Language of document : ECLI:EU:C:2001:577

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

25 de Outubro de 2001 (1)

«Artigos 85.°, 86.° e 90.° do Tratado CE (actuais artigos 81.° CE, 82.° CE e 86.° CE) - Transporte de doentes em ambulância - Direitos especiais ou exclusivos - Restrição da concorrência - Serviço de interesse geral - Justificação - Efeitos sobre o comércio entre Estados-Membros»

No processo C-475/99,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° do Tratado CE, pelo Oberverwaltungsgericht Rheinland-Pfalz (Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Firma Ambulanz Glöckner

e

Landkreis Südwestpfalz,

sendo intervenientes:

Arbeiter-Samariter-Bund Landesverband Rheinland-Pfalz eV,

Deutsches Rotes Kreuz Landesverband Rheinland-Pfalz eV

e

Vertreter des öffentlichen Interesses, Mainz,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 85.°, 86.° e 90.° do Tratado CE (actuais artigos 81.° CE, 82.° CE e 86.° CE),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: S. von Bahr, presidente da Quarta Secção, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, D. A. O. Edward, A. La Pergola, M. Wathelet (relator) e C. W. A. Timmermans, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,


secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

-    em representação da Firma Ambulanz Glöckner, por R. Steiling e C. Bittner, Rechtsanwälte,

-    em representação do Landkreis Südwestpfalz, por R. Spies, na qualidade de agente,

-    em representação da Arbeiter-Samariter-Bund Landesverband Rheinland-Pfalz eV, por O. Fechner, Landesvorsitzender, e H. Gauf, Stellvertretender Landesvorsitzender,

-    em representação do Vertreter des öffentlichen Interesses, Mainz, por W. Demmerle, na qualidade de agente,

-    em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

-    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. Erhardt e K. Wiedner, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Firma Ambulanz Glöckner, representada por R. Steiling e C. Bittner, do Landkreis Südwestpfalz, representado por R. Spies, da Arbeiter-Samariter-Bund Landesverband Rheinland-Pfalz eV, representada por H. Gauf e S. Rheinheimer, Landesgeschäftsführer, do Vertreter des öffentlichen Interesses, Mainz, representado por H.-P. Hennes, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por M. Erhardt, na audiência de 22 de Fevereiro de 2001,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 17 de Maio de 2001,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por despacho de 8 de Dezembro de 1999, entrado no Tribunal de Justiça em 15 de Dezembro de 1999, o Oberverwaltungsgericht Rheinland-Pfalz submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, uma questão prejudicial relativa à interpretação dos artigos 85.°, 86.° e 90.° do Tratado CE (actuais artigos 81.° CE, 82.° CE e 86.° CE).

2.
    Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio que opõe a Firma Ambulanz Glöckner (a seguir «Ambulanz Glöckner»), uma empresa privada com sede em Pirmasens (Alemanha), ao Landkreis Südwestpfalz (a seguir «Landkreis»), relativamente à recusa de renovação de uma autorização para prestar serviços de transporte de doentes em ambulância.

Enquadramento jurídico

3.
    Na Alemanha, os serviços de emergência médica são regulados por leis adoptadas ao nível dos Länder. No Land da Renânia-Palatinado, a Rettungsdienstgesetz (lei sobre o serviço de socorros), na sua versão de 22 de Abril de 1991 (a seguir «RettDG 1991»), distingue dois tipos de transporte em ambulância, a saber, o transporte de emergência («Notfalltransport») e o transporte de doentes («Krankentransport»). O primeiro respeita ao transporte, sob assistência médica especializada, de pessoas feridas ou doentes, cuja vida esteja em perigo, em veículos sanitários com assistência de médico qualificado em emergência médica ou em ambulâncias equipadas para intervenções de emergência («Rettungswagen»). O segundo tipo de transporte é o transporte de pessoas doentes, feridas ou que necessitem de assistência, mas não se encontrem em situação de emergência, sendo o seu transporte feito, sob assistência médica especializada, em ambulâncias («Krankentransportwagen»).

4.
    A responsabilidade pelo serviço de emergência médica é, em princípio, do Land, das circunscrições territoriais («Landkreise») e das cidades que constituem, elas próprias, uma circunscrição («Kreisfreie Städte»). Contudo, nos termos do § 5 n.° 1, da RettDG 1991, a autoridade competente pode ceder a actividade do serviço a «organizações de saúde reconhecidas» (a seguir «organizações de saúde») sem fins lucrativos, fiscalizando, dando instruções e suportando os custos, se e enquanto aquelas organizações forem capazes e estejam dispostas a garantir de forma permanente a execução do serviço. Nos termos do n.° 3 da referida disposição, esse serviço só pode ser cedido a outros operadores se estas organizações de saúde não estiverem dispostas ou não forem capazes de o executar.

