Language of document : ECLI:EU:T:2021:332

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada)

9 de junho de 2021 (*)

«Função pública — Pessoal do BCE — Reembolso de despesas médicas e de despesas escolares — Falsificação — Processo disciplinar — Despedimento — Processo penal — Arquivamento — Absolvição — Competência da Comissão Executiva — Segurança jurídica — Prescrição da ação disciplinar — Adágio segundo o qual o processo penal suspende o processo disciplinar — Presunção de inocência — Imparcialidade do Comité Disciplinar — Erro de direito — Força probatória dos elementos de prova — Prazo razoável — Proporcionalidade da sanção — Intensidade da fiscalização jurisdicional — Responsabilidade»

No processo T‑514/19,

DI, representado por L. Levi, advogada,

recorrente,

contra

Banco Central Europeu (BCE), representado por F. Malfrère e F. von Lindeiner, na qualidade de agentes, assistidos por B. Wägenbaur, advogado,

recorrido,

que tem por objeto um pedido apresentado ao abrigo do artigo 270.o TFUE e do artigo 50.o‑A do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia por meio do qual, primeiro, é pedida a anulação da Decisão do BCE de 7 de maio de 2019 que despediu o recorrente sem aviso prévio por motivos disciplinares e a anulação da Decisão do BCE de 25 de junho de 2019 que recusou reabrir o processo, segundo, é pedido que seja ordenada a reintegração do recorrente com efeitos desde 11 de maio de 2019 e, terceiro, é pedido que seja indemnizado o dano moral que o recorrente alegadamente sofreu na sequência daquelas decisões e devido à duração do processo disciplinar,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada),

composto por: S. Gervasoni, presidente, L. Madise, P. Nihoul, R. Frendo (relatora) e J. Martín y Pérez de Nanclares, juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 9 de outubro de 2020,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

1        O recorrente, DI, foi admitido no Banco Central Europeu (BCE ou, a seguir, «Banco») em 1999. Exercia funções de assistente principal na área da informática, estando classificado no grau D, quando foi objeto de um processo disciplinar que tinha por objeto pedidos de reembolso, primeiro, de faturas respeitantes a prestações de serviços de fisioterapia, segundo, de recibos de despesas de farmácias e, terceiro, de faturas respeitantes a apoio escolar.

2        Através de várias notas redigidas entre 13 de dezembro de 2013 e 23 de novembro de 2015, a sociedade gestora do regime de seguro de saúde do BCE (a seguir «sociedade A») informou este último de duas séries de factos. Por um lado, o recorrente apresentou‑lhe irregularmente para efeitos de reembolso faturas de serviços de fisioterapia, não obstante estes serviços terem sido prestados por B, esteticista, e, por outro, o recorrente pediu também o reembolso de recibos falsos de despesas farmacêuticas.

3        Em 14 de maio de 2014, o BCE apresentou uma queixa ao Staatsanwaltschaft Frankfurt am Main (Ministério Público de Frankfurt am Main, Alemanha, a seguir «Ministério Público») relativa aos factos respeitantes ao reembolso das faturas de serviços de fisioterapia.

4        Por Decisão de 21 de outubro de 2014, a Comissão Executiva do BCE decidiu suspender o recorrente das suas funções e reter, por um período máximo de quatro meses, 30 % do seu salário de base a partir de novembro de 2014. As informações prestadas pela sociedade A e a necessidade de preservar o inquérito penal e as respetivas consequências disciplinares justificaram a tomada desta decisão.

5        Em 23 de janeiro de 2015, o BCE comunicou ao Ministério Público informações adicionais que a sociedade A lhe prestara respeitantes aos pedidos de reembolso dos recibos farmacêuticos.

6        Depois de ter ouvido o recorrente em 3 de fevereiro de 2016, a Direção‑Geral (DG) «Recursos Humanos, Orçamento e Organização» do BCE elaborou, em 8 de setembro de 2016, um «Relatório sobre um eventual incumprimento das obrigações profissionais» (a seguir «relatório n.o 1»), ao abrigo do artigo 8.3.2 das Regras Aplicáveis ao Pessoal do BCE (a seguir «Regras Aplicáveis ao Pessoal»). Este relatório imputou ao recorrente duas séries de factos. Em primeiro lugar, entre 12 de novembro de 2009 e 29 de setembro de 2014, o recorrente apresentou à sociedade A 86 faturas relativas a sessões de fisioterapia prestadas por B à sua mulher, aos seus filhos, bem como a si próprio, no montante de 61 490 euros, tendo‑lhe sido reembolsado um montante de 56 041,09 euros, não obstante B não ser fisioterapeuta, mas esteticista. Em segundo lugar, entre fevereiro de 2009 e setembro de 2013, o recorrente apresentou também de forma fraudulenta à sociedade A recibos manuscritos emitidos por farmácias no montante total de 21 289,08 euros, tendo a sociedade A reembolsado 19 427,86 euros.

7        Em 12 de setembro de 2016, o Ministério Público deduziu acusação contra o recorrente e remeteu o processo para julgamento a título da prática dos crimes de fraude, na aceção do § 263, n.o 1, do Strafgesetzbuch (Código Penal alemão), e de falsificação de documentos, nos termos do § 267 do mesmo código, por ter indevidamente pedido o reembolso de 71 faturas relativas a tratamentos de fisioterapia. Na mesma acusação, o Ministério Público arquivou, ao abrigo do § 154 do Strafprozessordnung (Código de Processo Penal alemão), a parte do processo relativa aos recibos de despesas farmacêuticas, por ainda ser necessário realizar diligências de instrução significativas quanto aos factos que vinham descritos.

8        Em 18 de novembro de 2016, o secretário‑geral dos serviços do BCE «agindo em nome da Comissão Executiva» instaurou um processo disciplinar contra o recorrente por presumido incumprimento das obrigações profissionais que incumbiam ao recorrente. Sendo necessário submeter este processo disciplinar ao Comité Disciplinar, o secretário‑geral do BCE pediu a este último que emitisse um parecer ao abrigo do artigo 8.3.15 das Regras Aplicáveis ao Pessoal. Aberto à luz do relatório n.o 1, este processo tinha por objeto os factos relativos às faturas de serviços de fisioterapia e aos recibos de farmácias.

9        Tendo havido troca de correspondência entre o Comité Disciplinar e o recorrente, este último foi ouvido pelo Comité Disciplinar em 13 de fevereiro de 2017.

10      Em 5 de setembro de 2017, a DG «Recursos Humanos, Orçamento e Organização» do BCE elaborou um segundo «Relatório sobre um eventual incumprimento das obrigações profissionais» na aceção do artigo 8.3.2 das Regras Aplicáveis ao Pessoal (a seguir «relatório n.o 2»). Este relatório dizia respeito a faturas de apoio escolar prestado aos dois filhos do recorrente, cujo reembolso este pediu em 2010, 2012 e 2014 e, novamente, em janeiro de 2017, ao abrigo do artigo 3.8.4 das Regras Aplicáveis ao Pessoal. Segundo este relatório, existia uma suspeita razoável de que as faturas emitidas pela professora de aulas particulares C, a título do apoio escolar, não fossem verdadeiras nem autênticas.

11      À luz do relatório n.o 2, o secretário‑geral dos serviços, «agindo em nome da Comissão Executiva», decidiu, em 19 de setembro de 2017, alargar o mandato do Comité Disciplinar a estes factos.

12      Em 12 de outubro de 2017, o BCE apresentou ao Ministério Público uma queixa relativa à parte do processo respeitante às faturas de apoio escolar.

13      O Comité Disciplinar ouviu o recorrente e a mulher deste em 17 de outubro de 2017.

14      Em 18 de outubro de 2017, uma secção penal do Landgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional de Frankfurt am Main, Alemanha) absolveu o recorrente das acusações relativas às faturas de serviços de fisioterapia por «razões de facto», tendo o órgão jurisdicional adquirido a convicção, «após a audiência […], de que os factos descritos na acusação não foram provados».

15      Em 11 de abril de 2018, o Comité Disciplinar emitiu o seu parecer. Antes de mais, considerou que a inautenticidade das faturas de serviços de fisioterapia não estava suficientemente provada, embora o recorrente soubesse que B não era fisioterapeuta, mas esteticista, ou, pelo menos, que se devia ter questionado sobre a qualificação desta. Em seguida, o Comité Disciplinar considerou que os factos que estavam na origem das acusações relativas à apresentação dos recibos farmacêuticos e às faturas de apoio escolar também não foram suficientemente provados e que havia que encerrar o processo a este respeito, sob reserva de o reabrir no caso de serem apresentadas novas provas. À luz do que precede, o Comité Disciplinar recomendou que fosse aplicada ao recorrente uma sanção de redução temporária de salário de 400 euros por mês durante um período de doze meses.

16      Depois de o recorrente ter apresentado as suas observações sobre o parecer do Comité Disciplinar de 11 de abril de 2018, o secretário‑geral dos serviços notificou‑lhe uma Decisão da Comissão Executiva de 10 de julho de 2018 nos termos da qual esta passava a exercer, ela própria, o poder disciplinar no caso concreto (a seguir «Decisão de 10 de julho de 2018»).

17      O secretário‑geral dos serviços notificou posteriormente ao recorrente um projeto de decisão da Comissão Executiva para o despedir sem aviso prévio. A este projeto de decisão seguiu‑se uma troca de correspondência.

18      Em 7 de maio de 2019, a Comissão Executiva decidiu despedir o recorrente sem aviso prévio (a seguir «decisão de despedimento»).

19      Primeiro, a Comissão Executiva considerou, por um lado, que, «[d]urante quase cinco anos, [o recorrente] manifestou uma indiferença total e persistente relativamente à questão de saber se [B] possuía as qualificações exigidas para prestar serviços de fisioterapia, não obstante as razões claras e objetivas para se informar sobre as suas qualificações», e, por outro, que «ocultou ativamente uma parte das informações» à sociedade A e ao BCE.

20      Segundo, no que se refere aos recibos farmacêuticos, que foram mais de 500, a Comissão Executiva considerou que o recorrente não podia não se ter apercebido de que a elaboração destes sob forma manuscrita era muito inabitual na Alemanha e que havia indícios objetivos que demonstravam que estes não eram verdadeiros nem autênticos.

21      Terceiro, no que se refere às faturas de apoio escolar, a Comissão Executiva constatou, nomeadamente, que o número de identificação fiscal que figurava nas mesmas era quase idêntico ao número de identificação fiscal que constava das faturas de serviços de fisioterapia, tendo a Administração Tributária de Frankfurt am Main (Alemanha) confirmado que este número não era verdadeiro. A Comissão Executiva observou igualmente que a morada de C indicada nestas faturas era também praticamente idêntica à de B. Por conseguinte, o BCE entendeu que era altamente improvável que o recorrente não tivesse detetado estas semelhanças. Consequentemente, a Comissão Executiva considerou que o recorrente apresentou faturas de apoio escolar que não eram verdadeiras nem autênticas para obter o respetivo reembolso.

22      À luz de tudo o que precede, a Comissão Executiva indicou, em substância, que o direito de pedir o reembolso de despesas médicas e de apoio escolar não significa que os membros do pessoal podem não tomar em consideração circunstâncias que viciam a emissão de faturas ou de recibos de tal forma que qualquer pessoa razoavelmente prudente se teria questionado para saber se essas faturas ou esses recibos constituíam uma documentação adequada que confere direito ao respetivo reembolso. Perante tais circunstâncias, a Comissão Executiva considerou que cabe aos membros do pessoal informar a administração de tal facto, no mínimo de forma espontânea, e cooperar com esta. Por conseguinte, a Comissão Executiva chegou à conclusão de que o recorrente era culpado, primeiro, por ter violado o seu dever de lealdade para com a Instituição, segundo, por não ter cumprido a sua obrigação de respeitar os valores comuns do BCE e de levar a cabo as suas vidas profissional e privada de acordo com o estatuto deste, terceiro, por não ter cumprido, de forma contínua, o seu dever de preservar os interesses financeiros da instituição e, quarto, por ter posto em causa a reputação do Banco.

23      Entretanto, em 30 de abril de 2019, o Ministério Público informou o recorrente de que o inquérito relativo às faturas de apoio escolar tinha sido arquivado ao abrigo do § 170, n.o 2, do Código de Processo Penal, por não haver fundamentos suficientes que justificassem que o processo continuasse a correr ao abrigo de uma acusação pública.

24      Por carta do mesmo dia, registada nos serviços do BCE em 15 de maio seguinte, o Ministério Público informou igualmente o BCE de que aquele inquérito tinha sido arquivado. Nesta carta, o Ministério Público acrescentou que as investigações tinham revelado que não existia registo oficial da existência de C e que o número de identificação fiscal constante das suas faturas não tinha sido atribuído. No entanto, o Ministério Público considerou que não se podia excluir que as faturas em causa tivessem efetivamente sido emitidas e pagas pelo arguido e que «outras razões» podiam explicar as informações falsas que estas continham.

25      Por carta de 12 de junho de 2019, o recorrente informou o secretário‑geral dos serviços do resultado do processo instaurado pelo Ministério Público relativo às faturas de apoio escolar e pediu ao BCE que reavaliasse a sua decisão de despedimento.

26      Por carta de 26 de junho de 2019, o secretário‑geral dos serviços informou o recorrente da Decisão da Comissão Executiva de 25 de junho anterior de não reabrir o processo disciplinar (a seguir «recusa de reabrir o processo»). Esta decisão assentou em dois fundamentos. Antes de mais, o BCE alegou que o Ministério Público devia investigar se os factos alegados constituíam uma violação do direito penal alemão à luz dos critérios de prova aplicáveis aos processos penais, ao passo que ao Banco cabia averiguar se os factos alegados constituíam uma violação das suas próprias regras em matéria de emprego à luz de diferentes critérios de prova aplicáveis aos processos disciplinares. Em seguida, o BCE explicou que o Ministério Público confirmou que não existia registo oficial de C e que o número de identificação fiscal constante das faturas não era verdadeiro.

II.    Tramitação processual e pedidos das partes

27      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de julho de 2019, o recorrente interpôs o presente recurso.

28      O BCE apresentou a contestação em 8 de novembro de 2019.

29      Em 22 de janeiro de 2020, o recorrente apresentou a réplica.

30      Em 6 de março de 2020, o BCE apresentou a tréplica.

31      Em 7 de julho de 2020, o Tribunal Geral convidou o BCE, através de uma medida de organização do processo ao abrigo do artigo 89.o, n.o 3, alínea d), do seu Regulamento de Processo, a apresentar dois documentos. O BCE deu cumprimento à medida de organização do processo no prazo concedido.

32      Sob proposta da Quarta Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

33      Sob proposta da juíza relatora, o Tribunal Geral (Quarta Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, colocou questões escritas às partes e convidou‑as a apresentar as respetivas respostas na audiência.

