Language of document : ECLI:EU:C:2022:55

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

27 de janeiro de 2022 (*)

«Incumprimento de Estado — Artigo 258.o TFUE — Liberdade de circulação de capitais — Obrigação de informação relativamente aos bens ou aos direitos detidos noutros Estados‑Membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu (EEE) — Incumprimento desta obrigação — Prescrição — Sanções»

No processo C‑788/19,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, que deu entrada em 23 de outubro de 2019,

Comissão Europeia, representada, inicialmente, por C. Perrin, N. Gossement e M. Jáuregui Gómez, na qualidade de agentes, depois, por C. Perrin e N. Gossement, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

Reino de Espanha, representado por L. Aguilera Ruiz e S. Jiménez García, na qualidade de agentes,

demandado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: L. Bay Larsen, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo as funções de presidente da Primeira Secção, J.‑C. Bonichot (relator) e M. Safjan, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de julho de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que:

—        ao prever que o incumprimento da obrigação de informação relativamente aos bens e aos direitos situados no estrangeiro ou a apresentação extemporânea do «modelo 720» determinam a qualificação dos referidos ativos de «ganhos patrimoniais não justificados», sem possibilidade de invocar a prescrição;

—        ao aplicar automaticamente uma coima proporcional de 150 % no caso de incumprimento da obrigação de informação relativamente aos bens e aos direitos situados no estrangeiro ou por apresentação extemporânea do «modelo 720»; e

—        ao aplicar, por incumprimento da obrigação de informação relativamente aos bens e aos direitos no estrangeiro ou de apresentação extemporânea do «modelo 720», coimas fixas mais graves do que as sanções previstas pelo regime geral para infrações semelhantes;

o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 21.o, 45.o, 49.o, 56.o e 63.o TFUE e dos artigos 28.o, 31.o, 36.o e 40.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3; a seguir «Acordo EEE»).

 Quadro jurídico

2        Nos termos da décima oitava disposição adicional à Ley 58/2003, General Tributaria (Lei n.o 58/2003, Relativa à Lei Fiscal Geral), de 17 de dezembro de 2003, conforme alterada pela Lei n.o 7/2012 (a seguir «Lei Fiscal Geral»):

«1.      Em conformidade com os artigos 29.o e 93.o da presente lei, os sujeitos passivos devem fornecer às autoridades fiscais, nas condições fixadas por via regulamentar, as seguintes informações:

a)      Informações relativas às contas situadas no estrangeiro, abertas em instituições que exercem atividades bancárias ou de crédito, e das quais os interessados sejam titulares ou beneficiários, ou para as quais possuam, seja sob que forma for, uma autorização ou um direito de disposição.

b)      Informações relativas a todos os títulos, ativos, valores ou direitos representativos do capital social, de fundos próprios ou do património de qualquer tipo de entidade, ou relativas à cessão de fundos próprios a terceiros, de que os interessados sejam titulares e estejam depositados ou situados no estrangeiro, bem como informações relativas aos seguros de vida ou de invalidez de que sejam tomadores e às rendas vitalícias ou temporárias de que sejam beneficiários na sequência de uma transferência de capital em numerário, ou ainda informações relativas aos bens móveis ou imóveis adquiridos a entidades estabelecidas no estrangeiro.

c)      Informações relativas aos bens imóveis e aos direitos sobre os bens imóveis situados no estrangeiro de que sejam proprietários.

[…]

2.      Regime de infrações e de sanções.

Constitui infração fiscal o facto de não apresentar no prazo previsto as declarações informativas previstas na presente disposição adicional ou de incluir nelas informações incompletas, inexatas ou falsas.

Constitui igualmente infração fiscal a apresentação das referidas declarações por meios não eletrónicos, informáticos e telemáticos, quando estiver previsto proceder por esses meios.

As infrações referidas são consideradas muito graves e são puníveis em conformidade com as seguintes regras:

a)      O incumprimento da obrigação de declarar contas detidas em instituições de crédito situadas no estrangeiro é punido com uma coima fixa de 5 000 euros por cada dado ou conjunto de dados relativos a uma mesma conta que deveria constar da declaração, ou relativamente a qualquer dado prestado de forma incompleta, inexata ou falsa, com a coima mínima fixada em 10 000 euros.

A coima é de 100 euros por cada dado ou conjunto de dados relativos a uma mesma conta, com um mínimo de 1 500 euros, quando a declaração tenha sido apresentada fora de prazo, sem interpelação prévia da Administração Fiscal. É aplicada a mesma sanção em caso de apresentação da declaração por meios que não sejam eletrónicos, informáticos e telemáticos, quando esteja previsto proceder por estes meios.

b)      O incumprimento da obrigação de declarar os títulos, ativos, valores, direitos, seguros e rendas depositados, geridos ou obtidos no estrangeiro, é punido com uma coima fixa de 5 000 euros por cada dado ou conjunto de dados relativos a cada elemento de património tomado individualmente, segundo a categoria considerada, que devia ter sido incluído na declaração ou de qualquer dado fornecido de forma incompleta, inexata ou falsa, com um mínimo de 10 000 euros.

A coima é de 100 euros por cada dado ou conjunto de dados relativos a cada elemento de património considerado individualmente, segundo a categoria em causa, com um mínimo de 1 500 euros, quando a declaração tenha sido apresentada fora de prazo, sem interpelação prévia da Administração Fiscal. É aplicada a mesma sanção em caso de apresentação da declaração por meios que não sejam eletrónicos, informáticos e telemáticos, quando esteja previsto proceder por estes meios.

c)      O incumprimento da obrigação de declarar os bens imóveis e os direitos sobre bens imóveis situados no estrangeiro é punido com uma coima fixa de 5 000 euros por cada dado ou conjunto de dados relativos a um mesmo bem imóvel ou a um mesmo direito sobre um bem imóvel que devia constar da declaração ou por qualquer dado fornecido de forma incompleta, inexata ou falsa, sendo a coima mínima fixada em 10 000 euros.