5.
    No Land da Renânia-Palatinado, as circunscrições e as «cidades-circunscrições» competentes, à excepção da cidade de Trier onde o serviço cabe aos bombeiros, cederam o serviço de emergência médica a quatro organizações de saúde: a Arbeiter-Samariter-Bund Landesverband Rheinland-Pfalz eV (a seguir «ASB»), aDeutsches Rotes Kreuz Landesverband Rheinland-Pfalz eV (a seguir «DRK»), a Johanniter-Unfall-Hilfe e o Malteser-Hilfsdienst.

6.
    Por outro lado, até 1989, a Personenbeförderungsgesetz (lei sobre o transporte de pessoas), lei federal aplicável em todo o território da República Federal da Alemanha, cobria o sector dos serviços de transporte em ambulância, que era considerado uma forma de transporte de pessoas através de veículo alugado. Os fornecedores de serviços de transporte em ambulância precisavam, para empreenderem esta actividade, de uma autorização, cuja emissão estava subordinada a garantias quanto à segurança e à eficiência da operação e quanto à fiabilidade e às qualificações profissionais do operador. Isto significa que as organizações de saúde, encarregadas do serviço de emergência médica, que deve estar disponível 24 horas por dia, em todo o território em causa, coexistiam com operadores independentes, que se dedicavam, sobretudo, ao transporte não urgente de doentes durante o dia.

7.
    Em 1989, a Personenbeförderungsgesetz foi alterada de forma a afastar os serviços de transporte em ambulância do seu âmbito. Por isso, a RettDG 1991 regula não só o serviço de emergência médica mas também, de um modo mais geral, os serviços de transporte em ambulância. Assim, nos termos do § 18, n.° 1, da RettDG 1991, a emissão da autorização para operar o serviço de transporte de doentes está sujeita, como na vigência da antiga legislação federal, a condições relativas à eficiência e à segurança da operação, assim como a garantias de fiabilidade e de qualificações profissionais do operador. O § 18, n.° 3, da RettDG 1991 dispõe, por outro lado:

«A autorização será recusada quando for previsível que a sua utilização será prejudicial ao interesse da colectividade em dispor de um serviço de emergência médica em condições de funcionamento [...] Para este efeito, deverá particularmente ter-se em conta [...] a capacidade de cobertura do conjunto do território e a utilização total das capacidades no domínio da emergência médica; serão igualmente tidos em consideração o número de intervenções, o tempo necessário para se chegar aos locais e a duração das intervenções, bem como a evolução das contas de demonstração de resultados [...].»

8.
    O órgão jurisdicional de reenvio interpreta esta disposição no sentido de que concede às organizações de saúde um monopólio de facto no mercado dos serviços de transporte de emergência e de transporte de doentes, uma vez que a avaliação que impõe para apreciar se há ou não uma utilização total das capacidades oferecidas pelas organizações de saúde conduz sempre, na prática, à recusa de novos pedidos, dada a importância dos meios de salvamento que estas organizações mantêm disponíveis. Com efeito, o cumprimento correcto de uma missão que consiste em assegurar um serviço de emergência médica em todo o território considerado, 24 horas por dia, implica a manutenção de meios de salvamento suficientes para fazer face às urgências e às catástrofes. Não sendo, então, concebível uma utilização total das capacidades, nunca será útil ou necessário autorizar operadores independentes a fornecerem prestações detransporte em ambulância, na medida em que isso reduziria o recurso ao serviço de emergência médica e afectaria a sua conta de resultados.

9.
    O Landkreis e a ASB consideram que o § 18, n.° 3, da RettDG 1991 se presta a uma outra interpretação, no sentido de que esta disposição só impede a concessão de autorizações aos operadores independentes quando estas sejam susceptíveis de causar efeitos adversos consideráveis ao serviço de emergência médica.

10.
    A este respeito, há que recordar que não incumbe ao Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre a interpretação de disposições nacionais, mas que lhe cabe ter em conta, no quadro da repartição das competências entre os tribunais comunitários e nacionais, o contexto factual e regulamentar no qual se insere a questão prejudicial, tal como definida pela decisão de reenvio.

O litígio no processo principal

11.
    A Ambulanz Glöckner obteve em 1990, logo, antes da entrada em vigor da RettDG 1991, e portanto na vigência da anterior legislação federal, uma autorização para prestar serviços de transporte de doentes, que expirava em Outubro de 1994.

12.
    Em Julho de 1994, requereu a renovação da autorização ao Landkreis, que convidou então as duas organizações de saúde encarregadas da gestão do serviço público de emergência médica no sector de Pirmasens, a saber, a ASB e a DRK, a darem a sua opinião quanto aos efeitos que a solicitada autorização teria.

13.
    Ambas as organizações responderam ao Landkreis que as suas próprias instalações de socorros na zona em causa não eram plenamente exploradas e que davam prejuízo, pelo que a entrada de mais um operador as iria obrigar a aumentar as contribuições dos utilizadores ou a reduzir as suas prestações. O Landkreis recusou, por isso, a renovação da autorização da Ambulanz Glöckner, com base no § 18, n.° 3, da RettDG 1991, com o fundamento de que, na zona em causa, o serviço de emergência médica só tinha funcionado a 26% da sua capacidade em 1993.

