Language of document : ECLI:EU:T:2000:148

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção Alargada)

13 de Junho de 2000 (1)

«Recurso de anulação - Auxílios de Estado - Artigo 92.°, n.os 1 e 3, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.°, n.os 1 e 3, CE) - Conceito de auxílio - Garantia de Estado para o financiamento de uma empresa pública - Suspensão do auxílio - Inutilidade superveniente da lide»

Nos processos apensos T-204/97 e T-270/97,

EPAC - Empresa para a Agroalimentação e Cereais, SA, com sede em Lisboa (Portugal), representada por J. Mota de Campos, advogado em Lisboa, comdomicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de J. Calvo Basaran, 34, boulevard Ernest Feltgen,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por D. Triantafyllou e A. M. Alves Vieira, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que têm por objecto, no processo T-204/97, um pedido de anulação da Decisão 97/433/CE da Comissão, de 30 de Abril de 1997, que exige ao Governo português que suspenda o auxílio sob forma de uma garantia de Estado concedida à empresa EPAC - Empresa para a Agroalimentação e Cereais, SA (JO L 186, p. 25), e, no processo T-270/97, um pedido de anulação da Decisão 97/762/CE da Comissão, de 9 de Julho de 1997, relativa às medidas tomadas por Portugal em favor da EPAC - Empresa para a Agroalimentação e Cereais, SA (JO L 311, p. 25),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção Alargada),

composto por: J. D. Cooke, presidente, R. García-Valdecasas, P. Lindh, J. Pirrung e M. Vilaras, juízes,

secretário: A. Mair, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 1 de Julho de 1999,

profere o presente

Acórdão

     Factos que estão na origem do litígio

1.
    A EPAC - Empresa para a Agroalimentação e Cereais, SA, é uma sociedade anónima de capitais públicos criada pelo Decreto-Lei português n.° 29/91, de 11 de Janeiro de 1991, que opera no mercado cerealífero. Resulta do desmantelamento progressivo da empresa pública EPAC (então, Empresa Pública de Abastecimento de Cereais), fundada em 1977, que dispôs, até 1985, enquanto organismo público de intervenção encarregado de garantir o abastecimento nacional em cereais e sementes, do monopólio público da gestão desse mercado. Em 1986, após a adesão da República Portuguesa às Comunidades Europeias, os silos portuários erespectivos equipamentos, instalações e materiais pertencentes à EPAC, bem como os créditos de financiamento correspondentes, foram transferidos para uma sociedade anónima de capitais públicos criada para o efeito, a SILOPOR - Empresa de Silos Portuários.

2.
    O montante que a SILOPOR ficou a dever à EPAC, na sequência desta transferência, foi avaliado, em 1989, em 7,5 milhares de milhões de PTE, quantia que a SILOPOR era manifestamente incapaz de reembolsar através dos seus próprios meios. Em Fevereiro de 1997, esta dívida, acrescida dos juros, era de 31,2 milhares de milhões de PTE.

3.
    A situação patrimonial da EPAC era desequilibrada e caracterizava-se por um excesso de activos imobilizados e pesados encargos salariais, bem como por uma insuficiência de capitais próprios para o financiamento da sua actividade comercial. Esta situação era o resultado da manutenção de uma enorme rede de infra-estruturas por todo o território nacional.

4.
    A partir de Abril de 1996, a EPAC revelou-se incapaz de assumir a maior parte dos seus encargos financeiros.

5.
    Esta situação conduziu o Estado português a elaborar um plano de rentabilização económica e de saneamento financeiro para a EPAC, aprovado conjuntamente, em 26 de Julho de 1996, pelo secretário de Estado do Tesouro e das Finanças e pelo secretário de Estado da Produção Agroalimentar. A EPAC foi assim autorizada a negociar um empréstimo, nas condições do mercado, até um montante máximo de 50 milhares de milhões de PTE, dos quais 30 milhares de milhões podiam beneficiar de uma garantia do Estado por um período máximo de sete anos.

6.
    Por despacho do ministro das Finanças n.° 430/96-XIII, de 30 de Setembro de 1996, esta garantia foi concedida relativamente a uma parte do empréstimo contraído pela EPAC junto de um consórcio bancário, cujo montante, de 48,7 milhares de milhões de PTE, correspondia à totalidade da dívida da EPAC em 30 de Junho de 1996. Esse empréstimo tinha como objectivo a reestruturação do passivo bancário a curto prazo da EPAC em passivo a médio prazo. Foi contraído por um período de sete anos, a uma taxa de juro «Lisbor 6 meses», para a parte garantida, e «Lisbor 6 meses + 1,2%», para a parte não coberta pela garantia.

7.
    Em 15 de Outubro de 1996, a Comissão recebeu uma queixa relativa a um eventual auxílio de Estado, constituído por essa garantia de Estado para os 30 milhares de milhões de PTE e pelo empréstimo complementar de cerca de 20 milhares de milhões de PTE, concedido em condições especiais.

8.
    Como não recebeu qualquer notificação por parte das autoridades portuguesas, na acepção do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 88.°, n.° 3, CE), a Comissão enviou-lhes, em 31 de Outubro de 1996, um ofíciosolicitando a confirmação da existência desse auxílio. Além disso, a Comissão solicitou que, em caso de resposta afirmativa, as autoridades portuguesas procedessem à notificação do auxílio em questão, a fim de poder proceder ao exame da sua compatibilidade com o mercado comum, em conformidade com os artigos 92.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE) e 93.° do Tratado.

9.
    Por ofício de 26 de Novembro de 1996, a República Portuguesa confirmou a existência de uma garantia de Estado em favor da EPAC. Todavia, não foi enviada à Comissão qualquer notificação dessa operação, nos termos do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado.

10.
    Em 28 de Janeiro de 1997, a queixosa pediu à Comissão que adoptasse medidas provisórias para que a garantia concedida pelo Estado à EPAC fosse suspensa.

11.
    Por ofício de 27 de Fevereiro de 1997, a Comissão informou as autoridades portuguesas da abertura do procedimento previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado relativamente aos auxílios concedidos à EPAC (JO C 140, p. 16). Aí referia que a concessão da garantia pelo Estado não tinha ficado subordinada a obrigações específicas e que as taxas de juro dos empréstimos em análise eram sensivelmente inferiores às taxas de referência do mercado, uma vez que uma empresa em situação financeira difícil, como a EPAC, não podia, nas condições normais de mercado, obter empréstimos em condições mais favoráveis do que as oferecidas aos operadores em boa situação financeira, sem violar as regras comunitárias relativas aos auxílios de Estado.

12.
    Além disso, nesse ofício, a Comissão solicitou ao Governo português que tomasse todas as medidas necessárias para suspender imediatamente o efeito da garantia concedida à EPAC. Foi dado ao Governo português um prazo de quinze dias, a contar da notificação do referido ofício, para informar a Comissão das medidas adoptadas para lhe dar cumprimento. Por outro lado, a Comissão reservava-se o direito de adoptar uma decisão formal que obrigasse o Estado-Membro a suspender imediatamente o auxílio em questão para as operações futuras.

13.
    A Comissão concluiu esse ofício precisando que a medida em causa era, em seu entender, um auxílio que, pela sua natureza, não podia conduzir a qualquer desenvolvimento quer do sector quer da região em causa e, portanto, constituía um auxílio ao funcionamento, contrário à prática constante da Comissão em matéria de aplicação dos artigos 92.°, 93.° do Tratado e 94.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 89.° CE).

14.
    No âmbito deste processo, a Comissão interpelou o Governo português assim como os outros Estados-Membros e as partes interessadas, para que lhe apresentassem as suas observações.

15.
    Por ofício de 21 de Março de 1997, o Governo português informou a Comissão de que a administração pública de modo algum interveio na negociação do empréstimo concedido pelos bancos à EPAC para o financiamento das suas operações comerciais, e forneceu esclarecimentos quanto a esse empréstimo.

16.
    Por ofício de 8 de Abril de 1997, o Governo português apresentou formalmente à Comissão as suas observações relativas à decisão de abertura do procedimento do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado.

