Language of document : ECLI:EU:T:2004:15

Ordonnance du Tribunal

DESPACHO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
21 de Janeiro de 2004 (1)

«Processo de medidas provisórias – Concorrência – Pagamento de coima – Garantia bancária – Fumus boni juris – Urgência – Ponderação dos interesses – Suspensão parcial e condicional»

No processo T‑217/03 R,

Fédération nationale de la coopération bétail et viande (FNCBV), com sede em Paris (França), representada por R. Collin e M. Ponsard, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

requerente,

apoiada por

República Francesa, representada por G. de Bergues e F. Million, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por P. Oliver e O. Beynet, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

requerida,

que tem por objecto um pedido destinado à dispensa da obrigação de constituir uma garantia bancária imposta para evitar a cobrança de uma coima de 480 000 euros aplicada pela Decisão 2003/600/CE da Comissão, de 2 de Abril de 2003, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo COMP/C.38.279/F3 – Carnes de bovino francesas) (JO L 209, p. 12),



O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS,



profere o presente



Despacho




Factos e tramitação processual

1
Através da Decisão 2003/600/CE, de 2 de Abril de 2003, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo COMP/C.38.279/F3 – Carnes de bovino francesas) (JO L 209, p. 12, a seguir «decisão»), a Comissão declarou que a requerente tinha infringido o artigo 81.°, n.° 1, CE ao participar, com a Fédération nationale de l’industrie et des commerces en gros des viandes (FNICGV), que representa como ela os proprietários de matadouros de bovinos, bem como quatro federações que representam os exploradores agrícolas, ou seja, a Fédération nationale des syndicats d’exploitants agricoles (FNSEA), a Fédération nationale bovine (FNB), a Fédération nationale des producteurs de lait (FNPL) e os Jeunes agriculteurs (JA), num acordo que tem por objecto suspender as importações em França de carne de bovino e fixar um preço mínimo para certas categorias de carne de bovino (artigo 1.° da decisão).

2
Resulta da decisão que, em 24 de Outubro de 2001, numa situação de crise devido à encefalopatia espongiforme bovina (BSE), dita «doença das vacas loucas», a requerente e a FNICGV, por um lado, e a FNSEA, a FNB, a FNPL e os JA, por outro, celebraram um acordo em que fixaram os preços mínimos e se comprometiam a suspender ou pelo menos a limitar as importações de carne de bovino em França. No fim de Novembro e princípio de Dezembro de 2001, essas mesmas federações celebraram um acordo verbal com objectivo semelhante.

3
Na decisão, a Comissão considera que a conclusão desses dois acordos (a seguir «acordos em questão») constitui uma violação grave do artigo 81.° CE. A Comissão aplica uma coima de 480 000 euros à requerente (artigo 3.° da decisão).

4
O artigo 4.° da decisão dispõe que essa coima deve ser paga no prazo de três meses a contar da data da notificação da decisão. Na notificação, de 9 de Abril de 2003, foi determinado que, se a requerente interpuser recurso para o Tribunal de Primeira Instância, a Comissão não procederia à cobrança, se o crédito vencesse juros a partir da data do termo do prazo de pagamento e se fosse constituída uma garantia bancária aceitável o mais tardar nessa data.

5
Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Junho de 2003, a requerente interpôs, nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, um recurso pedindo a anulação da decisão, e, subsidiariamente, a anulação ou a redução da coima que lhe foi aplicada.

6
Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 2 de Julho de 2003, a requerente apresentou um pedido de medidas provisórias destinado a obter a dispensa da obrigação de constituir a garantia bancária imposta como condição da não cobrança imediata do montante da coima aplicada pela decisão.

7
A Comissão apresentou observações escritas sobre o pedido de medidas provisórias em 17 de Julho de 2003.

8
Por requerimento apresentado na Secretaria em 7 de Outubro de 2003, a República Francesa apresentou um pedido de intervenção em apoio dos pedidos da requerente. Por despacho de 14 de Outubro de 2003, o presidente do Tribunal de Primeira Instância admitiu a intervenção da República Francesa e convidou‑a a apresentar as observações na audiência.

9
Na sequência das observações da Comissão, o presidente do Tribunal de Primeira Instância autorizou a requerente a apresentar determinados documentos adicionais, que deram entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 16 de Outubro de 2003.

10
A audiência perante o juiz das medidas provisórias ocorreu em 17 de Outubro de 2003.

11
Na audiência, as partes comprometeram‑se a analisar a possibilidade de um escalonamento concertado do pagamento da coima aplicada e a comunicar ao presidente do Tribunal de Primeira Instância o resultado das suas discussões. As partes comunicaram em 7 de Novembro de 2003 o resultado dessas discussões e apresentaram determinados documentos a isso referentes.


Questão de direito

12
Por força das disposições conjugadas dos artigos 242.° CE e 243.° CE, por um lado, e do artigo 225.°, n.° 1, CE, por outro, o Tribunal de Primeira Instância pode, se considerar que as circunstâncias o exigem, ordenar a suspensão da execução do acto impugnado ou ordenar as medidas provisórias necessárias.

13
O n.° 2 do artigo 104.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância prevê que o pedido de medidas provisórias deve especificar as razões da urgência, bem como os fundamentos de facto e de direito que, à primeira vista (fumus boni juris), justificam a medida provisória requerida. Estes requisitos são cumulativos, de modo que o pedido de suspensão da execução deve ser indeferido se um deles não estiver preenchido [despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 1996, SCK e FNK/Comissão, C‑268/96 P(R), Colect., p. I‑4971, n.° 30]. O juiz das medidas provisórias procede igualmente, sendo caso disso, à ponderação dos interesses em jogo (despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 2001, Áustria/Conselho, C‑445/00 R, Colect., p. I‑1461, n.° 73).

