Language of document : ECLI:EU:C:2018:487

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 21 de junho de 2018 (1)

Processo C337/17

Feniks Sp. z o.o.

contra

Azteca Products & Services SL

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Okręgowy w Szczecinie (Tribunal Regional de Szczecin, Polónia)]

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Competência judiciária em matéria civil e comercial — Competências especiais — Matéria contratual — Actio pauliana»






I.      Introdução

1.        No período clássico da história de Roma, todos os estrangeiros eram considerados inimigos do Estado. Não podiam beneficiar de quaisquer direitos ou de qualquer proteção do ius civile, reservado apenas aos cidadãos romanos (2). Mais tarde, especialmente durante o período imperial, foi autorizado um certo grau de pluralismo jurídico, em particular nas províncias do Império, em permanente alargamento. Além disso, a aplicabilidade do ius civile a não‑cidadãos foi sendo gradualmente permitida através de várias figuras jurídicas, tais como a «ficção de cidadania» (3), explicada por Gaio nos seguintes termos: […] pode fingir‑se que um estrangeiro possui a cidadania romana no caso de ele pôr, ou de lhe ser posta a ele, uma ação admitida pelas nossas leis, desde que seja justo alargar essa ação a um estrangeiro […]» (4).

2.        Em todo o caso, tal ação era apreciada no âmbito ou pelas instituições do Império Romano, entendido em termos amplos. Politicamente, não existiam Estados soberanos dentro do Império, entre os quais pudessem surgir conflitos de leis na aceção moderna (entre ordenamentos jurídicos com igual soberania). Por conseguinte, quando, por volta dos anos 150 a. C. a 125 a. C., um preator de nome Paulus aparentemente admitiu, pela primeira vez, uma ação que permitia ao credor impugnar os atos realizados de forma fraudulenta pelo devedor em prejuízo desse credor, ação que, mais tarde, se tornou conhecida como actio pauliana (5), a questão da competência judiciária para tal ação simplesmente não se colocou.

3.        Anno Domini 2018, a situação é diferente. As sociedades comerciais polacas Feniks Sp. z o.o., com sede em Szczecin (a seguir «Feniks») e COLISEUM 2101 Sp. z o.o., igualmente com sede em Szczecin (a seguir «COLISEUM»), celebraram um contrato relativo a um projeto de desenvolvimento na Polónia. A COLISEUM celebrou outros contratos com subcontratantes, mas não conseguiu pagar‑lhes. Em vez disso, esses subcontratados foram pagos pela Feniks. Em consequência, a COLISEUM tornou‑se devedora da Feniks.

4.        Posteriormente, a COLISEUM vendeu um terreno situado na Polónia à Azteca Products & Services SL, com sede em Alcora (Espanha) (a seguir «Azteca»). O preço de venda foi estabelecido tendo em conta a compensação de uma dívida existente da COLISEUM para com a Azteca.

5.        A Feniks intentou uma ação judicial contra a Azteca nos termos das disposições do Código Civil polaco que preveem uma figura jurídica conhecida como actio pauliana, com vista a obter a declaração de ineficácia da venda do imóvel em relação à Feniks. Essa ação foi intentada no Sąd Okręgowy w Szczecinie (Tribunal Regional de Szczecin), o órgão jurisdicional de reenvio. Esse órgão jurisdicional tem dúvidas sobre a competência judiciária internacional dos órgãos jurisdicionais polacos. Considera que a competência judiciária apenas pode ser atribuída se o pedido em causa puder ser qualificado de «matéria contratual» na aceção do Regulamento n.o 1215/2012 (6). Se assim não for, a competência judiciária internacional será determinada de acordo com a regra geral da competência judiciária do Estado‑Membro do domicílio do demandado, neste caso a Espanha, onde a Azteca tem a sua sede.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

6.        Uma vez que o processo principal teve início em 11 de julho de 2016, é aplicável ratione temporis o Regulamento (UE) n.o 1215/2012 (7).

7.        Os considerandos 15 e 16 do Regulamento n.o 1215/2012 dispõem que:

«(15)      As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar‑se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. Os tribunais deverão estar sempre disponíveis nesta base, exceto nalgumas situações bem definidas em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam um critério de conexão diferente. […]

(16) O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça.»

8.        Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1215/2012, este não se aplica às «falências, concordatas e processos análogos».

9.        O artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 dispõe que: «Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado‑Membro».

10.      O artigo 5.o, n.o 1, prevê que: «As pessoas domiciliadas num Estado‑Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado‑Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo».

