Language of document : ECLI:EU:T:2012:247

Processo T‑300/10

Internationaler Hilfsfonds eV

contra

Comissão Europeia

«Acesso aos documentos — Regulamento (CE) n.° 1049/2001 — Documentos relativos ao contrato LIEN 97‑2011 — Recusa parcial de acesso — Determinação do objeto do pedido inicial — Exceção relativa à proteção da vida privada e da integridade do indivíduo — Exceção relativa à proteção do processo decisório — Princípio da boa administração — Exame concreto e individual — Dever de fundamentação»

Sumário do acórdão

1.      Tramitação processual — Petição inicial — Requisitos de forma — Exposição sumária dos fundamentos invocados — Remissão para um acórdão anterior do Tribunal Geral — Inadmissibilidade do fundamento

[Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigos 44.°, n.° 1, alínea c), e 48.°, n.° 2]

2.      União Europeia — Instituições — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Dever da instituição de assistir o requerente antes de rejeitar o seu pedido

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 6.°, n.° 2, 7.° e 8.°)

3.      União Europeia — Instituições — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao princípio de acesso aos documentos — Proteção do interesse público — Alcance — Obrigação de a instituição proceder a um exame concreto e individual dos documentos

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 4.°, n.os 2 e 3, e 6.°)

4.      União Europeia — Instituições — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção da vida privada e da integridade do indivíduo — Alcance — Obrigação de apreciação em conformidade com a legislação da União relativa à proteção dos dados de caráter pessoal — Aplicabilidade integral das disposições do Regulamento n.° 45/2001 a qualquer pedido de acesso a documentos que incluam dados de carácter pessoal

[Artigo 6.° TUE; Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.° 45/2001, artigos 1.°, n.° 1, 8.°, 18.°, e n.° 1049/2001, artigo 4.°, n.° 1, alínea b)]

5.      União Europeia — Instituições — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção da vida privada e da integridade do indivíduo — Divulgação de documentos relativos ao próprio requerente — Admissibilidade — Limites — Proteção da vida privada e da integridade dos terceiros

6.      União Europeia — Instituições — Direito de acesso do público aos documentos — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção da vida privada e da integridade do indivíduo — Obrigação de apreciação em conformidade com a legislação da União relativa à proteção dos dados de caráter pessoal — Não aplicação da exceção a pessoas não dignas de proteção ou em razão da existência de um interesse público superior — Inadmissibilidade

[Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.° 45/2001, artigo 4.°, n.° 1, alínea b), e n.° 1049/2001, artigo 4.°, n.° 1, alínea b)]

7.      União Europeia — Instituições — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção do processo decisório — Proteção dos documentos elaborados no quadro de um procedimento já encerrado — Alcance

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo)

8.      Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance e limites

(Artigo 296.° TFUE)

9.      União Europeia — Instituições — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Dever de fundamentação — Alcance

(Artigo 296.° TFUE; Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°)

1.      Não responde aos requisitos de forma, como previstos no artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, segundo os quais os fundamentos invocados na petição devem ser apresentados de modo sumário, uma alegação da recorrente que se limita a convidar o Tribunal a verificar se as constatações a que se procede nesse acórdão são aplicáveis por analogia ao processo em causa. Essa alegação deve, consequentemente, ser declarada inadmissível.

(cf. n.os 41‑43)

2.      A instituição à qual seja apresentado um pedido de acesso a documentos é obrigada a proceder a um exame completo do conjunto dos documentos objeto do pedido de divulgação. Essa exigência aplica‑se, em princípio, não apenas por ocasião do tratamento de um pedido confirmativo, na aceção do artigo 8.° do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, mas também quando do tratamento de um pedido inicial, na aceção do artigo 7.° do referido regulamento.

Por outro lado, resulta da redação do artigo 6.°, n.° 2, do referido regulamento, especialmente da utilização dos verbos convidar e assistir, que a simples constatação da falta de precisão do pedido de acesso, sejam quais forem as razões, deve levar a instituição destinatária a contactar o requerente a fim de definir da melhor forma possível os documentos pedidos.