Argumentos das partes

Quanto ao fumus boni juris

14
Para demonstrar que a condição do fumus boni juris está preenchida, a requerente invoca dois fundamentos processuais e quatro fundamentos quanto ao mérito que deveriam conduzir à anulação da decisão.

15
Quanto aos fundamentos processuais, a requerente invoca a violação dos direitos de defesa e violação de formalidades essenciais devido à falta de fundamentação, por um lado, na comunicação das acusações e, por outro, na decisão, no que diz respeito à não ultrapassagem do limite de 10% do volume de negócios para determinar o montante da coima.

16
Quanto aos fundamentos relativos ao mérito da causa, a requerente alega, em primeiro lugar, que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação, não tendo demonstrado a existência de um acordo vertical entre as diferentes federações de criadores e proprietários de matadouros depois de 30 de Novembro de 2001. A Comissão fundamentou‑se simplesmente nas declarações das federações de criadores sem apresentar documentos provenientes das federações dos proprietários de matadouros confirmando o alegado acordo. A Comissão não analisou, além disso, a evolução dos preços no mercado depois de 30 de Novembro de 2001.

17
Em segundo lugar, a requerente sustenta que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que os acordos em questão tinham um efeito quantificável na concorrência. Com efeito, a própria Comissão reconheceu a inexistência desse efeito durante a vigência do acordo escrito de 24 de Outubro de 2001 e não demonstrou a existência de efeitos depois da cessação desse acordo. Além disso, a análise da Comissão segundo a qual o acordo de 24 de Outubro tinha um objectivo anticoncorrencial não tem em consideração o contexto de crise em que o acordo foi celebrado.

18
Em terceiro lugar, a Comissão cometeu um erro de apreciação ao concluir pela não aplicação, no caso em apreço, do artigo 2.° do Regulamento n.° 26 do Conselho, de 4 de Abril de 1962, relativo à aplicação de determinadas regras de concorrência à produção e ao comércio de produtos agrícolas (JO 1962, 30, p. 993; EE 08 F1 p. 29). Com efeito, contrariamente ao que alega a Comissão, o acordo não era contrário aos objectivos do artigo 33.° CE, dado que permitiu, nomeadamente, assegurar um nível de vida equitativo à população agrícola e estabilizar os mercados.

19
Em último lugar, a Comissão violou o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), na medida em que não forneceu elementos de informações sobre o volume de negócios tido em conta para determinar a coima aplicada e não verificou se o montante da coima imposta se situa dentro do limite de 10% do volume de negócios realizado pela requerente.

20
A título subsidiário, a requerente sustenta que a coima aplicada deve ser anulada ou reduzida. Antes de mais, invoca, a este respeito, que a Comissão violou o n.° 5, alínea b), das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3). Além disso, a Comissão violou o n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17, ao fixar a coima da requerente em 480 000 euros. Por fim, cometeu um erro manifesto de apreciação e de direito, em primeiro lugar, na qualificação do comportamento da requerente de infracção «muito grave», em segundo lugar, no momento da tomada em consideração de circunstâncias atenuantes, em terceiro lugar, na análise do carácter secreto do acordo e, em quarto lugar, na determinação da duração do acordo, tendo este terminado em 30 de Novembro de 2001 em vez de 11 de Janeiro de 2002.

21
A Comissão considera que nenhum dos fundamentos apresentados pela requerente satisfaz a condição relativa ao fumus boni juris.

22
Observa que o fundamento de inexistência de fundamentação na comunicação das acusações bem como os fundamentos de anulação ou redução da coima são apresentados de modo muito sumário e só podem ser entendidos à luz dos argumentos desenvolvidos na petição no processo principal. Dado que não satisfazem os critérios enunciados no despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Maio de 2002, Aden e o./Conselho e Comissão (T‑306/01, Colect., p. II‑2387, n.° 52), devem ser rejeitados por serem inadmissíveis.

23
Quanto aos outros fundamentos, não têm base legal.

Quanto à urgência

24
A requerente considera que, no caso em apreço, a condição da urgência está preenchida. Observa que a sua situação financeira é de tal ordem que lhe é impossível prestar uma garantia bancária do montante da coima, acrescida de juros.

25
Antes de mais, observa que, em conformidade com o artigo 2.° dos seus estatutos, tem por missão, nomeadamente, a defesa moral e profissional de sociedades agrícolas de interesse colectivo, cooperativas, grupos de criadores de gado e de produtores de carne e das filiais desses organismos, bem como a representação dos seus membros tanto junto das instituições públicas como das diversas organizações profissionais ou interprofissionais. Assim, não exerce, a título principal, qualquer actividade susceptível de gerar rendimentos e, em conformidade com o artigo 6.° dos seus estatutos, os seus recursos financeiros são constituídos por quotizações dos membros e subvenções concedidas, nomeadamente pelo Estado, pelos departamentos ou pelas comunas.

26
Em 2002, obteve lucros de exploração de 1,84 milhões de euros. Esse lucro provém principalmente das quotizações dos seus membros (716 987 euros), das várias subvenções recebidas (331 408 euros), da cobrança da taxa de aprendizagem (140 099 euros) e das convenções anuais de estudos (321 292 euros). Observa que as despesas de exploração de 2002 se cifraram em 1,84 milhões de euros, o que lhe permitiu obter, durante o exercício de 2002, um resultado de exploração de 3 306 euros e um resultado líquido de 921 euros.

