Language of document : ECLI:EU:C:2016:436

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

14 de junho de 2016 (*)

«Incumprimento de Estado — Coordenação dos sistemas de segurança social — Regulamento (CE) n.° 883/2004 — Artigo 4.° — Igualdade de tratamento em matéria de acesso às prestações de segurança social — Direito de residência — Diretiva 2004/38/CE — Legislação nacional que recusa a concessão do abono de família ou de um crédito de imposto por filho a cargo aos cidadãos de outros Estados‑Membros sem direito de residência legal»

No processo C‑308/14,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.° TFUE, que deu entrada em 27 de junho de 2014,

Comissão Europeia, representada por D. Martin e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por M. Holt e J. Beeko, na qualidade de agentes, assistidos por J. Coppel, QC,

demandado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Primeira Secção, F. Biltgen, E. Levits, M. Berger (relatora) e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 4 de junho de 2015,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de outubro de 2015,

profere o presente

Acórdão

1        Na sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao exigir que os requerentes do abono de família ou de um crédito de imposto por filho a cargo tenham o direito de residir no Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, este Estado‑Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.° do Regulamento (CE) n.° 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1; retificação no JO 2004, L 200, p. 1).

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento n.° 883/2004

2        O artigo 1.°, alíneas j) e z), do Regulamento n.° 883/2004 contém as seguintes definições:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[...]

j)      ‘Residência’, o lugar em que a pessoa reside habitualmente;

[...]

z)      ‘Prestação familiar’, qualquer prestação em espécie ou pecuniária destinada a compensar os encargos familiares, com exclusão dos adiantamentos de pensões de alimentos e dos subsídios especiais de nascimento ou de adoção referidos no Anexo I.»

3        O artigo 3.°, n.° 1, alínea j), deste regulamento prevê:

«O presente regulamento aplica‑se a todas as legislações relativas aos ramos da segurança social que digam respeito a:

[...]

j)      Prestações familiares.»

4        O artigo 4.° do referido regulamento, com a epígrafe «Igualdade de tratamento», dispõe:

«Salvo disposição em contrário do presente regulamento, as pessoas a quem o presente regulamento se aplica beneficiam dos direitos e ficam sujeitas às obrigações da legislação de qualquer Estado‑Membro nas mesmas condições que os nacionais desse Estado‑Membro.»

5        Nos termos do artigo 11.°, n.os 1 e 3, do mesmo regulamento:

«1.      As pessoas a quem o presente regulamento se aplica apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro. Essa legislação é determinada em conformidade com o presente título.

[...]

3.      Sem prejuízo dos artigos 12.° a 16.°:

[...]

e)      Outra pessoa à qual não sejam aplicáveis as alíneas a) a d) está sujeita à legislação do Estado‑Membro de residência, sem prejuízo de outras disposições do presente regulamento que lhe garantam prestações ao abrigo da legislação de um ou mais outros Estados‑Membros.»

6        O artigo 67.° do Regulamento n.° 883/2004 dispõe:

«Uma pessoa tem direito às prestações familiares nos termos da legislação do Estado‑Membro competente, incluindo para os seus familiares que residam noutro Estado‑Membro, como se estes últimos residissem no primeiro Estado‑Membro. [...]»

 Regulamento (CE) n.° 987/2009

7        O Regulamento (CE) n.° 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.° 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2009, L 284, p. 1), prevê, no artigo 11.°, sob a epígrafe «Elementos para a determinação da residência»:

«1.      Em caso de divergência entre as instituições de dois ou mais Estados‑Membros quanto à determinação da residência de uma pessoa à qual é aplicável o regulamento de base, estas instituições estabelecem de comum acordo o centro de interesses da pessoa interessada, com base numa avaliação global de todos os elementos disponíveis relacionados com factos relevantes, que podem incluir, conforme o caso:

a)      A duração e a continuidade da presença no território dos Estados‑Membros em causa;

b)      A situação pessoal do interessado, incluindo:

i)      a natureza e as características específicas de qualquer atividade exercida, em especial o local em que a atividade é habitualmente exercida, a natureza estável da atividade e a duração de qualquer contrato de trabalho;

ii)      a sua situação familiar e os laços familiares;

iii)      o exercício de qualquer atividade não remunerada;

iv)      no caso dos estudantes, a fonte de rendimentos;

v)      a situação relativa à habitação, em especial a sua natureza permanente;

vi)      o Estado‑Membro em que a pessoa é considerada residente para efeitos fiscais.

2.      Quando a consideração dos diferentes critérios, baseados em factos relevantes enunciados no n.° 1, não permitir às instituições em causa chegar a acordo, a vontade da pessoa, tal como se revela a partir de tais factos e circunstâncias, em especial os motivos que a levaram a mudar‑se, é considerada determinante para estabelecer o seu lugar efetivo de residência.»

 Diretiva 2004/38/CE

8        A Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77), dispõe, no artigo 7.°, sob a epígrafe «Direito de residência por mais de três meses»:

«1.      Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

a)      Exerça uma atividade assalariada ou não assalariada no Estado‑Membro de acolhimento; ou

b)      Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento; ou

c)      —      Esteja inscrito num estabelecimento de ensino público ou privado, reconhecido ou financiado por um Estado‑Membro de acolhimento com base na sua legislação ou prática administrativa, com o objetivo principal de frequentar um curso, inclusive de formação profissional; e

–        disponha de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, e garanta à autoridade nacional competente, por meio de declaração ou outros meios à sua escolha, que dispõe de recursos financeiros suficientes para si próprio e para os membros da sua família a fim de evitar tornar‑se uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência; ou

d)      Seja membro da família que acompanha ou se reúne a um cidadão da União que preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c).

[...]

3.      Para os efeitos da alínea a) do n.° 1, o cidadão da União que tiver deixado de exercer uma atividade assalariada ou não assalariada mantém o estatuto de trabalhador assalariado ou não assalariado nos seguintes casos:

a)      Quando tiver uma incapacidade temporária de trabalho, resultante de doença ou acidente;

b)      Quando estiver em situação de desemprego involuntário devidamente registado depois de ter tido emprego durante mais de um ano e estiver inscrito no serviço de emprego como candidato a um emprego;

c)      Quando estiver em situação de desemprego involuntário devidamente registado no termo de um contrato de trabalho de duração determinada inferior a um ano ou ficar em situação de desemprego involuntário durante os primeiros 12 meses, e estiver inscrito no serviço de emprego como candidato a um emprego. Neste caso, mantém o estatuto de trabalhador assalariado durante um período não inferior a seis meses;

d)      Quando seguir uma formação profissional. A menos que o interessado esteja em situação de desemprego involuntário, a manutenção do estatuto de trabalhador assalariado pressupõe uma relação entre a atividade profissional anterior e a formação em causa.