11.      O artigo 7.o, que integra a secção 2 do capítulo 2 do mesmo regulamento prevê que: «As pessoas domiciliadas num Estado‑Membro podem ser demandadas noutro Estado‑Membro:

1)      a)      Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b)      Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

–        no caso da venda de bens, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,

–        no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;

c)      Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a).»

B.      Direito nacional

12.      O artigo 527.o e seguintesda ustawa z dnia 23 kwietnia 1964 — Kodeks cywilny (Lei de 23 de abril de 1964, que institui o Código Civil, Dziennik Ustaw de 2017, n.o 459) (a seguir «Código Civil») estabelece no direito polaco o instituto jurídico designado actio pauliana. O artigo 527.o tem a seguinte redação:

«1.      Se, em razão de um ato jurídico de um devedor praticado em prejuízo dos seus credores, um terceiro obtiver uma vantagem económica, qualquer um dos credores pode pedir que esse ato seja declarado ineficaz em relação a ele, se o devedor tiver atuado de má‑fé em seu prejuízo e o terceiro tiver devesse ter conhecimento dessa circunstância caso tivesse atuado com a devida diligência.

2.      Considera‑se que o ato jurídico foi praticado em prejuízo dos credores se dele resultar a insolvência do devedor ou o agravamento da situação de insolvência anterior à prática do ato.

3.      Se quem obteve a vantagem económica resultante do ato jurídico do devedor, praticado em prejuízo dos credores, for pessoa próxima do devedor, presume‑se que sabia que o devedor atuou de má‑fé em prejuízo dos credores.

4.      Se quem obteve a vantagem económica resultante de um ato jurídico do devedor, praticado em prejuízo dos credores, for um empresário com uma relação comercial estável com o devedor, presume‑se que sabia que o devedor atuou de má‑fé em prejuízo dos credores».

13.      Nos termos do artigo 530.o do Código Civil «[a]s disposições anteriores aplicam‑se mutatis mutandis se o devedor tiver atuado intencionalmente em prejuízo de futuros credores. Contudo, se o terceiro tiver obtido uma vantagem económica a título oneroso, o credor só pode pedir a declaração de ineficácia do ato se esse terceiro tivesse tido conhecimento da intenção do devedor».

14.      O artigo 531.o do Código Civil tem a seguinte redação:

«1.      O ato jurídico do devedor praticado em prejuízo dos credores pode ser declarado ineficaz, por via de ação ou de exceção, contra o terceiro que obteve a vantagem económica em razão desse ato.

2.      Se o terceiro tiver disposto da vantagem obtida, o credor pode demandar diretamente o beneficiário desse ato de disposição se este conhecia as circunstâncias que justificam a declaração de ineficácia do ato jurídico do devedor ou se o ato de disposição tiver tido caráter gratuito».

15.      O artigo 533.o do Código Civil dispõe que «[o] terceiro que tiver obtido uma vantagem económica em razão de um ato jurídico praticado pelo devedor em prejuízo dos credores pode subtrair‑se à obrigação de dar cumprimento ao pedido de declaração de ineficácia do ato em causa se satisfizer o crédito do referido credor ou se indicar bens do devedor suficientes para satisfazer o crédito em causa».

III. Factos, processo principal e questões prejudiciais

16.      A sociedade COLISEUM 2101 Sp. z o.o. tem sede em Szczecin (Polónia). Na qualidade de contratante geral, celebrou um contrato com a Feniks Sp. z o.o., com sede igualmente em Szczecin, na qualidade de investidor (a seguir «demandante»). O contrato dizia respeito a uma empreitada a realizar em Gdańsk (Polónia). A COLISEUM celebrou vários contratos com subcontratantes, mas depois não cumpriu as suas obrigações em relação a nenhuma deles.

17.      Em conformidade com as regras do direito polaco relativas à responsabilidade solidária, a Feniks pagou, nos termos de acordos condicionais e de acordos de assunção de dívida, o montante de 757 828.10 zlótis polacos (PLN) devido pela COLISEUM aos subcontratantes. Em consequência, a Feniks tornou‑se credora da COLISEUM no montante total de 1 396 495.48 PLN.

18.      Através de um contrato celebrado em 30 de janeiro de 2012, em Szczecin, a COLISEUM vendeu à Azteca Products & Services SL, com sede em Alcora (Espanha) (a seguir «demandada»), um bem imóvel de que era proprietária, situado em Szczecin.

