estados‑Membros asseguram o controlo do cumprimento das condições comuns a que estão sujeitas as autorizações concedidas em aplicação dos artigos 7.o e 8.o da referida decisão e tomam as medidas adequadas em caso de incumprimento. O artigo 9.o, n.o 2, primeiro parágrafo, dessa decisão indica que as normas de aplicação nacionais devem ser conformes com o direito da União, particularmente com o artigo 10.o da diretiva autorização.

101    Em conformidade com o artigo 10.o da diretiva autorização, as ARN acompanham e supervisionam o cumprimento das condições a que podem estar sujeitos a autorização geral ou os direitos de utilização das radiofrequências. A este respeito, os Estados‑Membros habilitam as ARN, nomeadamente, a impor às empresas que não cumprem a sua obrigação de respeitar essas autorizações gerais ou essas condições de utilização sanções financeiras dissuasivas ou injunções no sentido de cessarem ou suspenderem o fornecimento de um serviço ou conjunto de serviços que, se forem prosseguidos, poderiam entravar a concorrência de forma significativa.

102    As disposições referidas nos n.os 99 a 101, supra, devem ser lidas à luz do considerando 21 da decisão MSS, segundo o qual as decisões relativas à revogação de autorizações concedidas a MSS ou a componentes terrestres complementares por incumprimento de obrigações deverão ser aplicadas a nível nacional.

103    Segundo, entre as condições comuns a que estão sujeitas as autorizações a título do artigo 7.o, n.o 1, da decisão MSS, cujo cumprimento deve ser assegurado pelos Estados‑Membros em conformidade com o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, dessa decisão, figura, nomeadamente, a condição prevista no artigo 7.o, n.o 2, alínea a), da mesma decisão, segundo a qual os candidatos selecionados devem utilizar o espetro radioelétrico consignado para a oferta de MSS. Esta última disposição, lida em conjunto com a definição contida no artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da referida decisão, visa assim o acompanhamento pelos Estados‑Membros do cumprimento da finalidade de atribuição da frequência para o fornecimento de MSS e, consequentemente, a garantia de que o sistema para cuja exploração a referida frequência é utilizada consiste num sistema móvel por satélite que fornece MSS, o que a demandante admite, em substância, quando alega que a finalidade de harmonização da banda de frequências de 2 GHz impõe que os «sistemas móveis por satélite» forneçam MSS.

104    Além disso, as autorizações referidas no artigo 7.o, n.o 1, da decisão MSS estão igualmente sujeitas à condição comum prevista no artigo 7.o, n.o 2, alínea c), dessa decisão, segundo a qual os candidatos selecionados devem cumprir os compromissos assumidos nos respetivos processos de candidatura e no decurso do procedimento de seleção organizado pela Comissão.

105    Por outro lado, as autorizações concedidas pelas ARN a título do artigo 8.o, n.o 1, da decisão MSS estão sujeitas, nomeadamente, à condição comum prevista no artigo 8.o, n.o 3, alínea a), dessa decisão, segundo a qual os operadores devem utilizar o espetro radioelétrico atribuído para o fornecimento de componentes terrestres complementares de sistemas móveis por satélite, bem como à condição comum prevista no artigo 8.o, n.o 3, alínea b), da referida decisão, segundo a qual os componentes terrestres complementares devem ser parte integrante do sistema de comunicações móveis por satélite e ser controlados pelo mecanismo de gestão dos recursos e da rede de comunicações por satélite. Estas disposições, lidas em conjugação com a definição contida no artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da mesma decisão, permitem assegurar que os Estados‑Membros acompanham e controlam o cumprimento, pelo operador selecionado, nomeadamente, do papel dos componentes terrestres complementares no sistema móvel por satélite autorizado nos termos do artigo 7.o, n.o 1, da decisão em causa.

106    Consequentemente, impõe‑se concluir que a decisão MSS prevê um procedimento de acompanhamento em relação a um sistema para o qual as autorizações são concedidas pelas ARN e o controlo da utilização, de acordo com a finalidade harmonizada para o fornecimento de MSS, da frequência atribuída ao operador selecionado e autorizado, e, portanto, do cumprimento, por este último, do quadro legal aplicável aos MSS, nomeadamente no que respeita à própria definição do sistema móvel por satélite e aos compromissos assumidos aquando do procedimento de seleção. Os poderes decisórios a este respeito são conferidos aos Estados‑Membros.

107    Terceiro, no que respeita às competências da Comissão no âmbito do procedimento de controlo e execução, decorre do considerando 22 da Decisão MSS que, embora o controlo da utilização do espetro radioelétrico pelos operadores de sistemas móveis por satélite selecionados e autorizados seja efetuado a nível nacional, a Comissão deve conservar a possibilidade de definir as modalidades de um procedimento coordenado de controlo e execução. Sempre que necessário, a Comissão deverá dispor da possibilidade de suscitar questões relacionadas com a aplicação da lei no que diz respeito ao cumprimento, pelos operadores, das condições comuns de autorização.

108    Assim, por um lado, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 2, terceiro parágrafo, da decisão MSS «[a] Comissão pode, com a assistência do Comité das Comunicações [criado pelo artigo 22.o da diretiva‑quadro] proceder à análise de qualquer alegado incumprimento das condições comuns». Além disso, de acordo com a mesma disposição, «[c]aso um Estado‑Membro informe a Comissão de um determinado incumprimento, a Comissão analisa o alegado incumprimento». Esta disposição não especifica a natureza do ato que a Comissão pode adotar com base nela nem os efeitos jurídicos de um exame que a Comissão pode ou, sendo esse o caso, deve realizar.

109    Contudo, decorre da interpretação contextual do artigo 9.o, n.o 2, terceiro parágrafo, da decisão MSS que, em execução das competências que lhe são conferidas por esta disposição, a Comissão pode, quando muito, deve, no âmbito dos trabalhos do Comité das Comunicações, formular uma recomendação ou um parecer dirigido às autoridades nacionais competentes. Com efeito, decorre do artigo 9.o, n.o 2, da referida decisão que cabe aos Estados‑Membros assegurar o cumprimento das condições comuns e tomar as medidas adequadas em caso de incumprimento (ver n.o 100, supra). Conclui‑se que a «análise» que a Comissão pode ou deve efetuar nos termos artigo 9.o, n.o 2, terceiro parágrafo, dessa decisão só se pode destinar a prestar aos Estados‑Membros assistência com vista a decidir se houve ou não violação das condições comuns e, em caso afirmativo, a sanção a aplicar devido a essa violação, sem conferir à Comissão qualquer poder decisório a este respeito.

110    Ora, de acordo com a jurisprudência recordada nos n.os 68 e 69, supra, todas as disposições adotadas pelas instituições, independentemente da sua forma, que se destinem a produzir efeitos jurídicos vinculativos são consideradas atos impugnáveis na aceção do artigo 263.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Hungria/Comissão, C‑31/13 P, EU:C:2014:70, n.o 54).

111    Em contrapartida, escapa à fiscalização jurisdicional prevista no artigo 263.o TFUE qualquer ato que não produza efeitos jurídicos vinculativos, como sejam os atos confirmativos e os atos de pura execução, as simples recomendações e os pareceres e, em princípio, as instruções internas [v., neste sentido, Acórdão de 12 de setembro de 2006, Reynolds Tobacco e o./Comissão, C‑131/03 P, EU:C:2006:541, n.o 55 e jurisprudência referida; e Despacho de 14 de maio de 2012, Sepracor Pharmaceuticals (Ireland)/Comissão, C‑477/11 P, não publicado, EU:C:2012:292, n.o 52].