[...]»

9        Nos termos do artigo 14.°, n.os 1 a 3, desta diretiva:

«1.      Os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência a que se refere o artigo 6.°, desde que não se tornem uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento.

2.      Os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência a que se referem os artigos 7.°, 12.° e 13.° enquanto preencherem as condições neles estabelecidas.

Em casos específicos em que haja dúvidas razoáveis quanto a saber se um cidadão da União ou os membros da sua família preenchem as condições a que se referem os artigos 7.°, 12.° e 13.°, os Estados‑Membros podem verificar se tais condições são preenchidas. Esta verificação não é feita sistematicamente.

3.      O recurso ao regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento por parte de um cidadão da União ou dos membros da sua família não deve ter como consequência automática uma medida de afastamento.»

10      Segundo o artigo 15.°, n.° 1, da referida diretiva:

«Os procedimentos previstos nos artigos 30.° e 31.° aplicam‑se, por analogia, a todas as decisões de restrição da livre circulação dos cidadãos da União e membros das suas famílias, por razões que não sejam de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.»

11      O artigo 24.° da mesma diretiva, sob a epígrafe «Igualdade de tratamento», dispõe:

«1.      Sob reserva das disposições específicas previstas expressamente no Tratado e no direito secundário, todos os cidadãos da União que, nos termos da presente diretiva, residam no território do Estado‑Membro de acolhimento beneficiam de igualdade de tratamento em relação aos nacionais desse Estado‑Membro, no âmbito de aplicação do Tratado. O benefício desse direito é extensível aos membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro e tenham direito de residência ou direito de residência permanente.

2.      Em derrogação do n.° 1, o Estado‑Membro de acolhimento pode não conceder o direito a prestações de assistência social durante os primeiros três meses de residência ou, quando pertinente, o período mais prolongado previsto na alínea b) do n.° 4 do artigo 14.°, assim como, antes de adquirido o direito de residência permanente, pode não conceder ajuda de subsistência, incluindo a formação profissional, constituída por bolsas de estudo ou empréstimos estudantis, a pessoas que não sejam trabalhadores assalariados ou trabalhadores não assalariados, que não conservem este estatuto ou que não sejam membros das famílias dos mesmos.»

 Direito do Reino Unido

 Regulamentação relativa ao abono de família

12      O artigo 141.° do Social Security Contributions and Benefits Act 1992 (Lei de 1992 relativa às contribuições e às prestações de segurança social, a seguir «Lei de 1992»), prevê:

«Qualquer pessoa que, durante a semana, tenha a seu cargo um ou mais filhos ou um jovem com estatuto equiparado terá direito, ao abrigo do disposto neste título da presente lei, ao abono […] correspondente a essa semana, para o filho ou para cada um dos filhos a seu cargo, ou para os jovens com estatuto equiparado.»

13      O abono previsto no artigo 141.° da Lei de 1992 (a seguir «abono de família») é uma prestação destinada, nomeadamente, a compensar parte das despesas suportadas por quem tenha um ou mais filhos a cargo. Pode ser pago por cada filho, sendo o montante pago pelo primeiro filho superior ao pago pelos seguintes. Esse abono constitui uma prestação universal não contributiva, cujos custos são financiados, de maneira geral, pelos impostos. Contudo, os requerentes do abono de família com rendimentos mais elevados estão sujeitos à obrigação fiscal de devolver um montante equivalente, no máximo, à prestação recebida.

14      O artigo 146.° da Lei de 1992 dispõe:

«1)      O pagamento semanal do abono de família por filho a cargo ou jovem com estutato equiparado só será efetuado se este se encontrar na Grã‑Bretanha durante a semana em causa.

2)      Só tem direito ao pagamento semanal do abono de família quem se encontrar na Grã‑Bretanha durante a semana em causa.

3)      Serão determinadas as circunstâncias em que a pessoa deve ser tratada, para efeitos do n.° 1 ou do n.° 2, como se encontrando ou não na Grã‑Bretanha.»

15      A regra n.° 23 das Child Benefit (General) Regulations 2006 (SI 2006/223) [Regulamento (Geral) de 2006 em matéria de abono de família] prevê:

«1)      Deve considerar‑se que a pessoa não se encontra na Grã‑Bretanha, para efeitos do artigo 146.°, n.° 2, da [Lei de 1992], se esta não residir habitualmente no Reino Unido.

2)      O n.° 1 não é aplicável ao funcionário da Coroa destacado no estrangeiro nem ao respetivo cônjuge.

3)      Quem, devido ao seu afastamento, expulsão ou outra proibição legal do território de um país diferente da Grã‑Bretanha, se encontrar na Grã‑Bretanha deve ser considerado residente habitual no Reino Unido.

4)      Deve considerar‑se que a pessoa não se encontra na Grã‑Bretanha, para efeitos do artigo 146.°, n.° 2, da Lei de 1992, quando pedir o abono de família a partir de 1 de maio de 2004 e não tiver direito de residir no Reino Unido.»

16      Existem disposições equivalentes para os pedidos de abono de família apresentados na Irlanda do Norte. Trata‑se, por um lado, do artigo 142.° do Social Security Contributions and Benefits (Northern Ireland) Act 1992 [Lei (Irlanda do Norte) de 1992 relativa às contribuições e às prestações de segurança social], disposição que exige que o requerente se encontre «na Irlanda do Norte», na semana em causa, e, por outro, da regra n.° 27 do Regulamento (Geral) de 2006 em matéria de abono de família, que define condições semelhantes às previstas pela regra n.° 23 deste regulamento para os pedidos apresentados na Grã‑Bretanha.