14.
    Na sequência do indeferimento da sua reclamação, a Ambulanz Glöckner interpôs recurso para o Verwaltungsgericht Neustadt (Alemanha) que, por decisão de 28 de Janeiro de 1998, ordenou ao Landkreis que emitisse a autorização solicitada. O referido tribunal considerou, essencialmente, que devia interpretar-se o § 18, n.° 3, da RettDG 1991 no sentido de que o legislador do Land entendeu, em princípio, permitir que operadores privados fossem autorizados a efectuar transportes de doentes à margem do serviço público de emergência médica, mesmo que isso implicasse um aumento dos custos. Uma vez que a Ambulanz Glöckner tinha efectuado transportes de doentes durante mais de sete anos, tornara-se evidente, segundo o órgão jurisdicional nacional, que a sua actividade não prejudicava a existência nem o funcionamento do serviço de emergência médica.

15.
    O Landkreis interpôs recurso desta decisão para o Oberverwaltungsgericht Rheinland-Pfalz.

16.
    Na sua decisão de reenvio, este órgão jurisdicional pergunta-se se as condições previstas no artigo 90.°, n.° 1, do Tratado para a concessão de direitos especiais ou exclusivos às empresas estarão preenchidas. Considera que as organizações de saúde devem ser consideradas empresas com direitos especiais ou exclusivos na acepção desta disposição, tendo em conta a missão de transporte de emergência médica que lhes é confiado. A atribuição suplementar do mercado de serviços de transporte de doentes, em 1991, constitui igualmente uma «medida» na acepção do artigo 90.°, n.° 1. Ora, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, razões ligadas à prossecução de uma missão de interesse económico geral, na acepção do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado, não justificam a exclusão da concorrência nos serviços de transporte de doentes. Esta interpretação deduz-se do facto de estes serviços terem sido regidos pela livre concorrência até 30 de Junho de 1991, sem que a população se tenha confrontado com qualquer problema relacionado com o fornecimento de tais serviços.

17.
    Tendo em conta o que se disse, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A concessão de um monopólio em matéria de transporte de doentes sobre uma zona geográfica limitada é compatível com o artigo 86.°, n.° 1, CE e os artigos 81.° e 82.° CE?»

Quanto à aplicabilidade do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 86.°, n.° 1, CE)

18.
    Antes de examinar a questão prejudicial, convém verificar se o artigo 90.°, n.° 1, do Tratado é aplicável às organizações de saúde, como as em causa no processo principal, às quais as autoridades competentes cederam o serviço de emergência médica, e isto tendo em conta a protecção particular que lhes é concedida pelo § 18, n.° 3, da RettDG 1991. Esta última questão equivale a perguntar, por um lado, se estas organizações de saúde são empresas e, por outro lado, se são titulares de direitos especiais ou exclusivos.

19.
    A este respeito, em primeiro lugar, convém lembrar que, no âmbito do direito da concorrência, o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do estatuto jurídico dessa entidade e do seu modo de financiamento (v. acórdão de 12 de Setembro de 2000, Pavlov e o., C-180/98 a C-184/98, Colect., p. I-6451, n.° 74), e que constitui uma actividade económica qualquer actividade consistente na oferta de bens ou serviços num determinado mercado (acórdão Pavlov e o., já referido, n.° 75).

20.
    No processo principal, as organizações de saúde fornecem serviços, mediante retribuição dos utilizadores, no mercado do transporte de emergência e do transportede doentes. Tais actividades não foram sempre nem são necessariamente exercidas por essas organizações ou por autoridades públicas. Resulta, assim, do processo que, no passado, a própria Ambulanz Glöckner forneceu estes dois tipos de serviços. Este fornecimento constitui, então, uma actividade económica para efeitos de aplicação das regras de concorrência previstas no Tratado.

21.
    Na verdade, obrigações de serviço público podem tornar os serviços prestados por uma organização de saúde determinada menos competitivos que serviços comparáveis prestados por outros operadores não sujeitos a tais obrigações, mas esta circunstância não impede que as actividades em causa sejam consideradas actividades económicas.

22.
    Segue-se que, no que se refere ao fornecimento de serviços de transporte de emergência e de transporte de doentes, entidades como as organizações de saúde devem ser qualificadas de empresas na acepção das regras da concorrência previstas no Tratado.

23.
    Em segundo lugar, convém constatar que, nos termos do § 18, n.° 3, da RettDG 1991, a autorização necessária para o fornecimento dos serviços de transporte em ambulância poderá ser recusada pela autoridade competente quando a sua utilização for susceptível de ter efeitos negativos para o funcionamento e a rentabilidade do serviço de emergência médica, cuja gestão foi confiada a organizações de saúde.

24.
    Nesta última hipótese, o facto de se reservar para as organizações de saúde, encarregadas do serviço de emergência médica, os serviços de transporte de doentes é suficiente para se qualificar esta medida de direito exclusivo ou especial na acepção do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado. Com efeito, através de uma medida legislativa, é conferida protecção a um número limitado de empresas, protecção essa que pode afectar substancialmente a capacidade de outras empresas exercerem a actividade económica em questão no mesmo território, em condições substancialmente equivalentes.