112    Consequentemente, nos termos da jurisprudência recordada no n.o 72, supra, o presente pedido de anulação é inadmissível na medida em que diz respeito a uma recusa da Comissão em adotar um ato em aplicação do artigo 9.o, n.o 2, terceiro parágrafo, da decisão MSS.

113    Por outro lado, no que respeita à competência da Comissão, nos termos do artigo 9.o, n.o 3, da decisão MSS, para adotar uma decisão que produza efeitos jurídicos vinculativos para os Estados‑Membros, a fim de estabelecer um mecanismo de coordenação da execução das condições comuns relativas à prestação de MSS, a Comissão reconheceu, em resposta ao argumento da Eutelsat e a uma pergunta do Tribunal Geral, que esta disposição lhe confere competências para adotar outras modalidades adequadas para a aplicação coordenada das normas de execução, nomeadamente no que diz respeito às condições comuns a que está sujeita a utilização de componentes terrestres complementares.

114    No entanto, importa salientar, à semelhança da Comissão, que a competência que lhe é conferida nos termos do artigo 9.o, n.o 3, da decisão MSS mais não é que uma competência para coordenar as modalidades de aplicação das medidas de execução pelas autoridades nacionais competentes, conservando estas últimas, porém, plena competência para efeitos de implementação dessas medidas de execução. Assim, a Comissão não tem nenhuma competência, nos termos desta disposição, nem para declarar de forma vinculativa a existência de uma violação das condições comuns, nem para adotar um ato por força do qual possa impedir essas autoridades nacionais de conceder uma autorização, de a revogar ou de a suspender no caso de verificarem a existência de uma infração.

115    Decorre das considerações anteriores que, ao contrário do que a demandante alega, a decisão MSS não confere à Comissão competências explícitas para avaliar a compatibilidade do sistema EAN com a decisão de seleção ou com o quadro regulamentar aplicável aos MSS, nem para adotar subsequentemente um ato destinado a impedir as ARN de concederem as autorizações à Inmarsat ou a forçá‑las a revogar as autorizações concedidas, o que seria impugnável nos termos do artigo 263.o TFUE.

116    Em terceiro lugar, na medida em que os argumentos apresentados pela demandante no âmbito da presente alegação devem ser entendidos no sentido de que afirma que a Comissão tem competências implícitas para adotar um ato contrário revogando ou alterando a decisão de seleção dos operadores com o fundamento de que a utilização da banda de frequências de 2 GHz atribuída à Inmarsat não corresponde nem às finalidades fixadas pela decisão harmonização nem aos critérios com base nos quais a Inmarsat foi selecionada, cabe referir o seguinte.

117    Por força de um princípio geral de direito, o órgão que é competente para adotar um ato jurídico determinado é igualmente competente para o revogar ou modificar mediante a adoção de um actus contrarius, a menos que uma disposição expressa atribua essa competência a outro órgão (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de novembro de 2002, Lagardère e Canal+/Comissão, T‑251/00, EU:T:2002:278, n.o 130, e de 15 de dezembro de 2016, Espanha/Comissão, T‑808/14, não publicado, EU:T:2016:734, n.o 40).

118    No caso vertente, na medida em que as autorizações só podem ser concedidas pelas ARN aos operadores selecionados pela Comissão (v. n.o 94, supra), a revogação da decisão de seleção teria tido como consequência, para o operador, a perda do seu estatuto de operador selecionado, e, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 8.o, n.o 2, da decisão MSS, as ARN já não lhe poderiam conceder as autorizações.

119    A este respeito, não está excluído que, em certas circunstâncias, a Comissão seja competente para revogar ou modificar a decisão de seleção que adotou (v., neste sentido, Acórdão de 5 de março de 2020, Viasat UK e Viasat, C‑100/19, EU:C:2020:174, n.o 47).

120    No entanto, reconhecer que a Comissão tem essa competência para revogar a decisão de seleção ou para a alterar com o fundamento de que, após a sua adoção, o operador selecionado modificou o seu sistema, pelo que este deixou de ser conforme com o quadro jurídico aplicável às MSS ou com os compromissos assumidos aquando do procedimento de seleção, é contrário ao sistema de repartição de competências entre a Comissão e os Estados‑Membros, uma vez que pressupõe que a Comissão avalia a compatibilidade do sistema em causa com o quadro jurídico e com a referida decisão, tornando inútil o procedimento de execução que faz parte dos poderes decisórios exclusivos dos Estados‑Membros. Ora, como resulta claramente do n.o 106, supra, no quadro do sistema de repartição de competências entre a Comissão e os Estados‑Membros resultante da decisão MSS, cabe aos Estados‑Membros, com a assistência da Comissão, que tem competências de coordenação a esse respeito, controlar essa compatibilidade no âmbito do controlo do cumprimento das condições comuns a que estão sujeitas as autorizações concedidas ao operador selecionado. Assim, a competência a este respeito foi explicitamente conferida pelas disposições expressas da decisão MSS a um órgão diferente da Comissão na aceção da jurisprudência recordada no n.o 117, supra.

121    Além disso, deve ter‑se em conta que a revogação retroativa de um ato administrativo favorável está sujeita a condições estritas. Segundo jurisprudência constante, embora deva ser reconhecido a qualquer instituição da União, que constate que o ato que acabou de adotar está ferido de um ilegalidade, o direito de o revogar, este direito pode ver‑se limitado pela necessidade de respeitar a confiança legítima do beneficiário do ato, que possivelmente confiou na sua legalidade (Acórdãos de 17 de abril de 1997, de Compte/Parlamento, C‑90/95 P, EU:C:1997:198, n.o 35 e jurisprudência referida, e de 12 de maio de 2011, Région Nord‑Pas‑de‑Calais e Communauté d’agglomération du Douaisis/Comissão, T‑267/08 e T‑279/08, EU:T:2011:209, n.o 189 e jurisprudência referida). Assim, a revogação de um ato que cria direitos está sujeita ao respeito de três condições: primeira, a decisão constitutiva do direito deve ser ilegal; segunda, a revogação deve ocorrer num prazo razoável após a adoção da decisão em causa; e, terceira, a instituição deve, em princípio, respeitar a proteção da confiança legítima do beneficiário da decisão que pôde, de boa‑fé, confiar na sua legalidade (v., neste sentido, Acórdão de 23 de outubro de 2012, Eklund/Comissão, F‑57/11, EU:F:2012:145, n.os 69 a 72). Ora, a demandante não apresentou nenhum argumento para demonstrar que as segunda e terceira condições acima referidas estavam preenchidas no presente caso.

122    Consequentemente, a presente alegação não pode proceder.

2)      Quanto às competências da Comissão resultantes dos princípios gerais do direito da União relativos aos contratos públicos

123    Remetendo para as Diretivas 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65), e 2014/23/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à adjudicação de contratos de concessão (JO 2014, L 94, p. 1), a demandante, apoiada pela Eutelsat, alega que a obrigação de agir da Comissão também decorre dos princípios gerais do direito da União relativos aos contratos públicos, segundo os quais a entidade adjudicante tem a obrigação de velar pelo cumprimento das obrigações e das condições estabelecidas no quadro de um processo de adjudicação de um contrato e pelo cumprimento dos princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação e da transparência. Assim, cabe à Comissão punir os «desvios manifestos» tendo em conta o âmbito da utilização autorizada e o fundamento em que se baseou a organização do concurso.