A coima é de 100 euros por cada dado ou conjunto de dados relativos a um mesmo bem imóvel ou a um mesmo direito sobre um bem imóvel, com um mínimo de 1 500 euros, quando a declaração tenha sido apresentada fora de prazo sem interpelação prévia da Administração Fiscal. É aplicada a mesma sanção em caso de apresentação da declaração por meios que não sejam eletrónicos, informáticos e telemáticos, quando esteja previsto proceder por estes meios.

As infrações e as sanções reguladas pela presente disposição adicional não são acumuláveis com as previstas nos artigos 198.o e 199.o da presente lei.

3.      As leis que regulam cada imposto podem prever consequências específicas em caso de incumprimento da obrigação de informação prevista na presente disposição adicional.»

3        O artigo 39.o da Ley 35/2006 del Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas y de Modificación Parcial de las Leyes de los Impuestos sobre Sociedades, sobre la Renta de no Residentes y sobre el Patrimonio (Lei n.o 35/2006 do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e que Altera Parcialmente as Leis Relativas aos Impostos sobre as Sociedades, sobre o Rendimento dos Não Residentes e sobre o Património), de 28 de novembro de 2006, conforme alterada pela Lei n.o 7/2012 (a seguir «Lei do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares»), intitulado «Ganhos patrimoniais não justificados», dispõe:

«1.      Consideram‑se ganhos patrimoniais não justificados os bens ou os direitos cuja posse, declaração ou aquisição não correspondam aos rendimentos ou capitais declarados pelo contribuinte, bem como a inscrição de dívidas inexistentes numa declaração a título do presente imposto ou do imposto sobre a fortuna, ou a sua inscrição nos livros ou registos oficiais.

Os ganhos patrimoniais não justificados são integrados na matéria coletável geral do período fiscal durante o qual foram apurados, salvo se o contribuinte demonstrar que adquiriu a propriedade dos direitos ou dos bens em questão durante um período prescrito.

2.      Em todo o caso, a posse, a declaração ou a aquisição de bens ou de direitos relativamente aos quais a obrigação de informação prevista na décima oitava disposição adicional da [Lei Fiscal Geral] não foi cumprida nos prazos fixados, são tratadas como ganhos patrimoniais não justificados e são integrados na matéria coletável geral do mais antigo dos exercícios fiscais não prescritos e ainda suscetíveis de serem regularizados.

Todavia, as disposições previstas no presente número não são aplicáveis se o contribuinte provar que os bens ou os direitos de que é detentor foram adquiridos através de rendimentos declarados ou de rendimentos obtidos no decurso de exercícios fiscais em relação aos quais não estava sujeito a esse imposto.»

4        O artigo 121.o da Ley 27/2014 del Impuesto sobre Sociedades (Lei n.o 27/2014, Relativa ao Imposto sobre as Sociedades), de 27 de novembro de 2014 (a seguir «Lei do Imposto sobre as Sociedades»), intitulado «Bens e direitos não contabilizados ou não declarados: aquisição presumida de rendimentos:», prevê:

«1.      Presumem‑se adquiridos com rendimentos não declarados os bens patrimoniais detidos pelo contribuinte e não inscritos na sua contabilidade.

Esta presunção também existe em caso de dissimulação parcial do valor de aquisição.

2.      Presume‑se que os bens patrimoniais não inscritos na contabilidade pertencem ao contribuinte a partir do momento em que este esteja na posse dos mesmos.

3.      Presume‑se que o montante dos rendimentos não declarados é igual ao valor de aquisição dos bens ou direitos não inscritos na contabilidade, menos o montante das dívidas reais contraídas para financiar essa aquisição, igualmente não contabilizadas. O montante líquido não pode, em caso algum, ser negativo.

O montante do valor de aquisição é verificado pelos documentos comprovativos correspondentes ou, se tal não for possível, pelas regras de avaliação previstas na [Lei Fiscal Geral].

4.      Existe uma presunção de rendimentos não declarados quando são inscritas dívidas inexistentes na contabilidade do contribuinte.

5.      O montante dos rendimentos estabelecido com base nas presunções referidas é associado ao mais antigo dos exercícios fiscais não prescritos, a menos que o contribuinte demonstre que corresponde a um ou mais exercícios diferentes.

6.      Em todo o caso, considera‑se que os bens ou os direitos relativamente aos quais a obrigação de informação prevista na décima oitava disposição adicional da [Lei Fiscal Geral] não foi cumprida nos prazos fixados foram obtidos com rendimentos não declarados, associados ao mais antigo dos exercícios fiscais não prescritos e que ainda podem ser regularizados.

Todavia, as disposições previstas no presente número não são aplicáveis se o contribuinte fizer prova de que os bens ou os direitos que detém foram adquiridos com rendimentos declarados ou obtidos em exercícios fiscais nos quais não era sujeito passivo deste imposto.

[…]»

5        A primeira disposição adicional à Lei n.o 7/2012, intitulada «Regime de sanções em caso de ganhos patrimoniais não justificados e de obtenção presumida de rendimentos», tem a seguinte redação:

«A aplicação das disposições do artigo 39.o, n.o 2, da [Lei do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares], e do artigo 134.o, n.o 6, do texto consolidado da Lei do Imposto sobre as Sociedades, aprovado pelo Real Decreto Legislativo n.o 4/2004, de 5 de março de 2004, [cujas disposições foram depois retomadas no artigo 121.o, n.o 6, da Lei do Imposto sobre as Sociedades], determina a infração fiscal, considerada de muito grave, e punível com uma coima de 150 % do montante da sanção.

A sanção baseia‑se no valor do montante total resultante da aplicação dos artigos referidos no número anterior. […]»

 Procedimento précontencioso

6        Por notificação para cumprir de 20 de novembro de 2015, a Comissão chamou a atenção das autoridades espanholas para a eventual incompatibilidade com o direito da União de determinados aspetos relacionados com a obrigação de declarar os bens e os direitos situados no estrangeiro através do «modelo 720». Segundo a Comissão, as consequências associadas ao incumprimento dessa obrigação eram desproporcionadas à luz dos objetivos prosseguidos pela legislação espanhola.