25.
    Consequentemente, cabe considerar que o § 18, n.° 3, da RettDG 1991 conferiu às organizações de saúde um direito especial ou exclusivo na acepção do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado.

Quanto à violação do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, conjugado com o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE)

26.
    A Ambulanz Glöckner afirma que o § 18, n.° 3, da RettDG 1991 é incompatível com o artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, conjugado com o artigo 85.°, n.° 1, alínea c), deste último, na medida em que permite às organizações de saúde, chamadas a pronunciar-se sobre qualquer pedido de acesso ao mercado formulado por um operador independente, partilharem o mercado das prestações de transporte de doentes através de uma concertação entre elas e com as autoridades públicas.

27.
    A este respeito, é forçoso constatar que o despacho de reenvio não fornece qualquer indicação da existência de qualquer acordo, proibido pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, entre as organizações de saúde.

28.
    Além disso, também não se demonstra que as autoridades públicas, convidadas a emitir uma autorização de fornecimento de serviços de transporte em ambulância que não os que relevam do serviço de emergência médica, se concertem com as referidas organizações de saúde. Estas são, na verdade, consultadas pelas autoridades competentes e esta circunstância, como resulta do n.° 43 do presente acórdão, pode ser tida em conta para averiguar da existência de um abuso de posição dominante, na acepção do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, conjugado com o artigo 86.° deste último. Contudo, como sublinhou o advogado-geral no n.° 103 das suas conclusões, a decisão de conceder ou recusar a autorização é tomada unilateralmente pelas autoridades competentes e sob a sua exclusiva responsabilidade, em função das condições fixadas pela RettDG 1991.

29.
    Não se verifica, pois, a violação do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, conjugado com o artigo 85.°, n.° 1, alínea c), deste último.

Quanto à violação do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, conjugado com o artigo 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE)

30.
    O órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se uma disposição como o § 18, n.° 3, da RettDG 1991 pode criar uma situação em que as organizações de saúde são conduzidas a cometer abusos de posição dominante contrários ao artigo 86.° do Tratado.

Quanto à existência de uma posição dominante numa parte substancial do mercado comum

31.
    Para responder a esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio deve, antes de mais, verificar se as organizações de saúde em causa ocupam, efectivamente, uma posição dominante numa parte substancial do mercado comum, o que pressupõe que se defina, ao mesmo tempo, o mercado de serviços em causa e a sua extensão geográfica.

32.
    A este respeito, a Comissão argumenta que há dois mercados de serviços diferentes, a saber, o mercado do transporte de emergência e o do transporte de doentes.

33.
    Esta análise deve ser aprovada. Com efeito, se é verdade que os serviços em causa são próximos, eles não são, contudo, permutáveis ou substituíveis, devido às suas características, aos seus preços e à utilização a que se destinam. Não só os serviços de transporte não urgente não oferecem necessariamente uma solução de substituição válida para os serviços de transporte de emergência, que requer, 24 horas por dia, pessoal altamente qualificado e equipamento particularmente sofisticado, como otransporte de emergência, particularmente mais caro, também não pode ser considerado uma solução de substituição válida para o transporte não urgente.

34.
    Quanto à extensão geográfica do mercado de serviços em causa, importa chamar a atenção do órgão jurisdicional de reenvio para a necessidade de ter em conta o mercado no qual as condições de concorrência sejam suficientemente homogéneas, quer dizer, uma zona em que as condições objectivas de concorrência dos serviços em causa e, designadamente, a procura dos consumidores sejam semelhantes para todos os operadores económicos (acórdão de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão, 27/76, Colect., p. 77, n.° 44).

35.
    Cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar, neste caso, se o mercado:

-    está confinado ao sector operacional em causa, visado pelo pedido de     autorização, ou

-    se estende à totalidade do Land da Renânia-Palatinado, como sugere a     Comissão, uma vez que o quadro legislativo, as estruturas organizacionais e as taxas do serviço de emergência médica são idênticos em todo o Land, ou ainda

-    se cobre o território da República Federal da Alemanha no seu     conjunto, como afirma a Ambulanz Glöckner, uma vez que as leis que regulam a prestação de serviços de transporte em ambulância nos diferentes Länder são similares, o que é contestado pelo Vertreter des öffentlichen Interesses, Mainz.

36.
    Uma vez determinados o mercado dos serviços e a sua extensão geográfica, caberá também ao órgão jurisdicional de reenvio, se necessário, verificar a existência de uma posição dominante individual, ou eventualmente colectiva, que seja visada pelo artigo 86.° do Tratado, e examinar se uma tal posição existe «numa parte substancial do mercado comum», o que resulta de uma apreciação de facto que cabe ao referido órgão jurisdicional.

37.
    A este respeito, o órgão jurisdicional nacional poderia, de forma útil, verificar a exactidão das indicações de facto constantes do n.° 121 das conclusões do advogado-geral, a propósito das actividades da DRK exercidas numa grande parte do Land da Renânia-Palatinado, indicações que, a serem confirmadas, poderiam provar que esta organização de saúde detém uma posição dominante nos mercados dos serviços de transporte de emergência e de transporte de doentes.