124    A Comissão refuta estes argumentos.

125    Importa sublinhar que, com a presente alegação, a demandante parece afirmar, em substância, que, atendendo à «mudança fundamental» na finalidade de utilização, pela Inmarsat, da banda de frequências de 2 GHz em relação àquela para a qual tinha sido selecionada, a Comissão estava obrigada, à luz dos princípios gerais do direito da União relativos aos contratos públicos, a reabrir o procedimento de seleção ou a organizar um novo procedimento, a fim de poder reavaliar, no âmbito desse novo procedimento, o sistema EAN.

126    A este respeito, primeiro, cabe salientar que, no caso vertente, através da decisão de seleção, a Comissão escolheu os operadores que deviam ser autorizados a utilizar, em cada Estado‑Membro, certas frequências na banda de frequências de 2 GHz para MSS, mas não adjudicou concessões na aceção da Diretiva 2014/23 nem organizou um procedimento de concurso público ao abrigo da Diretiva 2014/24. Com efeito, o procedimento de seleção está abrangido pelas regras especiais com base nas quais foi organizado, a saber, o título II da decisão MSS. Consequentemente, de acordo com o adágio lex specialis derogat lex generalis, as diretivas invocadas pela demandante não são aplicáveis no presente caso.

127    Segundo, a aplicação por analogia das Diretivas 2014/23 e 2014/24 às circunstâncias do presente caso é contrária ao princípio de atribuição de competências, tal como decorre do artigo 5.o TUE (ver n.o 201, infra), como alega a Comissão.

128    A presente alegação deve, por conseguinte, ser julgada improcedente.

3)      Quanto às competências da Comissão resultantes do princípio da cooperação leal

129    A demandante alega que, de acordo com o princípio da cooperação leal, a Comissão estava obrigada a assistir as ARN no desempenho das missões que lhes incumbem por força dos Tratados e a fornecer‑lhes orientações sobre a implementação, através da decisão MSS, das disposições harmonizadas. Segundo a demandante, a Comissão estava obrigada a fornecer, por força desse princípio, orientações ou recomendações para assistir as ARN no cumprimento da sua missão.

130    A este respeito, há que recordar, como resulta claramente da jurisprudência referida nos n.os 110 e 111, supra, que uma orientação ou uma recomendação que não seja vinculativa não constitui um ato impugnável. Consequentemente, em aplicação da jurisprudência referida no n.o 72, supra, a presente ação, na medida em que a demandante pede ao Tribunal Geral que declare a existência de uma omissão culposa por parte da Comissão na adoção dessa recomendação, deve ser declarada inadmissível.

131    Além disso, mesmo admitindo que, com esse argumento, a demandante sustenta que, em aplicação do princípio da cooperação leal, a Comissão deveria ter dirigido às ARN um ato individual de natureza vinculativa a fim de as assistir no exercício das suas competências relativas à concessão de autorizações ao operador selecionado, deve salientar‑se que as relações entre os Estados‑Membros e as instituições da União são reguladas, nos termos do artigo 4.o, n.o 3, por esse princípio. O referido princípio não só obriga os Estados‑Membros a tomarem todas as medidas adequadas para garantir o alcance e a eficácia do direito da União mas também impõe igualmente às instituições da União deveres recíprocos de cooperação leal com os Estados‑Membros (Despacho de 13 de julho de 1990, Zwartveld e o., C‑2/88 IMM., EU:C:1990:315, n.o 17). Este dever de cooperação leal é de aplicação geral e não depende do caráter exclusivo ou não da competência em causa da União (Acórdão de 20 de abril de 2010, Comissão/Suécia, C‑246/07, EU:C:2010:203, n.o 71).

132    A este respeito, cabe sublinhar que, no âmbito da presente alegação, a demandante parte da premissa, errada, de que as ARN devem avaliar a compatibilidade do sistema da Inmarsat com o quadro jurídico aplicável e, particularmente, com a decisão de seleção, adotada pela Comissão, antes de conceder as autorizações. Contudo, como decorre do n.o 94, supra, a única condição que as ARN devem avaliar no momento da adoção da decisão sobre pedidos de autorização nos termos do artigo 7.o da decisão MSS, e uma das duas condições a avaliar para conceder as autorizações ao abrigo do artigo 8.o dessa decisão, a segunda das quais consiste em dispor já das autorizações a título do referido artigo 7.o, é a qualidade de «operador selecionado» do requerente das autorizações. No caso da Inmarsat, essa qualidade decorre sem nenhuma ambiguidade do artigo 2.o da decisão de seleção, o qual não necessita de nenhuma interpretação.

133    As questões do respeito da finalidade para a qual a banda de frequências de 2 GHz foi atribuída à Inmarsat e a da compatibilidade do sistema EAN com o quadro jurídico aplicável, nomeadamente com os compromissos assumidos aquando do procedimento de seleção, fazem parte do mecanismo de controlo e de execução previsto no artigo 9.o da decisão MSS. Ora, esta decisão prevê o mecanismo específico de assistência que traduz a cooperação leal entre a Comissão e os Estados‑Membros. Com efeito, nos termos do artigo 9.o, n.o 2, terceiro parágrafo, da referida decisão, caso um Estado‑Membro informe a Comissão de um determinado incumprimento, a Comissão analisa o alegado incumprimento com a assistência do Comité das Comunicações. A obrigação que pesa, nesse momento, sobre a Comissão reflete o espírito do princípio da cooperação leal. Esta cooperação é reforçada pela decisão de execução, adotada pela Comissão a título do artigo 9.o, n.o 3, da decisão MSS, que vem estabelecer um procedimento de análise e de troca de informação à escala da União, a cargo da Comissão.

134    Não pode recair sobre a Comissão, apenas com base no princípio da cooperação leal, nenhuma outra obrigação autónoma que lhe confira competência para agir em conformidade com o convite que lhe foi dirigido pela demandante.

135    Decorre das considerações anteriores que a presente alegação deve ser julgada improcedente.

4)      Quanto às competências relacionadas com a obrigação de evitar a fragmentação do mercado interno a fim de garantir o efeito útil da iniciativa de harmonização da banda de frequências de 2 GHz dedicada aos MSS

136    Quanto às alegações da demandante relativas à obrigação de a Comissão adotar, em resposta ao seu convite para agir, um ato com o objetivo de preservar o mercado interno dos MSS, a demandante, apoiada pelo Reino dos Países Baixos e pela Eutelsat, considera que a Comissão dispõe efetivamente de competências autónomas destinadas a evitar a fragmentação do mercado interno que ocorreria se as ARN decidissem, por sua iniciativa, autorizar a Inmarsat a utilizar a banda de frequências de 2 GHz para uma nova finalidade. Considera que essas competências resultam do artigo 9.o, n.o 2, terceiro parágrafo, da decisão MSS, do artigo 19.o da diretiva‑quadro, do considerando 35 da diretiva autorização e do artigo 114.o TFUE lido em conjugação com o artigo 1.o, n.o 1, e os considerandos 5, 12 e 14 da decisão MSS.

137    A este respeito, importa sublinhar que as competências exclusivas explicitamente confiadas à Comissão no âmbito da gestão dos MSS, que consistem em harmonizar as finalidades da utilização da banda de frequências de 2 GHz e em selecionar os operadores através do procedimento comum para utilizar esta banda segundo as finalidades assim harmonizadas, se inscrevem num contexto regulamentar mais lato cujo objetivo é criar um mercado único para a utilização harmonizada de certas radiofrequências, como decorre, nomeadamente, do artigo 8.o da diretiva‑quadro e do artigo 8.o da diretiva autorização. Como resulta dos considerandos 11 a 13 da decisão MSS, o caráter transfronteiriço intrínseco dos MSS que asseguram as comunicações via satélite justificou a atribuição, a título excecional, destas competências exclusivas especificamente à Comissão.