7        Na sequência da resposta transmitida pelo Reino de Espanha, em 29 de fevereiro de 2016, na qual este Estado‑Membro contestava a existência de qualquer incompatibilidade com o direito da União, a Comissão emitiu, em 15 de fevereiro de 2017, um parecer fundamentado no qual mantinha a posição comunicada na sua notificação para cumprir.

8        Por cartas de 12 de abril de 2017 e de 31 de maio de 2019, o Reino de Espanha respondeu a este parecer fundamentado. Alegava, em substância, apoiando‑se em determinados exemplos práticos, que a legislação em causa era compatível com o direito da União.

9        Não tendo ficado convencida com os argumentos apresentados pelo Reino de Espanha, a Comissão, em 23 de outubro de 2019, intentou a presente ação, com base no artigo 258.o TFUE.

 Quanto à ação

 Quanto às liberdades em causa

10      Com a sua ação, a Comissão considera que o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 21.o, 45.o, 49.o, 56.o e 63.o TFUE, e dos artigos 28.o, 31.o, 36.o e 40.o do Acordo EEE, devido às consequências atribuídas pela sua legislação ao incumprimento ou ao cumprimento imperfeito ou extemporâneo da obrigação de declarar os bens ou os direitos situados no estrangeiro através do «modelo 720».

11      Importa recordar que, quando uma medida nacional diz respeito a várias das liberdades de circulação consagradas nos Tratados, o Tribunal de Justiça examina a medida em causa, em princípio, à luz de apenas uma dessas liberdades, se se verificar que, à luz da finalidade dessa medida, as outras são totalmente secundárias em relação a esta e podem estar‑lhe associadas [v., neste sentido, no caso de uma medida relativa tanto à liberdade de circulação de capitais como à liberdade de estabelecimento, Acórdãos de 13 de novembro de 2012, Test Claimants in the FII Group Litigation, C‑35/11, EU:C:2012:707, n.os 89 a 93, e de 28 de fevereiro de 2013, Beker e Beker, C‑168/11, EU:C:2013:117, n.os 25 a 31, e, no que respeita a uma medida relativa tanto à livre prestação de capitais como à livre prestação de serviços, Acórdão de 26 de maio de 2016, NN (L) Internacional, C‑48/15, EU:C:2015:356, n.o 39].

12      Por força da legislação nacional em causa no presente processo, os residentes espanhóis que não declarem ou que declarem de forma imperfeita ou extemporânea os bens e os direitos que detêm no estrangeiro estão sujeitos à liquidação adicional do imposto devido sobre os montantes correspondentes ao valor desses bens ou desses direitos, incluindo quando estes últimos foram adquiridos durante um período já prescrito, bem como à aplicação de uma coima proporcional e de coimas fixas.

13      Tal legislação, que visa, de maneira geral, a detenção de bens ou de direitos no estrangeiro pelos residentes espanhóis, sem que esta assuma necessariamente a forma de aquisições de participações no capital de entidades estabelecidas no estrangeiro, ou seja, principalmente motivada pela intenção de aí beneficiar de serviços financeiros, está abrangida pelo âmbito de aplicação da liberdade de circulação de capitais. Embora seja igualmente suscetível de afetar a livre prestação de serviços e a liberdade de estabelecimento, estas liberdades afiguram‑se, todavia, secundárias relativamente à liberdade de circulação de capitais, à qual podem estar associadas. Em todo o caso, o mesmo se aplica à liberdade de circulação dos trabalhadores.

14      Por outro lado, há que observar que a Comissão não apresenta elementos suficientes que permitam ao Tribunal de Justiça apreciar em que medida a legislação nacional em causa afeta a livre circulação dos cidadãos da União ou a livre circulação dos trabalhadores, garantidas nos artigos 21.o e 45.o TFUE.

15      Resulta do exposto que as objeções levantadas pela Comissão devem ser consideradas do ponto de vista da liberdade de circulação de capitais garantida no artigo 63.o TFUE e no artigo 40.o do Acordo EEE, cujo alcance jurídico é, em substância, idêntico (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de junho de 2009, Comissão/Países Baixos, C‑521/07, EU:C:2009:360, n.o 33, e de 5 de maio de 2011, Comissão/Portugal, C‑267/09, EU:C:2011:273, n.o 51).

 Quanto à existência de uma restrição aos movimentos de capitais

 Argumentos das partes

16      Segundo a Comissão, a regulamentação controvertida, que não tem equivalente no que respeita aos bens ou aos direitos detidos pelos contribuintes no território nacional, estabelece uma restrição à liberdade de circulação de capitais na medida em que tem por efeito dissuadir os residentes espanhóis de transferirem os seus ativos para o estrangeiro. Sustenta que, como o Tribunal de Justiça já admitiu no seu Acórdão de 11 de junho de 2009, X e Passenheim‑van Schoot (C‑155/08 e C‑157/08, EU:C:2009:368, n.os 36 a 40), não existe diferença objetiva de situação entre os contribuintes residentes em Espanha consoante os seus ativos se encontrem em território espanhol ou fora deste.

17      O Reino de Espanha considera, por seu turno, que as pessoas que procedem à dissimulação dos seus ativos por motivos fiscais não podem invocar a liberdade de circulação de capitais. Por outro lado, alega que não se pode considerar que as sanções associadas ao incumprimento da obrigação de informação estabelecem restrições a essa liberdade, uma vez que são indispensáveis para garantir a efetividade dessa obrigação. Em todo o caso, em seu entender, à luz das possibilidades de controlo fiscal, os contribuintes cujos ativos se situam no território espanhol não estão na mesma situação que aqueles cujos ativos estão situados fora deste.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

18      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, constituem, nomeadamente, restrições aos movimentos de capitais, na aceção do artigo 63.o, n.o 1, TFUE, as medidas impostas por um Estado‑Membro que são suscetíveis de dissuadir, de impedir ou de limitar as possibilidades de os investidores deste Estado de investirem noutros Estados [v., neste sentido, Acórdãos de 26 de setembro de 2000, Comissão/Bélgica, C‑478/98, EU:C:2000:497, n.o 18; de 23 de outubro de 2007, Comissão/Alemanha, C‑112/05, EU:C:2007:623, n.o 19; e de 26 de maio de 2016, NN (L) International, C‑48/15, EU:C:2016:356, n.o 44].