Por conseguinte, a Comissão comete um erro manifesto de apreciação quanto à determinação do objeto do pedido inicial e, consequentemente, uma violação do dever que incumbia à Comissão de examinar de modo completo o referido pedido quando não convida a recorrente a definir de forma mais precisa os documentos solicitados tanto no pedido inicial como no pedido confirmativo, e isto antes da adoção da decisão em que recusa comunicar os documentos solicitados.

(cf. n.os 69, 84‑85, 87)

3.      O exame exigido para o tratamento de um pedido de acesso a documentos apresentado com fundamento no Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, deve revestir caráter concreto. Com efeito, por um lado, a simples circunstância de um documento dizer respeito a um interesse protegido por uma exceção não basta para justificar a aplicação desta última. Essa aplicação só pode, em princípio, ser justificada na hipótese de a instituição ter previamente apreciado, primeiro, se o acesso ao documento seria suscetível de prejudicar, concreta e efetivamente, o interesse protegido e, segundo, nas hipóteses visadas no artigo 4.°, n.os 2 e 3, do referido regulamento, se não existe um interesse superior que justifique a divulgação do documento em causa. Por outro lado, o risco de lesão de um interesse protegido deve ser razoavelmente previsível e não puramente hipotético.

Em princípio, um exame concreto e individual de cada documento é igualmente necessário uma vez que, mesmo na hipótese de ser claro que um pedido de acesso se refere a documentos abrangidos por uma exceção, apenas este exame pode permitir à instituição apreciar a possibilidade de facultar um acesso parcial ao requerente, em conformidade com o disposto no artigo 4.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1049/2001. No quadro da aplicação do Código de conduta em matéria de acesso do público aos documentos do Conselho e da Comissão, uma apreciação respeitante a documentos efetuada por categorias e não com base nos elementos de informação concretos contidos nesses documentos deve ser considerada insuficiente, já que o exame que se exige a uma instituição deve permitir‑lhe apreciar concretamente se uma exceção invocada se aplica realmente ao conjunto das informações contidas nos referidos documentos.

(cf. n.os 91, 92, 133, 144, 149, 150)

4.      O artigo 4.°, n.° 1, alínea b) do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, prevê uma exceção ao acesso a um documento no caso de a divulgação prejudicar a proteção da vida privada ou da integridade do indivíduo, nomeadamente nos termos da legislação da União relativa à proteção dos dados pessoais. Esta disposição é indivisível e exige que a eventual violação da vida privada e da integridade do indivíduo seja sempre examinada e apreciada em conformidade com a referida legislação, nomeadamente com o Regulamento n.° 45/2001, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos comunitários e à livre circulação desses dados. O Regulamento n.° 45/2001 e o Regulamento n.° 1049/2001 foram adotados em momentos muito próximos. Não contêm disposições que prevejam expressamente a primazia de um dos regulamentos sobre o outro. Em princípio, há que garantir a plena aplicação de ambos.

A este respeito, resulta do primeiro período do considerando 15 do Regulamento n.° 45/2001 que o legislador da União evocou a necessidade de proceder à aplicação do artigo 6.° TUE e, através dele, do artigo 8.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, quando esse tratamento for efetuado pelas instituições e órgãos comunitários para o exercício de atividades que não se enquadram no âmbito de aplicação do presente regulamento, em especial para as previstas nos títulos V e VI do Tratado UE, na sua versão anterior ao Tratado de Lisboa. Em contrapartida, essa remessa não se revelava necessária para um tratamento efetuado no exercício de atividades que se enquadrassem no âmbito de aplicação do referido regulamento, porquanto, nesses casos, é manifesto que se aplica o próprio Regulamento n.° 45/2001.

Daqui resulta que, quando um pedido baseado no Regulamento n.° 1049/2001 visa obter o acesso a documentos que incluem dados pessoais, as disposições do Regulamento n.° 45/2001 passam a ser integralmente aplicáveis. Ora, o artigo 8.° do Regulamento n.° 45/2001 impõe designadamente ao destinatário da transferência de dados pessoais a obrigação de demonstrar a necessidade da divulgação dos mesmos. De igual modo, o artigo 18.° do mesmo regulamento confere designadamente à pessoa em causa a possibilidade de se opor em qualquer momento, por razões imperiosas e legítimas relacionadas com a sua situação particular, ao tratamento de dados pessoais que lhe digam respeito.