138    Além disso, cabe salientar, à semelhança da demandante, que resulta, em substância, do artigo 1.o, n.o 1, e dos considerandos 5, 12 e 14 da decisão MSS que o principal objetivo da iniciativa destinada a harmonizar a utilização do espetro radioelétrico na banda de frequências de 2 GHz para os MSS era o estabelecimento de um mercado interno de MSS pan‑europeus que assegurem uma conectividade universal, sendo os outros objetivos visados, realçados pela Comissão e pela Inmarsat e a EchoStar, intensificar a concorrência, encorajar investimentos rentáveis e contribuir para a competitividade do setor europeu das tecnologias de informação e das comunicações, em conformidade com os objetivos da Estratégia de Lisboa renovada. O procedimento de seleção comum organizado pela Comissão, no termo do qual atribuiu esta frequência, nomeadamente, à Inmarsat, inscreve‑se no quadro desses objetivos.

139    É nomeadamente à luz desses objetivos que se deve examinar a existência das competências da Comissão para agir na sequência do convite da demandante para adotar um ato destinado a evitar uma violação do mercado interno nos MSS pan‑europeus e, assim, preservar o efeito útil da harmonização, que, segundo a demandante, seria posto em causa devido à mudança, pela Inmarsat, da finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz.

i)      Quanto às competências da Comissão resultantes da diretivaquadro

140    A demandante, apoiada pela Eutelsat, considera que as competências da Comissão destinadas a evitar a fragmentação do mercado interno que ocorreria se as ARN decidissem, por sua iniciativa, autorizar a Inmarsat a utilizar a banda de frequências de 2 GHz para uma nova finalidade resultam do artigo 19.o da diretiva‑quadro.

141    Na opinião da demandante, é razoável concluir que o mandato conferido à Comissão pela diretiva‑quadro no que respeita à harmonização das finalidades da utilização da banda de frequências de 2 GHz inclui também a obrigação de acompanhar o desenvolvimento desse setor e, se necessário, de atualizar a sua decisão harmonização.

142    A Comissão alega que nenhuma das disposições da diretiva‑quadro invocadas pela demandante, nomeadamente o artigo 19.o dessa diretiva, lhe confere competências de execução em relação aos operadores ou às ARN no que respeita às condições a que está sujeita a utilização das radiofrequências.

143    A este respeito, importa começar por referir que a diretiva‑quadro tem por objetivo promover a harmonização da gestão das radiofrequências. A referida diretiva prevê que cabe aos Estados‑Membros velar pela gestão eficaz das radiofrequências para os serviços de comunicações eletrónicas no seu território e promover a harmonização da sua utilização, a fim de garantir que são utilizadas de forma eficaz e efetiva. O seu artigo 8.o‑A prevê que os Estados‑Membros cooperam entre si e com a Comissão no planeamento estratégico, na coordenação e na harmonização da utilização do espetro de radiofrequências na União.

144    A diretiva‑quadro prevê um mecanismo de controlo, pela Comissão, da aplicação das medidas harmonizadas pelas ARN. Com efeito, nos termos do seu artigo 19.o, n.o 1, «caso constate que as divergências na execução, por parte das [ARN], das funções regulatórias especificadas na presente diretiva e nas diretivas específicas podem criar um obstáculo ao mercado interno, a Comissão pode, tendo na máxima conta o parecer do [Organismo dos Reguladores Europeus das Comunicações Eletrónica (ORECE)], publicar uma recomendação ou uma decisão sobre a aplicação harmonizada das disposições da presente diretiva e das diretivas específicas, para acelerar a consecução dos objetivos enunciados no [seu] artigo 8.o».

145    Os objetivos enunciados no artigo 8.o da diretiva‑quadro são, nomeadamente, promover a concorrência no fornecimento de redes e serviços de comunicações eletrónicas e de recursos e serviços associados, e contribuir para o desenvolvimento do mercado interno.

146    Daqui decorre que a Comissão dispõe, ao abrigo do artigo 19.o da diretiva‑quadro, de competências destinadas a preservar a existência de um mercado interno.

147    Contudo, por um lado, uma recomendação que a Comissão pudesse adotar com base no artigo 19.o da diretiva‑quadro não seria vinculativa e, portanto, não constituiria um ato impugnável, como resulta da jurisprudência recordada nos n.os 110 e 111, supra. Ora, em aplicação da jurisprudência recordada no n.o 72, supra, uma recusa de agir é um ato suscetível de ser objeto de um recurso de anulação na aceção do artigo 263.o TFUE. Conclui‑se que a presente ação deve ser declarada inadmissível na medida em que a demandante pede ao Tribunal Geral que declare que houve uma omissão culposa por parte da Comissão na adoção dessa recomendação.

148    Por outro lado, no que respeita às decisões que a Comissão tem competência para adotar nos termos do artigo 19.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, que são vinculativas, sublinhe‑se que, em conformidade com o n.o 3 deste artigo, essas decisões têm um conteúdo limitado. Com efeito, só podem incluir a identificação de uma abordagem harmonizada ou coordenada para tratar as questões enumeradas no referido número. Ora, entre essas questões, não figura a questão relativa a uma abordagem harmonizada das autorizações a conceder a um operador selecionado segundo o procedimento comum, após a utilização de uma frequência ter sido harmonizada.

149    O artigo 19.o da diretiva‑quadro não pode, por conseguinte, constituir um fundamento jurídico para a adoção de uma medida solicitada pela demandante no convite para agir.

150    Além disso, o argumento da demandante de que a Comissão é competente, ao abrigo da diretiva‑quadro, para propor uma revisão da finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz está relacionado com o argumento através do qual acusou a Comissão de não ter utilizado os seus poderes de iniciativa legislativa e será examinado nos n.os 191 e seguintes, infra.

151    Por último, uma vez que esse argumento deve ser entendido no sentido de que a demandante considera que a própria Comissão devia alterar a finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz na medida em que tem competência exclusiva para determinar essa finalidade harmonizada, impõe‑se salientar que a decisão harmonização, que prevê a finalidade harmonizada da referida utilização para os MSS, foi adotada pela Comissão com fundamento no artigo 4.o, n.o 3, da decisão espetro de radiofrequências, e não com fundamento numa das disposições da diretiva‑quadro.

152    Por conseguinte, importa examinar o mérito do argumento da demandante no que respeita às competências para alterar a finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz, conferidas à Comissão nos termos, nomeadamente, do artigo 4.o, n.o 3, da decisão espetro de radiofrequências.

ii)    Quanto às competências da Comissão para modificar a finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz

153    Decorre do artigo 1.o da decisão espetro de radiofrequências que o objetivo prosseguido por essa decisão é estabelecer um quadro jurídico e político na União, a fim de garantir a coordenação das abordagens políticas e, sempre que oportuno, a existência de condições harmonizadas para a disponibilidade e utilização eficiente do espetro das radiofrequências necessárias à criação e ao funcionamento do mercado interno em domínios da política da União, tais como as comunicações eletrónicas, os transportes, a investigação e o desenvolvimento.

154    Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, da decisão espetro de radiofrequências, para cumprir esse objetivo, a Comissão submete ao Comité do Espetro de Radiofrequências as medidas técnicas de execução adequadas com vista a garantir uma harmonização das condições de disponibilidade e utilização eficiente do espetro de radiofrequências, bem como a disponibilidade de informações relativas à utilização do espetro de radiofrequências. Neste contexto, o artigo 4.o, n.o 2, da mesma decisão confere à Comissão competência para confiar mandatos à Conferência Europeia das Administrações Postais e de Telecomunicações (CEPT) com vista à elaboração de medidas técnicas de execução, tais como a harmonização da atribuição de radiofrequências. Nos termos do artigo 4.o, n.o 3, da referida decisão, a Comissão decidirá se os resultados do trabalho efetuado nos termos do artigo 4.o, n.o 2, serão aplicáveis na União e fixará o prazo para a sua aplicação pelos Estados‑Membros.