17.
    Em 30 de Abril de 1997, a Comissão adoptou a Decisão 97/433/CE que exige ao Governo português que suspenda o auxílio sob a forma de uma garantia de Estado concedida à empresa EPAC (JO L 186, p. 25). Esta decisão estabelece:

«Artigo 1.°

Portugal fica obrigado a suspender imediatamente a concessão da garantia de Estado em favor da empresa EPAC... prevista pelo despacho do ministro das Finanças n.° 430/96-XIII, de 30 de Setembro de 1996, concedida em violação do n.° 3 do artigo 93.°, e a comunicar à Comissão, no prazo de 15 dias, as medidas que tenha tomado para dar cumprimento à presente decisão»

18.
    Por ofício de 21 de Maio de 1997, o Governo português comentou esta decisão, alegando, designadamente, que «não constitui um investimento ou uma subvenção, mas... uma garantia que cobria as obrigações assumidas pela EPAC e decorrente do contrato de reestruturação de créditos que esta negociou e celebrou com o consórcio bancário credor». Acrescentava que a contribuição financeira resultava apenas desse contrato, em que o Estado não era parte. De acordo com este Governo, o próprio Estado considerara a operação de crédito em questão necessária, pois esta não tinha por efeito conferir uma vantagem a uma empresa relativamente a outras, mas tão-só minorar um prejuízo que o Estado causara à empresa.

19.
    A Comissão, prosseguindo o processo, aprovou a Decisão 97/762/CE, de 9 de Julho de 1997, relativa às medidas tomadas por Portugal em favor da EPAC (JO L 311, p. 25), que enuncia:

«Artigo 1.°

Os auxílios concedidos pelo Governo português em favor da EPAC são ilegais, uma vez que foram postos em aplicação em violação das regras de procedimento a que se refere o n.° 3 do artigo 93.° do Tratado. Além disso, são incompatíveis com o mercado comum nos termos do n.° 1 do artigo 92.° do Tratado e não satisfazem as condições para as derrogações previstas nos n.os 2 e 3 do mesmo artigo.

    

Artigo 2.°

1. Portugal fica obrigado a, no prazo de 15 dias a contar da data da notificação da presente decisão, suprimir os auxílios referidos no artigo 1.°

2. Portugal fica obrigado a, no prazo de dois meses a contar da data da notificação da presente decisão, tomar as medidas necessárias para recuperar os auxílios referidos no artigo 1.°

3. A recuperação será efectuada em conformidade com os procedimentos previstos na legislação portuguesa, devendo os juros ser calculados a partir da data em que os auxílios foram pagos. A taxa de juro a aplicar é a taxa de referência utilizada para o cálculo do equivalente-subvenção no quadro dos auxílios com finalidade regional.»

Tramitação processual

20.
    Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 7 de Julho e 14 de Outubro de 1997, a recorrente interpôs, respectivamente, recurso da Decisão 97/433, inscrito sob o número T-204/97, e da Decisão 97/762, inscrito sob o número T-270/97.

21.
    Por outro lado, a República Portuguesa submeteu ao Tribunal de Justiça, em 23 de Setembro de 1997, um pedido de anulação das decisões impugnadas nos presentes recursos, petições registadas sob os números C-246/97 e C-330/97. O Tribunal de Justiça, por despachos de 15 de Dezembro de 1998, decidiu suspender a instância nestes dois processos até à prolação dos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância.

22.
    No processo T-204/97, a Comissão, em memorando separado que apresentou em 13 de Outubro de 1997, solicitou que fosse declarada a inutilidade superveniente da lide. A recorrente apresentou, em 21 de Novembro de 1997, as suas observações sobre esse pedido. Em despacho de 5 de Março de 1998 da Quarta Secção Alargada, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a questão da inutilidade superveniente da lide devia ser decidida quando se pronunciasse sobre o mérito da causa e reservou para final a decisão quanto às despesas.

23.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção Alargada) decidiu, por um lado, no processo T-270/97, adoptar medidas de organização do processo, convidando as partes a responder por escrito a determinadas questões e a apresentar determinados documentos, e, por outro, abrir a fase oral em ambos os processos. A Comissão e a recorrente responderam a essas questões, respectivamente, por cartas de 7 e 9 de Abril de 1999.

24.
    Por despacho de 16 de Junho de 1999, os dois processos foram apensos para efeitos da fase oral. As partes foram ouvidas em alegações e nas respostas às questões do Tribunal de Primeira Instância, na audiência de 1 de Julho de 1999.

25.
    Após ouvir as partes sobre o assunto, o Tribunal de Primeira Instância considerou, em conformidade com o artigo 50.° do seu Regulamento de Processo, que os presentes processos deviam ser apensos para efeitos do acórdão.

Pedidos das partes

26.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    declarar os recursos admissíveis e anular as Decisões 97/433 e 97/762;

-    condenar a Comissão nas despesas.

27.
    A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    declarar a inutilidade superveniente da lide e, de qualquer modo, julgar improcedente o recurso no processo T-204/97;

-    julgar improcedente o recurso no processo T-270/97;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto ao mérito no processo T-270/97

28.
    A recorrente invoca quatro fundamentos em apoio do seu recurso, que decorrem, em primeiro lugar, de uma violação da obrigação de fundamentação, em segundo, de uma violação do artigo 92.°, n.os 1 e 3, do Tratado, em terceiro, de uma violação dos artigos 90.° e 222.° do Tratado CE (actuais artigos 86.° CE e 295.° CE) e, em quarto lugar, de uma violação dos princípios gerais da proporcionalidade, da segurança jurídica e da confiança legítima.

1. Quanto ao primeiro fundamento, decorrente de uma violação da obrigação de fundamentação

Argumentos das partes

29.
    A recorrente salienta, em primeiro lugar, a existência de uma contradição entre os factos e a sua qualificação jurídica na fundamentação da Decisão 97/762 (a seguir «decisão impugnada»). Observa, a este propósito, que, no seu ofício de notificação da decisão impugnada e na sua decisão provisória de 30 de Abril de 1997, a Comissão apenas refere a existência de um «auxílio», enquanto, na decisão impugnada, utiliza tanto o singular «auxílio» como o plural «auxílios». Estacontradição nos próprios fundamentos e entre estes e o dispositivo da decisão resultava de um desconhecimento da situação jurídica da recorrente e de uma apreciação errónea dos factos pela Comissão. Daqui decorria que a decisão impugnada não estava fundamentada. A recorrente sublinha, a este respeito, que, não tendo o crédito bancário de cerca de 20 milhares de milhões de PTE sido objecto de qualquer garantia ou intervenção do Estado, não pode constituir um auxílio.

30.
    A recorrente denuncia, em segundo lugar, uma insuficiência da fundamentação. Atenta a jurisprudência aplicável neste domínio, considera que cabia à Comissão fundamentar o facto de a garantia de Estado constituir um auxílio, de esse auxílio afectar as trocas entre Estados-Membros, de falsear ou ameaçar falsear concretamente a concorrência e, por último, de a natureza desse auxílio impor a sua recuperação (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Junho de 1995, Siemens/Comissão, T-459/93, Colect., p. II-1675, n.° 31). A gravidade das consequências inerentes à decisão da Comissão impunha «um rigor extremo na apreciação dos elementos de facto e de direito que estão na base da apreciação de ilegalidade e da adopção de medidas que figuram na decisão». Ora, a Comissão não tinha mencionado as especificidades relativas ao mercado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Março de 1985, Países Baixos e Leeuwarder Papiervarenfabriek/Comissão, 296/82 e 318/82, Recueil, p. 809, n.° 24) nem esclarecido os aspectos relativos à afectação das trocas comerciais e à distorção da concorrência.

31.
    Em último lugar, a recorrente sublinha que a Comissão não atendeu às observações formuladas pelo Estado português, designadamente, ao facto de a garantia constituir um dos meios utilizados com vista ao saneamento financeiro, necessário a qualquer operação de privatização, e de, portanto, ser algo que se impunha prévia e obrigatoriamente à que se perspectivava para a EPAC. Por último, a Comissão não indicou as razões que a levaram, face às circunstâncias do caso concreto, a exigir a recuperação dos alegados auxílios (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-303/88, Colect., p. I-1433, n.° 54).

32.
    A Comissão responde que há total correspondência entre o dispositivo da decisão impugnada e a sua fundamentação e que a única medida visada pela decisão em causa era a garantia concedida pelo Estado português à EPAC. Alega que a utilização do termo «auxílio», no plural na decisão impugnada, resulta da sua vontade de proceder à supressão completa do auxílio e dos seus efeitos e de regressar ao statu quo ante. A título subsidiário, a Comissão sublinha que a medida em causa também constituiu um auxílio em favor da SILOPOR, que permitiu a esta não honrar a sua dívida para com a EPAC. Este duplo efeito do auxílio justificava a utilização do plural.

33.
    A Comissão observa ter apresentado, em apoio da sua argumentação, elementos quantificados que permitiam a conclusão de que o auxílio em questão tornoupossível a sobrevivência da EPAC como grande operador no mercado em causa, o que afectou necessariamente as trocas comerciais e provocou uma distorção da concorrência. Por último, a Comissão afirma que, contrariamente ao que a recorrente alega, as razões da sua recusa de tomar em consideração o argumento segundo o qual o auxílio em causa visava o saneamento da situação financeira da EPAC e a sua reestruturação encontravam-se expostas na decisão impugnada.