27
Resulta também do balanço relativo ao exercício de 2002 que a requerente tem fundos próprios no montante de 162 980 euros. Para 2003, o orçamento provisório prevê um resultado negativo de exploração de 197 000 euros, o que consequentemente vai diminuir os seus capitais próprios.

28
A requerente apresentou também duas cartas de dois bancos franceses, de 11 e 13 de Junho de 2003, através das quais estes últimos comunicam a sua recusa de constituir uma garantia bancária. A carta de 13 de Junho de 2003 precisa que o montante solicitado excede largamente o montante de capitais próprios da requerente e que os resultados anuais dos três últimos exercícios não permitem prever a possibilidade do seu reforço a médio prazo.

29
A gravidade da situação financeira da requerente é também confirmada por duas cartas do seu contabilista, de 26 de Maio e 19 de Junho de 2003. Delas resulta que, devido à incerteza quanto à continuidade da exploração da requerente, o contabilista foi levado a desencadear a primeira fase de um «procedimento de alerta», em conformidade com o Código Comercial francês.

30
A sua impossibilidade de prestar a garantia bancária exigida ainda é mais evidente sendo ela uma federação organizada sob a forma de uma associação. Diferentemente de um grupo de sociedades, não existem vínculos de capital entre ela e os seus membros. A sua situação é diferente da que deu origem à jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância relativa à faculdade de uma sociedade do mesmo grupo colmatar a impossibilidade da sociedade incriminada de apresentar uma garantia bancária em vez e no lugar desta última.

31
Além disso, os seus estatutos não lhe permitem obrigar os seus membros, estes últimos não respondem pelos comportamentos dela.

32
A Comissão considera que a requerente não demonstrou, juridicamente, que a condição relativa à urgência estava preenchida no presente caso.

33
Antes de mais, observa que os documentos apresentados pela requerente para justificar as suas dificuldades financeiras têm pouco valor probatório. Com efeito, os documentos fiscais relativos às suas contas para o exercício de 2002 eram uma simples declaração fiscal e não uma conta certificada pelo contabilista. Quanto ao orçamento de 2003, foi apresentado através de uma simples folha de papel, sem nenhuma assinatura do seu autor nem nenhum visto do contabilista.

34
Partindo do princípio de que os dados por ela apresentados são exactos, a requerente não examinou de modo algum a possibilidade de os seus membros lhe prestarem o apoio necessário para a constituição da garantia bancária. Ora, resulta das estimativas apresentadas pela requerente à Comissão que o volume de negócios realizado pelas empresas membros pertencentes ao sector bovino foi de 1,475 milhões de euros. Assim, é evidente que, com a ajuda dos seus membros, a requerente está em condições de pagar a coima ou de constituir a necessária garantia bancária.

35
Quanto às ligações financeiras entre a requerente e os seus membros e ao argumento de que a requerente não tem nenhuma possibilidade de obrigar os seus membros, a Comissão faz referência ao artigo 16.° dos estatutos da requerente, que prevê que, em caso de liquidação, se houver um passivo líquido, este último será repartido entre os membros proporcionalmente às quotizações pagas ou por pagar nos últimos cinco anos. Assim, em caso de não pagamento da coima e de liquidação da requerente, a Comissão poderá dirigir‑se aos seus membros para obter o pagamento da coima. Por conseguinte, a requerente não pode legitimamente defender que os seus membros não são responsáveis pelas suas dívidas.

36
Além disso, é evidente que a requerente só existe no interesse dos seus membros e que celebrou os acordos em questão por conta e no interesse dos seus membros.

37
Se os membros da requerente decidirem não constituir a garantia bancária e se a cobrança judicial da coima levar, sendo caso disso, ao seu desaparecimento, esta consequência não decorre da obrigação imposta pela Comissão, mas da decisão desses membros. Nestas circunstâncias, não existe o nexo de causalidade directo e necessário entre esse desaparecimento e a acção da Comissão [despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Junho de 1996, SCK e FNK/Comissão, T‑18/96 R, Colect., p. II‑407, confirmado em recurso por despacho de 14 de Outubro de 1996, SCK e FNK/Comissão, já referido; despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Dezembro de 2000, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elecktrotechnish Gebied/Comissão, T‑5/00 R, p. II‑4121, confirmado em recurso por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 23 de Março de 2001, FEG/Comissão, C‑7/01 P(R), Colect., p. I‑2559].

Quanto à ponderação de interesses

38
Antes de mais, a Comissão alega que, segundo o orçamento para o exercício de 2003 apresentado pela requerente, o seu património está em vias de diminuir, de modo que o risco financeiro para a Comunidade torna‑se cada vez maior. Além disso, dado que a continuação da actividade da requerente depende da vontade dos seus membros, há o risco de estes últimos diminuírem as suas quotizações a fim de a Comissão não poder cobrar a coima. No caso de a requerente entrar em liquidação, a Comissão deve tentar cobrar a coima a cada membro proporcionalmente às suas quotizações, o que representa custos, demoras e riscos acrescidos.

39
De modo mais geral, a Comissão alega que, se as associações de empresas, devido aos seus reduzidos meios financeiros próprios, podem ser dispensadas da constituição de uma garantia bancária sem que os meios financeiros dos seus membros sejam tomados em conta, as empresas que preconizem comportamentos anticoncorrenciais têm sempre interesse em constituir uma associação para celebrar acordos contrários ao direito da concorrência.