19      No caso em apreço, a obrigação de declarar os bens ou os direitos situados no estrangeiro através do «modelo 720» e as sanções associadas ao incumprimento ou ao cumprimento imperfeito ou extemporâneo desta obrigação, que não conhecem equivalente no que respeita aos bens ou aos direitos situados em Espanha, estabelecem uma diferença de tratamento entre os residentes espanhóis em função do lugar de localização dos seus ativos. Esta obrigação é suscetível de dissuadir, de impedir ou de limitar as possibilidades de os residentes desse Estado‑Membro investirem noutros Estados‑Membros e constitui, portanto, como o Tribunal de Justiça já declarou no que respeita a uma legislação que tem por objetivos garantir a eficácia dos controlos fiscais e combater a fraude fiscal relacionada com a dissimulação de ativos no estrangeiro, uma restrição à liberdade de circulação de capitais, na aceção do artigo 63.o, n.o 1, TFUE e do artigo 40.o do Acordo EEE (v., neste sentido, Acórdão de 11 de junho de 2009, X e Passenheim‑van Schoot, C‑155/08 e C‑157/08, EU:C:2009:368, n.os 36 a 40).

20      A circunstância de esta legislação visar contribuintes que procedem à dissimulação dos seus ativos por motivos fiscais não é suscetível de pôr em causa esta conclusão. Com efeito, o facto de uma legislação ter por objetivos garantir a eficácia dos controlos fiscais e combater a fraude fiscal não pode obstar à constatação da existência de uma restrição aos movimentos de capitais. Estes objetivos apenas se incluem nas razões imperiosas de interesse geral suscetíveis de justificar a instituição de uma tal restrição (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de junho de 2009, X e Passenheim‑van Schoot, C‑155/08 e C‑157/08, EU:C:2009:368, n.os 45 e 46, e de 15 de setembro de 2011, Halley, C‑132/10, EU:C:2011:586, n.o 30).

 Quanto à justificação da restrição à livre circulação de capitais

 Argumentos das partes

21      Na hipótese de a regulamentação controvertida ser considerada uma restrição aos movimentos de capitais, a Comissão e o Reino de Espanha estão de acordo quanto ao facto de esta poder ser justificada pela necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais e pelo objetivo de combate à fraude e à evasão fiscais. A Comissão sustenta, todavia, que esta regulamentação vai além do que é necessário para alcançar estes objetivos.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

22      Como referido no n.o 20 do presente acórdão, a necessidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais e o objetivo de combater a evasão e a fraude fiscais estão entre as razões imperiosas de interesse geral suscetíveis de justificar a instituição de uma restrição às liberdades de circulação (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de junho de 2009, X e Passenheim‑van Schoot, C‑155/08 e C‑157/08, EU:C:2009:368, n.os 45 e 46, e de 15 de setembro de 2011, Halley, C‑132/10, EU:C:2011:586, n.o 30).

23      Em relação aos movimentos de capitais, o artigo 65.o, n.o 1, alínea b), TFUE prevê, além disso, que o artigo 63.o TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e aos seus regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal.

24      No caso em apreço, sendo o nível de informações de que dispõem as autoridades nacionais relativamente aos ativos detidos pelos seus residentes fiscais no estrangeiro globalmente menor do que aquele de que dispõem relativamente aos ativos situados no seu território, mesmo tendo em conta a existência de mecanismos de troca de informações ou de assistência administrativa entre os Estados‑Membros, a regulamentação controvertida parece adequada para garantir a realização dos objetivos prosseguidos. Importa, todavia, verificar se não vai além do necessário para os alcançar.

 Quanto à proporcionalidade da qualificação dos ativos detidos no estrangeiro de «ganhos patrimoniais não justificados», sem possibilidade de beneficiar da prescrição


 Argumentos das partes

25      Segundo a Comissão, o incumprimento da obrigação de informação ou a apresentação imperfeita ou extemporânea do «modelo 720» tem consequências desproporcionadas à luz dos objetivos prosseguidos pelo legislador espanhol, na medida em que criam uma presunção inilidível de obtenção de um rendimento não declarado, igual ao valor dos bens ou dos direitos em causa, que implica a tributação dos montantes correspondentes ao contribuinte, sem que este possa invocar as regras de prescrição ou escapar à tributação, alegando que, no passado, pagou o imposto devido a título desses bens ou desses direitos.

26      O Reino de Espanha contesta a existência de uma presunção inilidível de fraude fiscal. Alega que a dissimulação dos bens ou dos direitos em causa e a falta de pagamento, pelo contribuinte, do imposto correspondente, devem ser demonstrados para que a falta de declaração ou a declaração extemporânea desses bens ou desses direitos através do «modelo 720» dê origem a uma presunção de obtenção de um rendimento não declarado por parte do contribuinte. O Reino de Espanha contesta igualmente a inexistência de qualquer regra de prescrição. Em seu entender, o direito espanhol tem apenas uma particularidade quanto ao início do prazo de prescrição, que, segundo a regra da actio nata, só começa a contar na data em que a Administração Fiscal tem conhecimento da existência dos bens ou dos direitos para os quais a obrigação de informação não foi respeitada ou o foi de modo imperfeito ou extemporâneo.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

27      Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a mera circunstância de um contribuinte residente possuir bens ou direitos fora do território de um Estado‑Membro não pode servir de base a uma presunção geral de fraude e de evasão fiscais (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de março de 2004, de Lasteyrie du Saillant, C‑9/02, EU:C:2004:138, n.o 51, e de 7 de novembro de 2013, K, C‑322/11, EU:C:2013:716, n.o 60).