34      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão de despedimento e a decisão de não reabrir o processo (a seguir, consideradas em conjunto, «decisões impugnadas»);

–        consequentemente, ordenar a sua reintegração nas suas funções com efeitos desde 11 de maio de 2019, acompanhada de todos os respetivos direitos financeiros e da publicidade adequada para repor a sua honra;

–        em todo o caso, condenar o BCE a indemnizá‑lo a título do dano moral que sofreu e que avalia ex aequo et bono em 20 000 euros;

–        condenar o BCE nas despesas.

35      O BCE conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

–        na medida do necessário, convocar como testemunha o recorrente, a sua mulher e os seus filhos, bem como eventualmente B, para os ouvir a respeito das faturas de serviços de fisioterapia, ou, pelo menos, ouvir a este respeito o recorrente na qualidade de parte no presente litígio.

III. Questão de direito

A.      Quanto ao primeiro pedido, que tem por objeto a anulação das decisões impugnadas

1.      Observações preliminares

36      O recorrente invoca nove fundamentos em apoio dos seus pedidos de anulação. À luz do conteúdo da petição, há, contudo, que enumerar dez pedidos, relativos:

–        o primeiro, à incompetência do autor das decisões impugnadas;

–        o segundo, à violação do artigo 8.3.2 das Regras Aplicáveis ao Pessoal e do princípio da segurança jurídica;

–        o terceiro, à violação do adágio segundo o qual «o processo penal suspende o processo disciplinar», do princípio da boa administração e do dever de diligência;

–        o quarto, à violação do artigo 8.3.7 das Regras Aplicáveis ao Pessoal e do princípio da imparcialidade, conforme este se encontra consagrado no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»);

–        o quinto, à violação dos direitos de defesa;

–        o sexto, a erros manifestos de apreciação;

–        o sétimo, à violação do direito à presunção de inocência e do artigo 48.o da Carta;

–        o oitavo, à violação do prazo razoável e do dever de diligência;

–        o nono, à violação do dever de fundamentação;

–        o décimo, formulado a título subsidiário, à violação do princípio da proporcionalidade.

37      No entanto, há que examinar em conjunto os fundamentos terceiro e sétimo acima referidos.

38      Por outro lado, o BCE alega, de forma geral, que só o primeiro fundamento, relativo à incompetência do autor do ato, é suscetível de ser associado ao pedido de anulação da recusa de reabrir o processo.

39      Não obstante, é premente salientar que, ainda que o recorrente dirija essencialmente as suas acusações contra a decisão de despedimento, os fundamentos terceiro e sétimo, relativos, em substância, à violação do adágio segundo o qual «o processo penal suspende o processo disciplinar» e à violação do direito à presunção de inocência, também se dirigem contra a recusa de reabrir o processo à luz da decisão do Ministério Público de arquivar o inquérito relativo às faturas de apoio escolar. Além disso, no caso de a decisão de despedimento vir a ser anulada, por via de consequência e por razões de segurança jurídica, a recusa de reabrir o processo também o deverá ser para eliminar qualquer possível entrave à obrigação de o BCE tomar, em conformidade com o disposto no artigo 266.o TFUE, as medidas necessárias à execução do acórdão.

2.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à incompetência do autor das decisões impugnadas

40      Ao abrigo do artigo 44.o, alínea ii), das Condições de Emprego do Pessoal do BCE (a seguir «Condições de Emprego»), a Comissão Executiva pode aplicar uma sanção de despedimento, com ou sem aviso prévio, como sanção disciplinar. O artigo 8.3.17 das Regras Aplicáveis ao Pessoal dispõe, contudo, que «[o] secretário‑geral dos serviços, agindo por conta da Comissão Executiva, em relação aos membros do pessoal situados no grau de salário I ou abaixo deste, […] decide da sanção disciplinar mais adequada».

41      No caso em apreço, a Comissão Executiva adotou as decisões impugnadas, embora, segundo o recorrente, a competência para tal coubesse ao secretário‑geral dos serviços, por força da delegação de competências prevista no artigo 8.3.17 das Regras Aplicáveis ao Pessoal.

42      No entanto, como o BCE alega, em 10 de julho de 2018, ou seja, antes de adotar a decisão de despedimento, a Comissão Executiva tomou a decisão de exercer ela própria o poder disciplinar em relação ao recorrente (v. n.o 16, supra).

43      Contudo, o recorrente considera que para retirar a delegação ao secretário‑geral dos serviços era necessário ter consultado previamente o Comité do Pessoal. Por conseguinte, o recorrente considera que, não tendo essa consulta sido realizada, a Decisão de 10 de julho de 2018 é irregular, do que decorre que a Comissão Executiva tomou a decisão de despedimento em vez e no lugar da autoridade legalmente competente.

44      Para justificar que o Comité do Pessoal devia ter sido consultado, o recorrente alega, em primeiro lugar, que a Decisão de 10 de julho de 2018 constituiu uma alteração das Regras Aplicáveis ao Pessoal e que tal alteração exige que este Comité seja consultado, nos termos do artigo 21.o do Regulamento Interno do BCE e do princípio do paralelismo dos procedimentos.

45      No entanto, contrariamente ao que o recorrente sustenta, a Decisão de 10 de julho de 2018 não revogou o artigo 8.3.17 das Regras Aplicáveis ao Pessoal. Conforme o próprio reconhece na réplica, esta decisão só abrangeu o recorrente e só dizia respeito ao processo em causa. O alcance da decisão é por isso apenas individual.

46      Ora, a obrigação de consultar o Comité do Pessoal limita‑se à alteração de atos de alcance geral (Despacho de 9 de novembro de 2017, Bowles/BCE, T‑564/16, não publicado, EU:T:2017:816, n.o 48). Com efeito, o artigo 48.o das Condições de Emprego dispõe que o Comité do Pessoal «representa os interesses gerais de todos os membros do pessoal em matéria de contratos de trabalho, de regulamentações do pessoal e de remunerações, de condições de emprego, de trabalho, de saúde e de segurança no BCE, de assistência social e de regimes de reforma». Por outro lado, nos termos do artigo 49.o das mesmas Condições de Emprego, «o Comité do Pessoal é consultado antes de qualquer alteração a introduzir nas presentes condições de emprego, nas regras aplicáveis ao pessoal e em questões conexas, conforme acima definidas no artigo 48.o».

47      Não obstante, o recorrente alega, em segundo lugar, que, ainda que fosse o único afetado pela Decisão de 10 de julho de 2018, da possibilidade de a Comissão Executiva avocar casos individuais resulta que o artigo 8.3.17 das Regras Aplicáveis ao Pessoal não pode ser considerado uma disposição definitiva, mas uma disposição que pode ser alterada em função da vontade do BCE. Ora, em matéria disciplinar, a segurança jurídica e a publicidade são indispensáveis. Nestas condições, o recorrente considera que a consulta do Comité do Pessoal revestiu utilidade.

48      A este respeito, importa observar que a Comissão Executiva é responsável pela gestão das atividades correntes do BCE nos termos do artigo 11.o‑6 do Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do BCE e que o artigo 44.o, alínea ii), das Condições de Emprego lhe reconhece mais especificamente competência para adotar decisões de despedimento sem aviso prévio.

49      Nestas condições, ao confiar ao secretário‑geral dos serviços a tarefa de adotar decisões individuais de despedimento «por conta da Comissão Executiva», o artigo 8.3.17 das Regras Aplicáveis ao Pessoal inscreve‑se no âmbito do amplo poder de apreciação de que as instituições da União Europeia dispõem no plano interno para se organizarem em função das suas necessidades (v., neste sentido, Acórdão de 26 de maio de 2005, Tralli/BCE, C‑301/02 P, EU:C:2005:306, n.o 58). Ora, embora o princípio da segurança jurídica, invocado pelo recorrente, imponha à Administração, quando adota normas, que as redija de forma a que sejam suficientemente claras para que os particulares possam conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e possam, assim, agir em conformidade, este princípio não impõe ao BCE que restrinja o poder de apreciação de que dispõe para se organizar (v., por analogia, Acórdão de 24 de setembro de 2019, US/BCE, T‑255/18, não publicado, EU:T:2019:680, n.o 90). Por conseguinte, o princípio da segurança jurídica não se opõe a que o artigo 8.3.17 acima referido seja interpretado no sentido de que as decisões do secretário‑geral dos serviços nesta matéria exprimem as da Comissão Executiva, que por elas assume total responsabilidade e à qual estas decisões são juridicamente imputáveis.

50      Por outro lado, é certo que as regras de uma boa administração em matéria de gestão do pessoal pressupõem que a repartição das competências no BCE esteja claramente definida e devidamente publicada (Acórdão de 9 de julho de 2008, Kuchta/BCE, F‑89/07, EU:F:2008:97, n.o 62). No caso em apreço, o artigo 8.3.17 das Regras Aplicáveis ao Pessoal está publicado e o BCE justificou a opção de não tornar pública a Decisão de 10 de julho de 2018 com o interesse do recorrente, para preservar a sua reputação num momento em que não se podia antecipar qual seria o resultado final do processo disciplinar. Além disso, o recorrente foi notificado desta decisão, tendo dela sido assim informado.

51      Por conseguinte, a decisão da Comissão Executiva de exercer diretamente o poder disciplinar no caso individual do recorrente não conduziu a uma alteração das Regras Aplicáveis ao Pessoal para a qual teria sido necessário consultar o Comité do Pessoal por razões de segurança jurídica e de publicidade, como alegado pelo recorrente.

52      Aliás, há que salientar que o recorrente não foi privado de nenhuma garantia. Pelo contrário, o exercício colegial de uma competência, como no presente caso, oferece, em princípio, uma maior proteção aos destinatários das medidas a tomar do que uma competência exercida por uma única pessoa (v., neste sentido, Acórdão de 19 de setembro de 2019, GE Healthcare/Comissão, T‑783/17, EU:T:2019:624, n.o 182).

53      O primeiro fundamento não é assim procedente.

3.      Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 8.3.2 das Regras Aplicáveis ao Pessoal e do princípio da segurança jurídica

54      O artigo 8.3.2, terceiro travessão, das Regras Aplicáveis ao Pessoal dispõe que «[o] processo disciplinar deve ter início o mais tardar cinco anos após a ocorrência dos factos e no ano da sua descoberta, salvo em caso de falta grave suscetível de causar o despedimento, hipótese em que os prazos são, respetivamente, de 10 anos e de um ano».

55      O recorrente alega que, ao abrigo desta disposição, os factos prescreveram por ter expirado o prazo de um ano a contar da descoberta dos factos.

a)      Quanto ao caráter obrigatório ou não do prazo de um ano

56      O BCE sustenta que o prazo de um ano previsto no artigo 8.3.2 das Regras Aplicáveis ao Pessoal não é imperativo. O BCE alega que, segundo a jurisprudência, da não observância de um prazo só resulta a anulação de um ato se este prazo não for razoável, no sentido de que afeta os direitos de defesa, o que o recorrente não alega.

57      Embora seja apresentado a título subsidiário, há que examinar este argumento em primeiro lugar.

58      A este respeito, importa recordar que um prazo de prescrição tem por função garantir a segurança jurídica e que esta exigência fundamental se opõe a que a administração possa atrasar indefinidamente o exercício das suas competências (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de junho de 2004, François/Comissão, T‑307/01, EU:T:2004:180, n.os 45 e 46, e de 8 de março de 2012, Kerstens/Comissão, F‑12/10, EU:F:2012:29, n.os 122 e 123). Por conseguinte, perante disposições que fixam prazos de prescrição para a abertura de um processo disciplinar, deve ser afastada qualquer consideração relacionada com um prazo razoável (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 13 de novembro de 2014, Nencini/Parlamento, C‑447/13 P, EU:C:2014:2372, n.os 52 a 54, e de 18 de junho de 2008, Hoechst/Comissão, T‑410/03, EU:T:2008:211, n.o 224). Embora se tenha reconhecido que os prazos em matéria disciplinar não eram perentórios, tal só foi decidido em relação aos prazos relativos à tramitação processual (Acórdão de 17 de março de 2015, AX/BCE, F‑73/13, EU:F:2015:9, n.o 174; v. igualmente, no que se refere aos prazos mencionados na secção 5 do anexo IX do Estatuto dos Funcionários da União Europeia, Acórdão de 8 de março de 2012, Kerstens/Comissão, F‑12/10, EU:F:2012:29, n.o 124), e não aos prazos relativos ao seu início da sua contagem.

59      É assim sem razão que o BCE alega que o prazo de prescrição de um ano previsto no artigo 8.3.2 das Regras Aplicáveis ao Pessoal não é imperativo.

60      No entanto, o BCE sustenta que os factos no presente caso não prescreveram.

b)      Quanto à questão de saber se os factos prescreveram

1)      Quanto ao conceito de «descoberta dos factos» que faz correr o prazo de prescrição de um ano

61      O BCE observa que, nos termos do artigo 8.3.2 das Regras Aplicáveis ao Pessoal, o prazo de prescrição de um ano só começa a correr a partir da descoberta dos factos. Por conseguinte, há que determinar o que está abrangido por este conceito.

62      A este respeito, resulta do artigo 8.3.15 das Regras Aplicáveis ao Pessoal que o Comité Disciplinar tem designadamente por missão investigar e apurar os factos da forma mais minuciosa possível. Além disso, nos termos do artigo 8.3.14 das referidas regras, este Comité pode pedir a um dos seus membros que realize inquéritos adicionais se considerar que a informação de que dispõe não é suficiente. Daqui resulta que o processo disciplinar se destina a determinar de forma definitiva os factos e a apurá‑los no termo de um processo contraditório.

63      Por conseguinte, o conceito da descoberta dos factos não pode exigir um conhecimento preciso e pormenorizado de todos os factos que constituem uma infração disciplinar (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Evropaïki Dynamiki/Comissão, C‑469/11 P, EU:C:2012:705, n.o 37). Além disso, este conceito não exige que os factos estejam definitivamente provados, uma vez que a sua descoberta remete para o respetivo conhecimento, e não para a sua prova (v., por analogia, Despacho de 27 de abril de 2017, CJ/ECDC, T‑696/16 REV e T‑697/16 REV, não publicado, EU:T:2017:318, n.o 39).

64      Desta forma, há que reconhecer, como o Banco sustenta, que a descoberta dos factos na aceção do artigo 8.3.2 das Regras Aplicáveis ao Pessoal ocorre no momento em que os factos conhecidos são suficientes para permitir uma apreciação prima facie da existência de um incumprimento das obrigações profissionais, a qual depende, por sua vez, das obrigações eventualmente violadas e das exigências inerentes a cada uma delas. Aliás, o recorrente não contesta realmente esta interpretação.

65      No entanto, há que afastar desde já o argumento do BCE segundo o qual, devido às graves consequências que decorrem da prescrição do prazo, o ponto de partida do prazo de prescrição deve ser certo para garantir a segurança jurídica.