155    Assim, foi no exercício das suas competências da «gestão técnica do espetro de radiofrequências» (v. considerando 11 da decisão espetro de radiofrequências), que lhe são conferidas nos termos do artigo 4.o, n.o 3, da decisão espetro de radiofrequências, que a Comissão adotou a decisão harmonização, na qual procedeu, como decorre do seu artigo 1.o e do seu considerando 6, à harmonização das condições subjacentes à disponibilidade e utilização eficiente das bandas de frequências de 2 GHz para os sistemas que fornecem MSS.

156    Foi, assim, para a utilização da referida banda de frequências segundo essa finalidade que os operadores, incluindo a Inmarsat, foram selecionados pela Comissão de acordo com o procedimento comum.

157    A demandante considera que uma mudança na utilização da banda de frequências de 2 GHz em relação à utilização prevista na decisão harmonização deve ser feita ao abrigo de uma nova decisão da Comissão, seguida de um novo convite à apresentação de candidaturas relativo à atribuição dessa banda de frequências.

158    Pode deduzir‑se dos argumentos da demandante que esta entende que essa decisão imporia à Comissão uma obrigação de revogar a decisão de seleção ou de organizar um novo procedimento de seleção a fim de atribuir a banda de frequências de 2 GHz de acordo com a nova finalidade harmonizada, no qual a demandante poderia participar.

159    A este respeito, é importante salientar que a Comissão não negou ter competência para alterar a finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz, o que confirmou na audiência em resposta às perguntas do Tribunal Geral, insistindo, porém, no caráter «técnico» dessa harmonização.

160    Cabe sublinhar que essa competência da Comissão resulta, nomeadamente, do artigo 4.o, n.o 3, da decisão espetro de radiofrequências, na medida em que a Comissão podia, nesta base, adotar uma nova decisão que previsse a harmonização das condições de utilização e de disponibilidade da banda de frequências de 2 GHz para outras finalidades diferentes da exploração dos sistemas que fornecem MSS, revogando assim a decisão harmonização atualmente em vigor.

161    Com efeito, por força do princípio geral de direito recordado no n.o 117, supra, o órgão que é competente para adotar um ato jurídico determinado, neste caso a decisão harmonização, é igualmente competente, em princípio, para o revogar ou modificar. Uma vez que nenhuma disposição do quadro regulamentar aplicável confere esta competência a outro órgão, a Comissão é igualmente competente para adotar uma decisão destinada a alterar a decisão harmonização, em conformidade com o procedimento referido no ponto 154, supra.

162    Além disso, o artigo 4.o da decisão harmonização, lido em conjugação com o considerando 12 da referida decisão, confere à Comissão competências para a rever. Com efeito, este considerando estabelece que, tendo em conta a evolução do mercado e das tecnologias, essa decisão poderá ter de ser revista no futuro, com base numa avaliação feita pela Comissão e nas informações fornecidas pelos Estados‑Membros. O artigo 4.o dessa decisão prevê que os Estados‑Membros acompanharão de perto a utilização das bandas de frequências em causa e comunicarão as suas conclusões à Comissão, tendo em vista uma eventual revisão da mesma decisão.

163    Na sua carta de 14 de fevereiro de 2017 (ver n.o 16, supra), a Comissão informou a demandante de que não estava prevista nenhuma «redefinição» da finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz. Conclui‑se daqui que a Comissão não negou dispor de competências para alterar essa finalidade, o que confirmou, em substância, na audiência, mas indicou à demandante que não tencionava fazer essa alteração.

164    A este respeito, refira‑se que, embora decorra dos n.os 159 a 162, supra, que a Comissão dispõe de competências para alterar a finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz, a demandante não tem, em todo o caso, legitimidade, de acordo com a jurisprudência citada no n.o 72, supra, para impugnar a decisão que a Comissão se recusou a adotar, a saber, uma nova decisão harmonização com fundamento no artigo 4.o, n.o 3, da decisão espetro de radiofrequências que revogue a decisão harmonização em vigor ou uma revisão desta última em conformidade com o seu artigo 4.o

165    Nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, «[q]ualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos, recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução».

166    No presente caso, a decisão que altera a finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz não se dirige à demandante, mas sim aos Estados‑Membros. Nestas condições, por força do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, a demandante só pode pedir a anulação desse ato se o mesmo constituir um ato regulamentar que lhe diga diretamente respeito e não necessite de medidas de execução ou que lhe diga direta e individualmente respeito.

167    Em primeiro lugar, importa verificar se a decisão que a Comissão se recusou a adotar constituiria um ato regulamentar na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

168    A este respeito, cabe recordar que, de acordo com a jurisprudência, o conceito de ato regulamentar na aceção daquela disposição deve ser entendido no sentido de que abrange todos os atos de alcance geral, com exceção dos atos legislativos (Despacho de 6 de Setembro de 2011, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, T‑18/10, EU:T:2011:419, n.o 56).

169    No caso vertente, a base jurídica da decisão que alteraria a finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz, quer fosse uma nova decisão harmonização que revogasse a existente ou uma revisão desta, seria o artigo 4.o, n.o 3, da decisão espetro de radiofrequências. Este artigo prevê que uma medida tomada pela Comissão com base no mesmo seja adotada em conformidade com o procedimento previsto no artigo 3.o, n.o 3, da referida decisão, que por sua vez remete para o procedimento previsto nos artigos 5.o e 7.o da Decisão 1999/468/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão (JO 1999, L 184, p. 23). Consequentemente, a decisão que alteraria a finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz seria adotada pela Comissão no exercício de competências de execução, e não no exercício de competências legislativas.

170    Além disso, a decisão que alteraria a finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz seria de alcance geral, uma vez que se aplicaria a situações determinadas objetivamente e produziria efeitos jurídicos relativamente a uma categoria de pessoas consideradas de forma geral e abstrata. Com efeito, essa decisão teria por objeto harmonizar as condições que garantiriam a disponibilidade e a nova utilização da banda de frequências de 2 GHz.

171    Consequentemente, deve considerar‑se que a decisão que alteraria a finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz constituiria um ato regulamentar na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. Assim, por força desta última disposição, a demandante poderia pedir a anulação dessa decisão se esta lhe dissesse diretamente respeito e não necessitasse de medidas de execução.

172    Em segundo lugar, no que respeita à afetação direta da demandante, cabe recordar que a condição segundo a qual uma pessoa singular ou coletiva deve ser diretamente afetada pela decisão objeto do recurso, tal como prevista no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, requer a reunião de dois critérios cumulativos, a saber, que a medida contestada, por um lado, produza diretamente efeitos na situação jurídica do particular, e, por outro, que não deixe nenhum poder de apreciação aos destinatários que estão encarregados da sua execução, visto ter caráter puramente automático e decorrer apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias (Acórdãos de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 42 e jurisprudência referida).

173    A este respeito, primeiro, no que respeita à falta de poder de apreciação dos destinatários encarregados da execução da decisão em causa, decorre do artigo 3.o, n.o 1, da decisão harmonização em vigor que, a partir de 1 de julho de 2007, os Estados‑Membros designarão e disponibilizarão a banda de frequências de 2 GHz para os sistemas em causa. Decorre assim, particularmente, desta disposição que a nova decisão harmonização que alteraria a finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz não deixaria aos Estados‑Membros nenhuma margem de apreciação no que respeita à sua execução.