28      Por outro lado, um regime que presume a existência de uma conduta fraudulenta apenas com base no cumprimento das condições nele previstas, sem dar ao contribuinte nenhuma possibilidade de ilidir essa presunção, vai, em princípio, além do que é necessário para alcançar o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais [v., neste sentido, Acórdãos de 3 de outubro de 2013, Itelcar, C‑282/12, EU:C:2013:629, n.o 37 e jurisprudência aí referida, e de 26 de fevereiro de 2019, X (Sociedades intermediárias estabelecidas em países terceiros), C‑135/17, EU:C:2019:136, n.o 88].

29      Decorre do artigo 39.o, n.o 2, da Lei do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e do artigo 121.o, n.o 6, da Lei do Imposto sobre as Sociedades que o contribuinte que não tenha cumprido a obrigação de informação ou que o tenha feito de forma imperfeita ou extemporânea pode escapar à inclusão na matéria coletável do imposto devido a título do mais antigo dos exercícios fiscais não prescritos, como ganhos patrimoniais não justificados, dos montantes correspondentes ao valor dos seus bens ou dos seus direitos não declarados através do «modelo 720», mediante a prova de que estes bens ou estes direitos foram adquiridos com rendimentos declarados ou com rendimentos obtidos em exercícios fiscais para os quais não estava sujeito a imposto.

30      O Reino de Espanha alega, por outro lado, sem ser utilmente contraditado pela Comissão, que o facto de o contribuinte não ter conservado a prova do imposto pago no passado a título dos montantes que serviram para adquirir os bens ou os direitos não declarados através do «modelo 720» não implica automaticamente a inclusão dessas quantias na matéria coletável do imposto devido pelo contribuinte como ganhos patrimoniais não justificados. Este Estado‑Membro indica, com efeito, que, por força das regras gerais de inversão do ónus da prova, cabe em todos os casos à Administração Fiscal provar que o contribuinte não cumpriu a sua obrigação de pagamento do imposto.

31      Resulta do exposto, por um lado, que a presunção de obtenção de ganhos patrimoniais não justificados, estabelecida pelo legislador espanhol, não se baseia apenas na detenção de bens ou de direitos no estrangeiro pelo contribuinte, uma vez que radica no incumprimento ou no cumprimento extemporâneo, por este último, das obrigações declarativas específicas que lhe incumbem a título desses bens ou desses direitos. Por outro lado, segundo as informações prestadas ao Tribunal de Justiça, o contribuinte pode ilidir esta presunção não só fazendo prova de que os bens ou os direitos em causa foram adquiridos com rendimentos declarados ou com rendimentos obtidos em exercícios fiscais relativamente aos quais não estava sujeito a imposto, mas também, quando não esteja em condições de fazer essa prova, alegando que cumpriu a sua obrigação de pagamento do imposto sobre os rendimentos que serviram para adquirir esses bens ou esses direitos, o que compete então à Administração Fiscal verificar.

32      Nestas condições, a presunção estabelecida pelo legislador espanhol não se afigura desproporcionada em relação aos objetivos de garantia da eficácia dos controlos fiscais e de combate à fraude e à evasão fiscais.

33      A impossibilidade de o contribuinte ilidir esta presunção alegando que os bens ou os direitos relativamente aos quais não cumpriu a obrigação de informação ou o fez de forma imperfeita ou extemporânea foram adquiridos durante um período prescrito, não invalida esta conclusão. Com efeito, a invocação de uma regra de prescrição não é suscetível de pôr em causa uma presunção de fraude ou de evasão fiscais, mas apenas permite evitar as consequências que a aplicação desta presunção pode implicar.

34      Todavia, há que verificar se as escolhas feitas pelo legislador espanhol em matéria de prescrição não se revelam, em si mesmas, desproporcionadas à luz dos objetivos prosseguidos.

35      A este respeito, importa salientar que o artigo 39.o, n.o 2, da Lei do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e o artigo 121.o, n.o 6, da Lei do Imposto sobre as Sociedades permitem, na realidade, que a Administração Fiscal proceda, sem limitação no tempo, à liquidação adicional do imposto devido pelos montantes correspondentes ao valor dos bens ou dos direitos situados no estrangeiro e não declarados, ou declarados de forma imperfeita ou extemporânea, através do «modelo 720». O mesmo se diga ao considerar que o legislador espanhol pretendeu apenas, em aplicação da regra da actio nata, adiar o início do prazo de prescrição e fixá‑lo na data em que a Administração Fiscal adquire pela primeira vez conhecimento da existência dos bens ou dos direitos detidos no estrangeiro, uma vez que essa opção implica, na prática, permitir à Administração tributar, durante um período indefinido, os rendimentos correspondentes ao valor desses ativos, sem ter em conta o exercício ou o ano a título dos quais a tributação dos montantes correspondentes era normalmente devida.

36      Por outro lado, decorre do artigo 39.o, n.o 2, da Lei do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e do artigo 121.o, n.o 6, da Lei do Imposto sobre as Sociedades que o incumprimento ou o cumprimento extemporâneo da obrigação de informação implica a inclusão na matéria coletável do imposto devido pelo contribuinte das quantias correspondentes ao valor dos bens ou dos direitos não declarados situados no estrangeiro, incluindo quando esses bens ou esses direitos tenham entrado no seu património durante um ano ou um exercício já prescrito na data em que ele devia cumprir a obrigação de informação. Em contrapartida, o contribuinte que cumpriu essa obrigação nos prazos fixados conserva o benefício da prescrição a título dos eventuais rendimentos dissimulados que tenham servido para adquirir os bens ou os direitos que detém no estrangeiro.

37      Resulta do exposto não apenas que o regime adotado pelo legislador espanhol comporta um efeito de imprescritibilidade, mas também que permite à Administração Fiscal pôr em causa uma prescrição já adquirida pelo contribuinte.