66      A este respeito, importa salientar que os prazos de prescrição se destinam mais a garantir a segurança jurídica das pessoas que podem ser acusadas da prática de um facto do que a garantir a segurança jurídica da autoridade responsável pelo inquérito (v., por analogia, Acórdão de 13 de novembro de 2014, Nencini/Parlamento, C‑447/13 P, EU:C:2014:2372, n.o 52). Além disso, o conceito de «descoberta dos factos» utilizado pelo BCE no artigo 8.3.2 das Regras Aplicáveis ao Pessoal comporta, ele próprio, um certo grau de incerteza. Por último, é premente recordar que o princípio da segurança jurídica não exige que as consequências de qualquer ato sejam previsíveis com uma certeza absoluta à luz das disposições aplicáveis (v., por analogia, Acórdão de 16 de setembro de 2013, Hansa Metallwerke e o./Comissão, T‑375/10, não publicado, EU:T:2013:475, n.o 51 e jurisprudência referida). Basta que o possam ser num grau razoável (v., neste sentido, Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.o 42), sem prejuízo da fiscalização pelo juiz da União.

67      Feita esta precisão, há que examinar in concreto se os factos prescreveram efetivamente no caso em apreço.

2)      Quanto à eventual prescrição do processo disciplinar relativo às faturas de serviços de fisioterapia

68      Resulta dos autos que a sociedade A comunicou ao BCE, em 13 e em 18 de dezembro de 2013, informações sobre possíveis fraudes cometidas pelo recorrente a respeito do reembolso das faturas de serviços de fisioterapia. Em seguida, prestou‑lhe esclarecimentos adicionais em 20 de fevereiro, 20 de março, 27 de maio, 13 de junho, 15 de julho e 13 e 21 de outubro de 2014.

69      O BCE sustenta que as informações acima referidas no n.o 68, prestadas pela sociedade A, não podem constituir a «descoberta dos factos», uma vez que, enquanto seguradora, esta podia ter um interesse pessoal em invocar o caráter indevido dos reembolsos efetuados a favor do recorrente e que as suas informações deviam, por conseguinte, ser tratadas com prudência.

70      Contudo, não resulta dos autos que o BCE tenha acolhido as informações da sociedade A com a reserva que uma suspeita de conflito de interesses implica.

71      Pelo contrário, resulta de um relatório da sociedade A de 20 de novembro de 2014 que o BCE considerou, logo no mês de dezembro de 2013, que as primeiras informações prestadas pela referida sociedade eram suficientes para dar início aos seus próprios procedimentos estatutários previstos em caso de suspeita de fraude.

72      Além disso, com base nas informações prestadas pela sociedade A, o BCE denunciou ao Ministério Público os factos relativos ao reembolso das faturas de serviços fisioterapia em 14 de maio de 2014 (v. n.o 3, supra).

73      Para mais, segundo o relatório de 20 de novembro de 2014, o BCE pediu à sociedade A, em 17 de novembro anterior, que desse início aos preparativos para obter a devolução dos montantes reembolsados ao recorrente a título das suas despesas de serviços de fisioterapia e de farmácia, devido ao volume considerável de pedidos de reembolso potencialmente fraudulentos.

74      Por último, as informações comunicadas pela sociedade A eram acompanhadas de depoimentos e de outros documentos que as sustentavam, o que as tornava assim credíveis.

75      O BCE alega também que as informações que a sociedade A lhe prestou eram parciais quando comparadas com os pedidos de reembolso que abrangiam um período de cerca de cinco anos.

76      No entanto, com o seu relatório de 13 de outubro de 2014, a sociedade A comunicou ao BCE um total de 91 faturas de serviços de fisioterapia no montante global de 56 041,09 euros, o que não pode ser considerado um dado parcial, uma vez que este montante corresponde ao montante indicado na decisão de despedimento.

77      Além disso, o relatório de 13 de outubro de 2014 levou o BCE a tomar a decisão de suspender o recorrente das suas funções a partir de 21 de outubro de 2014 (v. n.o 4, supra).

78      É certo que o BCE sustenta que, nos termos do artigo 46.o das Condições de Emprego, pode ser decidida uma suspensão «em caso de alegação de incumprimento grave» que exija um nível de prova inferior ao de uma «descoberta dos factos», na aceção do artigo 8.3.2 das Regras Aplicáveis ao Pessoal.

79      Contudo, a Comissão Executiva fundamentou a sua decisão de suspender o recorrente com a circunstância de, atendendo às informações prestadas pela sociedade A, existirem elementos suficientemente precisos e pertinentes que permitiam considerar que este falsificou as faturas em questão ou que estava, pelo menos, consciente da sua inautenticidade. À luz destes elementos, a Comissão Executiva considerou que, se viessem a ser provados, estes factos constituíam um incumprimento grave dos deveres do interessado e que havia que preservar, nomeadamente, as consequências disciplinares.

80      Da mesma forma, embora o Banco tenha justificado a decisão de suspensão com elementos que ele próprio qualificou de suficientemente precisos e pertinentes para presumir a existência de um incumprimento grave passível de procedimentos disciplinares, os referidos elementos de prova prestados pela sociedade A eram necessariamente suficientes para constituir a «descoberta dos factos» na aceção do artigo 8.3.2 das Regras Aplicáveis ao Pessoal, conforme acima referido no n.o 64.

81      Daqui resulta que, na medida em que os factos revelados pela sociedade A ao BCE em outubro de 2014 eram suficientes para estarem abrangidos pelo conceito de descoberta dos factos na aceção do artigo 8.3.2 das Regras Aplicáveis ao Pessoal, há que afastar os outros argumentos do BCE segundo os quais, para instaurar o processo disciplinar, teria sido razoável esperar que as autoridades judiciárias alemãs recolhessem informações mais amplas, designadamente na sequência da realização de uma busca, ou ter a possibilidade de consultar o processo do Ministério Público para aí encontrarem elementos adicionais. Em todo o caso, ainda que se admita que o BCE considerou que necessitava de elementos adicionais para instaurar o processo disciplinar, podia tê‑lo instaurado e suspendido enquanto aguardava pelo desfecho do processo penal. Com efeito, ainda que nenhuma disposição em vigor no BCE nem nenhum princípio geral imponha esta suspensão (v. n.os 105 a 107, infra), o BCE podia ter atuado deste modo, uma vez que os prazos relativos à tramitação do processo disciplinar não são perentórios (v. n.o 58, supra), que nada permite pensar que as necessidades do inquérito penal a tal se opunham e que a Decisão de suspensão de 21 de outubro de 2014 já fazia alusão àquela investigação penal.

82      Resulta de todas estas considerações que decorreu mais de um ano entre a descoberta dos factos relativos às despesas de serviços de fisioterapia, em outubro de 2014, e a Decisão de 18 de novembro de 2016 de instaurar o processo disciplinar.

83      Por conseguinte, o segundo fundamento é procedente no que se refere à parte do processo relativa às faturas de serviços de fisioterapia.

3)      Quanto à eventual prescrição do processo disciplinar relativo aos recibos de despesas farmacêuticas

84      Conforme já foi exposto (v. n.os 4 e 73, supra), há que recordar que o recorrente foi suspenso das suas funções em 21 de outubro de 2014 e que, a partir de 17 de novembro seguinte, o BCE pediu à sociedade A que desse início aos preparativos para que fossem devolvidos os montantes pagos ao recorrente a título das suas despesas de saúde.

85      Por outro lado, resulta dos autos que, em 21 de novembro de 2014, a sociedade A comunicou ao BCE um relatório, datado da véspera e documentado, destinado a demonstrar possíveis fraudes do recorrente (v. n.os 71 e 73, supra). Este relatório dizia respeito não apenas às faturas de serviços de fisioterapia, mas também ao reembolso de recibos farmacêuticos manuscritos. O relatório especificava que o proprietário das farmácias em questão declarou que os seus recibos eram impressos e que os recibos nos quais os montantes foram manuscritos não foram emitidos por nenhuma das suas farmácias, que os montantes constantes dos exemplares de recibos que lhe tinham sido apresentados não correspondiam aos preços praticados, que vários produtos mencionados nunca foram encomendados ou não foram vendidos e que os carimbos neles apostos foram provavelmente falsificados. A sociedade A avaliou em 88 289,65 euros o montante a recuperar em resultado destes recibos. Foi anexada uma lista dos recibos controvertidos ao referido relatório.

86      A sociedade A completou o seu relatório de 20 de novembro de 2014 com duas mensagens de correio eletrónico de 22 e 23 de janeiro de 2015.

87      Por último, resulta do relatório n.o 1 que as informações prestadas pela sociedade A foram suficientes para que em 23 de janeiro de 2015 o BCE comunicasse os factos relativos aos recibos farmacêuticos às autoridades judiciárias alemãs.

88      À luz do que precede, afigura‑se que, no que diz respeito à parte do processo relativa aos recibos farmacêuticos, os factos levados ao conhecimento do BCE entre 21 de novembro de 2014 e 23 de janeiro de 2015 eram suficientes para lhe permitir fazer uma apreciação prima facie da existência de um incumprimento, pelo recorrente, das suas obrigações profissionais.

89      Por este motivo, e pelos motivos já acima expostos no n.o 66, há que considerar que, no que se refere aos recibos farmacêuticos, o prazo de prescrição de um ano começou a correr, o mais tardar, em 23 de janeiro de 2015, e não na data em que o BCE teve acesso ao processo penal do Ministério Público, em 20 de novembro seguinte, como o BCE invoca. Por conseguinte, em 18 de novembro de 2016, data em que foi instaurado o processo disciplinar, já tinha prescrito o prazo de um ano relativo aos recibos farmacêuticos.

90      O segundo fundamento é assim procedente no que diz respeito a esta parte do processo.

4)      Quanto à eventual prescrição do processo disciplinar relativo às faturas de apoio escolar

91      O secretário‑geral dos serviços decidiu alargar o âmbito do mandato do Comité Disciplinar aos factos relativos às faturas de apoio escolar em 19 de setembro de 2017 e dar assim início, nesta data, ao processo disciplinar relativo às mesmas.

92      O recorrente sustenta que o facto de as faturas da professora de aulas particulares C apresentarem um número de identificação fiscal praticamente idêntico ao da presumível fisioterapeuta B foi o elemento que determinou a instauração desta parte do processo. Ora, acrescenta o recorrente, o BCE conhecia os factos que estiveram na origem do processo disciplinar relativo às faturas de serviços de fisioterapia desde que a sociedade A lhe comunicou os relatórios e as faturas de C estavam no seu processo e estiveram à disposição do Banco durante mais de um ano antes de ser adotada a decisão de alargar o mandato do Comité Disciplinar. Por conseguinte, considera o recorrente, a descoberta dos factos relativos às faturas de apoio escolar não pode resultar das investigações levadas a cabo em 2017 pelo Comité Disciplinar no âmbito das partes do processo relativas às faturas de serviços de fisioterapia e aos recibos farmacêuticos.

93      É certo que o facto que chamou a atenção do BCE para as faturas de apoio escolar, a saber, uma identidade quase absoluta dos números de identificação fiscal de B e C, figurava no processo do recorrente. No entanto, embora, em resposta a questões destinadas a determinar se as prestações da presumível fisioterapeuta B foram efetivamente reais, o advogado do recorrente se tenha referido, em 3 de fevereiro de 2016, à circunstância de este remunerar os seus serviços em numerário, este advogado não apresentou nenhuma prova nesse momento, não obstante um pedido expresso formulado nesse sentido. Foi apenas em 29 de setembro seguinte que o recorrente comunicou extratos das suas contas bancárias ao BCE e foi apenas em anexo a uma nota de alegações com vista à audição pelo Comité Disciplinar em 13 de fevereiro de 2017 que o recorrente apresentou um quadro com a indicação das datas e dos locais em que procedeu aos seus levantamentos de dinheiro. Da mesma forma, o BCE não tinha nenhuma razão para se interessar pelas faturas de apoio escolar que constavam do processo do recorrente para verificar se estas corroboravam as suas alegações antes de este ter chamado a atenção para a forma como remunerava B e de ter apresentado documentos em apoio das suas afirmações. Só no decurso desta análise aprofundada, efetuada no âmbito da parte relativa às faturas de serviços de fisioterapia, é que o Comité Disciplinar foi levado a associar estas últimas e as faturas de apoio escolar. Tanto assim é que só uma necessidade real podia justificar o exame de dados sensíveis no processo do recorrente, como os relativos ao apoio dado aos seus filhos, relativamente aos quais foi reconhecido que padeciam de problemas médicos e que tinham necessidades educativas especiais.

94      Resulta mais precisamente dos autos que o Comité Disciplinar procedeu às investigações que chamaram a sua atenção para as faturas de apoio escolar de C no mês de março de 2017 e que, após algumas verificações rapidamente efetuadas junto das administrações fiscal e municipal de Frankfurt am Main, pediu, em 24 de abril seguinte, o alargamento do seu mandato aos factos respeitantes às referidas faturas.

95      Por conseguinte, o recorrente não demonstrou que o BCE descobriu os factos respeitantes às faturas de apoio escolar mais de um ano antes da abertura da parte do processo disciplinar que lhes dizia respeito, em 19 de setembro de 2017.

96      Daqui resulta que o segundo fundamento é julgado improcedente no que diz respeito à parte do processo respeitante às faturas de apoio escolar.

c)      Conclusão quanto ao segundo fundamento

97      À luz do que precede, o segundo fundamento é procedente no que se refere aos factos de as faturas de serviços de fisioterapia e os recibos de farmácias já terem prescrito no momento em que foi instaurado o processo disciplinar que lhes dizia respeito. Em contrapartida, o segundo fundamento não procede no que se refere à parte do processo respeitante às faturas de apoio escolar.

98      No que diz respeito ao impacto da violação do prazo de prescrição, relativamente às duas primeiras partes acima mencionadas no n.o 97, na legalidade da decisão de despedimento, há que observar que cada uma das três partes do processo dizia respeito a incumprimentos de ordem pecuniária que consistiam, pelo menos, num incumprimento prolongado de vigilância por parte do recorrente quanto aos requisitos mínimos exigidos para a produção de provas documentais suficientes de prestações e de transações cujo custo era, total ou parcialmente, suportado pelos dispositivos de proteção social instituídos pelo BCE em benefício do seu pessoal. Importa igualmente salientar que o BCE considerou, designadamente, que estes incumprimentos se situavam no contexto das suas competências em matéria financeira e daqui deduziu que o recorrente não só não violou o seu dever de lealdade, como também não respeitou os seus valores comuns e que pôs, desta forma, em causa a reputação do BCE.

99      Foi nestas condições que o BCE considerou, no n.o 37 da decisão de despedimento, que cada uma das três partes do processo, ainda que consideradas isoladamente, afetou de forma irreversível a confiança que está na base da sua relação com o seu pessoal.