Apreciação do Tribunal

34.
    A obrigação que incumbe às instituições comunitárias, por força do artigo 190.° do Tratado (actual artigo 253.° CE), de fundamentarem as respectivas decisões tem em vista permitir ao órgão jurisdicional comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade e fornecer ao interessado as justificações da medida adoptada, a fim de poder defender os seus direitos e verificar se a decisão é ou não bem fundada (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, BFM e EFIM/Comissão, T-126/96 e T-127/96, Colect., p. II-3437, n.° 57).

35.
    Além disso, na fundamentação das decisões que deve tomar para assegurar a aplicação das regras de concorrência, a Comissão não é obrigada a tomar posição sobre todos os argumentos invocados perante ela pelos interessados. Basta-lhe expor os factos e as considerações jurídicas que assumam uma importância essencial na economia da decisão (v. acórdão Siemens/Comissão, já referido, n.° 31).

36.
    Este princípio obriga, no que respeita à qualificação de uma medida como auxílio, a que se indiquem as razões pelas quais a Comissão considera que a medida em causa integra o âmbito do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado.

37.
    Embora seja certo que a decisão impugnada utiliza, simultaneamente, o singular e o plural do termo «auxílio», importa, no entanto, observar que a Comissão também aí recordou o facto, tomado aliás em consideração no seu ofício de 27 de Fevereiro de 1997, de que o mecanismo de consolidação do passivo da EPAC também parecia constituir um auxílio em favor da SILOPOR.

38.
    A Comissão também menciona, no seu décimo terceiro considerando, alínea c):

«Assim, a Comissão pode concluir que a garantia de Estado em favor da EPAC constitui igualmente um auxílio estatal em favor da sua emanação directa SILOPOR. Efectivamente, o Estado português, único accionista das duas empresas, por intermédio da garantia estatal a favor da EPAC, permite a esta não exigir a satisfação dos seus créditos, o que representa um auxílio indirecto à SILOPOR.»

39.
    De qualquer modo, como o dispositivo de um acto é indissociável da sua fundamentação, pelo que deve ser interpretado, se necessário, tendo em conta os motivos que levaram à sua adopção, o Tribunal considera que a recorrente estavaem condições de compreender que a decisão impugnada apenas visava a garantia de Estado que lhe fora concedida pelo Estado português (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1997, TWD/Comissão, C-355/95 P, Colect., p. I-2549, n.° 21).

40.
    Daqui resulta que o argumento da recorrente relativo à existência de uma contradição na fundamentação da decisão impugnada deve ser rejeitado.

41.
    A recorrente sustenta, em seguida, que a Comissão não demonstrou que a garantia de Estado constituía um auxílio, que afectava as trocas comerciais entre Estados-Membros, que falseava ou ameaçava falsear a concorrência e que a sua natureza exigia a sua recuperação.

42.
    Ora, a Comissão considera, no segundo parágrafo do quarto considerando da decisão impugnada, que a garantia em causa constituía um auxílio de Estado na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado. Enuncia, a este respeito, que a taxa de juro dos empréstimos incluía um elemento de auxílio e que a garantia de Estado examinada não comportava obrigações específicas, as únicas susceptíveis de justificar uma eventual autorização da medida em causa.

43.
    Além disso, a Comissão referiu os efeitos concretos do auxílio sobre a concorrência e as trocas comerciais intracomunitárias. Com efeito, no que toca ao critério relativo à distorção da concorrência, a decisão impugnada esclarece que essas medidas conduzem directamente à melhoria das condições de produção e de comercialização dos produtos da empresa relativamente aos outros operadores da Comunidade Europeia que não beneficiam de auxílios comparáveis (v. quarto considerando, terceiro parágrafo, da decisão impugnada).

44.
    Quanto ao critério relativo à afectação das trocas comerciais intracomunitárias, a decisão enuncia:

«A produção comunitária de cereais é de 173,9 milhões de toneladas. A produção portuguesa de cereais é de 1,52 milhões de toneladas. As trocas comerciais entre a Comunidade Europeia e Portugal são significativas, uma vez que Portugal é um país deficitário em cereais, que importa anualmente dos outros Estados-Membros uma quantidade de cereais superior à sua produção (1,83 milhões de toneladas) e exporta 32 530 toneladas para esses Estados-Membros. O valor monetário dessas trocas comerciais, no que respeita a Portugal, elevou-se em 1996 a cerca de 5,8 milhões de ecus para as exportações e 310 milhões de ecus para as importações.

Por conseguinte, as medidas em causa são susceptíveis de afectar as trocas comerciais de cereais entre os Estados-Membros, as quais são afectadas quando um operador activo no comércio intra e extracomunitário de cereais recebe auxílios que o favorecem em relação aos outros. As medidas em questão tiveram um efeito directo e imediato sobre os custos finais da empresa, tendo, por essa razão, proporcionado uma vantagem económica em relação às outras empresas do sectorque não tiveram acesso, em Portugal e nos outros Estados-Membros, a auxílios comparáveis. Por conseguinte, falseiam ou ameaçam falsear a concorrência.» (v. décimo primeiro considerando da decisão impugnada, quarto e quinto parágrafos.)

45.
    Desta fundamentação resulta que a Comissão examinou se se encontravam satisfeitas as condições de aplicação do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado. Assim, a fundamentação permite à recorrente e ao órgão jurisdicional comunitário conhecer as razões que induziram a Comissão a considerar que o artigo 92.°, n.° 1, do Tratado era aqui aplicável.

46.
    A este respeito, o argumento da recorrente de que a Comissão não mencionara as especificidades relativas ao mercado não pode ser acolhido.

47.
    Antes de mais, é erradamente que a recorrente invoca o acórdão Países Baixos e Leeuwarder Papiervarenfabriek/Comissão, já referido, em que o Tribunal de Justiça puniu, na perspectiva das obrigações que decorrem da jurisprudencia (recordadas no n.° 30, supra), a falta de fundamentação da decisão impugnada nesse acórdão no que respeita aos critérios de distorção da concorrência e de afectação do comércio intracomunitário.

48.
    Embora a Comissão, na decisão ora impugnada, não tenha indicado a parte de mercado da EPAC, a recorrente não a podia acusar de não ter examinado, atentos os extractos pertinentes supra referidos (v. n.° 44, supra), os efeitos do auxílio sobre a concorrência e sobre as trocas comerciais entre Estados-Membros.

49.
    Em seguida, a recorrente afirma que a Comissão não tomou em consideração as observações formuladas pelo Estado português.

50.
    Ora, importa observar que o conjunto das observações do Governo português contidas nos seus ofícios de 8 de Abril e 21 de Maio de 1997 foram objecto de uma apreciação circunstanciada por parte da Comissão no décimo terceiro considerando da decisão impugnada.

51.
    No que toca mais especialmente à alegação da recorrente relativa ao facto de a garantia constituir um dos meios utilizados com vista ao saneamento financeiro necessário a qualquer operação de privatização, cabe observar que a Comissão não dispôs das informações relativas a meios alternativos. Ao proceder assim, embora tivesse exposto este argumento na decisão impugnada (oitavo considerando, segundo parágrafo), a Comissão pôde considerar que não se tratava de um facto ou de uma consideração jurídica de importância fundamental para a economia da decisão.

52.
    Por último, a recorrente alega que a Comissão não tinha fundamentado de modo suficiente a obrigação de recuperação do auxílio em causa.

53.
    Todavia, segundo uma jurisprudência constante, sempre que, contrariamente às disposições do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, a subvenção projectada já tiver sido paga, a Comissão, que tem o poder de dirigir injunções às autoridades nacionais para exigir a sua restituição, não é obrigada a fornecer razões específicas para justificar o seu exercício (v., por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1999, Bélgica/Comissão, C-75/97, Colect. p. I-3671, n.° 82).

54.
    Ora, da decisão impugnada resulta que a Comissão fundamentou de modo suficiente a recuperação do auxílio no décimo quinto considerando da referida decisão, ao afirmar que o auxílio em causa era, quanto ao fundo, e pelas razões atrás expostas, incompatível com o mercado comum, a título do artigo 92.° do Tratado. A este propósito, importa sublinhar que a Comissão justificou o montante do auxílio a recuperar por referência à vantagem financeira indevidamente recebida pela EPAC, que é representada pela diferença entre o custo financeiro do mercado de empréstimos bancários e o custo financeiro efectivamente suportado por esta última (v. décimo quinto considerando da decisão impugnada, quinto parágrafo).

55.
    Em consequência, a acusação que decorre da falta de fundamentação da recuperação do auxílio não pode ser acolhida.