40
Por fim, a necessidade de salvaguardar a eficácia das regras comunitárias da concorrência e o seu impacto dissuasor é ainda mais importante no caso em apreço, pois a requerente participou numa infracção muito grave às regras comunitárias da concorrência (despacho do presidente do Tribunal de 28 de Junho de 2000, Cho Yang Shipping/Comissão, T‑191/98 R II, Colect., p. II‑2551, n.° 54).

Apreciação do juiz das medidas provisórias

Quanto ao fumus boni juris

41
Há que reconhecer que pelo menos determinados fundamentos invocados pela requerente são, à primeira vista, pertinentes e, em qualquer caso, não totalmente desprovidos de fundamento. Isso resulta, por um lado, do fundamento de que a Comissão fixou uma coima que ultrapassa o limite de 10% do volume de negócios da requerente e, por outro lado, do fundamento de falta de fundamentação da decisão relativa ao referido limite.

42
Em relação ao primeiro destes dois fundamentos, há que referir que, nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, as coimas aplicadas pela Comissão às empresas e às associações de empresas, nos termos dos artigos 81.° CE e 82.° CE, não podem em nenhum caso ultrapassar 10% do volume de negócios realizado durante o exercício social precedente.

43
Tratando‑se de uma associação de empresas, o volume de negócios a tomar em consideração deve ser calculado, se for caso disso, em relação ao volume de negócios realizado pelo conjunto das suas empresas‑membros, pelo menos quando, por força das suas regras internas, pode obrigar os seus membros (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Fevereiro de 1994, CB e Europay/Comissão, T‑39/92 e T‑40/92, Colect., p. II‑49, n.° 136; de 21 de Fevereiro de 1995, SPO e o./Comissão, T‑29/92, Colect., p. II‑289, n.° 385; de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T‑213/95 e T‑18/96, Colect., p. II‑1739, n.° 252; de 14 de Maio de 1998, Finnboard/Comissão, T‑338/94, Colect., p. II‑1617, n.° 270, confirmado em recurso pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Finnboard/Comissão, C‑298/98 P, Colect., p. I‑10157, n.° 66).

44
Há que observar que, no caso em apreço, o montante da coima aplicada à requerente representa aproximadamente 25% do seu produto de exploração, que foi de 1,84 milhões de euros em 2002 (v. n.° 26, supra). Partindo do princípio de que o volume de negócios da requerente é constituído exclusivamente por este produto de exploração, o montante da coima aplicada ultrapassa assim consideravelmente o limite de 10% previsto no Regulamento n.° 17.

45
Na audiência, a Comissão observou que os estatutos da requerente, e nomeadamente os seus artigos 2.°, 4.°, 5.°, 12.° e 16.°, demonstravam que esta tinha o poder de obrigar os seus membros e que, por isso, a tomada em consideração do volume de negócios realizado pelo conjunto das empresas membros da requerente era justificada.

46
Em resposta, a requerente contestou que os seus estatutos lhe permitem obrigar os seus membros. Referiu também, na audiência, que foram celebrados vários acordos locais, o que demonstra a natureza não vinculativa do acordo de 24 de Outubro de 2001. Quanto ao artigo 16.° dos estatutos, a requerente sublinhou que essa disposição dizia respeito unicamente à situação de a dissolução ou a liquidação da associação serem decididas em assembleia geral e não se aplicava, assim, no caso de dissolução da associação no âmbito de um processo de liquidação judicial.

47
Há que declarar que, em conformidade com o artigo 2.° dos estatutos da requerente, esta tem por objecto, nomeadamente, assegurar a defesa moral e profissional dos seus membros (n.° 1), representar os seus membros junto das instituições públicas e das diversas organizações profissionais ou interprofissionais (n.° 2), promover o desenvolvimento de um sector cooperativo para a organização da produção, a preparação e a venda de gado, de carne, dos seus produtos e subprodutos, no âmbito da organização geral do mercado da carne (n.° 3), servir de árbitro em caso de contestação nas respectivas zonas de influência das suas organizações internas (n.° 4), facilitar através dos seus conselhos ou colocando à disposição dos membros peritos qualificados a organização e o funcionamento de sociedades e as uniões (n.° 5), e facilitar e ajudar a criação de federações ou uniões regionais ou departamentais (n.° 6).

48
Além disso, o artigo 4.° dos estatutos dispõe que «a adesão à [FNCBV] comporta o compromisso de estar de acordo com os presentes estatutos, bem como com qualquer regulamento interno que seja adoptado pelo conselho de administração».

49
Nos termos do artigo 5.° dos estatutos, «o conselho de administração pode ordenar a exclusão de qualquer cooperativa ou grupo que não esteja de acordo com os presentes estatutos ou cujas actividades possam prejudicar os interesses da [FNCBV]».

50
O artigo 12.° dos estatutos prevê:

«O conselho de administração representa a [FNCBV] perante terceiros [...]. Representa as organizações membros perante os poderes públicos e as organizações profissionais no que diz respeito às posições económicas e sociais que foram objecto de um acordo prévio dos membros. Os membros só serão obrigados na medida em que, previamente, não se opuserem.»

51
Por fim, nos termos do artigo 16.° dos estatutos:

«A dissolução, a liquidação e a fusão com outra associação só podem ser decididas em assembleia geral em que estejam presentes ou representados, pelo menos, dois terços dos membros [...] Se a liquidação demonstrar um activo líquido positivo, este será entregue obrigatoriamente a uma obra nacional de interesse cooperativo agrícola. Em caso de passivo, este último será repartido entre os membros associados proporcionalmente às quotizações pagas ou a pagar nos últimos cinco anos.»