38.
    Na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio constatar, efectivamente, a existência de uma posição dominante, pelo menos no Land da Renânia-Palatinado, então ter-se-ia de considerar que tal posição afecta uma parte substancial do mercado comum, como sublinha o advogado-geral no n.° 129 das suas conclusões, tendo em conta a superfície do território deste Land, que é de cerca de 20 000 km2, e o número muito elevado dos seus habitantes, que é de cerca de quatro milhões, superior à população de alguns Estados-Membros.

Quanto ao abuso de posição dominante

39.
    Cabe lembrar que o simples facto de se criar uma posição dominante através da concessão de direitos especiais ou exclusivos, na acepção do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, não é, enquanto tal, incompatível com o seu artigo 86.° Um Estado-Membro só viola as proibições estabelecidas nestas duas disposições quando a empresa em causa seja levada, pelo simples exercício dos direitos especiais ou exclusivos que lhe foram atribuídos, a explorar a sua posição dominante de modo abusivo ou quando esses direitos possam criar uma situação em que essa empresa seja levada a cometer esses abusos (v. acórdão Pavlov e o., já referido, n.° 127).

40.
    A este respeito, segundo jurisprudência constante, constitui um abuso na acepção do artigo 86.° do Tratado o facto de uma empresa que detém uma posição dominante num dado mercado reservar para si própria, sem necessidade objectiva, uma actividade auxiliar que poderia ser exercida por uma empresa terceira no quadro de actividades desta num mercado próximo, mas distinto, com o risco de eliminar qualquer concorrência por parte dessa empresa (acórdão de 13 de Dezembro de 1991, GB-Inno-BM, C-18/88, Colect., p. I-5941, n.° 18). Se a extensão da posição dominante da empresa a que o Estado concedeu direitos especiais ou exclusivos é o resultado de uma medida estatal, essa medida constitui uma violação do artigo 90.° do Tratado, conjugado com o seu artigo 86.° (v. acórdãos GB-Inno-BM, já referido, n.° 21, e de 25 de Junho de 1998, Dusseldorp e o., C-203/96, Colect., p. I-4075, n.° 61).

41.
    No processo principal, a Ambulanz Glöckner argumenta precisamente que a sua exclusão do mercado do transporte de doentes por ambulância resulta da aplicação do § 18, n.° 3, da RettDG 1991, que permite às organizações de saúde, agindo em concertação com as autoridades públicas, limitar o acesso a este mercado.

42.
    A Comissão argumenta também que a extensão da posição dominante no mercado do transporte de emergência ao mercado próximo, mas distinto, do transporte de doentes se deve às modificações introduzidas na legislação federal que regula este último tipo de transporte, depois, na legislação do Land da Renânia-Palatinado, e, em particular, à adopção do § 18, n.° 3, da RettDG 1991. Uma tal restrição da concorrência constitui uma violação do artigo 90.° do Tratado, conjugado com o seu artigo 86.°

43.
    A este respeito, é forçoso constatar que o legislador do Land da Renânia-Palatinado, ao adoptar o § 18, n.° 3, da RettDG 1991, cuja aplicação implica a consulta prévia às organizações de saúde sobre qualquer pedido de autorização para fornecer serviços de transporte não urgente de doentes apresentado por um operador independente, favoreceu estas organizações, já titulares de um direito exclusivo no mercado do transporte de emergência, ao permitir-lhes também fornecer tais serviços em regime de exclusividade. A aplicação do § 18, n.° 3, da RettDG 1991 tem, pois, por consequência, limitar «a distribuição [...] em prejuízo dos consumidores», na acepção do artigo 86.°, segundo parágrafo, alínea b), do Tratado, ao reservar para as referidasorganizações de saúde uma actividade auxiliar de transporte, que poderia ser exercida por um operador independente.

Efeitos sobre o comércio entre Estados-Membros

44.
    Para que uma medida como o § 18, n.° 3, da RettDG 1991 seja considerada incompatível com o artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, conjugado com o seu artigo 86.°, deve ainda demonstrar-se que a sua execução afecta o comércio entre Estados-Membros.

45.
    O Landkreis, a ASB, o Vertreter des öffentlichen Interesses, Mainz, e o Governo austríaco mantêm que a medida em questão não tem efeitos apreciáveis sobre o comércio entre os Estados-Membros, dado que a autorização de transporte em ambulância é concedida somente para um sector determinado. Por outro lado, este tipo de transporte é, por definição, uma actividade exercida localmente e é raro ocorrerem serviços de ambulância transfronteiras.

46.
    A Comissão, considerando embora que esta questão releva da apreciação do órgão jurisdicional nacional, afirmou que, dada a proximidade do Land da Renânia-Palatinado com a Bélgica, a França e o Luxemburgo, os transportes transfronteiras não são de excluir. A isto acrescem os casos prováveis de transporte, ao longo de distâncias maiores, de pessoas doentes ou feridas que desejam ser transportadas para outro Estado-Membro ou que são repatriadas para o seu país de origem.