 Regulamentação relativa ao crédito de imposto

17      O Tax Credits Act 2002 (Lei de 2002 sobre o crédito de imposto) prevê um regime de crédito de imposto por filho a cargo. Este regime foi introduzido, segundo os esclarecimentos prestados pelo Reino Unido na sua contestação, para reunir a ajuda dada às famílias no âmbito do regime fiscal e social numa prestação social única, sendo que o referido regime compreende várias formas já existentes de ajudas a favor dos filhos, em função dos recursos da família. O objetivo prosseguido pela introdução desta lei era combater a pobreza infantil. O crédito de imposto por filho a cargo é pago à pessoa ou pessoas responsáveis por um ou mais filhos (artigo 8.° da Lei de 2002 sobre o crédito de imposto). Depende dos recursos das pessoas em causa, sendo pago por escalões cujo montante diminui quando os rendimentos do agregado familiar ultrapassam determinado limiar, que depende do número de filhos que compõem a família. Este regime de crédito de imposto veio substituir prestações avulsas que, justificadas pela existência de filhos a cargo, eram pagas aos beneficiários de prestações cuja concessão e cujo montante dependiam dos recursos dos requerentes. O crédito de imposto por filho a cargo é uma prestação cujo custo é financiado de maneira geral pelos impostos.

18      O artigo 3.° da Lei de 2002 sobre o crédito de imposto, sob a epígrafe «Pedidos», prevê:

«[...]

3)      O pedido de crédito de imposto pode ser apresentado

a)      em conjunto pelos dois membros de um casal, quando ambos tenham no mínimo dezasseis anos de idade e se encontrem no Reino Unido, ou

b)      por uma pessoa que tenha no mínimo dezasseis anos de idade e se encontre no Reino Unido, mas que não tenha direito de apresentar um pedido ao abrigo da alínea a) (juntamente com outra pessoa).

[...]

7)      Para efeitos da presente parte, poder‑se‑ão determinar as circunstâncias em que a pessoa deve ser tratada como se encontrando ou não no Reino Unido.»

19      A regra 3 do Tax Credits (Residence) Regulations 2003 (SI 2003/654) [Regulamento de 2003 sobre os créditos de imposto (residência)] dispõe:

«1)      Para efeitos da parte 1 da Lei de 2002 sobre o crédito de imposto, deve considerar‑se que a pessoa não se encontra no Reino Unido se não residir habitualmente no Reino Unido.

[...]

4)      Para efeitos do crédito de imposto por pessoas no ativo, deve considerar‑se que a pessoa é residente habitual no Reino Unido se aí exercer os seus direitos como trabalhador em conformidade com o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, [de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO 1968, L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77)], alterado pela [Diretiva 2004/38], ou com o Regulamento (CEE) n.° 1251/70 da Comissão, [de 29 de junho de 1970, relativo ao direito de os trabalhadores permanecerem no território de um Estado‑Membro depois de nele terem exercido uma atividade laboral (JO 1970, L 142, p. 24; EE 05 F1 p. 93)], ou se tiver direito de residir no Reino Unido, em conformidade com a [Diretiva 2004/38].

5)      Para efeitos da parte 1 da Lei de 2002 sobre o crédito de imposto, deve considerar‑se que a pessoa não se encontra no Reino Unido:

a)      se apresentar o pedido de crédito de imposto por filho a cargo […] a partir de 1 de maio de 2004 e

b)      se não tiver direito de residir no Reino Unido.»

 Immigration Act 1971

20      De acordo com o artigo 2.° do Immigration Act 1971 (Lei de 1971 sobre a imigração):

«Declaração do direito de residência no Reino Unido

1)      Nos termos da presente lei, qualquer pessoa tem direito de residir no Reino Unido

a)      se for cidadão britânico; ou

b)      se for um cidadão da Commonwealth que,

i)      imediatamente antes da entrada em vigor do British Nationality Act 1981 [(Lei de 1981 sobre a nacionalidade britânica)], era cidadão da Commonwealth com direito de residir no Reino Unido por força do artigo 2.°, n.° 1, alínea d), ou do artigo 2.°, n.° 2, da presente lei, na versão então em vigor, e,

ii)      entretanto, não tiver deixado de ser cidadão da Commonwealth.

[…]»

 Procedimento pré‑contencioso

21      Em 2008, depois de ter recebido numerosas queixas de nacionais de outros Estados‑Membros residentes no Reino Unido, denunciando o facto de as autoridades britânicas competentes lhes terem recusado determinadas prestações sociais por não terem direito de residir nesse Estado‑Membro, a Comissão enviou a este Estado um pedido de esclarecimento.

22      Em duas cartas datadas de 1 de outubro de 2008 e 20 de janeiro de 2009, o Reino Unido confirmou que, segundo a legislação nacional, embora o direito de residência no Reino Unido seja conferido a todos os nacionais deste Estado‑Membro, considera‑se que, em determinadas circunstâncias, os nacionais de outros Estados‑Membros não beneficiam desse direito. Segundo o Reino Unido, esta restrição baseia‑se no conceito de «direito de residência», na aceção da Diretiva 2004/38, e nas limitações que desta decorrem para esse direito, designadamente no que diz respeito à exigência de uma pessoa economicamente inativa dispor de recursos financeiros suficientes para não se tornar uma sobrecarga desrazoável para o regime de assistência social do Estado‑Membro de acolhimento.

23      Em 4 de junho de 2010, a Comissão enviou ao Reino Unido uma notificação para cumprir, identificando as disposições da sua legislação que preveem que, para poder beneficiar de determinadas prestações, os requerentes devem, como condição prévia para poderem ser considerados como residindo habitualmente no Reino Unido, ter o direito de aí residir (a seguir «critério do direito de residência»).

24      Por carta de 30 de julho de 2010, o Reino Unido respondeu à notificação para cumprir, argumentando que o seu regime nacional não era discriminatório e que o critério do direito de residência se justificava enquanto medida proporcionada que visa garantir que as prestações sejam pagas a pessoas suficientemente integradas no Reino Unido.

25      Em 29 de setembro de 2011, a Comissão emitiu um parecer fundamentado, ao qual o Reino Unido respondeu por carta de 29 de novembro de 2011.

26      Não tendo ficado satisfeita com esta resposta, a Comissão intentou a presente ação.

 Quanto à ação

 Quanto ao âmbito da ação

27      Atendendo ao acórdão de 19 de setembro de 2013, Brey (C‑140/12, EU:C:2013:565), a Comissão decidiu limitar a sua ação ao abono de família e ao crédito de imposto por filho a cargo (a seguir «prestações sociais em causa»), excluindo as «prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo» que também tinham sido objeto do parecer fundamentado e que, segundo esse acórdão do Tribunal de Justiça, podem ser qualificadas de «assistência social», na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2004/38.