100    Daqui resulta que a procedência parcial do segundo fundamento não é suficiente para justificar a anulação da decisão de despedimento, uma vez que esta continua a ser, a priori, justificada pela terceira parte do processo.

101    Por conseguinte, há que prosseguir e examinar os outros fundamentos, limitando este exame à parte respeitante às faturas de apoio escolar.

4.      Quanto aos fundamentos terceiro e sétimo, relativos, respetivamente, por um lado, à violação do adágio segundo o qual «o processo penal suspende o processo disciplinar», do princípio da boa administração e do dever de diligência e, por outro, à violação do direito à presunção de inocência e do artigo 48.o da Carta

a)      Quanto à violação do adágio segundo o qual «o processo penal suspende o processo disciplinar»

102    O recorrente sustenta que o adágio segundo o qual o processo penal suspende o processo disciplinar constitui um princípio geral do direito da União que se aplica ainda que não haja uma disposição expressa neste sentido.

103    Este adágio está consagrado no artigo 25.o do anexo IX do Estatuto dos Funcionários da União Europeia. No entanto, como o BCE observa e como o Tribunal da Função Pública da União Europeia já salientou no seu Acórdão de 17 de março de 2015, AX/BCE (F‑73/13, EU:F:2015:9, n.o 125), uma disposição análoga que figurava nas Condições de Emprego está suprimida desde 1 de janeiro de 2009.

104    Por outro lado, é certo que o artigo 9.o, alínea c), das Condições de Emprego dispõe que, «[p]ara efeitos da interpretação dos direitos e obrigações previstos nas presentes condições […], devem ser tidos devidamente em conta os princípios consagrados nos regulamentos, as regras e a jurisprudência aplicáveis em matéria de pessoal das instituições [da União]». Contudo, o BCE sustenta com razão que esta disposição se destina a colmatar eventuais lacunas e que não pode ser utilizada para reintroduzir uma regra que o BCE revogou.

105    Além disso, é certo que a jurisprudência baseada no artigo 25.o do anexo IX do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (v., neste sentido, Acórdão de 30 de junho de 2015, Dybman/SEAE, F‑129/14, EU:F:2015:71, n.os 35 e 37) qualifica como princípio o adágio segundo o qual o processo penal suspende o processo disciplinar, embora não lhe reconheça o valor de princípio geral do direito. O próprio recorrente não fundamenta a sua opinião de que constitui um princípio geral do direito.

106    Daqui resulta que o adágio segundo o qual o processo penal suspende o processo disciplinar não é aplicável ao BCE.

107    Por conseguinte, é em vão que o recorrente sustenta que este adágio foi violado por o processo disciplinar relativo às faturas de apoio escolar ter sido instaurado enquanto o processo penal decorria. Não havendo uma disposição expressa que o torne aplicável ao BCE, é também em vão que, baseando‑se neste, o recorrente acusa o BCE de ter adotado a decisão de despedimento antes do termo do inquérito penal respeitante às referidas faturas.

b)      Quanto à violação do direito à presunção de inocência e do artigo 48.o da Carta

108    O recorrente alega que o direito à presunção de inocência, que passou a estar garantido pelo artigo 48.o da Carta, impõe que um arguido a quem seja imputada uma infração é presumido inocente enquanto no decurso de um processo judicial não tiver sido legalmente provada a sua culpa para além de qualquer dúvida razoável. O recorrente alega, designadamente, que o BCE violou este direito por ter negligenciado o processo penal instaurado contra si, bem como o seu resultado, e por se ter baseado em factos que não foram provados pelas autoridades judiciárias alemãs.

109    No caso em apreço, a Decisão do Ministério Público de 30 de abril de 2019 de arquivar a parte do processo relativa às faturas de apoio escolar em aplicação do § 170, n.o 2, do Código de Processo Penal é anterior à decisão de despedimento, que foi adotada em 7 de maio seguinte. Todavia, é facto assente que nesta data o BCE não tinha conhecimento daquela decisão.

110    Devendo a legalidade de um ato ser apreciada à luz dos elementos de facto e de direito de que a administração dispunha no momento da sua adoção (v. Acórdão de 12 de fevereiro de 2014, Beco/Comissão, T‑81/12, EU:T:2014:71, n.o 44 e jurisprudência referida), o recorrente não pode assim invocar esta classificação para contestar a validade da decisão de despedimento pelo facto de que o BCE não ter tomado em consideração o desfecho favorável do processo penal.

111    Em contrapartida, coloca‑se a questão de saber se o direito do recorrente à presunção de inocência impediu o Banco de justificar a sua decisão de despedimento no que se refere à parte das faturas de apoio escolar antes de ter tomado conhecimento dos pedidos das autoridades judiciárias.

112    Resulta da jurisprudência que a presunção de inocência regula todo o processo penal, uma vez que tem designadamente por objeto garantir a qualquer pessoa que não seja designada nem tratada como culpada pela prática de uma infração antes de a sua culpabilidade ter sido declarada por um tribunal (Acórdãos de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05, EU:T:2008:257, n.o 210, e de 12 de julho de 2012, Comissão/Nanopoulos, T‑308/10 P, EU:T:2012:370, n.o 91).

113    Por outro lado, o artigo 6.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TUE e o artigo 52.o, n.o 7, da Carta dispõem que as Anotações relativas à Carta (JO 2007, C 303, p. 17) devem ser tidas em devida conta na interpretação desta (Acórdão de 20 de novembro de 2017, Petrov e o./Parlamento, T‑452/15, EU:T:2017:822, n.o 38). Ora, segundo as referidas anotações, o artigo 48.o da Carta tem o mesmo sentido e alcance que o artigo 6.o, n.o 2, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»).

114    Nestas condições, há que tomar em consideração o artigo 6.o, n.o 2, da CEDH para efeitos da interpretação do artigo 48.o da Carta, enquanto limiar de proteção mínima [Acórdão de 5 de setembro de 2019, AH e o. (Presunção de inocência), C‑377/18, EU:C:2019:670, n.o 41]. Por conseguinte, há também que tomar em consideração a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»), nos termos do artigo 52.o, n.o 3, da Carta (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de fevereiro de 2013, Reapreciação Arango Jaramillo e o./BEI, C‑334/12 RX‑II, EU:C:2013:134, n.o 43; de 18 de dezembro de 2014, Abdida, C‑562/13, EU:C:2014:2453, n.o 47, e de 3 de setembro de 2015, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Comissão, C‑398/13 P, EU:C:2015:535, n.o 61).

115    Ora, segundo jurisprudência do TEDH, o artigo 6.o, n.o 2, da CEDH protege, designadamente, o direito à presunção de inocência dos suspeitos desde a abertura, em relação a estes, de inquéritos preliminares na aceção do direito alemão (v., neste sentido, TEDH, 27 de fevereiro de 2014, Karaman c. Alemanha, CE:ECHR:2014:0227JUD001710310, n.o 43).

116    Por conseguinte, o recorrente pode invocar o direito à presunção de inocência na medida em que foi instaurado precisamente contra si, a pedido do próprio Banco, um inquérito preliminar na aceção do direito alemão sobre a questão das faturas de apoio escolar, cujo resultado ainda não era conhecido quando o BCE adotou a decisão de despedimento.

117    Assim, há que recordar, primeiro, que a presunção de inocência não se limita a uma garantia processual em matéria penal, mas que o seu alcance é mais amplo, segundo, que qualquer autoridade pública pode violar a presunção de inocência (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05, EU:T:2008:257, n.o 211, e de 12 de julho de 2012, Comissão/Nanopoulos, T‑308/10 P, EU:T:2012:370, n.o 92) e, terceiro, que esta violação pode resultar de declarações ou de decisões que refletem a convicção de que a pessoa é culpada, que incitam a população a acreditar na sua culpa ou que emitem um juízo antecipado sobre a apreciação dos factos no plano penal (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2012, Comissão/Nanopoulos, T‑308/10 P, EU:T:2012:370, n.o 91).

118    A este respeito, a jurisprudência sublinhou a importância da escolha dos termos utilizados pelas autoridades públicas. A este respeito, importa tomar em consideração o sentido real das declarações em questão, e não a sua forma literal, bem como as circunstâncias específicas em que estas foram formuladas [v., neste sentido, Acórdãos de 5 de setembro de 2019, AH e o. (Presunção de inocência), C‑377/18, EU:C:2019:670, n.o 43, e de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05, EU:T:2008:257, n.o 211 e jurisprudência referida; TEDH, 28 de maio de 2020, Farzaliyev c. Azerbaijão, CE:ECHR:2020:0528JUD002962007, n.o 64].

119    No presente caso, o recorrente estava a ser investigado pela prática de um crime de fraude na aceção do § 263, n.o 1, do Código Penal alemão, relativamente às faturas de apoio escolar. Ora, na sua decisão de despedimento, a Comissão Executiva considerou que o recorrente era responsável pelo facto de não ter identificado as semelhanças entre os números de identificação fiscal e as moradas constantes das faturas de serviços de fisioterapia de B e das faturas de apoio escolar de C, embora dessas semelhanças se pudesse inferir que as faturas não eram verdadeiras nem autênticas. Neste contexto, a Comissão Executiva considerou que o direito de pedir o reembolso de despesas de apoio escolar não dispensava os membros do pessoal de serem vigilantes e de se certificarem de que a documentação relativa à prestação dos serviços em questão era adequada. Da mesma forma, perante circunstâncias objetivas que suscitem dúvidas quanto ao direito ao referido reembolso, a Comissão Executiva considerou que cabia, no mínimo, ao membro do pessoal em questão informar a administração sobre tal. Consequentemente, a Comissão Executiva chegou à conclusão de que o recorrente era culpado, primeiro, de ter violado o seu dever de lealdade para com a Instituição, segundo, de não ter cumprido a sua obrigação de respeitar os valores comuns do BCE e de levar a cabo as suas vidas profissional e privada de acordo com o estatuto do Banco, terceiro, de não ter cumprido, de forma contínua, o seu dever de preservar os interesses financeiros da Instituição e, quarto, de ter posto em causa a reputação do Banco.

120    Por conseguinte, resulta da decisão de despedimento no seu todo que o BCE considerou que as faturas apresentadas pelo recorrente não eram adequadas para efeitos do reembolso das despesas de apoio escolar, não lhe tendo imputado formalmente a responsabilidade pelo facto de não serem verdadeiras nem autênticas. Na sua decisão de despedimento, o Banco limitou‑se, em substância, a punir uma negligência que lhe pareceu ser especialmente grave por se tratar de um agente de uma instituição financeira. Esta decisão não contém, assim, nenhuma constatação a respeito da culpa do recorrente relativamente ao crime de fraude que estava em causa no inquérito penal (v., neste sentido, TEDH, 25 de agosto de 1987, Englert c. Alemanha, EC:ECHR:1987:0825JUD001028283, n.o 39) e inscreve‑se na autonomia da qualificação jurídica pela administração de uma infração disciplinar em relação à punição penal que dizia respeito aos mesmos factos.

121    Por conseguinte, o BCE não violou o direito do recorrente à presunção de inocência quando adotou a decisão de despedimento na parte em que esta tem por objeto a parte do processo respeitante às faturas de apoio escolar antes de ter tomado conhecimento do resultado do processo judicial que lhe dizia respeito.

122    Por sua vez, a recusa de reabrir o processo ocorreu depois de o BCE ter sido informado do arquivamento do processo penal que corria contra o recorrente relativo às faturas de apoio escolar em aplicação do § 170, n.o 2, do Código de Processo Penal, ou seja, pelo facto de não haver suspeitas de culpa suficientes para julgar a questão em sede de tribunal criminal.

123    Ora, segundo a jurisprudência do TEDH, a presunção de inocência pretende designadamente impedir que indivíduos que tenham beneficiado de um arquivamento dos processos sejam tratados pelas autoridades públicas como se fossem, de facto, culpados pela infração que lhes foi imputada (TEDH, 28 de junho de 2018, G. I. E. M. S. R. L. e o./Itália, CE:ECHR:2018:0628JUD000182806, n.o 314). A este respeito, não deve estabelecer‑se nenhuma distinção entre uma absolvição por falta de provas e uma absolvição resultante de uma declaração formal da inocência do arguido (TEDH, 27 de setembro de 2007, Vassilios Stavropoulos c. Grécia, CE:ECHR:2007:0927JUD003552204, n.o 39, e 23 de outubro de 2014, Melo Tadeu c. Portugal, CE:ECHR:2014:1023JUD002778510, n.o 60).

124    No presente caso, a Comissão Executiva justificou com dois motivos a sua recusa de reabrir o processo depois de ter tomado conhecimento do arquivamento do inquérito sobre as faturas de apoio escolar: primeiro, com a diferença existente entre as atribuições, respetivamente, do Ministério Público e do BCE, consistindo uma em investigar se os factos alegados constituem uma infração penal e a outra em examinar, com base num nível de prova menos exigente, se aqueles factos estão abrangidos por uma infração disciplinar; segundo, com o facto de o Ministério Público ter confirmado que não existia um registo oficial da professora de aulas particulares C e que o número de identificação fiscal constante das suas faturas não era verdadeiro.

125    Esta fundamentação não contém nenhuma constatação quanto à responsabilidade penal do recorrente. Do mesmo modo, a recusa de reabrir o processo não violou o direito deste à presunção de inocência.

126    No entanto, o recorrente alega também que o BCE violou o seu direito à presunção de inocência por querer concluir, a todo o custo, que era culpado.

127    A este respeito, já foi declarado que pode ser constatada uma violação do direito à presunção de inocência quando existam elementos suscetíveis de demonstrar que a AIPN tinha decidido, desde o início do processo disciplinar, aplicar ao recorrente, fosse como fosse, uma sanção disciplinar ao recorrente, independentemente das explicações fornecidas por este e do resultado do processo penal em curso (Acórdãos de 13 de março de 2003, Pessoa e Costa/Comissão, T‑166/02, EU:T:2003:73, n.o 56; de 19 de outubro de 2006, Pessoa e Costa/Comissão, T‑503/04, EU:T:2006:331, n.o 118; e de 17 de março de 2015, AX/BCE, F‑73/13, EU:F:2015:9, n.o 162).

128    Antes de mais, o recorrente deduz que existiu um juízo antecipado por parte do BCE pelo facto de este ter negligenciado o processo penal instaurado contra si, bem como o seu desfecho. No entanto, esta acusação acaba de ser analisada e rejeitada. Em seguida, esta dedução do recorrente quanto a este juízo antecipado resulta do facto de o Banco ter alargado o mandato do Comité Disciplinar na sequência de uma investigação ilegal de um dos seus membros e de não ter tomado em consideração as observações que apresentou no decurso do processo disciplinar. Contudo, estas alegações sobrepõem‑se, uma, ao quarto fundamento e outra, aos fundamentos quinto e nono. Por conseguinte, serão examinadas no respetivo âmbito.

c)      Quanto à violação do princípio da boa administração e do dever de diligência

129    O recorrente alega que, ao ter instaurado o processo disciplinar respeitante às faturas de apoio escolar quando o inquérito penal estava em curso e ao ter ignorado o seu desfecho, o BCE violou o princípio da boa administração e o dever de diligência, que obrigam as instituições a examinar com cuidado e imparcialidade todos os elementos pertinentes do caso concreto.