47.
    A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a interpretação e a aplicação da condição relativa aos efeitos sobre o comércio entre Estados-Membros, contida nos artigos 85.° e 86.° do Tratado, devem basear-se no objectivo dessa condição, que é definir, em matéria de regulamentação da concorrência, o domínio de aplicação do direito comunitário e da lei dos Estados-Membros. Deste modo, o direito comunitário cobre qualquer acordo e qualquer prática susceptível de pôr em causa a liberdade de comércio entre os Estados-Membros, duma forma que poderia prejudicar a realização dos objectivos de um mercado único entre os Estados-Membros, em particular através da compartimentação dos mercados nacionais ou afectando a estrutura da concorrência dentro do mercado comum (acórdão de 31 de Maio de 1979, Hugin/Comissão, 22/78, Recueil, p. 1869, n.° 17).

48.
    Para serem susceptíveis de afectar o comércio entre Estados-Membros, uma decisão, um acordo ou uma prática devem, com base num conjunto de elementos de facto e de direito, permitir prever, com um suficiente grau de probabilidade, que possam exercer uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre as correntes de trocas comerciais entre Estados-Membros, e isso de modo a que se possa temer que entravem a realização de um mercado único entre Estados-Membros. É, além disso, necessário que esta influência não seja insignificante (acórdão de 28 de Abril de 1998, Javico, C-306/96, Colect., p. I-1983, n.° 16).

49.
    Em matéria de serviços, esta influência pode consistir, como o Tribunal já decidiu, no facto de as actividades em causa serem organizadas de tal maneira que o mercado comum é compartimentado e a liberdade das prestações de serviços, que constitui um dos objectivos do Tratado, entravada (v. acórdão de 4 de Maio de 1988, Bodson, 30/87, Colect., p. 2479, n.° 24). Da mesma forma, o comércio entre Estados-Membros pode ser afectado por uma medida que impede uma empresa de se estabelecer noutro Estado-Membro para aí fornecer serviços no mercado em questão (v., neste sentido, acórdão de 28 de Janeiro de 1986, Pronuptia, 161/84, Colect., p. 353, n.° 26).

50.
    Cabe, assim, ao órgão jurisdicional nacional verificar se, face às características económicas dos mercados de transporte de emergência e de transporte de doentes, existe um suficiente grau de probabilidade de que uma regra, como o § 18, n.° 3, da RettDG 1991, impeça efectivamente os operadores estabelecidos em Estados-Membros que não o Estado-Membro considerado de neste efectuarem serviços de transporte em ambulância ou mesmo de nele se estabelecerem.

Quanto à justificação nos termos do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado

51.
    Supondo que se tenha demonstrado, tendo em conta o que se disse, que o § 18, n.° 3, da RettDG 1991 é contrário ao artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, conjugado com o seu artigo 86.°, convém ainda averiguar se esta disposição nacional pode ser justificada pela existência de uma missão de gestão de um serviço de interesse económico geral na acepção do artigo 90.°, n.° 2, do referido Tratado.

52.
    O Landkreis, a ASB, o Vertreter des öffentlichen Interesses, Mainz, e o Governo austríaco alegam que é necessário um certo grau de protecção do serviço de emergência médica contra a concorrência dos operadores independentes, mesmo no mercado do transporte não urgente em ambulância.

53.
    Afirmam que o transporte de emergência, que deve ser assegurado 24 horas por dia e em todo o território, exige investimentos dispendiosos em equipamento e em pessoal qualificado. Convém evitar que estes custos não possam, pelo menos parcialmente, ser compensados pelas receitas provenientes dos transportes não urgentes. Ora, não somente a própria presença de operadores independentes nesse mercado tem por efeito reduzir as receitas do serviço de emergência médica como é de esperar, por outro lado, que os referidos operadores, visando o lucro, prefiram prestar os seus serviços, sobretudo, nas zonas densamente povoadas, onde as distâncias são curtas, de tal modo que as organizações de saúde só ficariam encarregadas, para além do transporte de emergência, do transporte de doentes nas zonas isoladas. O Governo austríaco acrescenta que, uma vez que o serviço público de emergência médica é financiado, no fim de contas, quer através de taxas quer através do orçamento dos seguros de doença, existe um sério risco de as perdas inevitáveis do referido serviço ficarem a cargo da sociedade, enquanto os seus lucros potenciais reverteriam a favor dos operadores independentes.

54.
    É, também, do interesse geral que os preços não possam variar segundo as zonas servidas.

55.
    A este respeito, não se pode contestar que as organizações de saúde estão encarregadas de uma missão de interesse económico geral que consiste na obrigação de assegurar permanentemente o transporte de emergência de pessoas doentes ou feridas em todo o território em questão, mediante taxas uniformes e em condições de qualidade semelhantes, independentemente das situações particulares ou do grau de rentabilidade económica de cada operação individual.