 Quanto ao mérito

 Argumentos das partes

28      A principal acusação deduzida pela Comissão contra o Reino Unido reside no facto de que, ao exigir ao requerente das prestações sociais em causa o preenchimento do critério do direito de residência, para poder ser tratado como residente habitual nesse Estado‑Membro, o Reino Unido acrescentou uma condição que não figura no Regulamento n.° 883/2004. Essa condição priva as pessoas que não a preenchem da cobertura prevista na legislação em matéria de segurança social num dos Estados‑Membros, cobertura que o referido regulamento visa assegurar.

29      Segundo a Comissão, nos termos do artigo 11.°, n.° 3, alínea e), do Regulamento n.° 883/2004, a pessoa economicamente inativa está, em princípio, sujeita à legislação do Estado‑Membro de residência. A este respeito, o artigo 1.°, alínea j), deste regulamento define «residência», para efeitos do referido regulamento, como o lugar em que a pessoa reside habitualmente, tendo o conceito de «residência habitual» um significado autónomo no direito da União.

30      No entender da Comissão, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, nomeadamente no n.° 29 do acórdão de 25 de fevereiro de 1999, Swaddling (C‑90/97, EU:C:1999:96), este conceito designa o lugar onde se encontra o centro habitual dos interesses da pessoa em causa. Para efeitos da determinação desse centro de interesses, importa ter em conta, em especial, a situação familiar do trabalhador, as razões que o levaram a deslocar‑se, a duração e a continuidade da sua residência, o facto de dispor, eventualmente, de um emprego estável e a intenção desse trabalhador, tal como resulta de todas as circunstâncias pertinentes.

31      Mais particularmente, esse lugar deve ser determinado em função das circunstâncias factuais e da situação das pessoas em causa, independentemente do seu estatuto jurídico no Estado‑Membro de acolhimento e do facto de gozarem ou não do direito de residir no respetivo território com base, por exemplo, na Diretiva 2004/38. Consequentemente, o Regulamento n.° 883/2004 confere um significado específico ao conceito de «residência», que é independente do sentido que lhe é atribuído noutros atos do direito da União ou no direito nacional e que não está sujeito a eventuais condições legais prévias.

32      A finalidade do artigo 11.° do Regulamento n.° 883/2004 não é harmonizar o direito material dos Estados‑Membros, mas sim formar um sistema de regras de conflito cujo efeito seja subtrair ao legislador nacional o poder de determinar o âmbito e os requisitos de aplicação da sua própria legislação nacional na matéria. Assim, o objetivo prosseguido por este sistema é, por um lado, garantir a aplicabilidade de um só regime de segurança social e, por outro, impedir que as pessoas visadas pelo Regulamento n.° 883/2004 sejam privadas de proteção em matéria de segurança social, por falta de legislação que lhes seja aplicável.

33      Subsidiariamente, a Comissão alega que, ao fazer depender o direito a determinadas prestações de segurança social de uma condição que se encontra automaticamente preenchida pelos seus próprios nacionais, como o critério do direito de residência, o Reino Unido criou uma situação de discriminação direta contra os nacionais de outros Estados‑Membros, violando assim o artigo 4.° do Regulamento n.° 883/2004.

34      Segundo a Comissão, o Reino Unido mudou de posição ao longo do procedimento pré‑contencioso, sustentando, num primeiro momento, que o critério do direito de residência era apenas um dos elementos a verificar para determinar se uma pessoa tem a sua residência habitual neste Estado‑Membro e, num segundo momento, que se tratava de uma condição distinta da residência habitual, discriminatória, mas justificada.

35      A este respeito, a Comissão, apoiando‑se nas conclusões apresentadas pelo advogado‑geral no processo que deu origem ao acórdão de 13 de abril de 2010, Bressol e o. (C‑73/08, EU:C:2010:181), considera que o critério do direito de residência constitui uma discriminação direta fundada na nacionalidade, por se tratar de uma condição aplicável apenas aos estrangeiros, uma vez que os cidadãos britânicos residentes no Reino Unido a preenchem automaticamente.

36      Por outro lado, mesmo que fosse de admitir que o critério do direito de residência cria apenas uma discriminação indireta, como afirma o Reino Unido, este não invocou, segundo a Comissão, nenhum argumento que permita considerar que a desigualdade de tratamento em questão é adequada e proporcionada ao objetivo pretendido pela legislação nacional em causa, que é garantir a existência de uma ligação efetiva entre o requerente da prestação e o Estado‑Membro de acolhimento.

37      Ademais, a Comissão contesta o argumento adiantado pelo Reino Unido segundo o qual as pessoas economicamente inativas não se deveriam tornar uma sobrecarga para o sistema de proteção social do Estado de acolhimento, a não ser que tenham um grau de ligação suficiente a esse Estado. A Comissão admite que um Estado‑Membro se queira certificar da existência da ligação que o requerente da prestação mantém com esse Estado, mas, no caso das prestações de segurança social, é o próprio legislador da União, através do Regulamento n.° 883/2004, que determinou os meios para verificar a existência dessa ligação — a saber, neste caso concreto, graças ao critério da residência habitual —, sem que os Estados‑Membros possam alterar o que nele se dispõe e acrescentar condições adicionais.

38      Na sua contestação, o Reino Unido impugna a acusação principal deduzida pela Comissão, invocando, nomeadamente, o acórdão de 19 de setembro de 2013, Brey (C‑140/12, EU:C:2013:565, n.° 44), no qual o Tribunal de Justiça, após ter recusado argumentos idênticos aos que a Comissão invoca no presente processo, declarou que «nada se opõe, em princípio, a que a atribuição de prestações sociais a cidadãos da União economicamente não ativos seja subordinada à exigência de que estes preencham condições para dispor de um direito de residência legal no Estado‑Membro de acolhimento».