56.
    Nestas circunstâncias, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

2. Quanto ao segundo fundamento, decorrente da violação do artigo 92.° do Tratado

    Quanto à primeira vertente, decorrente da violação do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado

Argumentos das partes

57.
    A recorrente alega, em primeiro lugar, que a Comissão violou o artigo 92.°, n.° 1, do Tratado na medida em que considerou, na decisão impugnada, que a garantia de Estado constituía um auxílio de Estado na acepção desse artigo. Em apoio deste argumento, refere, antes de mais, que a concessão de uma garantia para uma simples operação de reestruturação do seu passivo não acarretou nenhuma transferência de recursos do Estado, pois a garantia só seria executada se ela não honrasse o seu contrato de mútuo. Além disso, acrescenta que, como a garantia não lhe permitiu negociar um crédito a uma taxa de juro inferior à do mercado, não podia ser qualificada de auxílio. A este propósito, a taxa de juro que o consórcio bancário aplicou à recorrente não foi o resultado de uma intervenção da Administração pública aquando das negociações, mas da vontade que esse mesmo consórcio tinha de possibilitar uma operação de financiamento destinada a converter um passivo a curto prazo num passivo a longo prazo.

58.
    A recorrente afirma em seguida que cabia ao Estado, único accionista, assegurar a realização das suas missões de interesse geral e que, para o efeito, a garantia concedida pelo Estado é comparável à concedida por um investidor privado queactua no contexto de uma economia de mercado. Sustenta assim que «está-se perante um auxílio de Estado quando a autoridade pública faculta à empresa recursos financeiros em condições inaceitáveis para um investidor que opera nas condições normais de mercado» e recorda que a Comissão está presa a uma concepção pragmática e evolutiva desse critério do investidor privado. Assim, «um sócio privado podia razoavelmente contribuir com o capital necessário para assegurar a sobrevivência de uma empresa que conhece dificuldades passageiras, mas que, eventualmente depois de uma reestruturação, seria capaz de reencontrar a sua rentabilidade» (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1986, Bélgica/Comissão, 234/84, Colect., p. 2263, n.° 15). Não obstante, «a intervenção do investidor público que prossegue objectivos de política económica não [é] necessariamente [a] de um investidor normal que coloca os seus capitais com vista à sua rentabilização a mais ou menos curto prazo» (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-305/89, Colect., p. I-1603, n.° 20).

59.
    Fazendo a aplicação desta jurisprudência ao seu caso, a recorrente considera que era legítimo o Estado intervir a fim de lhe garantir uma operação de reestruturação do seu passivo nas condições do mercado, e isto tanto em virtude da sua qualidade de accionista único como da sua responsabilidade pela sua situação financeira. É para este efeito que a recorrente invoca o seu plano de reestruturação e de saneamento financeiro que deve, por um lado, conduzi-la à privatização e, por outro, permitir-lhe recuperar uma certa rentabilidade no mercado em causa. Assim, ao mesmo tempo que trabalha na prossecução do interesse geral, inerente à realização da missão da recorrente, o Estado contribuía para a «reviabilização» de uma empresa pública e para o não enfraquecimento do seu próprio prestígio.

60.
    A recorrente alega igualmente que, em conformidade com a posição que a Comissão adoptou na sua comunicação sobre as relações financeiras entre o Estado e as empresas públicas, as autoridades portuguesas tinham fornecido inúmeras informações que permitiam explicar de uma forma plausível a concessão da garantia, sem a qualificar de auxílio. No entanto, a Comissão não tinha atendido ao conjunto desses argumentos.

61.
    Por último, ao qualificar esta garantia de auxílio de Estado, a Comissão procedera a uma interpretação abusiva do conceito de auxílio e, não existindo violação do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, o Estado português não tinha a obrigação de notificar o alegado auxílio à Comissão, nos termos do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado.

62.
    A recorrente alega, em segundo lugar, que a Comissão violou o artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, em virtude de não ter demonstrado que o alegado auxílio de Estado afectava as trocas comerciais intracomunitárias e falseava ou ameaçava falsear a concorrência. A recorrente afirma, em apoio do seu argumento, que não basta presumir uma afectação das trocas comerciais a partir da simples adopção de uma medida de apoio financeiro, mas que, pelo contrário, cabe à Comissão fazer prova,in concreto, da existência de uma alteração actual ou potencial da concorrência (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 1994, Espanha/Comissão, C-278/92, C-279/92 e C-280/92, Colect., p. I-4103, n.° 32). Ao contentar-se em apurar a existência de perturbações no mercado, sem as identificar, e de um fluxo comercial entre Portugal e os outros Estados-Membros, sem demonstrar que a EPAC afecta, em seu proveito, a corrente desse fluxo, a Comissão não demonstrou que as trocas comerciais intracomunitárias foram afectadas nem que o jogo da concorrência foi falseado.

63.
    A Comissão responde que a garantia controvertida constitui um auxílio de Estado e que um investidor privado teria preferido liquidar a EPAC a conceder-lhe uma garantia. A afectação dos recursos do Estado resultaria, no caso em apreço, não só da renúncia a um prémio, que um garante privado teria exigido como contrapartida pelo risco suportado, como igualmente do encargo que, para orçamento do Estado, pode resultar da eventual realização desse risco. Todavia, a Comissão também afirmou, numa resposta a uma questão do Tribunal, que, se esse prémio tivesse sido efectivamente pago ao Estado português, a sua taxa não corresponderia à do mercado. Objecta, além disso, que não era obrigada a demonstrar o efeito real do auxílio e que, no caso em apreço, tinha feito prova da existência de uma afectação do comércio intracomunitário.

Apreciação do Tribunal

- Quanto ao conceito de auxílio de Estado

64.
    Importa recordar, a título preliminar, que o artigo 92.° do Tratado proíbe os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções, na medida em que esses auxílios afectem as trocas comerciais entre Estados-Membros.

65.
    Importa igualmente recordar que, segundo uma jurisprudência constante, o conceito de auxílio compreende não apenas prestações positivas, como as subvenções propriamente ditas, mas também intervenções que, de formas diversas, aliviam os encargos que oneram o orçamento de uma empresa e que, por esse motivo, não sendo subvenções na acepção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (v., designadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 1993, Kirsammer-Hack, C-189/91, Colect., p. I-6185, n.° 16; de 15 de Março de 1994, Banco Exterior de España, C-387/92, Colect., p. I-877, n.° 13; e de 29 de Junho de 1999, DM Transport, C-256/97, Colect., p. I-3913, n.° 19).

66.
    A fim de apreciar se uma medida estatal constitui um auxílio, deve, segundo uma jurisprudência constante, determinar-se se a empresa beneficiária recebe uma vantagem económica que não seria obtida em condições normais de mercado (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1996, SFEI e o., C-39/94,Colect., p. I-3547, n.° 60; de 29 de Abril de 1999, Espanha/Comissão, C-342/96, Colect., p. I-2459, n.° 41; e DM Transport, já referido, n.° 22).

67.
    No caso em apreço, a recorrente alega que a garantia concedida pelo Estado português é comparável à que um investidor privado que actua no contexto de uma economia de mercado pode conceder .

68.
    Todavia, importa sublinhar que o comportamento do Estado português, que concedeu a garantia controvertida, não pode ser comparado ao de um investidor privado (v., a este propósito, em sede de mútuo, os acórdãos de 29 de Abril de 1999, Espanha/Comissão, já referido, n.° 46, e DM Transport, já referido, n.° 24), pois o Estado português não procedeu a nenhuma injecção de capitais. Importa, portanto, determinar se, em condições normais de mercado, a garantia que este concedeu à EPAC, com vista a permitir-lhe obter um empréstimo junto de estabelecimentos bancários, também seria concedida por um operador privado, atento, nomeadamente, o risco de lhe ser exigido que honrasse a garantia em caso de não reembolso do empréstimo concedido.

69.
    A este propósito, cabe sublinhar, antes de mais, que a EPAC se encontrava numa situação financeira grave, caracterizada pela sua incapacidade em assumir os seus encargos financeiros e pela necessidade de reestruturar o seu passivo bem como as suas capacidades logísticas e salariais.

70.
    Além disso, a recorrente afirmou que «é possível que, sem a concessão dessa garantia do Estado, o contrato entre [ela] e o consórcio bancário... não fosse celebrado», e que, se o Estado decidir revogar a garantia, os bancos credores poderão exigir o pagamento imediato dos seus créditos, conduzindo-a, por esse facto, à falência.

71.
    Segue-se que a EPAC beneficiou de uma vantagem de que não beneficiaria em condições normais de mercado.

72.
    A este propósito, a recorrente não pode alegar que o plano de rentabilização económica e de saneamento financeiro, em conjugação com a concessão de um empréstimo parcialmente coberto por uma garantia de Estado, deixaria entrever qualquer perspectiva favorável para um operador privado, susceptível de tornar aceitável a concessão de tal vantagem.