174    Segundo, no que respeita aos efeitos diretos na situação jurídica da demandante, importa começar por referir que decorre do considerando 11 da decisão espetro de radiofrequências que «[a] gestão técnica do espetro de radiofrequências inclui a harmonização e atribuição do referido espetro», mas «não abrange os procedimentos de consignação e de licenciamento, nem a decisão de utilizar ou não procedimentos de seleção concorrenciais para a atribuição de frequências de rádio».

175    Isto decorre igualmente do considerando 8 da decisão MSS, que prevê que a gestão técnica do espetro radioelétrico no âmbito da decisão espetro de radiofrequências, geralmente, e da decisão harmonização, particularmente, não diz respeito aos procedimentos de atribuição e concessão de direitos de utilização de radiofrequências.

176    Seguidamente, decorre, por um lado, do considerando 9 da decisão MSS que os operadores dos sistemas móveis por satélite são selecionados e autorizados a nível nacional e, por outro, do considerando 11 da referida decisão que se deve harmonizar os critérios de seleção dos sistemas móveis por satélite de modo que o procedimento de seleção permita disponibilizar MSS em toda a Europa. É assim que o artigo 1.o dessa decisão enuncia, em substância, que esta última cria um procedimento de seleção comum dos operadores de sistemas móveis por satélite que utilizam o espetro radioelétrico de 2 GHz em conformidade com a decisão harmonização.

177    Posto isto, é manifesto que um procedimento de seleção dos operadores desses sistemas deve ser organizado posteriormente a fim de atribuir a banda de frequências de 2 GHz de acordo com a finalidade harmonizada prevista na decisão harmonização. Isto é aceite pela própria demandante, como se depreende dos n.os 157 e 158, supra. Com efeito, a demandante alega que uma decisão que alterasse a finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz imporia à Comissão a obrigação de revogar a decisão de seleção ou de organizar um novo procedimento de seleção com vista a atribuir a banda de frequências de 2 GHz de acordo com a nova finalidade harmonizada, procedimento esse em que poderia participar.

178    Por conseguinte, a decisão que alteraria a finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz, que a Comissão se recusou a adotar, não poderia, por si só, produzir efeitos imediatos e concretos na situação jurídica da demandante, uma vez que apenas determinaria a disponibilidade e a finalidade da referida utilização e não diria respeito nem aos procedimentos de atribuição e concessão de autorizações nem à decisão de recorrer a procedimentos de seleção concorrenciais para a atribuição de frequências de rádio, nos quais a demandante poderia participar. Consequentemente, deve concluir‑se que a condição de afetação direta prevista na última frase do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE não está preenchida.

179    Assim, uma vez que a condição da afetação direta não está preenchida no presente caso, não é necessário examinar a eventual existência de medidas de execução. Por conseguinte, deve concluir‑se que a demandante não tem legitimidade, nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, para impugnar uma decisão que alterasse a finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz, adotada com base no artigo 4.o, n.o 3, da decisão espetro de radiofrequências.

180    Ora, em aplicação da jurisprudência recordada no n.o 72, supra, a recusa de agir é um ato suscetível de ser objeto de um recurso de anulação desde que o ato que a instituição se recusa a adotar pudesse ter sido impugnado ao abrigo do artigo 263.o TFUE. Daí resulta que a presente ação deve ser declarada inadmissível na medida em que a demandante pede ao Tribunal Geral que declare a existência de uma omissão culposa por parte da Comissão na adoção dessa decisão que alteraria a finalidade da utilização da banda de frequências de 2 GHz, e, portanto, a alegação da demandante deve ser rejeitada.

iii) Quanto às competências da Comissão resultantes da diretiva autorização

181    A demandante invoca o considerando 35 da diretiva autorização para argumentar que a Comissão deve tomar todas as medidas necessárias para assegurar o bom funcionamento do mercado interno das MSS.

182    Nos termos do seu artigo 1.o, a diretiva autorização destina‑se a instaurar um mercado interno dos serviços e redes de comunicações eletrónicas harmonizando e simplificando as regras e condições de autorização, a fim de facilitar a sua oferta em toda a União. O acesso ao espetro radioelétrico deve, assim, ser facilitado a fim de reforçar a eficácia, encorajar a inovação e aumentar a escolha proposta aos utilizadores e consumidores. Para esse efeito, o artigo 5.o, n.o 2, da referida diretiva prevê que os direitos de utilização de radiofrequências e de números serão concedidos através de procedimentos abertos, objetivos, transparentes, não discriminatórios e proporcionais.

183    Nos termos do artigo 8.o e do considerando 24 da diretiva autorização, quando tenha sido acordada a nível europeu a consignação harmonizada de radiofrequências a empresas particulares e, nomeadamente, quando essas empresas às quais as radiofrequências são consignadas tenham sido selecionadas em conformidade com as regras da União, como acontece no caso vertente, os Estados‑Membros concederão o direito de utilização dessas radiofrequências de acordo com essas disposições. Neste quadro, os Estados‑Membros dispõem de uma competência limitada para impor condições, critérios ou procedimentos adicionais.

184    O considerando 35 da diretiva autorização prevê, como alega a demandante, que o bom funcionamento do mercado único com base nos regimes de autorização nacionais decorrentes dessa diretiva deve ser controlado pela Comissão.

185    A interpretação sistemática do considerando 35 da diretiva autorização, em que a demandante se baseia, lido em conjugação com o artigo 8.o e o considerando 24 da referida diretiva e com a decisão MSS, implica considerar que o regime de autorizações relativas aos MSS é regido, a título principal, pela referida decisão. Assim, as competências das ARN relativas às autorizações são, principalmente, as previstas pela decisão MSS, e não as previstas pela diretiva autorização. Consequentemente, as eventuais competências da Comissão no quadro da aplicação, pelas ARN, do regime das autorizações assim previsto estão abrangidas por aquela decisão e consistem na coordenação dos procedimentos de controlo e de execução das condições comuns a que estão sujeitas as autorizações, tal como decorre, em substância, no artigo 9.o da mesma decisão.

186    Além disso, a diretiva autorização não exige que a Comissão adote, a título do «controlo» a que faz referência no seu considerando 35, atos de natureza vinculativa em relação às ARN. Ora, a interpretação sistemática da aplicação das competências da Comissão resultantes da referida diretiva no que respeita às condições adicionais a que estão eventualmente sujeitas as autorizações concedidas em aplicação da decisão MSS impõe constatar que essas competências são apenas de coordenação, à semelhança das que são conferidas à Comissão a título do artigo 9.o da referida decisão no que respeita ao controlo do cumprimento das condições comuns previstas por essa decisão.

187    Consequentemente, a demandante não tem razão em considerar que a Comissão dispõe, ao abrigo da diretiva autorização, competências para adotar um ato de natureza vinculativa a fim de evitar o risco de fragmentação do mercado interno dos MSS que ocorreria se as ARN decidissem autorizar a Inmarsat a utilizar a banda de frequências de 2 GHz para o sistema EAN.

188    Por conseguinte, a presente alegação é improcedente.

iv)    Quanto às competências da Comissão resultantes do artigo 114.o TFUE

189    A demandante considera que a Comissão dispõe de competências destinadas a evitar a fragmentação do mercado interno dos MSS pan‑europeus na banda de frequências de 2 GHz que ocorreria se as ARN decidissem, por sua iniciativa, autorizar a Inmarsat a utilizar essa banda de frequências para uma nova finalidade, nos termos do artigo 114.o TFUE lido em conjugação com o artigo 1.o, n.o 1, e os considerandos 5, 12 e 14 da decisão MSS.