52
Além disso, há que recordar que, nos acórdãos CB e Europay/Comissão, já referido, e de 14 de Maio de 1998, Finnboard/Comissão, já referido, foi precisado que as associações em causa podiam obrigar os seus membros em relação a terceiros, por exemplo, celebrando contratos de venda em nome dos seus membros, e que estes últimos eram, por força dos estatutos das referidas associações, conjunta e solidariamente responsáveis pelos compromissos assumidos pelas associações em relação a terceiros. Nestas condições, a Comissão tinha fundamento para ter em consideração o volume de negócios efectuado pelos membros das associações para efeitos do cálculo do limite de 10% (acórdãos CB e Europay/Comissão, já referido, n.° 138, e de 14 de Maio de 1998, Finnboard/Comissão, já referido, n.os 275 e 280, confirmado em recurso pelo acórdão de 16 de Novembro de 2000, Finnboard/Comissão, já referido, n.° 66).

53
No acórdão SCK e FNK/Comissão, já referido, o Tribunal de Primeira Instância precisou que a associação em causa podia, por força dos seus estatutos, adoptar decisões vinculando os seus membros e erradicar os membros que não respeitassem essas decisões. Na sua análise, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a Comissão tinha fundamento para ter em consideração o volume de negócios dos membros, sublinhando que os estatutos da associação permitiam expressamente a esta última obrigar os seus membros (acórdão SCK e FNK/Comissão, já referido, n.° 253).

54
Há que observar também que, no despacho Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, já referido (n.° 56), o juiz do processo das medidas provisórias considerou, no âmbito da sua apreciação da urgência, que os estatutos da associação em causa continham disposições que permitem a esta última obrigar os seus membros. Antes de mais, declarou, a este respeito, que os membros eram, nos termos dos estatutos da associação, obrigados a cumprir escrupulosamente as disposições dos estatutos, do regulamento interno e das decisões do conselho de administração e da assembleia e, em seguida, que um membro pode ser expulso da associação se deixar de cumprir as condições fixadas nos estatutos ou no regulamento interno e, por último, que podia igualmente ser aplicada a um membro uma repreensão, uma suspensão ou uma coima que pode atingir 10 000 NLG se o conselho de administração considerasse que agiu em violação dos estatutos, do regulamento interno ou das decisões validamente adoptadas pela associação.

55
No presente caso, resulta do artigo 4.° dos estatutos da requerente que o seu conselho de administração pode adoptar um regulamento interno que os membros devem cumprir. Segundo o acórdão do SCK e FNK/Comissão, já referido, não pode ser excluído que essa possibilidade é suficiente para considerar que a requerente pode obrigar os seus membros e que a tomada em consideração do volume de negócios realizado por estes últimos é justificada.

56
Todavia, diferentemente do processo que deu origem a esse acórdão, o artigo 12.° dos estatutos da requerente dispõe que «os membros só serão obrigados na medida em que, previamente, não se opuseram». Parece possível deduzir daqui que os estatutos da requerente não lhe permitem obrigar os seus sócios contra a sua vontade.

57
Há também que precisar que os estatutos da requerente prevêem que o conselho de administração pode expulsar os membros unicamente quando estes últimos agem contrariamente aos estatutos ou quando as suas actividades «possam prejudicar os interesses da [FNCBV]» (artigo 5.°). Ora, no processo que deu origem ao acórdão SCK e FNK/Comissão, já referido, os estatutos permitiam à associação expulsar os membros que não cumprissem as «decisões» do conselho de administração.

58
Verifica‑se que, no caso em apreço, a requerente e a Comissão não apresentaram nenhum exemplo nem qualquer explicação que permita ao juiz do processo das medidas provisórias determinar com precisão o alcance das diferentes disposições dos estatutos da requerente. Nestas circunstâncias, e sem proceder às medidas de instrução que ultrapassem o âmbito de um processo de medidas provisórias, não é possível determinar com exactidão se a requerente pode obrigar os seus membros na acepção da jurisprudência aplicável e se, em especial, foi esse o caso no âmbito da celebração dos acordos em causa.

59
Em qualquer caso, resulta das considerações precedentes que o presente fundamento não é desprovido de fundamentação. Além disso, o juiz do processo das medidas provisórias considera que a determinação das condições que permitem ter em consideração os volumes de negócios realizados pelos membros de uma associação para efeitos da aplicação do limite de 10% previsto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 merece um exame aprofundado e uma apreciação apenas por parte do juiz de mérito.

60
Relativamente ao segundo fundamento, baseado na falta de fundamentação relativa ao limite das coimas, deve recordar‑se que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deve fazer aparecer de modo claro e inequívoco o raciocínio da instituição, autora do acto, de modo a permitir aos interessados conhecer as justificações da medida tomada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 63). O alcance da obrigação de fundamentação imposta pelo artigo 253.° CE depende da natureza do acto em causa e do contexto no qual ele foi adoptado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1990, Delacre e o./Comissão, C‑350/88, Colect., p. I‑395, n.os 15 e 16, e acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido, n.° 63).

61
No que diz respeito a uma decisão que aplica, como no caso em apreço, coimas a várias empresas por uma infracção às regras comunitárias da concorrência, o alcance do dever de fundamentação deve ser nomeadamente apreciado à luz do facto de a gravidade das infracções dever ser determinada em função de um grande número de elementos, como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tivesse sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1996 SPO e o./Comissão, C‑137/95 P, Colect., p. I‑1611, n.° 54).