56.
    Ora, o artigo 90.°, n.° 2, do Tratado, conjugado com o n.° 1 dessa mesma disposição, permite aos Estados-Membros a atribuição, a empresas por eles incumbidas da gestão de serviços de interesse económico geral, de direitos exclusivos que podem prejudicar a aplicação das normas do Tratado relativas à concorrência, na medida em que restrições à concorrência, ou até a exclusão de qualquer concorrência, por parte de outros operadores económicos, sejam necessárias ao desempenho da missão especial atribuída às empresas titulares de direitos exclusivos (v. acórdão de 19 de Maio de 1993, Corbeau, C-320/91, Colect., p. I-2533, n.° 14).

57.
    Convém, pois, verificar se a restrição à concorrência é necessária para permitir ao titular de um direito exclusivo cumprir a sua missão de interesse geral em condições economicamente aceitáveis. Para esta análise, o Tribunal de Justiça julgou que é necessário partir da premissa de que a obrigação de o titular dessa missão assegurar a prestação dos seus serviços em condições de equilíbrio económico pressupõe a possibilidade de se proceder à compensação entre os sectores de actividades rentáveis e sectores menos rentáveis e justifica, portanto, a limitação da concorrência dos empresários privados nos sectores economicamente rentáveis (acórdão Corbeau, já referido, n.os 16 e 17).

58.
    No processo principal, pelas razões invocadas pelo Landkreis, pela ASB, pelo Vertreter des öffentlichen Interesses, Mainz, e pelo Governo austríaco, constantes do n.° 53 do presente acórdão e que cabe ao juiz nacional verificar, afigura-se que o sistema posto em prática pela RettDG 1991 é susceptível de permitir às organizações de saúde cumprirem a sua missão em condições economicamente aceitáveis. Em particular, resulta do processo que as receitas do transporte não urgente contribuem para cobrir as despesas relativas ao serviço de transporte de emergência.

59.
    É verdade que, no n.° 19 do acórdão Corbeau, já referido, o Tribunal de Justiça considerou que a exclusão da concorrência não se justifica em certos casos em que estejam em causa serviços específicos, dissociáveis do serviço de interesse geral em questão, na medida em que estes serviços não ponham em causa o equilíbrio económico do serviço de interesse económico geral assumido pelo titular do direito exclusivo.

60.
    Todavia, não é esse o caso dos dois serviços em causa no processo principal, designadamente, por duas razões. Em primeiro lugar, diferentemente dos factos doprocesso que culminou no acórdão Corbeau, já referido, os dois serviços em causa, assumidos tradicionalmente pelas organizações de saúde, estão de tal modo ligados que os serviços de transporte não urgente de doentes são dificilmente dissociáveis da missão de interesse económico geral que constituem os serviços de transporte de emergência e com a qual têm, aliás, características comuns.

61.
    Em segundo lugar, a extensão dos direitos exclusivos das organizações de saúde ao sector do transporte não urgente de doentes permite-lhes precisamente assegurar a sua missão de interesse geral, relacionada com o transporte de emergência, em condições de equilíbrio económico. A possibilidade que os empresários privados teriam de se concentrarem, nos serviços de transporte não urgente, em trajectos mais lucrativos poderia causar prejuízo à viabilidade económica do serviço fornecido pelas organizações de saúde e, consequentemente, pôr em causa a qualidade e a fiabilidade do referido serviço.

62.
    Contudo, como sublinhou o advogado geral no n.° 188 das suas conclusões, só se se tiver demonstrado que as organizações de saúde encarregadas da gestão do serviço de emergência médica não estavam manifestamente em condições de satisfazer permanentemente a procura de transporte de emergência médica e de transporte de doentes, é que a justificação da extensão dos seus direitos exclusivos, fundada na missão de interesse geral, não poderia ser admitida.

63.
    A este respeito, a Ambulanz Glöckner argumenta que o § 18, n.° 3, da RettDG 1991 favorece, precisamente, uma situação em que as organizações de saúde nem sempre estão em condições de satisfazer plenamente e a preços aceitáveis a procura que o mercado do transporte de doentes representa (v., por analogia, acórdãos de 23 de Abril de 1991, Höfner e Elser, C-41/90, Colect., p. I-1979, n.° 31, e de 11 de Dezembro de 1997, Job Centre, C-55/96, Colect., p. I-7119, n.° 35). Pelo contrário, o Landkreis e a ASB afirmam que o serviço público de emergência médica está, incontestavelmente, em condições de satisfazer tanto a procura de transporte de emergência como a relativa ao transporte de doentes, mesmo na ausência de empresas privadas.

64.
    Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, efectivamente, as organizações de saúde que ocupem uma posição dominante nos mercados em causa estão em condições de satisfazer a procura e de preencher não somente a sua obrigação legal de fornecer serviços de emergência médica em todas as situações e 24 horas por dia como também de oferecer os serviços de transporte de doentes de maneira eficaz.