130    No entanto, o recorrente não desenvolve nenhum argumento que permita considerar que, no caso em apreço, deve ser reconhecido um alcance mais amplo ao princípio da boa administração e ao dever de diligência do que ao direito à presunção de inocência. Em especial, não se pode considerar que o BCE violou a sua obrigação de examinar com cuidado e imparcialidade os elementos pertinentes do caso concreto, uma vez que o Ministério Público confirmou, na sua carta de 30 de abril de 2019, os elementos nos quais o Banco baseou sua decisão de despedimento, a saber, que não existia registo oficial de C e que o número de identificação fiscal constante das faturas desta não era verdadeiro.

131    Além disso, o recorrente beneficiou de todas as demais garantias aplicáveis aos processos disciplinares, conforme resulta da resposta às acusações que formula a este respeito (v. exame dos fundamentos quarto e quinto, infra). Por conseguinte, não pode sustentar que o BCE violou o dever de diligência e o princípio da boa administração.

d)      Conclusão quanto aos fundamentos terceiro e sétimo

132    À luz do que precede, os fundamentos terceiro e sétimo não são procedentes.

5.      Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 8.3.7 das Regras Aplicáveis ao Pessoal e do princípio da imparcialidade, conforme consagrado no artigo 41.o da Carta

133    O recorrente sustenta que os membros do Comité Disciplinar confundiram o papel que desempenham neste último com as suas outras funções, procurando ativamente novos factos para lhe imputarem. A este respeito, o recorrente alega quatro acusações e considera, por conseguinte, que o Comité Disciplinar violou o artigo 8.3.7 das Regras Aplicáveis ao Pessoal e o seu dever de imparcialidade.

134    O artigo 8.3.7 das Regras Aplicáveis ao Pessoal dispõe que os membros do Comité Disciplinar devem «agir a título pessoal e desempenhar as suas obrigações com total independência».

a)      Quanto à primeira acusação do recorrente

135    O recorrente alega que o Comité Disciplinar examinou o seu processo individual, e, em especial, todos os reembolsos que recebeu para verificar a respetiva regularidade, e que desse exame resultou a Decisão do secretário‑geral dos serviços, de 19 de setembro de 2017, que alargou o mandato do referido comité às faturas de apoio escolar. Segundo o recorrente, esta análise excedeu os limites do mandato conferido inicialmente ao Comité Disciplinar. Com efeito, o relatório n.o 1 e a Decisão de 18 de novembro de 2016 do secretário‑geral dos serviços circunscreveram o alcance e não contêm nenhuma referência às faturas de apoio escolar.

136    Não obstante, o BCE alega com razão, que, dentro dos limites do seu mandato, uma parte essencial das funções de um Comité Disciplinar consiste em investigar e determinar os factos de forma tão minuciosa quanto possível. Nos termos do artigo 8.3.15 das Regras Aplicáveis ao Pessoal, este comité tem por missão emitir um parecer que incida nomeadamente sobre a materialidade dos factos.

137    O BCE sustenta mais precisamente que o Comité Disciplinar podia verificar a credibilidade das declarações do recorrente na audição em 13 de fevereiro de 2017 e consultar o seu processo para examinar se e de que forma os pagamentos que o recorrente alegou ter efetuado a título de tratamentos de fisioterapia e de produtos farmacêuticos podiam ser conciliados com outros pagamentos, efetuados em numerário ou com cartão de crédito. Segundo o BCE, foi nesta ocasião que o Comité Disciplinar descobriu, legitimamente, as faturas de apoio escolar emitidas por C.

138    Contudo, o recorrente observa que, nos termos do artigo 8.3.14 das Regras Aplicáveis ao Pessoal, o Comité Disciplinar só podia proceder a investigações adicionais se os elementos de que dispusesse se tivessem revelado insuficientes. Ora, o recorrente alega que forneceu amplas informações e várias provas do facto de que tinha por hábito efetuar os seus pagamentos tanto por transferência bancária como em numerário, pelo que o Comité Disciplinar não tinha nenhuma razão válida para examinar o seu processo de forma mais aprofundada.

139    A este respeito, há que recordar que o princípio que prevalece no direito da União é o princípio da livre apreciação da prova, mas também que as instituições não podem utilizar conscientemente provas que foram manifestamente obtidas em violação das formalidades essenciais previstas para a sua produção e que visam proteger os direitos fundamentais dos interessados (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de junho de 2015, FSL e o./Comissão, T‑655/11, EU:T:2015:383, n.os 42 e 44, e de 8 de setembro de 2016, Goldfish e o./Comissão, T‑54/14, EU:T:2016:455, n.os 42 e 47).

140    Por conseguinte, só no caso de as verificações realizadas pelo Comité Disciplinar terem violado manifestamente as regras que regulam os seus poderes de investigação é que haveria que concluir pela ilegalidade das provas que estão na origem da parte do processo respeitante às faturas de apoio escolar e, por conseguinte, pela irregularidade do processo daí decorrente.

141    Ora, no presente caso, os elementos que, segundo o recorrente, eram suficientes para finalizar o relatório n.o 1 consistiam numa lista de levantamentos de numerário por si elaborada e em cerca de 109 páginas de extratos bancários que provam estes levantamentos. Consistiam igualmente em argumentos apresentados pelo seu advogado e numa ata que relatava a sua própria audição realizada em 13 de fevereiro de 2017. O recorrente afirmou nesta última ter pago as suas faturas de serviços de fisioterapia em função desses levantamentos. Todavia, ao investigar neste âmbito, o Comité Disciplinar não agiu de forma desrazoável quando considerou que era necessário verificar a veracidade desta afirmação, procurando nos dados de que o BCE dispunha se o recorrente tinha efetivamente o hábito de pagar em numerário as faturas cujo reembolso solicitava. Tanto mais assim é que, na audição ao recorrente realizada em 3 de fevereiro de 2016, o seu advogado anterior tinha, ele próprio, duvidado que a cada pagamento de B correspondesse um levantamento.

142    O recorrente alega ainda que a investigação efetuada pelo Comité Disciplinar ao seu processo individual não tinha fundamento, uma vez que este não incluía provas de pagamentos (v. n.o 128, supra).

143    No entanto, o processo do recorrente criado pelo BCE não se limitava ao recrutamento e à carreira deste. Na medida em que lhe foram concedidas prestações familiares suplementares, ao abrigo do artigo 3.8.4 das Regras Aplicáveis ao Pessoal, em que lhe foram reembolsadas faturas de apoio escolar e em que o artigo 3.3.1 das mesmas regras dispõe que os interessados apresentam as provas do seu direito às prestações antes o BCE realizar pagamentos, este dispunha das faturas da professora de aulas particulares C. Resulta, aliás, dos autos submetidos ao Tribunal que essas faturas eram recebidas pela divisão «Recrutamento e Compensação» do Banco.

144    Nestas condições, para tentar provar que as faturas da presumível fisioterapeuta B correspondiam a despesas efetivamente suportadas, o Comité Disciplinar pode ter querido comparar os elementos apresentados pelo recorrente com os outros montantes adiantados cujo reembolso solicitou e cujas provas foram conservadas pelo BCE.

145    Por último, o artigo 8.3.15 das Regras Aplicáveis ao Pessoal impõe ao Comité Disciplinar que sugira «qualquer sanção disciplinar» adequada. Impõe‑lhe, assim, que investigue eventuais circunstâncias atenuantes, como seja a forma como o recorrente exercia as suas funções, a qual podia resultar do seu processo. Ora, o Comité Disciplinar não podia ter constatado, no seu parecer, que os factos da causa constituíam o primeiro incumprimento do recorrente se não tivesse direito de consultar o processo deste último.

146    Nestas condições, não foi provado que a investigação efetuada pelo Comité Disciplinar no processo do recorrente foi parcial.

b)      Quanto à segunda acusação do recorrente

147    O recorrente menciona que resulta do relatório n.o 2 que um membro do pessoal que faz parte da DG «Assuntos Jurídicos» contactou as autoridades tributárias alemãs a fim de obter informações sobre as faturas de apoio escolar. O recorrente alega que essa pessoa pode ser um dos membros do Comité Disciplinar ou que pode ter atuado por instrução deste último.

148    No entanto, o recorrente não explica de que forma esses contactos violam o princípio da imparcialidade e o artigo 8.3.7 das Regras Aplicáveis ao Pessoal. Aliás, o artigo 8.3.14 destas regras autoriza o Comité Disciplinar a tomar todas as medidas necessárias para completar as suas informações.

149    Por conseguinte, a segunda acusação do recorrente não foi provada.

c)      Quanto às acusações terceira e quarta do recorrente

150    O recorrente alega que a DG «Recursos Humanos, Orçamento e Organização» redigiu o relatório n.o 2, respeitante às faturas de apoio escolar, embora o seu diretor‑geral fosse membro do Comité Disciplinar. O recorrente salienta igualmente que este mesmo diretor‑geral assinou a carta que o informou do alargamento do mandato do Comité Disciplinar. Daqui o recorrente deduz as violações do princípio da imparcialidade a que estão sujeitos os membros do Comité Disciplinar.

151    É certo que o relatório n.o 2 foi redigido numa carta com o cabeçalho da DG «Recursos Humanos, Orçamento e Organização» e também é certo que o diretor‑geral desta DG era membro do Comité Disciplinar. Todavia, isto não permite concluir que este diretor‑geral, enquanto membro do Comité Disciplinar, violou o seu dever de imparcialidade e o artigo 8.3.7 das Regras Aplicáveis ao Pessoal. Além disso, a carta em questão limita‑se a notificar ao recorrente a decisão de alargar o mandato do Comité Disciplinar aos factos relativos às faturas de apoio escolar, decisão que foi tomada e assinada pelo secretário‑geral dos serviços agindo em nome da Comissão Executiva, em conformidade com o artigo 8.3.2 das Regras Aplicáveis ao Pessoal.

152    Por conseguinte, as acusações terceira e quarta do recorrente não foram provadas.

d)      Conclusão quanto ao quarto fundamento

153    Resulta de tudo o que procede que há que afastar o quarto fundamento.

6.      Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa

154    O recorrente alega uma violação dos direitos de defesa por, de uma forma geral, o BCE não ter tomado em consideração as observações que o recorrente apresentou ao longo do processo (v. n.o 128, supra).

155    No entanto, o recorrente não desenvolveu a sua acusação nem indicou expressamente se visava todas as suas observações ou uma parte destas e, neste caso, quais. Assim, esta acusação não é admissível, em aplicação do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo.

156    Em todo o caso, deve ser julgada improcedente. A extensão da fundamentação do parecer do Comité Disciplinar e da decisão de despedimento, bem como as trocas de correspondência entre o BCE e o recorrente durante o processo, demonstram que o BCE tomou os argumentos do recorrente em consideração. Além disso, há que recordar que um recorrente não pode confundir o incumprimento dos direitos de defesa com a não obtenção do resultado pretendido através do exercício desses direitos (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2013, Sepro Europe/Comissão, T‑483/11, não publicado, EU:T:2013:407, n.o 78).

157    O quinto fundamento deve assim ser afastado.

7.      Quanto ao sexto fundamento, relativo a erros manifestos de apreciação

a)      Observação preliminar

158    O recorrente sustenta que numerosos fundamentos da decisão de despedimento estão viciados por erros manifestos de apreciação.

159    Contudo, há que observar que o recorrente baseia, em substância, o seu sexto fundamento em acusações relativas ao facto de o BCE não ter efetuado uma análise completa das circunstâncias da causa, de não ter apreciado corretamente elementos de prova que lhe foram apresentados e de ter violado o direito ao respeito pela vida privada.

160    Nestas condições, há que recordar que a efetividade da fiscalização jurisdicional garantida pelo artigo 47.o da Carta exige que o juiz da União exerça uma fiscalização integral sobre a materialidade dos factos (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de setembro de 2013, L/Parlamento, T‑317/10 P, EU:T:2013:413, n.o 70, e de 10 de janeiro de 2019, RY/Comissão, T‑160/17, EU:T:2019:1, n.o 38). A este respeito, o juiz da União deve verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência (v., neste sentido, Acórdão de 23 de outubro de 2018, McCoy/Comité das Regiões, T‑567/16, EU:T:2018:708, n.o 98; v. igualmente, por analogia, Acórdãos de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, EU:C:2005:87, n.o 39, e de 7 de abril de 2016, ArcelorMittal Tubular Products Ostrava e o./Hubei Xinyegang Steel, C‑186/14 P e C‑193/14 P, EU:C:2016:209, n.o 36). Nesta perspetiva, a apreciação do valor probatório de um documento é igualmente objeto de fiscalização integral (v., neste sentido, Acórdão de 16 de setembro de 2004, Valmont/Comissão, T‑274/01, EU:T:2004:266, n.o 43). Assim, mesmo as apreciações complexas ou delicadas efetuadas pela administração devem basear‑se em provas sólidas (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, EU:C:2005:87, n.o 41, e de 7 de abril de 2016, Akhras/Conselho, C‑193/15 P, EU:C:2016:219, n.o 56). Por conseguinte, incumbe ao juiz proceder, mesmo neste contexto, a um exame aprofundado dos elementos de prova (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 146).

161    Por outro lado, no âmbito da sua fiscalização da legalidade, o juiz exerce igualmente uma fiscalização completa a respeito da correta aplicação das regras jurídicas pertinentes (Acórdão de 7 de novembro de 2007, Alemanha/Comissão, T‑374/04, EU:T:2007:332, n.o 81).

162    À luz do que precede, há assim que requalificar o sexto fundamento como sendo relativo, não a erros manifestos de apreciação, mas a um exame incompleto das circunstâncias da causa, a erros na apreciação de elementos de prova e a um erro de direito.

b)      Quanto ao exame incompleto das circunstâncias da causa, aos erros na apreciação de elementos de prova e ao erro de direito que vicia a parte do processo relativa às faturas de apoio escolar

163    Em primeiro lugar, o recorrente acusa o BCE de não ter tomado em consideração o arquivamento dos processos penais respeitantes às faturas de apoio escolar.