62
Há que observar que os considerandos 162 a 168 da decisão são consagrados à aplicação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

63
No considerando 170 da decisão, a Comissão considera que o montante das quotizações anuais cobradas por cada uma das empresas destinatárias da decisão pode ser um critério objectivo da importância relativa das diferentes federações agrícolas e do seu grau de responsabilidade na participação da infracção verificada. A Comissão, tendo em conta este elemento, fixou o montante de base da coima da FNSEA em 20 milhões de euros e o da FNCBV em 1/10 desse montante.

64
Em contrapartida, nenhum considerando da decisão é consagrado à análise da eventual ultrapassagem do limite de 10% nem, a fortiori, à apreciação da possibilidade de tomar em conta o volume de negócios dos membros da requerente.

65
Assim, a decisão não permite, à primeira vista, aos interessados e ao juiz comunitário conhecer as razões pelas quais a Comissão considerou adequado ter em conta o volume de negócios.

66
A este respeito, recorda‑se que o alcance do dever de fundamentação depende da natureza do acto em causa e do contexto em que foi adoptado (v. n.° 60, supra), a Comissão deve desenvolver o seu raciocínio de forma explícita no momento em que, no âmbito do seu poder decisório, toma uma decisão que vai sensivelmente mais longe do que as decisões precedentes (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1975, Fabricantes de papel de parede/Comissão, 73/74, Colect., p. 505, n.° 31, e acórdão SCK e FNK/Comissão, já referido, n.° 226). Por maioria de razão deve fazê‑lo quando, como parece ser o caso no presente processo (v. n.os 55 a 57, supra), vai além da jurisprudência.

67
Nessas circunstâncias e contrariamente ao que defende a Comissão, não pode ser excluído, à primeira vista, que, no caso em apreço, a Comissão deveria expor os elementos que teve em consideração para determinar o volume de negócios a considerar para apreciar se a coima aplicada não ultrapassava o limite de 10%.

68
As considerações precedentes são suficientes para concluir que, pelo menos, uma parte dos fundamentos apresentados pela requerente não é totalmente desprovida de fundamento e merece uma análise aprofundada pelo juiz que decide o mérito da causa. Nestas circunstâncias, há que reconhecer no presente caso a existência de fumus boni juris.

Quanto à urgência

69
Segundo jurisprudência constante, um pedido de suspensão da execução da obrigação de constituir uma garantia bancária imposta como condição da não cobrança imediata do montante de uma coima só pode ser deferido quando existirem circunstâncias excepcionais (despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 6 de Maio de 1982, AEG/Comissão, 107/82 R, Recueil, p. 1549, n.° 6, e FEG/Comissão, já referido, n.° 44). Com efeito, a possibilidade de exigir a constituição de uma garantia financeira está expressamente prevista nos processos de medidas provisórias pelos Regulamentos de Processo do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância e corresponde a uma linha de conduta geral e razoável da Comissão (despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Agosto de 2003, IRO/Comissão, T‑79/03 R, ainda não publicado na Colectânea, n.° 25).

70
Pode considerar‑se; em princípio, demonstrada a existência de tais circunstâncias excepcionais quando a parte que pede para ser dispensada de constituir a garantia bancária exigida prova que lhe é objectivamente impossível constituir essa garantia (despacho IRO/Comissão, já referido, n.° 26).

71
Quanto ao património da requerente, esta alega que, tendo em conta a sua situação financeira, a constituição da totalidade da garantia bancária, com os respectivos encargos, levaria ao seu desaparecimento. Em apoio desta afirmação, refere‑se à situação do seu património em 31 de Dezembro de 2002 (v. n.os 26 e 27, supra). Além disso, apresentou duas cartas de dois bancos franceses que recusam prestar‑lhe a garantia bancária exigida, tendo em conta, em especial, a insuficiência do seu património.

72
A Comissão limitou‑se a alegar que os documentos contabilísticos apresentados pela requerente não tinham valor probatório dado que não foram devidamente assinados e certificados.

73
Antes de mais, convém observar que, vistas as observações escritas da Comissão, o Tribunal de Primeira Instância autorizou a requerente a apresentar o seu relatório geral do contabilista relativo às contas do exercício de 2002, bem como o seu projecto de orçamento de 2003, assinado pelo representante legal da requerente. Estes documentos foram entregues na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 16 de Outubro de 2003 e confirmam os dados expostos nos n.os 26 e 27, supra.

74
Na audiência, a requerente respondeu a uma série de questões relativas ao seu património e explicou diversas rubricas do seu balanço. Na sequência da audiência, a requerente comprometeu‑se a examinar a possibilidade de escalonamento concertado do pagamento da coima e fez uma proposta a este respeito à Comissão.

75
Em 7 de Novembro de 2003, a requerente e a Comissão comunicaram o resultado das suas discussões. Daí resulta que a requerente propôs a constituição imediata de uma garantia bancária de 60 000 euros e o pagamento até 31 de Dezembro de 2003 de 140 000 euros. Esta proposta foi rejeitada pela Comissão.

76
À luz das explicações prestadas pela requerente, bem como do conteúdo da sua proposta, o juiz das medidas provisórias considera suficientemente fundamentadas as suas afirmações, segundo as quais o seu património não lhe permite desbloquear fundos suplementares em relação aos propostos no âmbito do presente processo.