73.
    Com efeito, a recorrente admite nos seus memorandos que esse plano de rentabilização e de saneamento financeiro não constituía um quadro destinado a resolver os problemas da empresa. O Governo português enuncia, aliás, no seu ofício de 8 de Abril de 1997, que «importa notar que esse contrato de mútuo, embora tenha temporariamente atenuado determinados efeitos da situação passada, em nada contribuiu para a solução dos problemas da empresa quanto ao fundo de maneio necessário às suas operações comerciais correntes e às exigênciasdo investimento necessário para a reestruturação da empresa e para as indemnizações a pagar aos trabalhadores para efeitos da rescisão dos seus contratos de trabalho».

74.
    Daqui resulta que a Comissão podia considerar que, nas circunstâncias do caso em apreço, um operador privado não teria concedido à EPAC a garantia controvertida.

75.
    Esta conclusão não é infirmada pelo argumento da recorrente segundo o qual a intervenção do Estado se explicava pela prossecução do interesse geral, pela tomada em consideração de preocupações salariais ou ainda pela tentativa para manter o prestígio e a credibilidade do Estado.

76.
    Com efeito, a eventual responsabilidade do Estado português pela degradação da situação financeira da EPAC é irrelevante para efeitos da qualificação da garantia em causa como auxílio, pois o artigo 92.° do Tratado não distingue as intervenções em função das suas causas ou dos seus objectivos, antes as definindo em função dos seus efeitos (v., em último lugar, acórdão de 17 de Junho de 1999, Bélgica/Comissão, já referido, n.° 25).

77.
    Esta conclusão também não era contrariada pela alegação da recorrente de que as autoridades portuguesas forneceram à Comissão informações destinadas a demonstrar a existência de uma explicação plausível para a concessão da garantia e que permitiam afastar a qualificação de auxílio de Estado.

78.
    A recorrente invoca em apoio da sua afirmação a comunicação (JO 1993, C 307, p. 3) da Comissão aos Estados-Membros relativa à aplicação dos artigos 92.° e 93.° do Tratado e do artigo 5.° da Directiva 80/723/CEE da Comissão, de 25 de Junho de 1980, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-Membros e as empresas públicas (JO L 195, p. 35; EE 08 F2 p. 75), às empresas públicas do sector produtivo. O n.° 29 desta comunicação dispõe o seguinte:

«A presente comunicação, ao clarificar o modo como a Comissão aplicará o princípio do investidor no contexto de uma economia de mercado e os critérios utilizados para determinar a existência de auxílios, reduzirá a incerteza nestes domínios. Não é intenção da Comissão aplicar os princípios tratados nesta comunicação (numa matéria necessariamente complexa) de um modo dogmático ou doutrinário. A Comissão reconheceu que as decisões empresariais de investimento comportam uma larga margem de apreciação. Contudo, os princípios terão de aplicar-se quando seja suficientemente claro que não existe outra explicação plausível para a atribuição de financiamento público do que considerá-lo como auxílio estatal.»

79.
    Todavia, concluiu-se anteriormente, por um lado, que o comportamento do Estado português não pode ser comparado ao de um investidor privado e, por outro, quea vantagem concedida à EPAC não teria, em condições normais de mercado, sido concedida por um operador privado.

80.
    Relativamente à inexistência de transferência de recursos de Estado, importa sublinhar que a vantagem conferida à EPAC implica um encargo suplementar, para o orçamento de Estado, em caso de perca da garantia (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Dezembro de 1998, Ecotrade, C-200/97, Colect., p. I-7907, n.° 43).

81.
    Nestas circunstâncias, a concessão de uma garantia pelo Estado não podia escapar à proibição do artigo 92.° do Tratado em virtude, apenas, de não ter sido através de uma mobilização imediata e certa de recursos do Estado que essa vantagem foi concedida à empresa beneficiária.

82.
    Além disso, resulta da decisão impugnada resulta que se previu o pagamento de um prémio de 0,2% ao Estado português. Ora, como a recorrente não alegou que essa taxa era conforme às praticadas no mercado, o Tribunal considera que a Comissão pôde legitimamente considerar que não constituía uma remuneração equitativa do risco suportado pelo Estado. Assim, verifica-se desde já para o Estado um lucro cessante.

83.
    Do que precede resulta que a Comissão não violou o artigo 92.°, n.° 1, do Tratado ao declarar que a garantia controvertida constitui um auxílio de Estado na acepção desta disposição.

- Quanto à afectação das trocas comerciais intracomunitárias e à distorção da concorrência

84.
    A recorrente afirma que a Comissão não demonstrou que o alegado auxílio afectava as trocas comerciais intracomunitárias e falseava ou ameaçava falsear a concorrência e que lhe cabia, a este respeito, demonstrar, in concreto, a existência de uma alteração actual ou potencial da concorrência.

85.
    Todavia, a Comissão não é obrigada a proceder a uma análise económica quantificada extremamente circunstanciada. Ademais, tratando-se de um auxílio que não foi notificado à Comissão, a decisão que declara a incompatibilidade desse auxílio com o mercado comum não tem obrigatoriamente de se basear na demonstração do efeito real desse auxílio sobre a concorrência ou sobre as trocas comerciais entre Estados-Membros. Com efeito, decidir de outro modo, conduziria a favorecer os Estados-Membros que pagam auxílios sem observarem o dever de notificação do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, em detrimento daqueles que notificam os auxílios na fase de projecto (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, C-301/87, Colect., p. I-307, n.° 33, e do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Abril de 1998, Vlaams Gewest/Comissão, T-214/95, Colect., p. II-717, n.° 67).

86.
    Ora, cabe observar que a decisão impugnada comporta, na medida do necessário, os elementos que permitem concluir pela existência de uma afectação das trocas comerciais intracomunitárias e de uma distorção da concorrência.

87.
    Com efeito, a Comissão considerou, na decisão impugnada, que as medidas financeiras em causa conduziam directamente à melhoria das condições de produção e de comercialização dos produtos da empresa relativamente aos outros operadores da Comunidade Europeia que não beneficiam de auxílios comparáveis. A decisão também refere que o autor da queixa lhe apresentou, na fase do procedimento administrativo, um pedido de suspensão da garantia de Estado, na sequência da abertura de um concurso para a redução do direito de importação de milho para Portugal. Interrogada sobre isto na audiência, a Comissão esclareceu que a queixosa, bem como a EPAC, tinha concorrido para a obtenção de uma redução de direitos de importação. A situação da EPAC, que apresentou, neste âmbito, condições extremamente competitivas que as outras empresas não podiam acompanhar, caracterizava, portanto, uma distorção da concorrência.

88.
    Além disso, a Comissão refere, na decisão impugnada, o volume das trocas comerciais entre Portugal e a Comunidade, ao mesmo tempo que esclarece que estas são significativas em virtude de Portugal ser deficitário em cereais (o extracto relevante encontra-se reproduzido no n.° 44, supra).

89.
    Daqui a Comissão concluiu que as referidas trocas comerciais são afectadas quando um operador activo no comércio intra e extracomunitário de cereais recebe auxílios que o favorecem relativamente aos outros e que a medida em causa teve um efeito directo e imediato sobre os preços de custo da empresa, que assim beneficiou de uma vantagem económica relativamente às outras empresas do sector (o extracto relevante encontra-se reproduzido no n.° 44, supra).

90.
    Por conseguinte, a Comissão pôde correctamente concluir que as trocas comerciais intracomunitárias foram aqui afectadas. Aliás, a recorrente não apresenta, a este propósito, qualquer elemento susceptível de infirmar esta conclusão.

91.
    Do conjunto destas considerações resulta que o argumento decorrente de uma violação do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, não pode ser acolhido.

Quanto à segunda vertente, decorrente de uma violação do artigo 92.°, n.° 3, do Tratado

Argumentos das partes

92.
    A recorrente alega que a Comissão violou o artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado na medida em que não justificou de forma suficiente a não aplicação das derrogações previstas pelo artigo supra referido. A Comissão, além de dever ter concluído pela utilidade das informações fornecidas pelas autoridades portuguesas, também lhes devia ter prestado maior atenção nas suas apreciações. Assim,sabendo desde o início do processo que o plano de viabilização económica e de saneamento financeiro da EPAC já não se destinava a constituir o enquadramento para a resolução dos problemas da empresa, a Comissão devia ter analisado a garantia controvertida na perspectiva dos critérios aplicáveis aos auxílios de emergência e não na perspectiva dos aplicáveis aos auxílios à reestruturação.