38      Ora, embora o legislador nacional possa estabelecer um prazo de prescrição alargado com a finalidade de garantir a eficácia dos controlos fiscais e de combater a fraude e a evasão fiscais ligadas à dissimulação de ativos no estrangeiro, desde que a duração desse prazo não vá além do que é necessário para alcançar esses objetivos, tendo em conta, nomeadamente, os mecanismos de troca de informações e de assistência administrativa entre os Estados‑Membros (v. Acórdão de 11 de junho de 2009, X e Passenheim‑van Schoot, C‑155/08 e C‑157/08, EU:C:2009:368, n.os 66, 72 e 73), o mesmo não se pode dizer da introdução de mecanismos que, na prática, equivalem a uma prorrogação indefinida do período durante o qual a tributação pode ter lugar ou que permitem pôr em causa uma prescrição já adquirida.

39      Com efeito, a exigência fundamental de segurança jurídica opõe‑se, em princípio, a que as autoridades públicas possam utilizar indefinidamente os seus poderes para pôr termo a uma situação ilegal (v., por analogia, Acórdão de 14 de julho de 1972, Geigy/Comissão, 52/69, EU:C:1972:73, n.o 21).

40      No caso presente, como indicado nos n.os 35 e 36 do presente acórdão, a possibilidade de a Administração Fiscal agir sem limitação no tempo, ou mesmo de pôr em causa uma prescrição já adquirida, resulta apenas do incumprimento, pelo contribuinte, da formalidade que consiste em satisfazer, nos prazos fixados, a obrigação de informação relativa aos bens ou aos direitos que detém no estrangeiro.

41      Ao atribuir consequências tão pesadas ao incumprimento de tal obrigação declarativa, a opção feita pelo legislador espanhol vai além do que é necessário para garantir a eficácia dos controlos fiscais e combater a fraude e a evasão fiscais, sem que seja necessário indagar das consequências a extrair da existência de mecanismos de troca de informações ou de assistência administrativa entre Estados‑Membros.

 Quanto à proporcionalidade da coima de 150 %


 Argumentos das partes

42      A Comissão sustenta que, ao punir o incumprimento ou o cumprimento extemporâneo da obrigação de informação com uma coima proporcional de 150 % do imposto calculado sobre os montantes correspondentes ao valor dos direitos ou dos bens situados no estrangeiro, de caráter automático e inflexível, o legislador espanhol instituiu uma restrição desproporcionada à livre circulação de capitais.

43      A Comissão alega, em especial, que a taxa desta coima é muito superior às taxas progressivas da coima aplicada em caso de declaração extemporânea de rendimentos tributáveis numa situação puramente nacional, que se elevam, consoante o atraso verificado, a 5, a 10, a 15 ou a 20 % dos direitos devidos pelo contribuinte, isto mesmo apesar de, ao contrário desta última coima, que está ligada ao incumprimento de uma obrigação de pagamento do imposto, a coima de 150 % só punir o incumprimento de uma obrigação formal de comunicar informações que, regra geral, não implica o pagamento de um imposto adicional.

44      Esta instituição precisa igualmente que, em seu entender, não podem ser tidas em conta as possibilidades de flexibilização previstas numa informação vinculativa de 6 de junho de 2017, na medida em que essa informação vinculativa não tem força de lei e é posterior à data do parecer fundamentado. Sublinha que, na falta de averiguação por parte da Administração, os contribuintes que não pudessem provar que os seus bens ou os seus direitos no estrangeiro foram adquiridos através de rendimentos declarados e tributados seriam automaticamente sujeitos à coima de 150 %, o que equivaleria, mais uma vez, a estabelecer uma presunção inilidível de fraude fiscal, e que não seria tida em conta a dívida fiscal global que impende sobre o contribuinte devido ao cúmulo da coima proporcional de 150 % e das coimas fixas previstas na décima oitava disposição adicional à Lei Fiscal Geral.

45      Por seu turno, o Reino de Espanha considera que a proporcionalidade das sanções depende apenas da apreciação das autoridades nacionais, na medida em que esta questão não é objeto de harmonização à escala europeia. Não obstante, alega que a coima de 150 % tem por objeto punir o incumprimento de uma obrigação declarativa sem regularização do imposto correspondente, ou seja, dos atos de evasão fiscal, e não pode, a esse título, ser comparada às majorações aplicadas em caso de atraso na declaração, que se destinam apenas a incentivar os contribuintes a respeitar os prazos fixados.

46      O Reino de Espanha considera igualmente que devem ser tidas em conta as possibilidades de flexibilização oferecidas pela informação vinculativa de 6 de junho de 2017, cujo conteúdo se integra na lei de forma retroativa, bem como a faculdade geral de flexibilização reconhecida à Administração no direito nacional, por força do princípio da proporcionalidade.

47      Por último, este Estado‑Membro contesta o caráter automático da coima de 150 %, alegando que esta última só pode ser aplicada quando estiverem reunidos os elementos constitutivos da infração que ela pretende sancionar, que o ónus da prova da culpabilidade do contribuinte recai sempre sobre a Administração e que esta coima não é, na prática, aplicada de forma sistemática. Além disso, tendo em conta as características da coima de 150 %, a sua proporcionalidade deve ser apreciada tendo em conta as sanções aplicáveis nas situações mais graves de falta de pagamento de uma dívida fiscal, que, em caso de infração contra o fisco, podem ir até à aplicação de uma coima de 600 % do montante do imposto devido pelo contribuinte.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

48      A título preliminar, há que recordar que, embora incumba aos Estados‑Membros, na falta de harmonização no direito da União, escolher as sanções que lhes pareçam adequadas em caso de incumprimento das obrigações previstas na sua legislação nacional em matéria de fiscalidade direta, estes últimos estão, todavia, obrigados a exercer essa competência no respeito deste direito e dos seus princípios gerais e, por conseguinte, no respeito do princípio da proporcionalidade (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2001, Louloudakis, C‑262/99, EU:C:2001:407, n.o 67 e jurisprudência aí referida).