39      O Reino Unido precisa que o Tribunal de Justiça também declarou que o artigo 70.°, n.° 4, do Regulamento n.° 883/2004, que prevê, tal como o artigo 11.°, uma «regra de conflito» que visa evitar a aplicação simultânea de várias legislações nacionais a uma mesma situação e impedir que as pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação do referido regulamento sejam privadas de proteção em matéria de segurança social, por falta de legislação que lhes seja aplicável, não tem por objetivo determinar as condições materiais da existência do direito às prestações sociais em causa, a saber, prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo, pelo que, em princípio, cabe à legislação de cada Estado‑Membro determinar essas condições. Segundo o Reino Unido, deve ser aplicado o mesmo raciocínio à regra de conflito prevista no artigo 11.° do Regulamento n.° 883/2004, que cumpre a mesma função que o artigo 70.°, n.° 4, do referido regulamento, que visa especificamente as prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo, para efeitos da determinação da legislação aplicável ao requerente.

40      Quanto à acusação subsidiária invocada pela Comissão, relativa à existência de uma discriminação direta e visada no n.° 33 do presente acórdão, o Reino Unido afirma que esta não figura no parecer fundamentado que a Comissão lhe enviou durante o procedimento pré‑contencioso e aparece pela primeira vez na petição, pelo que deve ser declarada inadmissível pelo Tribunal de Justiça.

41      Além disso, este Estado‑Membro alega que o Tribunal de Justiça já declarou várias vezes que é legítimo exigir aos nacionais da União Europeia economicamente inativos que comprovem ter um direito de residência para poderem beneficiar de prestações de segurança social e que o legislador da União, na Diretiva 2004/38, autoriza expressamente os Estados‑Membros de acolhimento a subordinar a sua intervenção a essa condição, para que estes cidadãos não se tornem uma sobrecarga desrazoável para o regime de segurança social desses Estados. O princípio da igualdade de tratamento consagrado no artigo 4.° do Regulamento n.° 883/2004 deve ser lido à luz desta exigência.

42      Por fim, o Reino Unido observa que a verificação do critério do direito de residência é apenas uma das três condições cumulativas que devem ser preenchidas para se poder comprovar que o requerente «se encontra» no Reino Unido, na aceção da legislação nacional. O preenchimento ou não das outras duas condições, ou seja, a presença no território e a residência habitual, é independente da nacionalidade do requerente, de modo que um nacional britânico não preenche automaticamente a condição de «se encontrar» no Reino Unido, que dá direito às prestações sociais em causa.

43      É verdade que o Reino Unido reconhece que estas condições são mais facilmente preenchidas pelos seus próprios nacionais do que pelos nacionais de outros Estados‑Membros e que se trata de uma medida indiretamente discriminatória. No entanto, baseando‑se nas considerações do Tribunal de Justiça constantes do n.° 44 do acórdão de 19 de setembro de 2013, Brey (C‑140/12, EU:C:2013:565), que se enquadram num contexto semelhante, este Estado‑Membro considera que a medida é objetivamente justificada pela necessidade de proteger as finanças públicas, dado que as prestações sociais em causa são financiadas não pelas contribuições dos beneficiários mas pelos impostos. Além do mais, nada indica que a medida seja desproporcionada ao objetivo que se pretende alcançar, nos termos expostos nos n.os 71 a 78 desse acórdão do Tribunal de Justiça.

44      Na sua réplica, a Comissão alega, quanto à acusação principal, que o acórdão de 19 de setembro de 2013, Brey (C‑140/12, EU:C:2013:565), só dizia respeito à aplicação da Diretiva 2004/38 às prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo, que apresentam características tanto de segurança social como de assistência social, ao passo que o presente processo incide sobre duas prestações familiares, na aceção do artigo 3.°, n.° 1, alínea j), do Regulamento n.° 883/2004, ou seja, autênticas prestações de segurança social, às quais não se aplica a Diretiva 2004/38. A este propósito, a Comissão sublinha a existência de um problema, no n.° 44 desse acórdão, de divergência de tradução nas versões em língua inglesa e alemã, visto que a primeira utiliza os termos «social security benefits» («prestações de segurança social»), enquanto a segunda, que é a versão que faz fé, utiliza o conceito mais amplo de «Sozialleistungen» («prestações sociais»).

45      Além disso, a Comissão sustenta que a legislação do Reino Unido, em vez de favorecer a livre circulação dos cidadãos da União, que constitui o objetivo subjacente prosseguido pela legislação da União em matéria de coordenação dos regimes de segurança social, lhe cria entraves, pois levanta um obstáculo a esta liberdade, sob a forma de uma discriminação fundada na nacionalidade. Consequentemente, poderá acontecer que uma pessoa não tenha direito às prestações sociais em causa, nem no seu Estado de origem, onde deixou de ter residência habitual, nem no Estado de acolhimento, se não gozar do direito de residência neste último.

46      Por último, quanto à acusação invocada a título subsidiário, a Comissão contesta a interpretação do Reino Unido da regra de conflito prevista no artigo 11.° do Regulamento n.° 883/2004, pois resulta do acórdão de 19 de setembro de 2013, Brey (C‑140/12, EU:C:2013:565), que o princípio que permite aos Estados‑Membros impor legitimamente restrições para evitar que os cidadãos da União que acolhem se tornem uma sobrecarga desrazoável para o respetivo regime de assistência social está limitado à assistência social e não se estende às prestações de segurança social.

47      Além disso, no que se refere a uma eventual justificação da condição associada ao critério do direito de residência, a Comissão sustenta que o Reino Unido não fornece elementos sobre a sua proporcionalidade face ao objetivo prosseguido pela legislação nacional. O teste do «direito de residência», isto é, a verificação do critério do direito de residência, é um mecanismo automático que impede sistemática e inelutavelmente os requerentes que não preenchem esse critério de receberem prestações, independentemente da sua situação pessoal e da medida em que pagaram impostos e contribuições de segurança social no Reino Unido. Assim, este mecanismo não permite a apreciação individual complexa que o Tribunal de Justiça impõe aos Estados‑Membros de acolhimento nos termos do acórdão de 19 de setembro de 2013, Brey (C‑140/12, EU:C:2013:565).

48      Na tréplica, o Reino Unido insiste no facto de que o seu direito interno é aplicável em virtude da regra de conflito prevista no Regulamento n.° 883/2004 e de que uma pessoa com residência habitual no seu território pode, apesar de tudo, não ter direito às prestações sociais em causa.