93.
    Para além deste erro de qualificação jurídica, a Comissão tinha cometido um erro de direito na aplicação, ao caso em apreço, das quatro condições que estabeleceu na sua comunicação 94/C 368/05 («Orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade», JO 1994, C 368, p. 12), e isto embora tenha admitido que a EPAC é uma empresa em dificuldades, incapaz de, pelos seus próprios meios, garantir a sua recuperação.

94.
    Quanto à primeira condição, relativa à taxa de juro da garantia controvertida, a recorrente afirma que os empréstimos foram negociados sem a intervenção directa das autoridades portuguesas e nas condições de mercado. Embora tenha beneficiado de uma bonificação da taxa de juro, o teor do primeiro critério não exigia que a taxa concedida fosse estipulada nas condições do mercado, pois só sobre os créditos reembolsáveis é que devia incidir uma taxa equivalente à do mercado. Quanto à segunda condição, relativa à limitação do montante do auxílio ao necessário para a exploração da empresa, sustenta que a garantia não é um auxílio à exploração, mas uma «medida de carácter excepcional e transitória, que permitiria ultrapassar o problema enquanto se esperava por uma solução global». A solução escolhida pelas autoridades portuguesas visava, segundo a recorrente, manter a actividade da empresa, sem infringir as regras do direito comunitário, consolidando, com esse objectivo, um passivo bancário a curto prazo e um passivo a longo prazo. Quanto, em seguida, à terceira condição, relativa à duração do auxílio concedido, a recorrente alega que o prazo habitualmente estabelecido de seis meses é prorrogável e que é necessário que a empresa beneficiária do auxílio tenha tempo para elaborar um plano de recuperação viável. Por último, quanto à quarta condição, relativa à justificação social da medida em causa, a recorrente considera que, ao permitir a manutenção da sua actividade, a garantia concedida permitiu evitar despedimentos, perturbações no mercado de abastecimento de cereais do país e perpetuar o apoio comercial e técnico da EPAC aos agricultores portugueses.

95.
    A recorrente assinala ainda que, para o caso de a garantia concedida ser qualificada de auxílio, em conformidade com o artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado, essa garantia não altera as condições das trocas comerciais numa medida contrária ao interesse comum. A este respeito, recorda que, numa situação análoga à em apreço, o Tribunal de Justiça considerou que o pagamento de dívida antigas, com o objectivo de salvar uma empresa, não tem necessariamente por efeito alterar as condições das trocas comerciais em medida contrária ao interesse comum, quando essa operação se conjuga, designadamente, com um plano dereestruturação (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, Recueil, p. 3809, n.° 39).

96.
    A Comissão objecta ter tomado em consideração as informações prestadas pelo Governo português. Além disso, relativamente à aplicação da comunicação 94/C 368/05, já referida, a Comissão observa que era normal examinar conjuntamente a hipótese de um auxílio de emergência e de um auxílio à reestruturação, constituindo estes os dois aspectos de uma única operação destinada a salvar a empresa a curto prazo e, posteriormente, a restaurar a sua viabilidade a longo prazo. Por último, tinha legitimamente considerado que a garantia em causa não satisfazia os critérios definidos na comunicação supra referida.

Apreciação do Tribunal

97.
    Importa recordar, a título preliminar, que resulta da jurisprudência que, no âmbito do artigo 92.°, n.° 3, do Tratado, a Comissão goza de um amplo poder de apreciação cujo exercício implica apreciações de ordem económica e social que devem ser efectuadas num contexto comunitário e que, portanto, compete ao Tribunal limitar a fiscalização que exerce sobre essa apreciação à verificação do respeito das regras processuais, ao carácter suficiente da fundamentação, à exactidão material dos factos, à inexistência de erro manifesto de apreciação e ao desvio de poder (v., designadamente, acórdão de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-303/88, já referido, n.° 34, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Setembro de 1995, TWD/Comissão, T-244/93 e T-486/93, Colect., p. II-2265, n.° 82).

98.
    A recorrente alega que a Comissão violou a comunicação 94/C 368/05, já referida.

99.
    A este propósito, considera, em primeiro lugar, que a Comissão devia ter analisado a garantia em causa na perspectiva dos critérios aplicáveis aos auxílios de emergência e não na perspectiva dos relativos aos auxílios à reestruturação.

100.
    No entanto, resulta da decisão impugnada [v. décimo terceiro considerando, alínea b)] que, embora a Comissão tenha considerado, aquando da abertura do processo, que os critérios dos auxílios de emergência das empresas não eram aplicáveis à garantia de Estado em causa, acabou por afirmar, na decisão impugnada, à luz das informações fornecidas pelo Governo português, que aquela constituía um auxílio de emergência.

101.
    Todavia, a Comissão sublinha que a garantia de Estado em favor da EPAC não satisfaz os critérios definidos na comunicação supra referida para ser considerada um auxílio de emergência compatível com o mercado comum e procede, a este propósito, a uma análise do auxílio na perspectiva dos quatro critérios definidos nessa comunicação [v. décimo terceiro considerando, alínea b)].

102.
    Resulta do que precede resulta que a Comissão procedeu a uma análise exaustiva das derrogações previstas nessa comunicação e, designadamente, ao seu exame, na perspectiva dos auxílios de emergência.

103.
    Forçoso é portanto reconhecer que o argumento da recorrente, decorrente de um erro de qualificação jurídica da medida em causa na perspectiva das orientações referidas, não pode ser acolhido.

104.
    Em segundo lugar, a recorrente alega que a Comissão cometeu um erro na aplicação dos critérios relativos aos auxílios de emergência.

105.
    A referida comunicação enuncia, no seu n.° 3.1, relativo às condições gerais de autorização dos auxílios de emergência:

«Para serem aprovados pela Comissão, os... auxílios de emergência devem, por conseguinte:

-    consistir em auxílios à tesouraria sob a forma de garantias de empréstimos ou de empréstimos a taxas de juro comerciais normais;

-    limitar-se ao montante necessário para manter a empresa em funcionamento (por exemplo, cobertura dos encargos salariais e abastecimentos correntes);

-    serem concedidos apenas para o período imprescindível (geralmente não superior a seis meses) para elaborar um plano de recuperação necessário e exequível;

-    serem justificados por dificuldades sociais prementes e não terem efeitos contrários sobre a situação industrial dos outros Estados-Membros.»

106.
    A Comissão considerou, na decisão impugnada, que essas condições não se encontravam satisfeitas no caso em apreço, pois a taxa dos empréstimos obtida pela EPAC era bonificada, a duração da operação excedia em muito a regra geral dos seis meses, o montante da garantia não podia ser considerado o estritamente necessário à exploração corrente da empresa e, por último, não tinha sido invocada nenhuma justificação social premente [v. décimo terceiro considerando, alínea b)].

107.
    Quanto à primeira condição relativa à taxa de juro, importa recordar que o objectivo prosseguido pela Comissão ao autorizar esses auxílios de emergência é contribuir para o desenvolvimento económico sem afectar as trocas numa medida contrária ao interesse comunitário. Nesta perspectiva, não é aceitável, para um empréstimo obtido graças a uma garantia de Estado, como para um auxílio constituído pelo próprio empréstimo, que a taxa desse crédito seja mais favorável do que a taxa oferecida no mercado.

108.
    A taxa de juro do empréstimo concedido à recorrente é de 6,75% (taxa Lisbor), para a parte garantida do empréstimo, e de 6,75% + 1,2% (taxa Lisbor + 1,2%), para a parte não garantida. A este respeito, as afirmações da recorrente, apoiadas por uma carta do Banco Chemical Finance, SA, membro do consórcio bancário mutuante, segundo as quais as taxas de juro concedidas reflectem as condições do mercado existentes à data da assinatura do contrato em causa, não podem ser aceites.

109.
    Com efeito, resulta, por um lado, da decisão impugnada que a taxa de referência comunitária à data da concessão do empréstimo era de 12,51%, o que, no caso em apreço, deve ser considerado a taxa mínima, dado que a difícil situação financeira da EPAC não lhe permitiria obter um empréstimo em condições mais favoráveis do que as oferecidas aos operadores em situação financeira equilibrada [v. décimo terceiro considerando, alínea d)]. A este respeito, a Comissão apresentou, em resposta a uma questão do Tribunal, uma nota enviada pelos seus serviços ao Governo português, na qual se refere a mesma taxa como taxa de referência para Portugal, que permite calcular, a priori, o elemento de auxílio resultante dos regimes de bonificação de juros relativos aos empréstimos ao investimento.

110.
    Por outro lado, resulta dos documentos provenientes do Ministério das Finanças português, relativos à execução do plano de rentabilização da EPAC, que a taxa aplicável à parte garantida do empréstimo é inferior à taxa de referência portuguesa de 12,98% para 1995.