(cf. n.os 98‑99, 101, 103‑104)

5.      No que diz respeito tanto à interpretação estrita das exceções enumeradas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, como ao objeto do Regulamento n.° 45/2001, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos comunitários e à livre circulação desses dados, a divulgação de dados pessoais que digam respeito exclusivamente ao requerente do acesso não pode ser afastada com o fundamento de que poderia prejudicar a proteção da vida privada e da integridade do indivíduo.

Além disso, no que respeita ao alcance de tal divulgação, embora a proteção do interesse a que se refere o artigo 4.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1049/2001 não seja necessária em relação ao requerente do acesso, em contrapartida, deve ser garantida, em conformidade com as disposições do Regulamento n.° 45/2001, em relação aos terceiros. Assim, contrariamente ao princípio segundo o qual o Regulamento n.° 1049/2001 tem por objeto conferir um direito de acesso do público em geral aos documentos das instituições, quando os documentos solicitados contêm dados pessoais que respeitam ao requerente do acesso, o direito deste último de obter a respetiva divulgação com base no direito de acesso aos documentos das instituições não pode ter como consequência conferir um direito de acesso do público em geral aos referidos documentos.

(cf. n.os 107, 109)

6.      No domínio do direito de acesso do público aos documentos das instituições, não compete a um recorrente apreciar se uma pessoa é ou não suscetível de beneficiar da proteção da sua vida privada e da sua integridade. Com efeito, a proteção que deve ser facultada aos dados pessoais no âmbito da aplicação das disposições do artigo 4.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, deve ser garantida no estrito respeito das disposições do Regulamento n.° 45/2001, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos comunitários e à livre circulação desses dados. Ora, este último regulamento não prevê uma exceção à proteção do direito fundamental que garante, pelo facto de os dados em causa dizerem pretensamente respeito a uma pessoa que não é digna de tal proteção. Por outro lado, contrariamente à exceção prevista no artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001, a exceção prevista pelas disposições do artigo 4.°, n.° 1, alínea b), deste regulamento e do Regulamento n.° 45/2001 não é suscetível de ser afastada com fundamento na existência de um interesse público superior.

(cf. n.os 112, 124)

7.      Nos termos do artigo 4.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, o acesso a documentos que contenham pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares na instituição em causa, será recusado mesmo após ter sido tomada a decisão, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação do documento em causa. À luz do princípio da interpretação estrita das exceções ao direito de acesso aos documentos das instituições, é apenas em relação a uma parte dos documentos para uso interno, ou seja, os que contêm pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares na instituição em causa, que o segundo parágrafo do artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001 permite a recusa, mesmo após a decisão ter sido adotada, quando a divulgação desses documentos pudesse prejudicar gravemente o processo decisório dessa instituição.

Portanto, esta disposição do Regulamento n.° 1049/2001 tem por objeto proteger certos tipos de documentos elaborados no decurso de um processo, cuja divulgação, mesmo depois de concluído esse processo, pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição em causa. Esses documentos devem conter pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares na instituição em causa.

(cf. n.os 130‑132)

8.      A fundamentação exigida pelo artigo 296.° TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição, autora do ato, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao juiz da União exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.° TFUE deve ser apreciada não só à luz da sua letra mas também do seu contexto e do conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa.

(cf. n.° 181)

9.      No que respeita a um pedido de acesso aos documentos, quando a instituição em causa recusa esse acesso, deve demonstrar em cada caso concreto, com base nas informações de que dispõe, que os documentos cujo acesso é requerido estão efetivamente abrangidos pelas exceções enumeradas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu. Compete à instituição que recusou o acesso a um documento fornecer uma fundamentação que permita compreender e verificar, por um lado, se o documento requerido faz efetivamente parte do domínio objeto da exceção invocada e, por outro, se a necessidade de proteção relativa a essa exceção é real.

A este respeito, uma recusa implícita tem como consequência, por definição, uma falta absoluta de fundamentação que não cumpre o dever de fundamentação que o artigo 296.° TFUE impõe às instituições da União.

(cf. n.os 182, 185‑187, 198)