49      No que se refere a uma divergência entre as versões linguísticas do acórdão de 19 de setembro de 2013, Brey (C‑140/12, EU:C:2013:565), o Reino Unido considera que a expressão «social benefits» é mais ampla do que a de «social security benefits» e que se, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça utiliza a primeira expressão, em vez da segunda, nas versões em língua alemã e francesa, essa circunstância amplia o âmbito de aplicação do princípio enunciado no n.° 44 do referido acórdão, que abrange também as prestações de segurança social. Segundo este Estado‑Membro, não resulta de modo algum desse acórdão que as considerações expostas pelo Tribunal de Justiça se limitam exclusivamente às prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo, o que, de resto, foi confirmado no acórdão de 11 de novembro de 2014, Dano (C‑333/13, EU:C:2014:2358).

50      Além disso, segundo o Reino Unido, dificilmente se concebe que os Estados‑Membros não sejam obrigados a pagar prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo, que garantem um rendimento mínimo de subsistência, aos cidadãos da União sem direito de residência, mas, pelo contrário, sejam obrigados a pagar‑lhes prestações como as prestações sociais em causa, que vão além da garantia de um rendimento mínimo de subsistência, dado que estas últimas prestações, por serem financiadas através de impostos, podem representar igualmente uma sobrecarga desrazoável para as finanças públicas do Estado‑Membro de acolhimento, na aceção do acórdão de 19 de setembro de 2013, Brey (C‑140/12, EU:C:2013:565).

51      O Reino Unido acrescenta que as prestações sociais em causa têm, em todo o caso, características próprias da assistência social, apesar de não se tratar de uma condição necessária para que o princípio estabelecido no acórdão de 19 de setembro de 2013, Brey (C‑140/12, EU:C:2013:565), que rege as «prestações sociais» em geral, seja também aplicável às prestações sociais em causa. Segundo este Estado‑Membro, no acórdão de 11 de novembro de 2014, Dano (C‑333/13, EU:C:2014:2358), o Tribunal de Justiça confirmou que só os cidadãos da União economicamente inativos cuja residência preencha as condições do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2004/38 podem invocar o direito à igualdade de tratamento com os cidadãos nacionais, no que diz respeito ao acesso às prestações sociais.

52      Por último, este Estado‑Membro alega que a Comissão, ao sustentar, pela primeira vez na réplica, que o critério do direito de residência é «um mecanismo automático» que não permite uma apreciação das circunstâncias do caso concreto, como exige o Tribunal de Justiça no acórdão de 19 de setembro de 2013, Brey (C‑140/12, EU:C:2013:565), deduz uma nova acusação, que, como tal, deve ser declarada inadmissível nos termos do artigo 127.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

53      A este respeito, o Reino Unido alega também que a conceção do funcionamento do critério do direito de residência, apresentada pela Comissão nesta nova acusação, está errada. Na prática, o serviço administrativo que gere as prestações sociais em causa tem em consideração, entre outros dados, as informações prestadas pelo Department for Work and Pensions (Departamento do Trabalho e das Pensões), para determinar se a pessoa recorreu à assistência social. Essas informações permitem a este serviço determinar se o requerente tem direito de residência no Reino Unido e, por conseguinte, se tem direito às prestações sociais em causa. Quando não seja possível determinar se o requerente tem ou não esse direito de residência, procede‑se a uma avaliação individual da sua situação pessoal, incluindo no que diz respeito às cotizações sociais que pagou e ao facto de procurar ativamente trabalho e de ter uma verdadeira probabilidade de ser contratado.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

–       Quanto à qualificação das prestações em causa

54      Para efeitos da apreciação da procedência da presente ação por incumprimento, importa determinar, a título preliminar, se as prestações sociais em causa devem ser qualificadas de «prestações de assistência social» ou de «prestações de segurança social».

55      A este respeito, recorde‑se que esta ação por incumprimento tem por objeto o abono de família (child benefit) e o crédito de imposto por filho a cargo (child tax credit), ou seja, duas prestações pecuniárias cujo objetivo é contribuir para a cobertura dos encargos familiares e que são financiadas não pelas cotizações dos beneficiários mas pela contribuição fiscal obrigatória.

56      Nenhuma destas prestações foi incluída pelo Reino Unido no Anexo X do Regulamento n.° 883/2004, e é pacífico entre as partes que não se trata de prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo, na aceção do artigo 70.° do referido regulamento.

57      Quanto ao abono de família, decorre do artigo 141.° da Lei de 1992 que qualquer pessoa que tenha pelo menos um filho a cargo tem direito ao abono semanal por cada filho, em conformidade com o disposto nesta lei.

58      É pacífico que o abono de família constitui uma prestação social destinada, nomeadamente, a compensar parte das despesas de quem tenha um ou mais filhos a cargo. Em princípio, trata‑se de uma prestação universal concedida a qualquer pessoa que a requeira. Todavia, os requerentes com rendimentos elevados devem devolver, no âmbito das suas obrigações fiscais, uma quantia que equivale, no máximo, à prestação recebida.

59      Quanto ao crédito de imposto por filho a cargo, também é pacífico que se trata de uma prestação pecuniária paga a qualquer pessoa que tenha um ou mais filhos a cargo, cujo montante varia em função dos rendimentos do agregado familiar, do número de filhos a cargo e de outros fatores atinentes à situação individual da família em causa. Pese embora a sua designação, o crédito de imposto por filho a cargo corresponde a uma quantia que a Administração competente paga periodicamente aos beneficiários e que parece estar associada à sua qualidade de contribuintes. Esta prestação veio substituir uma série de prestações complementares que eram pagas aos requerentes de diversos subsídios de subsistência, as quais dependiam dos rendimentos e do facto de terem filhos a seu cargo, e cujo objetivo geral era combater a pobreza infantil.

60      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as prestações concedidas automaticamente às famílias que preenchem determinados critérios objetivos respeitantes, nomeadamente, à sua dimensão, aos seus rendimentos e aos recursos de capital, independentemente de qualquer apreciação individual e discricionária das necessidades pessoais, e que visam compensar os encargos familiares devem ser consideradas prestações de segurança social (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 16 de julho de 1992, Hughes, C‑78/91, EU:C:1992:331, n.° 22, e de 10 de outubro de 1996, Hoever e Zachow, C‑245/94 e C‑312/94, EU:C:1996:379, n.° 27).

61      A aplicação dos critérios referidos no número anterior do presente acórdão às prestações sociais em causa implica que estas devam ser qualificadas de «prestações de segurança social», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, alínea j), do Regulamento n.° 883/2004, lido em conjugação com o artigo 1.°, alínea z), deste regulamento.