111.
    Assim, há que concluir que o Estado português conhecia a taxa de referência, considerada reflectir o nível médio das taxas de juro em vigor para os empréstimos a médio e longo prazo, que a Comissão aplicaria para calcular o elemento de auxílio. Também há que considerar que, no caso em apreço, se aplicou conscientemente uma taxa de juro sensivelmente inferior à referida taxa de referência.

112.
    Do que precede resulta que a Comissão pôde, sem cometer qualquer erro manifesto de apreciação, considerar que as taxas concedidas à EPAC eram bonificadas.

113.
Relativamente às outras condições enunciadas na comunicação, importa reconhecer, por um lado, que a garantia de Estado foi concedida por um período de sete anos, quando o período geralmente aceite é de seis meses. A este respeito, embora a Comissão admita que esse prazo possa ser prorrogado com o objectivo de permitir terminar o inquérito relativo ao plano de reestruturação, importa observar que um prazo de sete anos não pode, para o efeito, ser considerado razoável.

114.
    Além disso, resulta das referidas orientações que os auxílios de emergência permitem apoiar temporariamente uma empresa durante o período de tempo necessário à elaboração de um plano adequado para remediar às dificuldades financeiras existentes. Nestas condições, a Comissão podia legitimamente considerarque uma garantia de sete anos não podia constituir um auxílio de emergência, e isto tanto mais que o plano de reestruturação anunciado para 1997 nunca foi enviado à Comissão.

115.
    Por outro lado, dos autos não resulta que o Governo ou a recorrente tenham invocado motivos sociais prementes aquando do procedimento administrativo.

116.
    Nestas circunstâncias, a Comissão não cometeu um erro de direito ao considerar que os critérios relativos aos auxílios de emergência não estavam satisfeitos.

117.
    De tudo o que precede resulta que o segundo fundamento deve ser inteiramente julgado improcedente.

3. Quanto ao terceiro fundamento, decorrente de uma violação dos artigos 90.° e 222.° do Tratado

Argumentos das partes

118.
    A recorrente recorda, por um lado, que resulta do artigo 222.° do Tratado que a Comissão é obrigada, no exercício dos poderes que lhe são conferidos pelos artigos 92.° e 93.° do Tratado, a respeitar a igualdade de tratamento entre empresas públicas e privadas e, por outro, que, de acordo com os seus estatutos, deve ser considerada uma empresa pública para efeitos da aplicação das regras comunitárias em matéria de concorrência. Assim, incumbe à Comissão, em matéria de auxílios de Estado, não discriminar entre os investidores públicos e privados. Atenta a sua viabilidade financeira e a jurisprudência aplicável neste âmbito, a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento. Com efeito, da jurisprudência decorria que «resulta deste mesmo princípio da igualdade de tratamento que os capitais postos, directa ou indirectamente, à disposição de uma empresa pelo Estado, em circunstâncias que correspondem às condições normais do mercado, não podem ser considerados auxílios de Estado» (v. acórdão de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-303/88, já referido, n.° 20).

119.
    A recorrente alega igualmente que a Comissão violou o artigo 90.°, n.° 2, do Tratado, na medida em que não atendeu ao facto de que as missões que lhe cabem têm uma finalidade social e correspondem à realização de um serviço de interesse económico geral. Como a concessão da garantia constituía uma medida indispensável à sobrevivência da EPAC, o artigo 90.°, n.° 2, do Tratado era, no caso em apreço, aplicável, justificando assim uma derrogação ao princípio da proibição, da supressão e da recuperação do alegado auxílio.

120.
    A Comissão sublinha, relativamente à alegada violação do artigo 222.° do Tratado, que a sua decisão visa o restabelecimento da igualdade de tratamento entre a empresa pública beneficiária do auxílio e os seus concorrentes.

121.
    No que respeita a uma alegada violação do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado, argumenta que a recorrente não demonstrou ter sido incumbida pelo Estado da gestão de um serviço de interesse económico geral, na acepção desse artigo.

Apreciação do Tribunal

122.
    Relativamente, por um lado, à alegada violação, pela Comissão, do princípio da igualdade de tratamento entre empresas privadas e públicas, importa sublinhar, em primeiro lugar, que, nos termos do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, as regras de concorrência são indistintamente aplicáveis a esses dois tipos de empresas, e, em segundo, que o artigo 222.° do Tratado não contraria esse princípio.

123.
    Ao considerar que a garantia controvertida era um auxílio incompatível com o mercado comum, a Comissão não pôs de forma alguma em causa o regime da propriedade pública e mais não fez do que tratar de forma idêntica o proprietário público e o proprietário privado de uma empresa (v. acórdão de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-305/89, já referido, n.° 24).

124.
    Assim, há que considerar que o argumento, decorrente de uma violação do artigo 222.° do Tratado, não pode ser acolhido.

125.
    Relativamente, por outro lado, à alegada violação do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado, resulta desse artigo que, para que a derrogação possa ser aplicada, é necessário que a empresa em causa tenha sido encarregada, pelos poderes públicos, da gestão de um serviço de interesse económico geral, que a aplicação das normas do Tratado ponha em causa o cumprimento da missão específica que lhe foi confiada e, por último, que o interesse da Comunidade não seja afectado (v., designadamente, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 1997, FFSA e o./Comissão, T-106/95, Colect., p. II-229, n.° 173).

126.
    A este propósito, as empresas encarregadas da gestão de um serviço de interesse económico geral devem ter sido incumbidas dessa missão por um acto da autoridade pública (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1974, BRT e Société belge des auteurs, compositeurs et éditeurs, 127/73, Colect., p. 165, n.° 20, e de 18 de Junho de 1998, Corsica Ferries France, Colect. C-266/96, p. I-3949, n.° 47).

127.
    Ora, há que reconhecer que a recorrente não fez prova de lhe ter sido confiada uma missão desse tipo.

128.
    O argumento decorrente de uma violação do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado não pode, portanto, ser acolhido.

129.
    Segue-se que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente na sua integralidade.

4. Quanto ao quarto fundamento, decorrente de uma violação dos princípios gerais da proporcionalidade, da segurança jurídica e da confiança legítima

Argumentos das partes

130.
    A recorrente afirma, antes de mais, que a Comissão não respeitou o «critério mínimo de tratamento proporcional e equilibrado dos interesses em jogo» ao exigir a supressão e a recuperação dos auxílios concedidos. A recorrente considera, com efeito, que o Estado accionista e gestor do interesse geral optou pela solução que, entre a liquidação da empresa, o auxílio directo ou a garantia, menos prejudicava os interesses em presença.

131.
    Por outro lado, a recorrente invoca a impossibilidade jurídica, para o Estado português, de adoptar as medidas exigidas pela Comissão, em virtude de estas violarem tanto a ordem jurídica portuguesa como o direito comunitário no que toca ao respeito das obrigações contratuais. Com efeito, o Estado não podia, unilateralmente, desvincular-se das obrigações que assumiu para com estabelecimentos bancários, sendo os órgãos jurisdicionais nacionais os únicos com competência para declarar a nulidade da garantia.

132.
    Por último, a recorrente e os estabelecimentos bancários tinham legitimamente confiado na legalidade da garantia concedida a esses estabelecimentos e mereciam, por esse facto, uma protecção jurídica adequada que era incompatível com uma decisão da Comissão que impusesse a supressão da garantia e o reembolso do alegado auxílio daí resultante.

133.
    A Comissão considera, relativamente ao carácter alegadamente desproporcionado das medidas impostas, que resulta do Tratado e da jurisprudência que a supressão do auxílio é necessária para efeitos do restabelecimento da situação anterior (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão, C-142/87, Colect., p.I-959, de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-305/89, já referido, e de 4 de Abril de 1995, Comissão/Itália, C-348/93, Colect., p. I-673). A este propósito, a jurisprudência reconheceu que a liquidação da empresa beneficiária do auxílio não liberava o Estado da sua obrigação de suprimir esse auxílio (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Janeiro de 1986, Comissão/Bélgica, 52/84, Colect., p. 89).

134.
    A Comissão afirma igualmente que, como nem o Estado, nem o próprio beneficiário ou os bancos se asseguraram do respeito do procedimento de notificação e, portanto, da legalidade do auxílio, não podem invocar uma violação do princípio da confiança legítima (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 1990, Comissão/Alemanha, C-5/89, Colect., p. I-3437, bem como as conclusões do advogado-geral M. Darmon apresentadas nesse processo, Colect., p. I-3445, e acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1996, Alemanha e o./Comissão, C-329/93, C-62/95 e C-63/95, Colect., p. I-5151).