49      Quanto à proporcionalidade da coima de 150 %, decorre da primeira disposição adicional à Lei n.o 7/2012 que a aplicação do artigo 39.o, n.o 2, da Lei do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares ou do artigo 134.o, n.o 6, do texto consolidado da Lei do Imposto sobre as Sociedades, aprovada pelo Real Decreto Legislativo n.o 4/2004, de 5 de março de 2004, cujas disposições foram, em seguida, reproduzidas no artigo 121.o, n.o 6, da Lei do Imposto sobre as Sociedades, resulta na aplicação de uma coima de 150 % do montante total do imposto devido sobre os montantes correspondentes ao valor dos bens ou dos direitos detidos no estrangeiro. Esta coima é cumulável com as coimas fixas previstas na décima oitava disposição adicional à Lei Fiscal Geral, aplicáveis a cada dado ou a cada categoria de dados em falta, incompleto, inexato ou falso que devem figurar no «modelo 720».

50      Embora o Reino de Espanha sustente que esta coima proporcional pune o incumprimento de uma obrigação material de pagamento do imposto, importa constatar que a sua aplicação está diretamente ligada ao incumprimento de obrigações declarativas. Com efeito, só lhe estão sujeitos os contribuintes cuja situação esteja abrangida pelo artigo 39.o, n.o 2, da Lei do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares ou do artigo 121.o, n.o 6, da Lei do Imposto sobre as Sociedades, ou seja, os contribuintes que não respeitaram a obrigação de informação relativa aos seus bens ou os seus direitos no estrangeiro ou o fizeram de forma imperfeita ou extemporânea, com exclusão daqueles que, embora tenham adquirido tais bens ou tais direitos com rendimentos não declarados, pelo contrário, cumpriram essa obrigação.

51      Por outro lado, embora o Reino de Espanha alegue que, na prática, a aplicação da coima proporcional de 150 % resulta de uma apreciação caso a caso e que a sua taxa pode ser flexibilizada, os termos da primeira disposição adicional à Lei n.o 7/2012 dão a entender que a mera aplicação do artigo 39.o, n.o 2, da Lei do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares ou do artigo 121.o, n.o 6, da Lei do Imposto sobre as Sociedades é suficiente para conduzir à declaração da existência de uma infração fiscal, considerada muito grave e punida com a aplicação de uma coima de 150 % do montante do imposto eludido, não sendo esta taxa formulada como uma taxa máxima.

52      A este respeito, há que precisar que as possibilidades de flexibilização oferecidas por uma informação vinculativa de 6 de junho de 2017, posteriormente ao parecer fundamentado enviado pela Comissão ao Reino de Espanha em 15 de fevereiro de 2017, não podem ser tidas em conta no âmbito da presente ação, uma vez que a existência de um incumprimento deve, segundo jurisprudência constante, ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado [v., neste sentido, Acórdão de 22 de janeiro de 2020, Comissão/Itália (Diretiva luta contra os atrasos de pagamento), C‑122/18, EU:C:2020:41, n.o 58]. A circunstância de a interpretação constante dessa informação vinculativa se incorporar retroativamente na lei não é relevante quanto a este aspeto.

53      Por último, há que salientar a taxa muito elevada da coima proporcional aplicada, conferindo‑lhe um caráter extremamente repressivo e que pode levar, em muitos casos, tendo em conta o cúmulo com as coimas fixas previstas, por outro lado, pela décima oitava disposição adicional à Lei Fiscal Geral, a aumentar o montante total das quantias devidas pelo contribuinte pelo incumprimento da obrigação de informação relativa aos seus bens ou aos seus direitos no estrangeiro em mais de 100 % do valor desses bens ou desses direitos, como sublinha a Comissão.

54      Nestas condições, esta instituição demonstrou que, ao sujeitar o incumprimento, pelo contribuinte, das suas obrigações declarativas relativas aos seus bens ou aos seus direitos situados no estrangeiro a uma coima proporcional de 150 % do montante do imposto calculado sobre as quantias correspondentes ao valor desses bens ou desses direitos, que pode cumular‑se com as coimas fixas, o legislador espanhol prejudicou de forma desproporcionada a livre circulação de capitais.

 Quanto à proporcionalidade das coimas fixas


 Argumentos das partes

55      Por fim, segundo a Comissão, constitui uma restrição desproporcionada à livre circulação de capitais o facto de prever, em caso de incumprimento da obrigação de informação relativa aos bens ou aos direitos detidos no estrangeiro ou de cumprimento imperfeito ou extemporâneo dessa obrigação, coimas fixas de taxa superior à prevista para infrações semelhantes num contexto puramente nacional, sem ter em conta as informações de que a Administração Fiscal possa dispor sobre esses ativos.

56      Em todo o caso, a Comissão considera que o facto de o incumprimento ou o cumprimento imperfeito ou extemporâneo da obrigação de informação, que constitui uma mera obrigação formal cujo incumprimento não causa nenhum prejuízo económico direto ao fisco, implica a aplicação de coimas que são, consoante o caso, 15, 50 ou 66 vezes mais elevadas do que aquelas a que estão sujeitas as infrações semelhantes numa situação puramente nacional, previstas nos artigos 198.o e 199.o da Lei Fiscal Geral, é suficiente para demonstrar o caráter desproporcionado do montante dessas coimas.