190    A Comissão alega que dispõe de um poder discricionário para decidir apresentar uma proposta de ato legislativo, nos termos do artigo 114.o TFUE, pelo que não estava obrigada a adotar um ato solicitado pela demandante.

191    A este respeito, cabe recordar que o artigo 114.o TFUE prevê que o Parlamento e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, adotem as medidas relativas à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros que tenham por objeto o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno.

192    Como foi recordado no n.o 138, supra, resulta, em substância, do artigo 1.o, n.o 1, e dos considerandos 5, 12 e 14 da decisão MSS, invocados pela demandante, que o principal objetivo da iniciativa destinada a harmonizar a utilização do espetro radioelétrico na banda de frequências de 2 GHz para os MSS era estabelecer um mercado interno de MSS pan‑europeus que assegurassem uma conectividade universal.

193    Se, atendendo, nomeadamente, ao convite para agir que dirigiu à Comissão enquanto guardiã dos Tratados, com fundamento no artigo 17.o, n.o 2, TUE (ver n.o 14, supra), o argumento da demandante for entendido no sentido de que acusa a Comissão de não ter utilizado os seus poderes de iniciativa legislativa para apresentar uma proposta de ato a adotar com fundamento no artigo 114.o TFUE, destinado a preservar a existência do mercado interno dos MSS, cabe recordar que, nos termos do artigo 17.o, n.o 2, TUE, «[o]s atos legislativos da União só podem ser adotados sob proposta da Comissão, salvo disposição em contrário dos Tratados. Os demais atos são adotados sob proposta da Comissão nos casos em que os Tratados o determinem».

194    Decorre da jurisprudência que uma ação contra uma recusa da Comissão de apresentar uma proposta de alteração de um ato legislativo deve, em princípio, ser declarada inadmissível devido ao seu caráter puramente intermédio e preparatório (Despachos de 22 de janeiro de 2010, Makhteshim‑Agan Holding e o./Comissão, C‑69/09 P, não publicado, EU:C:2010:37, n.o 46, e de 14 de dezembro de 2005, Arizona Chemical e o./Comissão, T‑369/03, EU:T:2005:458, n.o 66, confirmado em sede de recurso por Despacho de 13 de março de 2007, Arizona Chemical e o./Comissão, C‑150/06 P, não publicado, EU:C:2007:164, n.os 23 e 24).

195    Em contrapartida, essa solução não pode ser aplicável se a recusa de apresentar uma proposta de ato ou uma alteração de um ato constituir o culminar de um procedimento específico iniciado e conduzido pela demandante com fundamento num ato que preveja esse procedimento, se, enquanto tal, essa recusa exprimir uma posição definitiva da Comissão e se, além disso, a Comissão não dispuser de um poder discricionário para decidir sobre a oportunidade de tomar uma decisão sobre o pedido que lhe é apresentado, mas for obrigada a pronunciar‑se sobre esse pedido (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de junho de 1998, Lilly Industries/Comissão, T‑120/96, EU:T:1998:141, n.os 50 a 56, 59 e 61 a 63, e de 23 de abril de 2018, One of Us e o./Comissão, T‑561/14, EU:T:2018:210, n.os 76, 77 e 86).

196    No presente caso, o convite que a demandante dirigiu à Comissão pedindo‑lhe que apresentasse, em aplicação do artigo 17.o, n.o 2, TUE, uma proposta de um ato destinado a evitar a fragmentação do mercado interno dos MSS não se inscreve no quadro de nenhum procedimento particular previsto pelas disposições específicas e ao qual a Comissão estivesse obrigada a reagir.

197    Daí resulta que o presente pedido de anulação, na medida em que diz respeito a uma recusa da Comissão de apresentar, na sequência do convite para agir da demandante, uma proposta de ato legislativo ou de alteração de um ato existente com vista a preservar o mercado interno dos MSS, deve ser declarado inadmissível.

b)      Quanto à existência de competências implícitas da Comissão

198    A demandante, apoiada pela Eutelsat, alega que decorre das competências exclusivas da Comissão relativas à harmonização da utilização da banda de frequências de 2 GHz e, nomeadamente, do facto de estar obrigada a definir as finalidades para as quais essas frequências devem ser utilizadas e a selecionar os operadores aos quais os Estados‑Membros devem conceder as autorizações correspondentes para a utilização desse espetro radioelétrico, que foi necessariamente atribuída à Comissão a competência para acompanhar o «desenvolvimento do setor» e, quando necessário, para agir de modo a evitar o risco de desvio em relação ao alcance e aos critérios claramente definidos para a utilização exclusiva da banda de frequências de 2 GHz autorizada nos termos do processo de harmonização e do procedimento de seleção dele resultante.

199    A demandante deduziu daí que, tendo em conta o objetivo dessa iniciativa de harmonização, a saber, estabelecer um mercado interno de MSS pan‑europeus que assegurem uma conectividade universal, e na medida em que, a esse respeito, foram confiadas à Comissão as competências para agir, sempre que exista um risco de que divergências na execução das tarefas regulamentares pelas ARN criem um obstáculo a esse mercado, e para analisar qualquer alegada violação das «condições comuns», e a fim de garantir o efeito útil desta missão e do seu objetivo, a Comissão dispõe igualmente de todos os poderes necessários para cumprir essa missão, embora não estejam explicitamente previstos pela legislação.

200    A Comissão refuta estes argumentos.

201    A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 5.o TUE, em conformidade com o princípio de atribuição de competências, cada instituição atuará dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelo Tratado (Acórdão de 22 de abril de 2015, Planet/Comissão, T‑320/09, EU:T:2015:223, n.o 57).

202    Os órgãos jurisdicionais da União admitiram que poderes não expressamente previstos pelas disposições dos Tratados podiam ser utilizados se fossem necessários para atingir os objetivos fixados por estes últimos. Quando um artigo do Tratado atribui à Comissão uma missão específica e concreta, deve admitir‑se, sob pena de se retirar todo o efeito útil a essa disposição do Tratado, que lhe confere implicitamente os poderes indispensáveis para desempenhar essa missão. Há, pois, que reconhecer que as regras fixadas por um Tratado implicam que possam ser adotadas as normas sem as quais essas regras não podem ser aplicadas utilmente ou razoavelmente. Por conseguinte, há que interpretar as disposições do Tratado relativas aos poderes normativos das instituições à luz da economia geral deste último (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2007, França/Comissão, T‑240/04, EU:T:2007:290, n.o 36 e jurisprudência referida).

203    É jurisprudência constante que a existência de um poder implícito, que constitui uma derrogação ao princípio de atribuição previsto no artigo 5.o, n.o 1, TUE, deve ser apreciada de modo estrito. Assim, só excecionalmente é que esses poderes implícitos são reconhecidos pela jurisprudência e, para que o sejam, devem revelar‑se necessários para assegurar o efeito útil das disposições do Tratado ou do regulamento de base em causa (v. Acórdãos de 17 de novembro de 2009, MTZ Polyfilms/Conselho, T‑143/06, EU:T:2009:441, n.o 47 e jurisprudência referida, e de 22 de abril de 2015, Planet/Comissão, T‑320/09, EU:T:2015:223, n.o 60).