164    Esta acusação confunde‑se, todavia, com os fundamentos terceiro e sétimo, que foram julgados improcedentes.

165    Em segundo lugar, o recorrente alega que, ao considerar que as faturas da professora de aulas particulares C não eram verdadeiras nem autênticas, o BCE negligenciou as suas declarações e as da sua família segundo as quais C prestava efetivamente apoio aos seus filhos e era remunerada em numerário. O recorrente acrescenta que o BCE também não tomou em consideração as suas declarações segundo as quais a semelhança das faturas da pretensa fisioterapeuta B e de C se explicava pelo facto de a sua mulher ter mostrado a C como as emitir. Por último, o BCE também não tomou em consideração a melhoria dos resultados escolares de um dos seus filhos nas matérias em que C lhe dava explicações.

166    No entanto, o recorrente limita‑se desta forma a reproduzir as suas declarações e as da sua mulher apresentadas durante o procedimento administrativo, sem explicar por que razão o BCE cometeu um erro de apreciação ao não as considerar convincentes e ao constatar que não apresentou elementos probatórios que as sustentassem.

167    Em terceiro lugar, o recorrente sustenta que o BCE se baseou erradamente no facto de, em seu entender, não ser normal não conhecer os dados da professora de aulas particulares C, embora esta se deslocasse regularmente a casa do recorrente.

168    Antes de mais, segundo o recorrente, esta acusação viola o seu direito de organizar a sua vida privada da forma que entender e nenhuma regra do BCE impõe aos seus funcionários que conheçam os dados dos professores que dão aulas privadas. A circunstância de a remuneração destes ser reembolsável não é pertinente para justificar semelhante ingerência.

169    Contudo, importa salientar que o BCE não interferiu de forma nenhuma na vida privada do recorrente quando recusou acreditar que o recorrente não dispunha de um mínimo de informações sobre a professora de aulas particulares C que ia regularmente a sua casa dar aulas aos seus filhos. Na realidade, o BCE não queria regular a forma como o recorrente pretende organizar a sua vida, tendo apenas considerado que esta pretensa maneira de a conduzir era altamente improvável e, por conseguinte, pouco credível.

170    Além disso, o BCE baseia no seu regime de cobertura das necessidades educativas especiais dos filhos dos membros do seu pessoal o direito de interrogar um destes quando sejam apresentados pedidos de reembolso em circunstâncias que considere não serem normais. Também baseia aqui o direito de retirar destas circunstâncias qualquer conclusão adequada.

171    Em seguida, o recorrente alega que o BCE não se podia basear no facto de que não era normal que lhe fosse impossível fornecer qualquer informação sobre a pessoa que, durante anos, foi a sua casa dar aulas, uma vez que por um facto não ser normal não significa, todavia, que não seja real.

172    No entanto, este argumento não pode prosperar. Com efeito, a mera eventualidade de uma situação poder existir não basta para excluir a possibilidade de não ser normal, o que, de resto, foi devidamente justificado na decisão de despedimento.

173    Por último, atendendo ao que precede e por não ter fundamentado solidamente a sua afirmação, é também em vão que o recorrente alega que o BCE negligenciou o facto de que a condição de um dos seus filhos não impunha que os dados de C fossem conhecidos para que as aulas se realizassem.

174    Por conseguinte, o sexto fundamento é improcedente.

8.      Quanto ao oitavo fundamento, relativo à violação do prazo razoável e do dever de diligência

175    O recorrente alega que o BCE não conduziu o processo disciplinar em causa com a diligência exigida e que não teve o cuidado de que cada uma das fases do mesmo seguisse a anterior dentro de um prazo razoável.

176    No caso em apreço, os artigos 8.3.15 a 8.3.17 das Regras Aplicáveis ao Pessoal preveem prazos para diferentes fases do processo disciplinar. Contudo, o artigo 8.3.15 das referidas regras dispõe que, em todos os casos, o prazo concedido ao Comité Disciplinar para transmitir o seu parecer «deve ser apreciado em função da complexidade do processo».

177    Além disso, e de um modo geral, é jurisprudência constante que, com exceção dos prazos de prescrição (v. n.o 58, supra), os prazos previstos para regular, de um ponto de vista temporal, a tramitação de um processo disciplinar não são, em princípio, perentórios. Não havendo uma vontade claramente expressa nos textos aplicáveis de limitar, por razões de segurança jurídica e de proteção da confiança legítima, o período de tempo durante o qual a administração pode agir, estes prazos constituem antes de mais uma regra de boa administração que impõe à instituição a obrigação de conduzir o processo disciplinar com diligência e de agir de forma a que cada ato processual seja praticado num prazo razoável relativamente ao ato anterior (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de setembro de 2000, Teixeira Neves/Tribunal de Justiça, T‑259/97, EU:T:2000:208, n.o 123, e de 17 de março de 2015, AX/BCE, F‑73/13, EU:F:2015:9, n.o 174).

178    Nestas condições, não respeitar um prazo razoável só pode justificar a anulação de uma decisão administrativa quando o decurso de tempo excessivo seja suscetível de ter um impacto no seu próprio conteúdo (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2019, AV/Comissão, T‑303/18 RENV, não publicado, EU:T:2019:239, n.o 87 e jurisprudência referida). Sucede o mesmo quando o decurso excessivo de tempo tenha afetado a capacidade de as pessoas em causa se defenderem efetivamente (v. Acórdão de 7 de junho de 2018, Winkler/Comissão, T‑369/17, não publicado, EU:T:2018:334, n.o 34 e jurisprudência referida).

179    No caso em apreço, o recorrente não alega que o BCE teve intenção de tornar perentórios os prazos previstos nos artigos 8.3.15 a 8.3.17 das Regras Aplicáveis ao Pessoal, nem que a duração do processo prejudicou a sua defesa.

180    Quanto ao dever de diligência, também foi declarado que a violação deste devido a uma falta de celeridade pode responsabilizar a instituição em causa a título do prejuízo alegadamente causado, mas que não podia afetar, por si só, a legalidade da decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2018, Curto/Parlamento, T‑275/17, EU:T:2018:479, n.os 104 e 105).

181    Por conseguinte, o oitavo fundamento, relativo à violação do prazo razoável e do dever de diligência, não pode, no presente processo, ser julgado procedente para efeitos dos pedidos de anulação.

9.      Quanto ao nono fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

182    O recorrente considera que a decisão de despedimento está insuficientemente fundamentada. Pela razão acima exposta no n.o 101, não há que examinar este fundamento na parte em que contesta especificamente a fundamentação da decisão de despedimento no que se refere às partes relativas aos tratamentos de fisioterapia e aos recibos farmacêuticos.

183    Não obstante, há que recordar que a questão de saber se uma decisão nomeadamente do BCE que impõe uma sanção a um dos seus agentes respeita o dever de fundamentação deve ser apreciada não apenas à luz da sua redação, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regulam a matéria em causa, no caso vertente, a matéria disciplinar. Ora, a este respeito, embora a Comissão Executiva esteja obrigada a mencionar os elementos de facto e de direito dos quais depende a justificação legal das suas decisões, bem como as considerações que a levaram a adotá‑las, não se exige, contudo, que sejam discutidas todas as questões de facto e de direito invocadas durante o processo. Em todo o caso, uma decisão está suficientemente fundamentada quando é proferida num contexto que é conhecido do agente em causa e que lhe permite compreender o alcance da medida que lhe é aplicada (v. Acórdão de 17 de março de 2015, AX/BCE, F‑73/13, EU:F:2015:9, n.o 189 e jurisprudência referida). Não obstante, se, como no caso vertente, a sanção aplicada vier a ser mais severa do que a sugerida pelo Comité Disciplinar, há que considerar que, atendendo às exigências próprias de qualquer processo disciplinar, a decisão do BCE deve especificar os fundamentos que o levaram a afastar‑se do parecer emitido pelo seu Comité Disciplinar (v., neste sentido, Acórdão de 17 de março de 2015, AX/BCE, F‑73/13, EU:F:2015:9, n.o 190 e jurisprudência referida).

184    No caso em apreço, o contexto em que foi adotada a decisão de despedimento era amplamente conhecido do recorrente, nomeadamente à luz do teor das numerosas observações escritas e orais que apresentou durante o processo disciplinar em 13 de fevereiro, 9 de março, 17 de outubro e 8 de novembro de 2017, 30 de abril, 14 de setembro de 2018 e 31 de janeiro de 2019.

185    Além disso, a decisão de despedimento dá conta das acusações imputadas ao recorrente, do parecer do Comité Disciplinar, das diferentes regras e disposições em vigor no BCE que a Comissão Executiva considerou que não foram cumpridas pelo recorrente, bem como das razões pelas quais chegou a esta conclusão. Por outro lado, a petição demonstra que o recorrente compreendeu perfeitamente estes elementos.

186    No entanto, o recorrente alega, em especial, que a decisão de despedimento não responde às suas observações relativas à prescrição da ação disciplinar (v. n.o 128, supra).

187    Contudo, a decisão de despedimento refere‑se ao parecer do Comité Disciplinar, de que o recorrente tinha conhecimento, e este parecer expõe as razões pelas quais, à luz do artigo 8.3.2 das Regras Aplicáveis ao Pessoal, o processo disciplinar não tinha prescrito segundo o BCE.

188    Em seguida, o recorrente sustenta que, ainda que se admita que os factos estão provados, a decisão de despedimento não explica de forma suficiente por que razão o BCE adotou uma sanção muito mais severa do que a que foi proposta pelo Comité Disciplinar e, mais precisamente, por que razão, com base em elementos idênticos aos examinados por este comité, considerou que a quebra da relação de confiança era irremediável.

189    Esta acusação não é procedente. Resulta da decisão de despedimento que, contrariamente ao Comité Disciplinar, a Comissão Executiva considerou que o recorrente pediu o reembolso de recibos de despesas farmacêuticas e de faturas de apoio escolar que não eram verdadeiros nem autênticos e que os incumprimentos dos deveres do recorrente no que se refere à apresentação destes pedidos de reembolso eram assim mais amplos e mais graves do que a mera apresentação de faturas de serviços de fisioterapia duvidosas nos quais esse comité se tinha baseado.

190    É certo que foi acima declarado no n.o 97 que os factos relativos às faturas de serviços de fisioterapia e aos recibos farmacêuticos já tinham prescrito no momento em que o processo disciplinar foi instaurado. Contudo, segundo jurisprudência constante, o dever de fundamentar as decisões constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão do mérito da fundamentação, dizendo este respeito à legalidade substancial do ato controvertido (v. Acórdão de 24 de setembro de 2015, Itália e Espanha/Comissão, T‑124/13 e T‑191/13, EU:T:2015:690, n.o 82 e jurisprudência referida).

191    Além disso, e ainda ao contrário daquele que foi o entendimento do Comité Disciplinar, a Comissão Executiva considerou que o grau e a antiguidade mais reduzidos do recorrente não podiam ter nenhum efeito atenuante no seu dever de agir com honestidade e integridade quando da apresentação de pedidos de reembolso.

192    Por último, o BCE explicou que cada parte do processo lhe causou uma perda irremediável da confiança que tinha no recorrente. A este respeito, salientou que a sua credibilidade enquanto instituição responsável pela política monetária e pela supervisão bancária se baseia na sua reputação como modelo de administração eficaz e responsável, gerida por pessoal íntegro, e explicou que o comportamento do recorrente era precisamente suscetível de prejudicar a sua reputação.

193    Por conseguinte, o nono fundamento é julgado improcedente.

10.    Quanto ao décimo fundamento, formulado a título subsidiário e relativo à violação do princípio da proporcionalidade

a)      Observação preliminar

194    A título preliminar, há que observar que, contrariamente ao seu título, o décimo fundamento não se limita a alegar a violação, no caso em apreço, do princípio da proporcionalidade. Com efeito, o recorrente deduz, em substância, o caráter desproporcionado do seu despedimento, primeiro, da falta de pertinência e de exatidão de facto das circunstâncias agravantes tomadas em consideração pelo Comité Disciplinar, segundo, da ilegalidade e da falta de pertinência das que foram tomadas em consideração a título subsidiário pela Comissão Executiva, terceiro, do facto de a Comissão Executiva ter violado o conceito de circunstâncias atenuantes relativamente às circunstâncias referidas pelo Comité Disciplinar e, quarto, do facto de o BCE não ter tomado em consideração um determinado número de circunstâncias atenuantes que tinha alegou durante o processo. Assim, as acusações do recorrente não criticam diretamente o caráter desproporcionado da sanção. Aliás, o recorrente deduz antes este último da inexatidão de determinados factos, de erros na apreciação de outros factos e na sua qualificação como circunstâncias agravantes, de erros de direito e, por último, de uma falta de análise completa de todas as circunstâncias suscetíveis de constituírem circunstâncias atenuantes.

195    Nestas condições, há que recordar que o Tribunal Geral exerce uma fiscalização integral sobre a materialidade dos factos e sobre a boa aplicação das normas jurídicas pertinentes (v. n.os 160 e 161, supra).

196    Do mesmo modo, o juiz da União exerce igualmente uma fiscalização completa sobre a qualificação dos factos (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de junho de 2012, BNP Paribas e BNL/Comissão, C‑452/10 P, EU:C:2012:366, n.o 102, e de 7 de novembro de 2013, Cortivo/Parlamento, F‑52/12, EU:F:2013:173, n.o 41), à luz de conceitos jurídicos objetivos. Em especial, exerce essa fiscalização quanto à questão de saber se um facto se enquadra ou não nos conceitos jurídicos de circunstâncias agravantes ou atenuantes.

197    Por último, embora as Condições de Emprego não prevejam uma correspondência exata entre as sanções disciplinares nelas indicadas e os diferentes tipos de incumprimentos praticados pelos funcionários nem especifiquem em que medida a existência de circunstâncias agravantes ou atenuantes deve intervir na escolha da sanção, a observância do artigo 47.o da Carta pressupõe que uma «pena» aplicada por uma autoridade administrativa que não preencha, por si só, os requisitos previstos neste artigo, como sucede, no presente caso, concretamente com a Comissão Executiva, fique sujeita à fiscalização posterior de um órgão judicial que tenha competência para apreciar plenamente a proporcionalidade entre o incumprimento e a sanção (v. Acórdão de 15 de maio de 2012, Nijs/Tribunal de Contas, T‑184/11 P, EU:T:2012:236, n.o 85 e jurisprudência referida; v. também, neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2010, Andreasen/Comissão, T‑17/08 P, EU:T:2010:374, n.os 146 e 147; TEDH, 31 de março de 2015, Andreasen c. Reino Unido e 26 outros Estados‑Membros da União Europeia, CE:ECHR:2015:0331DEC002882711, n.o 73). A este título, o juiz da União verifica, nomeadamente, se a ponderação das circunstâncias agravantes e atenuantes foi efetuada pela autoridade disciplinar de forma proporcionada (Acórdão de 16 de março de 2004, Afari/BCE, T‑11/03, EU:T:2004:77, n.o 203).

b)      Quanto à primeira acusação do recorrente

198    Para demonstrar que o princípio da proporcionalidade foi violado, o recorrente contesta a circunstância agravante, considerada pelo Comité Disciplinar e posteriormente pela Comissão Executiva, relativa ao facto de que não sugeriu restituir total ou parcialmente os montantes controvertidos.