–       Quanto à acusação principal

62      Com a sua acusação principal, invocada em apoio da presente ação, a Comissão critica o Reino Unido por subordinar a concessão das prestações sociais em causa à condição de o requerente preencher, além do critério ligado ao facto de que «reside habitualmente» no território do Estado‑Membro de acolhimento, previsto no artigo 11.°, n.° 3, alínea e), do Regulamento n.° 883/2004, lido em conjugação com o artigo 1.°, alínea j), deste mesmo regulamento, o critério do direito de residência. O exame deste último critério cria, assim, segundo a Comissão, uma condição adicional que não está prevista.

63      A este respeito, é de salientar que o artigo 11.°, n.° 3, alínea e), do Regulamento n.° 883/2004, em que a Comissão se apoia, enuncia uma «regra de conflito» que visa determinar a legislação nacional aplicável à atribuição das prestações de segurança social enumeradas no artigo 3.°, n.° 1, deste regulamento, entre as quais figuram as prestações familiares, a que podem ter direito as pessoas diferentes das visadas nas alíneas a) a d) do artigo 11.°, n.° 3, do referido regulamento, ou seja, nomeadamente, as pessoas economicamente inativas.

64      O artigo 11.°, n.° 3, alínea e), do Regulamento n.° 883/2004 tem por finalidade não só evitar a aplicação simultânea de várias legislações nacionais a uma determinada situação e as complicações que daí podem resultar como também impedir que as pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação deste regulamento sejam privadas de proteção em matéria de segurança social, por falta de legislação que lhes seja aplicável (v., nomeadamente, acórdão de 19 de setembro de 2013, Brey, C‑140/12, EU:C:2013:565, n.° 40 e jurisprudência referida).

65      Em contrapartida, a referida disposição, enquanto tal, não tem por objetivo determinar as condições materiais da existência do direito às prestações de segurança social. Cabe, em princípio, à legislação de cada Estado‑Membro determinar tais condições (v., neste sentido, acórdãos de 19 de setembro de 2013, Brey, C‑140/12, EU:C:2013:565, n.° 41 e jurisprudência referida, e de 11 de novembro de 2014, Dano, C‑333/13, EU:C:2014:2358, n.° 89).

66      Assim, não se pode inferir do artigo 11.°, n.° 3, alínea e), do Regulamento n.° 883/2004, lido em conjugação com o seu artigo 1.°, alínea j), que o direito da União se opõe a uma disposição nacional que exige que o requerente tenha um direito de residência legal no Estado‑Membro em causa para poder ter direito a prestações sociais como as prestações sociais em causa.

67      Com efeito, o Regulamento n.° 883/2004 não organiza um regime comum de segurança social, mas permite que subsistam regimes nacionais distintos e tem por único objetivo assegurar uma coordenação entre estes últimos para garantir o exercício efetivo da livre circulação de pessoas. Permite, assim, que subsistam regimes distintos que dão origem a créditos distintos relativamente a instituições diferentes perante as quais o beneficiário é titular de direitos diretos por força quer exclusivamente do direito interno quer do direito interno, completado, se necessário, pelo direito da União (acórdão de 19 de setembro de 2013, Brey, C‑140/12, EU:C:2013:565, n.° 43).

68      Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que nada se opõe, em princípio, a que a concessão de prestações sociais a cidadãos da União economicamente inativos esteja subordinada à exigência de estes preencherem as condições para ter um direito de residência legal no Estado‑Membro de acolhimento (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 19 de setembro de 2013, Brey, C‑140/12, EU:C:2013:565, n.° 44, e de 11 de novembro de 2014, Dano, C‑333/13, EU:C:2014:2358, n.° 83).

69      Assim, contrariamente ao que a Comissão alega, o critério do direito de residência não desvirtua a regra de conflito prevista no artigo 11.°, n.° 3, alínea e), do Regulamento n.° 883/2004, uma vez que este critério faz parte integrante das condições de concessão das prestações sociais em causa.

70      Contudo, há que salientar que o argumento invocado pela Comissão de que a pessoa que não preenche as condições exigidas para poder beneficiar das prestações sociais em causa se encontra numa situação em que nem o direito do Reino Unido nem nenhum outro direito lhe é aplicável também não colhe.

71      Com efeito, essa situação não difere daquela em que se encontra um requerente que, por qualquer outra razão, não preenche uma das condições exigidas para poder beneficiar de uma prestação familiar e que, por isso, não terá efetivamente direito a tal prestação em nenhum Estado‑Membro. Ora, esta circunstância não se deve ao facto de nenhum direito lhe ser aplicável, mas ao facto de esse requerente não preencher as condições materiais previstas pelo Estado‑Membro cuja legislação lhe é aplicável por força das regras de conflito.

72      A este respeito, há também que recordar que o Reino Unido, desde a sua resposta ao parecer fundamentado, contestou constantemente ter querido subordinar a verificação do caráter habitual da residência do requerente no seu território à condição, nomeadamente, de ele aí ter um direito de residência regular. Com efeito, como assinalou, em substância, o advogado‑geral no n.° 54 das suas conclusões, não decorre de nenhum elemento dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o Reino Unido tivesse querido ligar o critério do direito de residência ao controlo da residência habitual, na aceção do artigo 11.°, n.° 3, alínea e), do Regulamento n.° 883/2004. Tal como este Estado‑Membro alegou na audiência, a legalidade da residência do requerente no seu território constitui uma condição material exigida às pessoas economicamente inativas, para poderem beneficiar das prestações sociais em causa.

73      Atendendo às considerações expostas, visto que a Comissão não demonstrou que o critério do direito de residência introduzido pela legislação do Reino Unido afeta, em si, a disposição do artigo 11.°, n.° 3, alínea e), do Regulamento n.° 883/2004, lido em conjugação com o artigo 1.°, alínea j), deste mesmo regulamento, há que rejeitar a acusação deduzida a título principal por esta instituição.

–       Quanto à acusação subsidiária

74      A título subsidiário, se se vier a considerar que a verificação do critério do direito de residência não se incorpora, enquanto tal, na verificação da residência habitual do requerente das prestações sociais em causa e que o controlo deste primeiro critério é efetuado de forma autónoma, a Comissão sustenta que a introdução do critério do direito de residência na legislação nacional induz, inevitavelmente, uma discriminação direta ou, pelo menos, indireta, proibida pelo artigo 4.° Regulamento n.° 883/2004.