65.
    Consequentemente, uma disposição como o § 18, n.° 3, da RettDG 1991 está justificada pelo artigo 90.°, n.° 2, do Tratado, desde que não constitua obstáculo à concessão de uma autorização a operadores independentes, no caso de se provar que as organizações de saúde encarregadas da gestão do serviço de emergência médica são, manifestamente, incapazes de satisfazer a procura no domínio dos serviços de transporte de emergência médica e de transporte de doentes.

66.
     Tendo em conta o que se expôs, cabe responder à questão prejudicial que:

-    uma disposição nacional, como o § 18, n.° 3, da RettDG 1991, segundo a qual a autorização necessária para o fornecimento dos serviços de transporte em ambulância é recusada pela autoridade competente quando a sua utilização for susceptível de prejudicar o funcionamento e a rentabilidade do serviço de emergência médica, cuja gestão foi confiada a organizações de saúde como as que estão em causa no processo principal, pode conferir a estas últimas um direito especial ou exclusivo na acepção do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado;

-    uma vez que a decisão de conceder ou de recusar a referida autorização é     tomada unilateralmente pelas autoridades competentes e sob a sua exclusiva responsabilidade, em função das condições fixadas pela lei e na ausência de acordo ou de concertação das referidas autoridades com as próprias organizações de saúde, ou destas últimas entre si, não há violação do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, conjugado com o artigo 85.°, n.° 1, alínea c), deste último;

-    uma disposição nacional, como o § 18, n.° 3, da RettDG 1991, viola o artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, conjugado com o artigo 86.° deste último, quando se prove que:

    -    as organizações de saúde detêm uma posição dominante no mercado         dos serviços de transporte de emergência,

    -    esta posição dominante existe numa parte substancial do mercado         c o m u m , e

    -    existe um suficiente grau de probabilidade, tendo em conta as características económicas do mercado em causa, de que esta disposição impeça efectivamente as empresas estabelecidas em Estados-Membros que não o Estado-Membro considerado de neste efectuarem serviços de transporte em ambulância, ou mesmo de nele se estabelecerem;

-    contudo, uma disposição como o § 18, n.° 3, da RettDG 1991 está justificada, face ao artigo 90.°, n.° 2, do Tratado, desde que não constitua obstáculo àconcessão de uma autorização a operadores independentes, no caso de se provar que as organizações de saúde encarregadas da gestão do serviço de emergência médica não estão, manifestamente, em condições de satisfazer a procura no domínio dos serviços de transporte de emergência médica e de transporte de doentes.

Quanto às despesas

67.
    As despesas efectuadas pelo Governo austríaco e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Oberverwaltungsgericht Rheinland-Pfalz, por despacho de 8 de Dezembro de 1999, declara:

-    uma disposição nacional, como o § 18, n.° 3, da Rettungsdienstgesetz (lei sobre o serviço de socorros), na sua versão de 22 de Abril de 1991, segundo a qual a autorização necessária para o fornecimento dos serviços de transporte em ambulância é recusada pela autoridade competente quando a sua utilização for susceptível de prejudicar o funcionamento e a rentabilidade do serviço de emergência médica, cuja gestão foi confiada a organizações de saúde como as que estão em causa no processo principal, pode conferir a estas últimas um direito especial ou exclusivo na acepção do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 86.°, n.° 1, CE);

-    uma vez que a decisão de conceder ou de recusar a referida autorização é tomada unilateralmente pelas autoridades competentes e sob a sua exclusiva responsabilidade, em função das condições fixadas pela lei e na ausência de acordo ou de concertação das referidas autoridades com as próprias organizações de saúde, ou destas últimas entre si, não há violação do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, conjugado com o artigo 85.°, n.° 1, alínea c), do Tratado CE [actual artigo 81.°, n.° 1, alínea c), CE];

-    uma disposição nacional, como o § 18, n.° 3, da Rettungsdienstgesetz, na sua versão de 22 de Abril de 1991, viola o artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, conjugado com o artigo 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE), quando se prove que:

    -    as organizações de saúde como as em causa no processo principal detêm uma posição dominante no mercado dos serviços de transporte de emergência,

    -    esta posição dominante existe numa parte substancial do mercado comum, e

    -    existe um suficiente grau de probabilidade, tendo em conta as características económicas do mercado em causa, de que esta disposição impeça efectivamente as empresas estabelecidas em Estados-Membros que não o Estado-Membro considerado de neste efectuarem serviços de transporte em ambulância, ou mesmo de nele se estabelecerem;

-    contudo, uma disposição como o § 18, n.° 3, da Rettungsdienstgesetz, na sua versão de 22 de Abril de 1991, está justificada, face ao artigo 90.°, n.° 2, do Tratado, desde que não constitua obstáculo à concessão de uma autorização a operadores independentes, no caso de se provar que as organizações de saúde encarregadas da gestão do serviço de emergência médica não estão, manifestamente, em condições de satisfazer a procura no domínio dos serviços de transporte de emergência médica e de transporte de doentes.

von Bahr
Edward
La Pergola

        Wathelet                        Timmermans

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de Outubro de 2001.

O secretário

O presidente da Quinta Secção

R. Grass

P. Jann


1: Língua do processo: alemão.