199    Há que recordar que o Comité Disciplinar entendeu que o recorrente só violou os seus deveres por ter obtido indevidamente o reembolso das faturas de serviços de fisioterapia, embora tenha considerado, em contrapartida, que não foi feita prova bastante dos factos relativos aos recibos farmacêuticos e às faturas de apoio escolar. Por conseguinte, o Comité Disciplinar só imputou ao recorrente a circunstância agravante de não ter sugerido restituir os montantes recebidos irregularmente, limitando‑se ao montante de 56 041,09 euros correspondente ao reembolso das faturas da alegada fisioterapeuta B.

200    Em contrapartida, na decisão de despedimento, a Comissão Executiva considerou que, durante vários anos, a totalidade das faturas e recibos controvertidos foi reembolsada indevidamente ao recorrente. Neste contexto, a Comissão Executiva indicou em seguida que, às circunstâncias agravantes identificadas Comité Disciplinar, havia que acrescentar o facto de que o recorrente não respeitou de forma nenhuma a confiança que o BCE nele depositara (v., a este respeito, n.os 207 e seguintes, infra).

201    Por conseguinte, à luz da decisão de despedimento considerada no seu todo, há que entender que a remissão feita muito sucintamente pela Comissão Executiva para as circunstâncias agravantes consideradas pelo Comité Disciplinar visava o facto de o recorrente não ter sugerido restituir todos os montantes que recebeu, incluindo os montantes recebidos a título do reembolso das faturas de apoio escolar.

202    Feita esta precisão, o recorrente expõe, antes de mais, em apoio da sua acusação, que não tinha de restituir o montante de 56 041,09 euros porque as faturas de serviços de fisioterapia eram verdadeiras e autênticas.

203    No entanto, este argumento não é pertinente uma vez que a Comissão Executiva considerou como circunstância agravante o facto de que o recorrente não restituiu os montantes relativos, nomeadamente, às faturas de apoio escolar (v. n.o 201, supra) e entendeu, na decisão de despedimento, que cada uma das três partes do processo, que diziam respeito a incumprimentos no âmbito de pedidos de reembolso de despesas, atendendo às competências financeiras do Banco, afetou de forma irreversível a confiança que nele depositara (v. n.o 99, supra).

204    Em seguida, o recorrente contesta a alegação segundo a qual nunca sugeriu restituir os montantes. Alega que, para pôr termo ao processo, sugeriu ao BCE pagar o equivalente à sanção recomendada pelo Comité Disciplinar, a saber, uma redução temporária da remuneração no montante de 400 euros durante um período de doze meses, ou seja, de 4 800 euros. Contudo, o BCE não tomou esta sugestão em consideração, por a mesma se afastar muito dos montantes em causa, embora se limitassem ao montante de 29 070 euros correspondente aos reembolsos das faturas de apoio escolar.

205    Por último, é em vão que o recorrente alega ter colaborado plenamente com o trabalho do Comité Disciplinar. Esta colaboração, ainda que fosse provada, em nada altera o facto de que o recorrente não sugeriu restituir o montante em questão. Além disso, é contestada pelo BCE.

206    Daqui resulta que foi com razão que o BCE (v. n.o 196, supra) imputou ao recorrente, como circunstância agravante, o facto de não ter sugerido restituir os montantes indevidamente recebidos.

c)      Quanto à segunda acusação do recorrente

207    O recorrente critica as circunstâncias agravantes que o BCE tomou em consideração na decisão de despedimento, em complemento das já invocadas pelo Comité Disciplinar.

208    Assim, o recorrente considera, primeiro, que a Comissão Executiva não podia ter considerado, como circunstância agravante, o facto de que o recorrente traiu a confiança que o BCE depositara nele, uma vez que esta constatação não era distinta dos incumprimentos que lhe eram imputados em si mesmos.

209    Há que recordar que uma circunstância agravante não é um elemento constitutivo de uma infração para cuja determinação é necessária prova de elementos materiais e, eventualmente, morais. Por conseguinte, uma circunstância agravante não serve para caracterizar a infração enquanto tal, antes afetando o nível da pena depois de provada a infração, para que a gravidade dos factos seja considerada no seu conjunto e seja assegurado, à luz de todos estes, o efeito repressivo e dissuasivo da sanção.

210    Na decisão de despedimento, a Comissão Executiva acusou o recorrente de ter violado o seu dever de lealdade para com o BCE, de não ter cumprido a sua obrigação de respeitar os valores comuns e de levar as suas vidas profissional e privada de acordo com o seu estatuto de instituição da União, de ter violado, de forma contínua, o seu dever de preservar os interesses financeiros da instituição e de ter posto em causa a reputação do Banco. Além disso, a Comissão Executiva entendeu que constituía uma circunstância agravante o facto de o recorrente não ter respeitado de modo nenhum a confiança que o BCE nele depositara.

211    O dever de lealdade tem certamente um impacto na preservação de uma relação de confiança pessoal entre uma instituição e os seus funcionários que condiciona a manutenção de uma relação laboral. Este dever impõe não apenas que os funcionários se abstenham de condutas que prejudiquem a dignidade das funções e o respeito devido à instituição e às suas autoridades, mas também que façam prova de um comportamento acima de qualquer suspeita, para que as relações de confiança existentes entre esta instituição e eles próprios sejam sempre preservadas (Acórdão de 19 de maio de 1999, Connolly/Comissão, T‑34/96 e T‑163/96, EU:T:1999:102, n.o 128). No entanto, daqui não resulta que qualquer violação do dever de lealdade implica sistematicamente a perda dessa confiança e, desta forma, tenha o despedimento como resultado inevitável. Essa violação pode ser apenas ocasional ou ter apenas um caráter menor ou benigno. Neste caso, uma quebra da relação laboral é incompatível com a circunstância de as condições de emprego não estabelecerem uma correspondência exata entre os diferentes tipos de incumprimentos e as sanções disciplinares possíveis.

212    Por conseguinte, a perda da relação de confiança não é um elemento constitutivo de uma falta disciplinar que consista numa falta de lealdade, sendo antes uma circunstância agravante que se deve ao nível especialmente prejudicial e grave dessa falta de lealdade, sobretudo se o funcionário ou o agente tiver feito prova de uma absoluta falta de respeito para com a instituição.

213    Ora, no caso em apreço, longe de serem ocasionais, os factos relativos ao reembolso das faturas de apoio escolar prolongaram‑se ao longo de vários anos, como o próprio recorrente reconhece.

214    Por conseguinte, foi com razão que o BCE qualificou, no caso em apreço, de circunstância agravante o facto de o recorrente não ter minimamente respeitado a confiança que o BCE nele depositara.

215    Segundo, o recorrente acusa o BCE de ter referido como circunstância agravante o facto de que um grau pouco elevado e uma antiguidade reduzida não têm nenhum impacto na capacidade de os membros do pessoal levarem a cabo, por sua própria iniciativa, em circunstâncias como as do presente processo, verificações simples. Mais uma vez, segundo o recorrente, esta pretensa circunstância agravante não é distinta das infrações, em si mesmas, que lhe são imputadas. O recorrente sustenta, além disso, que não tinha nenhuma razão para efetuar essas verificações neste caso concreto.

216    Contudo, esta acusação assenta numa leitura incorreta da decisão de despedimento. Contrariamente ao que o recorrente sugere, a Comissão Executiva não considerou que a natureza modesta do seu grau e da sua antiguidade pudesse contribuir para uma circunstância agravante, mas, ao contrário do Comité Disciplinar, recusou‑se a considerar que constituía uma circunstância atenuante. Em todo o caso, é certo que o artigo 45.o, quinto travessão, das Condições de Emprego dispõe que o grau e a antiguidade devem ser tomados em consideração na determinação da sanção. Não obstante, o Banco considerou que um grau e uma antiguidade modestos não constituíam uma circunstância atenuante no caso em apreço, uma vez que tal grau e tal antiguidade não justificavam que um agente se abstivesse de levar a cabo espontaneamente verificações simples, na medida em que não exigem competências específicas, e porque qualquer pessoa razoavelmente prudente as teria efetuado perante as circunstâncias do caso concreto, e que eram suscetíveis de pôr em causa o direito ao reembolso dos montantes despendidos.

217    Quanto ao argumento segundo o qual não havia, no caso em apreço, nenhuma razão para proceder a qualquer tipo de verificação, este equivale a contestar a existência das circunstâncias a partir das quais o BCE deduziu que as faturas da professora de aulas particulares C não eram verdadeiras nem autênticas. Assim, este argumento confunde‑se com o sexto fundamento, que foi julgado improcedente.

218    Terceiro, o recorrente contesta que o BCE tenha invocado, como circunstância agravante, o facto de que a sua credibilidade estava em jogo, visto que esta foi preservada pelo desfecho positivo dos processos penais instaurados contra si e, em especial, pela publicidade dada ao Acórdão de 18 de outubro de 2017 do Landgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional de Frankfurt am Main), que o absolveu dos crimes de fraude e falsificação de documentos relativos às faturas de serviços de fisioterapia.

219    No entanto, além do facto de o recorrente não especificar que tipo de publicidade foi dada ao Acórdão do Landgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional de Frankfurt am Main), o BCE considerou que os factos podiam afetar a sua reputação e, por inerência, a sua credibilidade como instituição financeira. Ora, ao abrigo do artigo 45.o, segundo travessão, das Condições de Emprego, o BCE pode precisamente tomar em consideração, a título de circunstâncias agravantes, o risco ao qual o comportamento do membro do pessoal expôs a integridade, a reputação ou os interesses da instituição, sem ter de demonstrar se pessoas externas a esta tiveram conhecimento do comportamento do interessado e, em caso afirmativo, quantas (v., por analogia, Acórdão de 10 de junho de 2016, HI/Comissão, F‑133/15, EU:F:2016:127, n.o 204 e jurisprudência referida).

220    Da mesma forma, contrariamente ao que o recorrente sustenta, o BCE considerou como circunstância agravante o facto de o recorrente ter agido contra os interesses financeiros da Instituição, que, no entanto, estava obrigado a proteger. Com efeito, a este respeito basta observar que os pedidos indevidos de reembolso do recorrente tiveram necessariamente um impacto nas finanças do BCE que, no final, suportou estes custos.

d)      Quanto à terceira acusação do recorrente

221    O recorrente alega que a Comissão Executiva não tomou em consideração o papel que as circunstâncias atenuantes desempenham, alegando que as que foram tomadas em consideração pelo Comité Disciplinar não reduziram de modo nenhum a perda de confiança do BCE a seu respeito.

222    No caso em apreço, o Comité Disciplinar considerou como circunstâncias atenuantes a natureza modesta do grau e da antiguidade do recorrente, a inexistência de antecedentes disciplinares e o facto de não se poder ter a certeza de que a sociedade A teria recusado reembolsar as faturas de B se o carimbo «Kosmetikerin» tivesse sido aposto na primeira das faturas.

223    No entanto, embora não tenha ignorado a sua natureza de circunstâncias atenuantes, a Comissão Executiva considerou que estas circunstâncias não compensavam de modo nenhum a perda de confiança do BCE para com o recorrente.

224    Em especial, resulta do acima referido no n.o 216 que a Comissão Executiva, ao contrário do Comité Disciplinar, recusou considerar que a natureza modesta do grau e da antiguidade do recorrente constituíam uma circunstância atenuante. Além disso, é certo que o artigo 45.o, oitavo travessão, das Condições de Emprego dispõe que, ao escolher a sanção disciplinar, deve ser tomada em consideração a conduta do membro do pessoal ao longo de toda a sua carreira. No entanto, esta disposição não faz a perda da relação de confiança depender necessariamente de um estado de reincidência. Esta pode resultar de um único facto ou comportamento. Ora, atendendo às atribuições do BCE, a Comissão Executiva, no caso em apreço, colocou legitimamente a tónica no rigor exigido a cada agente no plano financeiro.

e)      Quanto à quarta acusação do recorrente

225    O recorrente considera que há que tomar em consideração as circunstâncias atenuantes mencionadas perante o Comité Disciplinar e nas suas observações de 30 de abril de 2018 e que o BCE não teve em conta.

226    Primeiro, o recorrente evoca o sofrimento que a sua família e ele próprio suportaram ao longo de todo o processo, durante o qual foi suspenso das suas funções. Evoca igualmente o seu direito a recuperar uma paz interior e a poder restaurar a sua honra.

227    Contudo, a duração do processo disciplinar não figura entre os elementos referidos no artigo 45.o das Condições de Emprego como circunstância atenuante e não é pertinente para determinar a sanção disciplinar que, nos termos deste artigo, deve ser proporcional à gravidade do incumprimento (v., por analogia, Acórdão de 10 de junho de 2016, HI/Comissão, F‑133/15, EU:F:2016:127, n.o 200).

228    Além disso, o recorrente não fundamenta a sua acusação. Não fornece elementos concretos que especifiquem o sofrimento que a sua família e ele próprio suportaram devido ao processo e à duração deste, em particular em que medida excederam as preocupações e a incerteza que inevitavelmente decorrem dos processos penais e disciplinares, e que o BCE devia ter tomado em consideração como circunstância atenuante.

229    Da mesma forma, o recorrente não desenvolve o fundamento relativo ao seu alegado direito a recuperar a paz interior e a restaurar a sua honra. É o que sucede especialmente no contexto do presente fundamento, que, invocado a título subsidiário e limitado à contestação da proporcionalidade da sanção, pressupõe que a infração disciplinar foi provada.

230    Segundo, o recorrente invoca o seu percurso muito positivo no BCE e alega que este devia ter sido tomado em consideração como circunstância atenuante.

231    No entanto, resulta do acima referido no n.o 224 que a Comissão Executiva considerou que a confiança do BCE no recorrente estava perdida não obstante os factos imputados consubstanciarem o primeiro incumprimento do recorrente.

232    Quanto ao demais, o recorrente limita‑se a apresentar relatórios de avaliação manifestamente elaborados no final dos anos de 2008 e 2010, bem como uma breve apreciação constante de uma mensagem de correio eletrónico datada de 29 de setembro de 2011. Estes documentos não provam a forma como o recorrente trabalhou, em geral, entre o ano de 2011 e a data da sua suspensão, em 21 de outubro de 2014, data a partir da qual deixou de ser objeto de avaliação.

233    Por conseguinte, foi com razão que o BCE não tomou em consideração o percurso do recorrente na instituição como circunstância atenuante (v. n.o 196, supra).

234    Terceiro, o recorrente acusa o BCE de não ter tomado em consideração o facto de que não teve intenção de violar as suas obrigações profissionais, de que não agiu por interesse pessoal e de que a instituição não sofreu nenhum dano.