204    Esta condição de necessidade deve ser preenchida não apenas no que respeita às disposições materiais do ato, mas igualmente no que respeita à sua forma e ao seu caráter vinculativo (Acórdão de 17 de setembro de 2007, França/Comissão, T-240/04, EU:T:2007:290, n.o 38).

205    No caso vertente, não pode ser reconhecida à Comissão nenhuma competência implícita para agir, independentemente da natureza do ato que, segundo a demandante, deveria adotar em execução das suas competências.

206    Com efeito, é verdade, como alega a demandante, que foi confiada à Comissão uma missão específica e precisa em relação aos MSS, como sublinhado nos n.os 90 e 91, supra. A Comissão cumpriu esta missão adotando, por um lado, a decisão harmonização, no exercício das competências exclusivas que lhe foram conferidas nos termos do artigo 4.o, n.o 3, da decisão espetro de radiofrequências, e, por outro, a decisão de seleção dos operadores de MSS na banda de frequências de 2 GHz de acordo com um procedimento da União, em aplicação do título II da decisão MSS.

207    Em contrapartida, como decorre do que foi exposto nos n.os 93 e 98, supra, as competências para conceder as autorizações aos operadores selecionados e para implementar as medidas de execução em relação aos operadores autorizados em caso de incumprimento das condições comuns a que estão sujeitas essas autorizações são explicitamente conferidas às autoridades nacionais competentes nos termos da decisão MSS. A Comissão dispõe unicamente de competências explícitas de coordenação a fim de assegurar a coerência na aplicação, pelas ARN, das regras de execução relativas aos MSS (v. n.o 107, supra).

208    Decorre destas circunstâncias que não podem ser reconhecidas à Comissão competências implícitas em relação às autorizações, sob risco de pôr em causa as competências explicitamente conferidas pelo legislador aos Estados‑Membros, nem lhe podem ser reconhecidas competências implícitas que vão além das competências de coordenação que lhe foram explicitamente conferidas em relação às medidas de execução. Com efeito, essas competências implícitas seriam contrárias ao princípio de atribuição de competências previsto no artigo 5.o TUE.

209    Além disso, é certamente possível, segundo a jurisprudência recordada nos n.os 202 e 203, supra, derrogar, a título excecional, esse princípio de atribuição de poderes quando as competências implícitas sejam necessárias para assegurar o efeito útil das disposições que conferem à instituição uma missão particular. Todavia, esta condição não está preenchida no caso vertente.

210    A este respeito, cabe salientar que não existe um vazio jurídico, no que respeita à garantia do efeito útil da missão da Comissão, que deva ser preenchido através do reconhecimento de competências implícitas à Comissão, como afirma a demandante. Com efeito, o legislador manifestou claramente a sua intenção de confiar aos Estados‑Membros o poder de controlar o desenvolvimento do sistema pelo operador selecionado, através do procedimento coordenado de execução, após a concessão das autorizações, e, se necessário, de adotar sanções que podem ir até à revogação das autorizações, sem as quais o operador em causa deixa de poder explorar o seu sistema. Assim, o efeito útil da missão confiada à Comissão, como recordada no n.o 206, supra, é assegurado pela existência do procedimento coordenado de execução que é da competência dos Estados‑Membros. Além disso, o princípio da cooperação leal resultante do artigo 4.o, n.o 3, TUE, invocado pela demandante (v. n.o 129, supra), apoia esta conclusão, uma vez que, por força deste princípio, os Estados‑Membros são obrigados a tomar todas as medidas adequadas para garantir o alcance e a eficácia do direito da União, como resulta da jurisprudência recordada no n.o 131, supra.

211    Consequentemente, mesmo admitindo que a Inmarsat tenha modificado o sistema EAN entre o momento em que a Comissão decidiu conceder‑lhe o direito de utilizar a banda de frequências de 2 GHz para um sistema pan‑europeu que fornece MSS e o momento em que as ARN lhe devem conceder as autorizações necessárias, nos termos do título III da decisão MSS, para o funcionamento deste sistema, de modo que o novo sistema não respondesse às finalidades previstas na decisão harmonização e na decisão MSS nem aos compromissos por ela assumidos no âmbito do procedimento de seleção comum, caberá aos Estados‑Membros dar início a procedimentos de execução contra ela, a fim de a obrigar a cumprir as condições comuns, incluindo a condição relativa à obrigação de utilizar a banda de 2 GHz para os MSS e a obrigação relativa ao cumprimento dos compromissos assumidos aquando do procedimento de seleção, sob pena de as autorizações concedidas serem revogadas.

212    É verdade que um sistema desta natureza, em que os Estados‑Membros não se podem recusar a conceder as autorizações a um operador selecionado pela Comissão (v. n.os 94 a 96, supra), mas apenas, se for caso disso, a dar início a processos de aplicação de medidas de execução devido ao incumprimento, por esse operador, das condições comuns a que estão sujeitas as autorizações, pode parecer pouco eficaz do ponto de vista da economia do procedimento.

213    No entanto, no atual estado de desenvolvimento do direito da União, tais consequências são inerentes ao sistema de gestão da utilização da banda de frequências de 2 GHz para os MSS tal como concebido pelo legislador da União, que privilegiou uma abordagem centrada nos procedimentos coordenados de execução após a concessão das autorizações confiadas aos Estados‑Membros, nos quais a Comissão desempenha um papel de coordenação. Compete ao legislador, e não ao Tribunal Geral, alterar, se necessário, o sistema atualmente concebido.

214    Por último, é importante salientar que a falta de competências, explícitas ou implícitas, da Comissão para agir a fim de impedir as ARN de concederem as autorizações a um sistema alegadamente incompatível com o quadro jurídico não priva os concorrentes, como a demandante, de uma proteção jurisdicional efetiva. Com efeito, tanto as decisões tomadas pelas ARN, relativas às autorizações, como a implementação do procedimento de execução pelas autoridades nacionais competentes estão sujeitas à fiscalização dos tribunais nacionais, que podem submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça no caso de depararem com dificuldades na interpretação ou na aplicação do direito da União relativo aos MSS, o que é ilustrado pelas questões submetidas ao Tribunal de Justiça no âmbito do processo que deu origem ao Acórdão de 5 de março de 2020, Viasat UK e Viasat (C‑100/19, EU:C:2020:174), e no âmbito do processo C‑515/19, Eutelsat SA, atualmente pendente no Tribunal de Justiça.

215    Decorre das considerações anteriores que a presente ação deve ser julgado improcedente na íntegra sem que seja necessário examinar a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão a respeito do pedido de anulação e baseada numa falta de interesse em agir ou na falta de legitimidade da demandante para pedir a anulação de um ato solicitado no convite para agir.

IV.    Quanto às despesas

216    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a demandante sido vencida, há que condená‑la nas despesas, de acordo com o pedido da Comissão.

217    Além disso, nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no processo suportam as respetivas despesas. Por outro lado, nos termos do artigo 138.o, n.o 3, do referido regulamento, o Tribunal pode decidir que um interveniente diferente dos mencionados nos n.os 1 e 2 desse artigo suporte as suas próprias despesas. No caso vertente, a Eutelsat e o Reino dos Países Baixos, intervenientes em apoio dos pedidos da demandante, bem como a EchoStar e a Inmarsat, intervenientes em apoio dos pedidos da demandada, deverão ser condenadas a suportar as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL

decide:

1)      A ação é julgada improcedente.

2)      A ViaSat, Inc. é condenada a suportar as suas próprias despesas bem como as da Comissão Europeia.

3)      A Eutelsat SA, o Reino dos Países Baixos, a EchoStar Mobile Ltd e a Inmarsat Ventures Ltd são condenadas a suportar as suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de março de 2021.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.