77
Todavia, há que lembrar que, segundo jurisprudência assente, o prejuízo de uma associação de empresas deve ser apreciado tendo em consideração a situação financeira dos seus membros, quando os interesses objectivos da associação não têm um carácter autónomo em relação aos das empresas que a ela aderem [despachos de 14 de Outubro de 1996, SCK e FNK/Comissão, já referido, n.os 35 a 38, e de 14 de Dezembro de 1999, HFB e o./Comissão, C‑335/99 P(R), Colect., p. I‑8705, n.° 63].

78
Assim, há que examinar se, no presente caso, a situação financeira da requerente deve ser apreciada tendo em consideração a dos seus membros.

79
Na audiência, a requerente referiu que, visto que, por força dos seus estatutos, não pode obrigar os seus membros, é impossível considerar se os seus interesses se confundem com os dos seus membros.

80
Ora, sendo certo que, no presente caso, existem dúvidas quanto à possibilidade de a requerente obrigar os seus membros na acepção da jurisprudência aplicável (v. n.os 55 a 58, supra), essa circunstância não conduz automaticamente à conclusão de que as acções da requerente no âmbito da crise bovina em 2001 não correspondiam aos interesses objectivos dos seus membros. Com efeito, resulta da jurisprudência já referida (v., em especial, despacho de 14 de Outubro de 1996, SCK e FNK/Comissão, já referido, n.° 37) que, a fim de avaliar o grau de autonomia que apresentam os interesses objectivos de uma associação em relação aos dos seus membros, a existência de regras internas que permitem à associação obrigar os seus membros pode ser tomada em consideração. No entanto, a existência de confusão dos interesses objectivos da associação e dos seus membros pode resultar de outras circunstâncias independentemente da existência ou da falta de tais regras.

81
No seu pedido de medidas provisórias, a requerente não apresentou nenhum argumento de modo a demonstrar que as suas acções não correspondiam aos interesses objectivos dos seus membros e, em especial, dos membros activos na produção bovina.

82
Em resposta a uma questão colocada pelo juiz das medidas provisórias na audiência sobre este assunto, a requerente alegou que os organismos activos no sector do abate de gado, que só representam 30 dos cerca de 330 sócios, não tinham qualquer interesse na conclusão dos acordos em questão.

83
Ora, este argumento não está fundamentado em nenhuma explicação que permita ao juiz do processo das medidas provisórias apreciar a sua pertinência e parece, por outro lado, à primeira vista, infundado. O juiz das medidas provisórias verifica, a este respeito, que a requerente não contesta ter celebrado o acordo em 24 de Outubro de 2001 como representante dos seus membros activos no sector do abate de gado. A requerente também não contesta ter tido o apoio necessário dos seus membros para celebrar esse acordo. Por outro lado, parece inconcebível que uma federação nacional que tem, nos termos dos seus estatutos, por objecto a defesa moral e profissional dos seus sócios (v. n.° 47, supra) pretenda agir contra os interesses destes últimos.

84
Estas circunstâncias são suficientes para concluir que os interesses objectivos da requerente não têm carácter autónomo em relação aos dos seus membros. Em seguida, segundo a jurisprudência referida no n.° 77 supra, é preciso apreciar o risco de prejuízo grave e irreparável que resultaria da constituição da garantia bancária ao considerar a dimensão e o poder económico das empresas membros da federação requerente.

85
Há que salientar, a este respeito, que a requerente não alegou nem, a fortiori, demonstrou que o conjunto dos seus sócios não tinham a capacidade financeira de fornecer o suporte financeiro necessário para o pagamento da coima ou a constituição da garantia bancária, tendo em conta as propostas feitas no âmbito do presente processo.

86
Em resposta a uma questão colocada pelo juiz das medidas provisórias, a requerente reconheceu que é possível, por força dos seus estatutos, aumentar as quotizações dos seus membros, a título excepcional, tendo em vista o pagamento da coima ou a constituição da garantia bancária. Todavia, para isso, é necessário antes de mais, por força do artigo 6.° dos seus estatutos, que o conselho de administração seja convocado e que vote esse aumento, o que leva um certo tempo. Além disso, é pouco provável que os seus membros estejam dispostos a pagar montantes que ultrapassam os das suas quotizações anuais.

87
Quanto ao risco de uma eventual recusa pelos membros de prestar a assistência necessária à sobrevivência da requerente, há que observar que a vontade unilateral dos membros de uma associação é irrelevante quanto à apreciação da sua situação financeira e que, por conseguinte, a possibilidade de uma recusa unilateral da sua parte não pode afectar essa apreciação (v., neste sentido, despacho FEG/Comissão, já referido, n.° 46). Por outro lado, nenhum elemento dos autos permite pensar que é inconcebível que o conselho de administração vote uma alteração parcial das quotizações dos membros mais interessados nos acordos em questão, isto é, as empresas activas no sector bovino.

88
Quanto às modalidades relativas a um aumento das quotizações dos membros, a requerente não apresentou qualquer explicação relativa aos prazos necessários para permitir que o conselho de administração se reúna, vote o aumento das quotizações dos sócios e o aplique.

89
Ora, resulta do artigo 6.° dos estatutos da requerente que «o montante e as formas de pagamento das quotizações são fixados anualmente pelo conselho de administração». Nos termos do artigo 11.°, «[o conselho de administração federal reúne‑se pelo menos três vezes por ano, mediante convocatória do seu presidente, ou na sua ausência de um vice‑presidente» e, «além disso, reúne‑se a pedido escrito de um terço dos administradores». Assim, os estatutos não parecem impor prazos relativos à convocatória do conselho de administração.