235    Nos termos do artigo 45.o, terceiro travessão, das Condições de Emprego, o nível da intencionalidade é um elemento que o BCE deve tomar em consideração para determinar a sanção disciplinar.

236    No entanto, resulta do exame conjunto dos fundamentos terceiro e sétimo, bem como do sexto fundamento e, além disso, do acima referido no n.o 216, que o BCE considerou que se podia inferir da redação das faturas de apoio escolar que estas não eram verdadeiras nem autênticas, que as circunstâncias objetivas do caso concreto, na medida em que suscitavam dúvidas quanto ao direito ao reembolso das referidas faturas, impunham que se realizassem verificações simples que o recorrente podia fazer e que, à semelhança de qualquer pessoa razoavelmente prudente, devia, no mínimo, ter informado a administração deste facto e com ela ter colaborado.

237    Nestas condições, foi com razão que a Comissão Executiva (v. n.o 196, supra) não considerou como circunstância atenuante a falta de intencionalidade por parte do recorrente.

238    Sucede o mesmo com a alegação do recorrente segundo a qual não agiu por interesse pessoal, uma vez que beneficiou dos reembolsos controvertidos.

239    Sucede também o mesmo no que se refere ao facto de o BCE não ter sofrido nenhum dano, uma vez que o recorrente não podia ignorar que o reembolso das despesas escolares era suportado pelo BCE. Além disso, e para além deste dano material, resulta da análise da segunda acusação formulada pelo recorrente no âmbito do presente fundamento que o BCE considerou razoavelmente que o seu comportamento podia afetar a sua reputação e, por conseguinte, a sua credibilidade enquanto instituição financeira (v. n.o 291, supra), causando‑lhe assim também um dano moral.

240    Quarto, o recorrente alega que o BCE não tomou em consideração o facto de que não lhe foi enviada uma advertência, não obstante os factos controvertidos terem abrangido, à vista e com conhecimento do BCE, um período de quatro anos no que se refere às faturas de apoio escolar.

241    No entanto, esta parte do processo diz respeito a pedidos de reembolso apresentados em 2010, 2012 e 2014, bem como em janeiro de 2017. Ora, resulta da análise do segundo fundamento que o Comité Disciplinar só descobriu os factos durante o mês de março de 2017, por ocasião do exame aprofundado do processo do recorrente, a que as partes do processo relativas às faturas de serviços de fisioterapia e aos recibos de farmácias tinham conduzido. Além disso, na sequência de algumas investigações complementares, em 19 de junho de 2017 o BCE notificou ao recorrente o projeto do futuro relatório n.o 2, ou seja, apenas cerca de três meses após essa descoberta. Nestas condições, o Banco não pode ser acusado de não ter enviado uma advertência ao recorrente a respeito das faturas de apoio escolar.

242    O recorrente sustenta igualmente que os factos relativos às faturas de serviços de fisioterapia e aos recibos farmacêuticos decorreram durante um período de cinco anos, sem nenhuma outra advertência.

243    No entanto, este último argumento não é pertinente uma vez que o BCE considerou que cada uma das três partes do processo, ainda que consideradas isoladamente, afetou de forma irreversível a confiança que estava na base da relação com o seu pessoal (v. n.o 99, supra) e, por conseguinte, que a parte do processo relativa às faturas de apoio escolar, que não está viciada de nenhuma ilegalidade, é suficiente para justificar a decisão de despedimento.

f)      Conclusões quanto ao décimo fundamento e aos pedidos de anulação

244    Resulta do que precede que as acusações do recorrente invocadas no âmbito do seu décimo fundamento não são justificadas e que, consequentemente, este não provou o caráter desproporcionado (v. n.o 197, supra) da decisão de despedimento.

245    Por conseguinte, o décimo fundamento é julgado improcedente.

246    Atendendo a que o caráter parcialmente procedente do segundo fundamento não é suficiente para justificar a anulação da decisão de despedimento nem, por conseguinte, a anulação da recusa de reabrir o processo (v. n.o 100, supra) e que nenhum outro fundamento é procedente, há que julgar improcedentes os pedidos de anulação na sua totalidade.

B.      Quanto ao segundo pedido, por meio do qual é pedido que o Tribunal Geral ordene a reintegração do recorrente

247    Com o seu segundo pedido, o recorrente pede ao Tribunal Geral que ordene a sua reintegração.

248    Contudo, estes pedidos devem ser julgados improcedentes por terem sido apresentados num órgão jurisdicional incompetente para deles conhecer, uma vez que não compete ao Tribunal Geral dirigir injunções à administração (v., neste sentido, Despacho de 22 de setembro de 2016, Gaki/Comissão, C‑130/16 P, não publicado, EU:C:2016:731, n.o 14 e jurisprudência referida). Além disso, uma vez que os pedidos de anulação foram julgados improcedentes, os presentes pedidos também devem, consequentemente, ser julgados improcedentes (v., neste sentido, Despacho de 25 de maio de 2011, Meierhofer/Comissão, F‑74/07 RENV, EU:F:2011:63, n.o 69).

C.      Quanto ao terceiro pedido, por meio do qual é pedida a reparação do dano alegadamente sofrido pelo recorrente

249    O recorrente pede ao Tribunal Geral que condene o BCE a indemnizar o dano moral que sofreu e que avalia ex aequo et bono em 20 000 euros.

250    Recorde‑se que a responsabilidade de uma instituição, de um órgão ou de um organismo da União está sujeita ao preenchimento de uma série de requisitos, a saber, a ilegalidade do comportamento que lhe é imputado, a realidade do dano alegado e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento em causa e o dano alegado, sendo estes três requisitos cumulativos (v. Acórdão de 3 de outubro de 2019, DQ e o./Parlamento, T‑730/18, EU:T:2019:725, n.o 47 e jurisprudência referida).

251    No que respeita ao requisito relativo à ilegalidade do comportamento, há que salientar que, segundo jurisprudência constante, os pedidos de indemnização, apresentados em conjunto com pedidos de anulação desprovidos de qualquer fundamento jurídico, são eles próprios desprovidos de tal fundamento se estiverem estreitamente associados a estes últimos (Acórdãos de 30 de setembro de 2003, Martínez Valls/Parlamento, T‑214/02, EU:T:2003:254, n.o 43, e de 28 de fevereiro de 2018, Paulini/BCE, T‑764/16, não publicado, EU:T:2018:101, n.o 86).

252    Por conseguinte, uma vez que os pedidos de anulação são julgados improcedentes por carecerem de fundamento jurídico (v. n.o 246, supra), há igualmente que julgar improcedentes os pedidos de indemnização na medida em que se baseiam nos termos alegadamente «rudes» da decisão de despedimento, no facto de esta se basear numa violação da relação de confiança alegadamente irreversível por o BCE não ter explicado de que modo esta confiança foi irremediavelmente afetada, e na ofensa à reputação do recorrente que decorre das decisões impugnadas.

253    Todavia, o recorrente deduz igualmente o dano que alega ter sofrido da incerteza em que se encontrou, pelo facto de o processo ter corrido durante um período irrazoavelmente longo.

254    Ora, embora a violação do prazo razoável não possa, em princípio, justificar a anulação de uma decisão tomada no termo de um procedimento administrativo (v. n.o 178, supra), esta violação pode ser tomada em consideração quando são tratados os pedidos de indemnização (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2019, AV/Comissão, T‑303/18 RENV, não publicado, EU:T:2019:239, n.o 87 e jurisprudência referida).

255    A este respeito, há que recordar que um processo disciplinar coloca qualquer funcionário ou agente numa situação de incerteza quanto ao seu futuro profissional, causando‑lhe necessariamente algum stress e alguma ansiedade e que, quando essa incerteza perdura durante um período excessivo, a intensidade do stress e da ansiedade aumenta para além do que é justificável (Acórdão de 13 de janeiro de 2010, A e G/Comissão, F‑124/05 e F‑96/06, EU:F:2010:2, n.o 147) e pode, em princípio, ser constitutiva de um dano moral.

256    No caso em apreço, há, no entanto, que recordar, no que se refere ao nexo de causalidade, que segundo a jurisprudência é necessário que o recorrente faça prova de uma relação direta e certa de causa a efeito entre a falta cometida pela instituição e o dano invocado (Acórdãos de 28 de setembro de 1999, Hautem/BEI, T‑140/97, EU:T:1999:176, n.o 85, e de 5 de julho de 2011, V/Parlamento, F‑46/09, EU:F:2011:101, n.o 158). Assim, o comportamento imputado deve ser a causa determinante do dano (Despacho de 31 de março de 2011, Mauerhofer/Comissão, C‑433/10 P, não publicado, EU:C:2011:204, n.o 127, e Acórdão de 8 de novembro de 2018, Cocchi e Falcione/Comissão, T‑724/16 P, não publicado, EU:T:2018:759, n.o 96).

257    Em apoio dos seus pedidos de indemnização, o recorrente apresentou um atestado médico datado de 30 de outubro de 2017 que numa frase atribui o desenvolvimento progressivo de insónias, a perda de peso e as dores de cabeça de que o recorrente padeceu à «situação de trabalho criada pelo BCE».

258    Para apreciar o valor probatório deste atestado, há que atender a todas as circunstâncias do caso concreto.

259    A este respeito, há que salientar, em particular, que, embora o recorrente tenha incorrido no risco de uma sanção disciplinar desde o momento da sua suspensão, em 21 de outubro de 2014, até à decisão de despedimento, em 7 de maio de 2019, foi sucessivamente objeto de vários processos penais. Assim, o recorrente foi objeto de um inquérito preliminar que tinha por objeto fraude e falsificação de documentos na aceção do § 263, n.o 1, e do § 267 do Código Penal alemão, relativo às faturas de serviços de fisioterapia (v. n.o 7, supra). Estas duas infrações eram passíveis de uma pena de até cinco anos de prisão. Da mesma forma, o domicílio do recorrente foi alvo de buscas logo em 16 de outubro de 2014. Em seguida, o inquérito preliminar foi alargado à parte do processo relativa aos recibos farmacêuticos. Em 12 de setembro de 2016, o recorrente foi acusado pelo Ministério Público, que, embora tenha arquivado a parte relativa aos recibos farmacêuticos, em contrapartida, deduziu contra o recorrente acusação por motivo de fraude e falsificação de documentos no que se refere à parte do processo respeitante às faturas de serviços de fisioterapia e remeteu o processo para julgamento (v. n.o 7, supra). No Acórdão de 18 de outubro de 2017 do Landgericht Frankfurt am Main (Tribunal Regional de Frankfurt am Main), o recorrente foi absolvido da prática destes factos (v. n.o 14, supra). Contudo, o recorrente estava em simultâneo a ser investigado pela eventual prática de um crime de fraude no que dizia respeito às faturas de apoio escolar. O recorrente só foi informado da decisão final dos processos penais que lhe diziam respeito através da notificação do Ministério Público de 30 de abril de 2019 (v. n.o 23, supra), que lhe anunciou o arquivamento desta última parte.

260    Daqui resulta que o recorrente foi objeto de processos penais, incluindo buscas ao domicílio, e que durante todo o tempo durante o qual durou o processo litigioso, tempo esse que considera ser desrazoável, esteve ansiosamente sujeito à perspetiva de vir a ser objeto de uma condenação penal.

261    Por outro lado, importa salientar que o recorrente sustentou, com particular insistência, durante toda a instrução disciplinar, bem como no presente recurso, que o BCE devia ter suspendido aquele processo e não o devia ter encerrado antes de ter tido conhecimento do resultado dos processos penais. O recorrente considerou assim necessariamente que estes últimos revestiam uma importância primordial no seu caso.

262    Ora, o BCE não pode ser responsabilizado pela duração dos processos penais nacionais.

263    Da mesma forma, neste contexto, o único atestado médico de 30 de outubro de 2017 que o recorrente apresentou, que não é pormenorizado, que é desprovido de precisões e que nem sequer faz alusão aos processos penais, não constitui prova suficiente de que as insónias, a perda de peso e as dores de cabeça nele evocadas tinham como causa determinante as incertezas relacionadas com a duração do processo disciplinar.

264    Atendendo ao que precede, há que concluir que o recorrente, a quem incumbe o ónus da prova (v. n.o 256, supra), não demonstra de forma juridicamente bastante o nexo de causalidade entre o comportamento alegadamente faltoso do BCE e o dano que invoca. Ora, como foi acima exposto no n.o 256, este nexo é um dos requisitos cumulativos que devem estar preenchidos para que se possa responsabilizar uma instituição.

265    Desta forma, os pedidos de indemnização do recorrente devem ser julgados improcedentes.

266    Por conseguinte, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

D.      Quanto ao pedido do BCE por meio do qual é pedido que o Tribunal Geral ouça o recorrente, a sua mulher e os seus filhos, bem como, eventualmente, B

267    Na medida em que tal seja necessário, o BCE pediu ao Tribunal Geral que notificasse para efeitos de testemunhar o recorrente, a sua mulher e os seus filhos, bem como, eventualmente, a presumível fisioterapeuta B, para os ouvir a respeito das faturas de serviços de fisioterapia ou, pelo menos, para ouvir o recorrente a este respeito na qualidade de parte no litígio.

268    Na medida em que foi decidido que os factos relativos a estas faturas já prescreveram (v. n.o 89, supra), não há que deferir este pedido.

IV.    Quanto às despesas

269    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Contudo, nos termos do artigo 135.o, n.o 1, do mesmo regulamento, quando a equidade o exigir, o Tribunal Geral pode decidir que uma parte vencida suporte, além das suas próprias despesas, apenas uma fração das despesas da outra parte, ou mesmo que não deve ser condenada a este título. Além disso, segundo o artigo 135.o, n.o 2, do referido regulamento, o Tribunal Geral pode condenar uma parte, mesmo vencedora, na totalidade ou em parte das despesas, se tal se justificar em razão da sua atitude, incluindo antes do início da instância.

270    Ora, no caso em apreço, resulta do acima exposto nos n.os 82 e 89, que o BCE levou a cabo e encerrou o processo disciplinar e neste considerou provado que o recorrente não cumpriu os seus deveres nas partes do processo relativas às faturas de serviços de fisioterapia e aos recibos de farmácia não obstante terem prescrito.

271    Nestas condições, será feita uma justa aplicação das disposições acima referidas no n.o 269 condenando‑se o recorrente a suportar, além das suas próprias despesas, três quartos das despesas do BCE e condenando‑se este último a suportar o quarto restante das suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção Alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      DI suportará as suas próprias despesas, bem como três quartos das despesas do Banco Central Europeu (BCE), o qual suportará o restante das suas despesas.

Gervasoni

Madise

Nihoul

Frendo

 

      Martín y Pérez de Nanclares

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de junho de 2021.

Assinaturas


Índice



*      Língua do processo: inglês.