135.
    Por último, sublinha que o Governo português é obrigado a cumprir as medidas adoptadas na decisão impugnada.

Apreciação do Tribunal

136.
    Relativamente, antes de mais, ao primeiro argumento da recorrente baseado na violação do princípio da proporcionalidade, devido à condição que impõe a supressão e a recuperação do auxílio, cabe recordar que, segundo uma jurisprudência constante, «a recuperação de um auxílio estatal ilegalmente concedido, com vista ao restabelecimento da situação anterior, não pode, em princípio, ser considerada como uma medida desproporcionada relativamente aos objectivos das disposições do Tratado em matéria de auxílios de Estado». A este propósito, a recuperação do auxílio ilegal visa restabelecer a situação anterior à concessão do auxílio (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 1997, Espanha/Comissão, C-169/95, Colect., p. I-135, n.° 47, e de 17 de Junho de 1999, Bélgica/Comissão, já referido, n.° 68).

137.
    Como foi legitimamente que a Comissão declarou o auxílio em causa incompatível com o mercado comum, a supressão e a recuperação do auxílio indevidamente recebido são proporcionadas à ilegalidade verificada.

138.
    Relativamente, em seguida, à alegada impossibilidade de o Estado português executar a decisão da Comissão, importa observar que eventuais dificuldades, processuais ou outras, quanto à sua execução, não têm qualquer influência sobre a sua legalidade (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 1994, Espanha/Comissão, já referido, n.° 80, e de 17 de Junho de 1999, Bélgica/Comissão, já referido, n.° 86).

139.
    A recorrente alega, por último, ter depositado uma confiança legítima na legalidade da garantia que o Estado concedeu ao consórcio bancário.

140.
    Importa, a título preliminar, observar que, em conformidade com o artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, os projectos destinados a instituir auxílios devem ser notificados à Comissão antes da sua concretização, sob pena de se considerar que não foram regularmente instaurados (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C-367/95 P, Colect., p. I-1719, n.° 35).

141.
    Ora, o Estado português não procedeu a essa notificação, embora a Comissão a isso o tivesse convidado no seu ofício de 31 de Outubro de 1996.

142.
    Assim, atenta a natureza imperativa do controlo dos auxílios de Estado efectuado pela Comissão, a EPAC não podia, em princípio, depositar uma confiança legítima na regularidade do auxílio que lhe foi concedido em violação do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1997, Alcan Deutschland, C-24/95, Colect., p. I-1591, n.° 43).

143.
    A este propósito, importa sublinhar que, mesmo que a recorrente invocasse circunstâncias excepcionais que pudessem justificar a sua confiança legítima a fim de se opor à recuperação do auxílio, cabia ao órgão jurisdicional nacional, a quem eventualmente tenha sido submetida a questão, apreciá-las (v. acórdão Comissão/Alemanha, já referido, n.° 16).

144.
    Além disso, não se colocando esta questão de forma diferente quer se trate da confiança legítima do beneficiário quer da do credor do beneficiário do auxílio, incumbia igualmente aos bancos credores fazer prova da prudência e da diligência necessárias e proceder às verificações necessárias no que toca à legalidade do auxílio.

145.
    Resulta do que precede que o quarto fundamento não pode ser acolhido.

146.
    Segue-se que o recurso no processo T-270/97 deve ser integralmente julgado improcedente.

Quanto à inutilidade superveniente da lide no processo T-204/97

Argumentos das partes

147.
    A Comissão afirma que a decisão de 30 de Abril de 1997, que exige, a título provisório, que o Governo português suspenda o auxílio sob a forma de garantia de Estado, é uma injunção-suspensão na acepção do acórdão França/Comissão, já referido, e constitui, a este respeito uma medida provisória tomada na expectativa do resultado do exame do auxílio. A razão de ser dessa decisão deixava de existir após a adopção de uma decisão definitiva sobre o mérito do processo. Ao fazê-lo, a decisão definitiva substituía a decisão provisória.

148.
    A Comissão recorda ter adoptado, em 9 de Julho de 1997, uma decisão definitiva em que declarava a incompatibilidade do auxílio com o Tratado e exigia a sua supressão e a sua recuperação. Assim, as obrigações do Estado-Membro em causa e as consequências para a empresa beneficiária do auxílio já não eram o resultado da decisão provisória de suspensão mas da decisão definitiva. A decisão provisória encontrar-se-ia assim «absorvida» pela decisão definitiva.

149.
    Em conclusão, a Comissão considera que o presente litígio ficou sem objecto.

150.
    A recorrente responde que o presente recurso não perdeu o seu objecto pelo simples facto da adopção de uma decisão definitiva relativa à medida estatual controvertida. Afirma, a este propósito, que a decisão provisória teve consequências profundas a nível da sua «vida interna».

151.
    Com efeito, importava que o argumento relativo à ilegalidade da decisão provisória fosse apreciado pelos tribunais a fim de se apurar se o Estado português e a EPACforam mantidos numa situação de violação do direito entre a adopção da decisão provisória e a da decisão definitiva.

152.
    A recorrente sustenta, a título subsidiário, que, se o presente recurso fosse declarado sem objecto, isso seria devido à Comissão, em virtude da adopção da decisão definitiva, e que, portanto, não se justificava que sobre ela recaísse o encargo das despesas decorrentes do processo T-204/97.

Apreciação do Tribunal

153.
    Cabe observar, a título prévio, que a decisão de 30 de Abril de 1997 ordenou a suspensão da concessão da garantia de Estado em favor da EPAC. Através da decisão de 9 de Julho de 1997, a Comissão declarou a ilegalidade da medida estatual em causa e, ao mesmo tempo, ordenou a sua supressão num prazo de quinze dias a contar da notificação dessa decisão e a sua recuperação, por meio de cobrança, num prazo de dois meses a contar da notificação dessa mesma decisão, sendo os juros contados a partir da data em que o auxílio foi pago. A decisão de 9 de Julho de 1997 foi notificada ao Estado português em 18 de Julho de 1997.

154.
    Nestas circunstâncias, importa examinar se a recorrente tem interesse em impugnar a decisão provisória. A este propósito, cabe recordar que um recurso de anulação fica sem objecto a partir do momento em que, não obstante a sua eventual procedência, a situação jurídica do recorrente não pode ser alterada pela anulação, ou não, do acto impugnado. Nesta hipótese, há, então, que pronunciar a inutilidade superveniente da lide.

155.
    No que respeita ao interesse da recorrente em obter a declaração de que a decisão provisória produziu efeitos autónomos até à adopção da decisão definitiva, cabe sublinhar que das respostas da EPAC às questões escritas do Tribunal resulta que o Estado português não procedeu à suspensão da garantia controvertida. Assim, a recorrente não pode alegar ter sofrido um prejuízo autónomo, seja ele qual for, resultante da decisão provisória.

156.
    Além disso, revela-se que, desde a sua entrada em vigor, a decisão de 9 de Julho de 1997, em virtude da natureza das medidas que ordena, privou a decisão provisória de qualquer efeito jurídico autónomo. As consequências da supressão e da recuperação do auxílio suplantam, com efeito, as de uma simples suspensão.

157.
    Aliás, na audiência, a EPAC aceitou, em resposta a uma questão do Tribunal, que, caso o Tribunal declarasse o auxílio ilegal, «obviamente que o interesse na prossecução do processo diminuiria na mesma medida».

158.
    Nestas circunstâncias, como o Tribunal confirmou a decisão da Comissão, que se tornou definitiva, que impõe a supressão e a recuperação do auxílio e não apenas a sua suspensão, a recorrente não tem qualquer interesse em obter a anulação da decisão provisória.

159.
    Por conseguinte, o recurso no processo T-204/97 ficou sem objecto, pelo que não há que conhecer do mesmo.

Quanto às despesas

No processo T-270/97

160.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que a condenar nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

No processo T-204/97

161.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 6, do Regulamento de Processo, se não houver lugar a decisão de mérito, o Tribunal decide livremente quanto às despesas. Face às circunstâncias do caso em apreço, o Tribunal considera que a recorrente deverá suportar a totalidade das despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção Alargada)

decide:

1)    Os processos T-204/97 e T-270/97 são apensos para efeitos do acórdão.

2)    O recurso no processo T-270/97 é julgado improcedente.

3)    Não há que conhecer do recurso no processo T-204/97.

4)    A recorrente suportará as suas próprias despesas e as da Comissão no processo T-270/97.

5)    A recorrente suportará as suas próprias despesas e as da Comissão no processo T-204/97.

Cooke
García-Valdecasas
Lindh

Pirrung

Vilaras

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de Junho de 2000.

O secretário

O presidente

H. Jung

J. D. Cooke


1: Língua do processo: português.