75      A este respeito, há que recordar que, como mencionado no n.° 68 do presente acórdão, nada se opõe, em princípio, a que a concessão de prestações sociais a cidadãos da União economicamente inativos esteja subordinada à condição material de estes satisfazerem as exigências necessárias para ter um direito de residência legal no Estado‑Membro de acolhimento.

76      Também não é menos verdade que um Estado‑Membro de acolhimento que, para efeitos da concessão de prestações sociais como as prestações sociais em causa, exige a regularidade da residência de um nacional de outro Estado‑Membro no seu território comete uma discriminação indireta.

77      Com efeito, decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que uma disposição nacional deve ser considerada indiretamente discriminatória quando, pela sua própria natureza, seja suscetível de afetar muito mais os cidadãos de outros Estados‑Membros do que os cidadãos nacionais e, por consequência, implique o risco de desfavorecer sobretudo os primeiros (v., neste sentido, acórdão de 13 de abril de 2010, Bressol e o., C‑73/08, EU:C:2010:181, n.° 41).

78      No âmbito da presente ação, a regulamentação nacional impõe aos requerentes das prestações em causa o direito de residência no Reino Unido. Assim, esta regulamentação cria uma desigualdade de tratamento entre os cidadãos britânicos e os cidadãos dos outros Estados‑Membros, uma vez que esta condição de residência é mais facilmente preenchida pelos cidadãos nacionais, que, a maior parte das vezes, têm a sua residência habitual no Reino Unido, do que pelos cidadãos de outros Estados‑Membros, que, pelo contrário, em regra, residem num Estado‑Membro diferente do Reino Unido (v., por analogia, acórdão de 13 de abril de 2010, Bressol e o., C‑73/08, EU:C:2010:181, n.° 45).

79      Para ser justificada, essa discriminação indireta deve ser apta a garantir a realização de um objetivo legítimo e não pode ir além do necessário para alcançar esse objetivo (v., nomeadamente, neste sentido, acórdão de 20 de junho de 2013, Giersch e o., C‑20/12, EU:C:2013:411, n.° 46).

80      A este respeito, é de notar que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a necessidade de proteger as finanças do Estado‑Membro de acolhimento justifica, em princípio, a possibilidade de controlar a regularidade da residência no momento da concessão de uma prestação social, nomeadamente, às pessoas provenientes de outros Estados‑Membros e economicamente inativas, pois essa concessão pode ter consequências no nível global da ajuda que pode ser atribuída por esse Estado (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 20 de setembro de 2001, Grzelczyk, C‑184/99, EU:C:2001:458, n.° 44; de 15 de março de 2005, Bidar, C‑209/03, EU:C:2005:169, n.° 56; de 19 de setembro de 2013, Brey, C‑140/12, EU:C:2013:565, n.° 61; e de 11 de novembro de 2014, Dano, C‑333/13, EU:C:2014:2358, n.° 63).

81      Quanto à proporcionalidade do critério do direito de residência, há que notar que, como salientou o advogado‑geral no n.° 92 das suas conclusões, a verificação, por parte das autoridades nacionais, no âmbito da atribuição das prestações sociais em causa, de que o requerente não se encontra ilegalmente no território deve ser apreciada como um caso de verificação da legalidade da residência dos cidadãos da União, em conformidade com o artigo 14.°, n.° 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/38, e deve, por conseguinte, preencher as respetivas exigências.

82      A este respeito, recorde‑se que, por força do artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, os cidadãos da União e os membros das suas famílias beneficiam do direito de residência previsto nos artigos 7.°, 12.° e 13.° desta diretiva, desde que preencham as condições enunciadas nestes artigos. Em certos casos específicos em que haja dúvidas sobre se um cidadão da União ou os membros da sua família preenchem as condições enunciadas nos referidos artigos, os Estados‑Membros podem verificar se é efetivamente o caso. Ora, o artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 prevê que esta verificação não é sistemática.

83      Resulta das observações do Reino Unido formuladas na audiência no Tribunal de Justiça que, para cada uma das prestações sociais em causa, o requerente deve indicar, no formulário de pedido, uma série de dados reveladores da existência ou não do direito de residência no Reino Unido, dados que serão posteriormente verificados pelas autoridades competentes, para efeitos da atribuição da prestação em causa. Só em casos específicos é que os requerentes devem fazer prova de que gozam efetivamente do direito de residência regular no território do Reino Unido, conforme declararam no formulário de pedido.

84      Resulta, assim, das informações de que dispõe o Tribunal de Justiça que, contrariamente ao que a Comissão alega, o controlo do respeito das condições fixadas na Diretiva 2004/38 para a existência do direito de residência não é efetuado sistematicamente e, por conseguinte, não é contrário às exigências do artigo 14.°, n.° 2, da referida diretiva. Só em caso de dúvida é que as autoridades britânicas deverão proceder às verificações necessárias para se determinar se o requerente preenche ou não as condições previstas na Diretiva 2004/38, nomeadamente as visadas no seu artigo 7.°, e, portanto, se goza do direito de residência regular no território deste Estado‑Membro, na aceção da diretiva em apreço.

85      Neste contexto, a Comissão, a quem incumbe demonstrar a existência do alegado incumprimento e apresentar ao Tribunal de Justiça as provas necessárias para este verificar a existência desse incumprimento (v., nomeadamente, acórdão de 23 de dezembro de 2015, Comissão/Grécia, C‑180/14, EU:C:2015:840, n.° 60 e jurisprudência referida), não forneceu elementos que demonstrem que esse controlo não satisfaz as exigências de proporcionalidade, que não é apto a garantir a realização do objetivo de proteção das finanças públicas e que excede o necessário para atingir esse objetivo.

86      Resulta do exposto que o facto de a legislação nacional em questão no âmbito da presente ação prever que, para efeitos da concessão das prestações sociais em causa, as autoridades competentes do Reino Unido exijam que os nacionais de outros Estados‑Membros que requerem o benefício de tais prestações residam regularmente no seu território não constitui uma discriminação proibida nos termos do artigo 4.° do Regulamento n.° 883/2004.

87      Consequentemente, a ação deve ser julgada improcedente no seu todo.

 Quanto às despesas

88      Por força do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Reino Unido pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      A ação é julgada improcedente.

2)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.