90
Tendo em conta estas disposições e não havendo explicações precisas das partes a este respeito, o juiz das medidas provisórias considera que um prazo de dois meses deverá ser suficiente para permitir que o conselho de administração da requerente se reúna, vote o aumento das quotizações dos sócios e o aplique.

91
Resulta do exposto anteriormente que a requerente provou juridicamente a existência de circunstâncias excepcionais, na medida em que corre o risco de suportar um prejuízo grave e irreparável se não for suspensa a obrigação de constituir a garantia bancária exigida durante o período de dois meses a contar da data de notificação do presente despacho.

Quanto à ponderação de interesses

92
Há que ponderar o interesse da requerente em evitar, por não poder constituir uma garantia bancária, que se proceda à cobrança imediata da coima com o interesse financeiro da Comunidade em poder cobrar o montante; bem como, mais geralmente, com o interesse público associado à preservação da efectividada das regras comunitárias da concorrência e o âmbito dissuasivo das coimas decretadas pela Comissão (v., neste sentido, despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 13 de Junho de 1989, Publishers Association/Comissão, 56/89 R, Colect., p. 1693, n.° 35; despachos do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Junho de 1992, Langnese‑Iglo e Schöller Lebensmittel/Comissão, T‑24/92 R e T‑28/92 R, Colect., p. II‑1839, n.° 28; de 15 de Junho de 1994, Société commerciale des potasses et de l’azote et Entreprise minière et chimique/Comissão, T‑88/94 R, Colect., p. II‑401, n.° 32, e Cho Yang Shipping/Comissão, já referido, n.° 53).

93
Quanto aos interesses financeiros da Comunidade, há que observar, antes de mais, que, conforme foi acima referido, o património da requerente não lhe permite pagar a totalidade da coima nem constituir a totalidade da garantia bancária exigida. Além disso, tendo em conta as explicações da requerente relativas ao artigo 16.° dos seus estatutos (v. n.° 46, supra), existem dúvidas quanto à possibilidade de a Comissão cobrar o montante aos membros da requerente no caso de liquidação desta última. Em qualquer caso, conforme a própria Comissão reconheceu nas suas observações escritas, esse processo de cobrança representava custos, demoras e riscos acrescidos. Nessas circunstâncias, verifica‑se que os interesses financeiros da Comissão são melhor protegidos concedendo à requerente o tempo necessário para solicitar o apoio financeiro voluntário dos seus membros.

94
Em seguida, os interesses financeiros da Comissão são também protegidos através do compromisso da requerente de constituir uma garantia bancária e de pagar um montante que cubra uma parte significativa da coima.

95
Quanto ao interesse público que se prende com a preservação da eficácia das regras comunitárias da concorrência e com o alcance dissuasivo das coimas aplicadas pela Comissão, há que declarar que a Comissão não demonstrou como é que a concessão de uma suspensão parcial e limitada no tempo compromete, no presente caso, esse interesse.

96
Vistas estas considerações, verifica‑se adequado conceder à requerente uma suspensão de dois meses a contar da data da notificação do presente despacho para constituir a garantia bancária exigida na condição de, no prazo de quatro semanas a contar da mesma data, pagar 140 000 euros à Comissão e constituir, a favor desta, uma garantia no montante de 60 000 euros ou, em alternativa, constituir a favor da Comissão uma garantia bancária no montante de 200 000 euros. É especificado que, no termo do período de suspensão, a requerente deverá, por conseguinte, ou pagar o saldo restante devido da coima, acrescido de juros, ou constituir uma garantia bancária cobrindo esse montante.

97
Há que observar, de resto, que é conferida ao juiz das medidas provisórias pelo artigo 108.° do Regulamento de Processo a faculdade de modificar ou de revogar a qualquer momento o despacho de medidas provisórias na sequência de uma modificação das circunstâncias [despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Abril de 2002, Technische Glaswerke Ilmenau/Comissão, T‑198/01 R, Colect., p. II‑2153, n.° 123, confirmado em recurso por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 2002, Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau, C‑232/02 P(R), Colect., p. I‑8977]. Resulta desta jurisprudência que, por «modificação das circunstâncias», o juiz das medidas provisórias entende, em particular, circunstâncias de natureza factual susceptíveis de modificar a apreciação no caso concreto do critério da urgência. Além disso, segundo o Tribunal de Justiça, essa possibilidade traduz o carácter fundamentalmente precário em direito comunitário das medidas adoptadas pelo juiz das medidas provisórias [despacho do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 2002, Comissão/Artegodan, C‑440/01 P(R), Colect., p. I‑1489].

98
Assim, cabe à Comissão, se for caso disso, dirigir‑se ao Tribunal de Primeira Instância no caso de considerar que houve uma modificação das circunstâncias susceptível de alterar a presente decisão.


Pelos fundamentos expostos,

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA



decide:

1)
É suspensa a obrigação de a requerente constituir uma garantia bancária a favor da Comissão para evitar a cobrança imediata da coima que lhe foi aplicada pelo artigo 3.° da Decisão 2003/600/CE da Comissão, de 2 de Abril de 2003, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo COMP/C.38.279/F3 – Carnes de bovino francesas) durante um período de dois meses a contar da data da notificação do presente despacho, na condição de, num prazo de quatro semanas a contar da mesma data, a requerente pagar 140 000 euros à Comissão e constituir a favor desta uma garantia bancária no montante de 60 000 euros ou, em alternativa, constituir a favor da Comissão uma garantia bancária no montante de 200 000 euros.

2)
Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Proferido no Luxemburgo, em 21 de Janeiro de 2004.

O secretário

O presidente

H. Jung

B. Vesterdorf


1
Língua do processo: francês.