57      Embora concordando que as coimas fixas previstas na décima oitava disposição adicional à Lei Fiscal Geral sancionam o incumprimento de uma obrigação formal que não causa ao fisco um prejuízo económico direto, o Reino de Espanha considera que os elementos de comparação tidos em conta pela Comissão não são pertinentes. Em seu entender, importa antes comparar as coimas fixas aplicáveis em caso de incumprimento ou de cumprimento extemporâneo da obrigação de informação com as aplicáveis em caso de não apresentação da «declaração das operações conexas», prevista no direito espanhol, na medida em que esta declaração constitui, também ela, uma obrigação de informação relativa a dados monetários, que deve ser apresentada pelo contribuinte a quem dizem respeito as informações em causa. Por outro lado, este Estado‑Membro entende que o nível de informação de que dispõe a Administração Fiscal quanto aos ativos detidos por um contribuinte no estrangeiro não deve ser tomado em conta para apreciar a proporcionalidade das coimas fixas aplicadas, a qual deve ser examinada apenas à luz do comportamento do contribuinte.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

58      Segundo a décima oitava disposição adicional à Lei Fiscal Geral, os contribuintes são obrigados a fornecer à Administração Fiscal um conjunto de informações relativas aos seus bens ou aos seus direitos no estrangeiro, incluindo os bens imóveis, as contas bancárias, os títulos, os ativos, os valores ou os direitos representativos do capital social, de fundos próprios ou do património de qualquer tipo de entidade, ou ainda os seguros de vida e invalidez de que disponham fora do território espanhol. O facto de um contribuinte declarar à Administração Fiscal informações incompletas, inexatas ou falsas, de não lhe fornecer as informações exigidas ou de não o fazer no prazo ou segundo as formas estabelecidas é qualificado de «infração fiscal» e implica a aplicação de coimas fixas no montante de 5 000 euros por cada dado ou categoria de dados em falta, incompleto, inexato ou falso, com um mínimo de 10 000 euros, e de um montante de 100 euros por cada dado ou categoria de dados declarado extemporaneamente ou quando não foram declarados por via eletrónica quando tal seja exigido, com um mínimo de 1 500 euros.

59      A décima oitava disposição adicional à Lei Fiscal Geral prevê igualmente que essas coimas não são cumuláveis com as previstas nos artigos 198.o e 199.o desta lei, que determinam de maneira geral as sanções aplicáveis aos contribuintes que não respeitam as suas obrigações declarativas ou o fazem de forma imperfeita, extemporânea ou não respeitando as modalidades previstas. Segundo estas disposições, na falta de prejuízo económico direto para o fisco, a não apresentação de uma declaração no prazo fixado é, salvo casos especiais, punida com uma coima fixa de 200 euros, cujo montante é reduzido para metade em caso de apresentação extemporânea pelo contribuinte, sem pedido prévio da Administração Fiscal. A apresentação de uma declaração incompleta, inexata ou falsa é, por sua vez, punida com uma coima fixa de 150 euros e a apresentação de uma declaração que não respeita as modalidades previstas de uma coima fixa de 250 euros.

60      Resulta do exposto que a décima oitava disposição adicional à Lei Fiscal Geral pune o incumprimento de simples obrigações declarativas ou puramente formais ligadas à detenção, pelo contribuinte, de bens ou de direitos no estrangeiro, através da aplicação de coimas fixas muito elevadas, uma vez que são aplicáveis a cada dado ou a cada categoria de dados em causa, são acompanhadas, consoante o caso, de um montante mínimo de 1 500 ou de 10 000 euros e o seu montante total não está limitado. Estas coimas fixas são cumuláveis, além disso, com a coima proporcional de 150 % prevista na primeira disposição adicional à Lei n.o 7/2012.

61      Resulta igualmente do exposto que o montante dessas coimas fixas não tem comparação com o montante das coimas aplicáveis aos contribuintes com base nos artigos 198.o e 199.o da Lei Fiscal Geral, que parecem comparáveis na medida em que punem o incumprimento de obrigações análogas às previstas na décima oitava disposição adicional à Lei Fiscal Geral.

62      Estas características são suficientes para demonstrar que as coimas fixas previstas nesta disposição estabelecem uma restrição desproporcionada à livre circulação de capitais.

63      Em face de todas estas considerações, há que declarar que:

—        ao prever que o incumprimento ou o cumprimento imperfeito ou extemporâneo da obrigação de informação relativa aos bens e aos direitos situados no estrangeiro implica a tributação dos rendimentos não declarados correspondentes ao valor desses ativos como «ganhos patrimoniais não justificados», sem possibilidade, na prática, de beneficiar da prescrição;

—        ao sujeitar o incumprimento ou o cumprimento imperfeito ou extemporâneo da obrigação de informação relativa aos bens e aos direitos situados no estrangeiro a uma coima proporcional de 150 % do imposto calculado sobre os montantes correspondentes ao valor desses bens ou desses direitos, que pode ser cumulada com coimas fixas; e

—        ao sujeitar o incumprimento ou o cumprimento imperfeito ou extemporâneo da obrigação de informação relativa aos bens e aos direitos situados no estrangeiro a coimas fixas cujo montante não tem comparação com as sanções previstas para infrações semelhantes num contexto puramente nacional e cujo montante total não está limitado;

o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 63.o TFUE e do artigo 40.o do Acordo EEE.

 Quanto às despesas

64      Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino de Espanha e tendo sido declarado o incumprimento, há que condenar esse Estado‑Membro nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      Ao prever que o incumprimento ou o cumprimento imperfeito ou extemporâneo da obrigação de informação relativa aos bens e aos direitos situados no estrangeiro implica a tributação dos rendimentos não declarados correspondentes ao valor desses ativos como «ganhos patrimoniais não justificados», sem possibilidade, na prática, de beneficiar da prescrição;

–        ao sujeitar o incumprimento ou o cumprimento imperfeito ou extemporâneo da obrigação de informação relativa aos bens e aos direitos situados no estrangeiro a uma coima proporcional de 150 % do imposto calculado sobre os montantes correspondentes ao valor desses bens ou desses direitos, que pode ser cumulada com coimas fixas; e

–        ao sujeitar o incumprimento ou o cumprimento imperfeito ou extemporâneo da obrigação de informação relativa aos bens e aos direitos situados no estrangeiro a coimas fixas cujo montante não tem comparação com as sanções previstas para infrações semelhantes num contexto puramente nacional e cujo montante total não está limitado;

o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 63.o TFUE e do artigo 40.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992.

2)      O Reino de Espanha é condenado nas despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.