19.      Assim, a demandada tornou‑se devedora da COLISEUM no montante de 6 079 275 PLN. Por seu turno, a COLISEUM era devedora da demandante no montante de 4 987 861.30 PLN, a título de contratos de mútuo. Através de outro contrato celebrado em Szczecin, em 31 de janeiro de 2012, a demandada e a COLISEUM procederam a uma compensação de créditos. Em consequência, a demandada tinha de pagar à COLISEUM o montante de 1 091 413.70 PLN.

20.      Segundo a demandante, a COLISEUM está insolvente, o contrato de compra e venda do imóvel agravou essa situação de insolvência e, ao celebrar o referido contrato, a COLISEUM atuou de má‑fé em prejuízo dos credores atuais e futuros.

21.      Por essa razão, em 11 de julho de 2016, a demandante intentou uma ação contra a demandada no Sąd Okręgowy w Szczecinie (Tribunal Regional de Szczecinie), com vista a obter a declaração de ineficácia do contrato de compra e venda do imóvel no que lhe diz respeito.

22.      Para fundamentar a competência judiciária internacional desse órgão jurisdicional, a demandante invocou o artigo 7.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012. Salientou que a expressão «sprawy dotyczące umowy» («matéria contratual») deve ser interpretada no sentido de que diz respeito a uma situação em que um contrato é o fundamento de um processo judicial destinado a decidir de um pedido diretamente relacionado com esse contrato. É o caso da actio pauliana intentada contra a demandada.

23.      A demandada alegou que os órgãos jurisdicionais polacos não têm competência e pediu que a ação fosse julgada improcedente. Na sua opinião, a declaração de ineficácia de um ato não é «matéria contratual» na aceção do artigo 7.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012. Considerou igualmente que o pedido em causa não se enquadra em nenhuma das competências especiais ou exclusivas previstas no Regulamento n.o 1215/2012. Considerou que, uma vez que a demandada tem sede em Espanha, a ação devia ser intentada nesse Estado‑Membro de acordo com a regra geral prevista no artigo 4.o do Regulamento n.o 1215/2012.

24.      Neste contexto, o Sąd Okręgowy w Szczecinie (Tribunal Regional de Szczecinie) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«a)      A ação de declaração de ineficácia de um contrato de compra e venda de um bem imóvel situado no território de outro Estado‑Membro, interposta contra um comprador cuja sede está situada no território de outro Estado‑Membro, em razão do prejuízo causado aos credores do vendedor, tendo o referido contrato sido celebrado e integralmente executado no território desse outro Estado‑Membro, constitui «matéria contratual» na aceção do artigo 7.o, [ponto] 1, alínea a), do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial?

b)      Para responder à questão precedente deve aplicar‑se o princípio do acte éclairé, por referência ao Acórdão do Tribunal de Justiça, de 17 de junho de 1992, Handte (C‑26/91, EU:C:1992:268), ainda que esse acórdão diga respeito à responsabilidade do fabricante por vícios da coisa, numa situação em que este não podia prever a quem os bens seriam subsequentemente vendidos, e, por conseguinte, quem poderia demandá‑lo, ao passo que, numa ação contra um comprador «cujo objeto é a declaração de ineficácia de um contrato de compra e venda de um bem imóvel» em razão do prejuízo causado aos credores do vendedor, se exige, para que a ação possa ser julgada procedente, que o comprador tivesse conhecimento de que o ato jurídico (contrato de compra e venda) causava prejuízo aos credores, e que, portanto, um credor pessoal do vendedor poderia vir a demandá‑lo?»

25.      Foram apresentadas alegações escritas pela demandante, pela demandada, pelo Governo polaco, pelo Governo da Confederação Helvética e pela Comissão. A demandante, a demandada, o Governo polaco e a Comissão apresentaram alegações orais na audiência realizada em 11 de abril de 2018.

IV.    Análise

26.      O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se um pedido de actio pauliana, deduzido nos termos do Código Civil polaco, pode ser considerado «matéria contratual» na aceção do artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2015. Pretende igualmente saber se a jurisprudência do Tribunal de Justiça no Acórdão Handte (8)se aplica a esta situação.

27.      Abordarei ambas as questões conjuntamente. Em primeiro lugar, sublinharei as origens e as diferentes formas existentes de actio pauliana (A). Em segundo lugar, analisarei as regras de competência judiciária da UE relativas à actio pauliana e explicarei por que razão considero que a actio pauliana não pode, no contexto específico do presente processo, ser qualificada como «matéria contratual» (B). Por último, abordarei a mesma questão a um nível geral: após várias decisões do Tribunal de Justiça que determinaram o que a actio pauliana não é, talvez tenha chegado o momento de saber o que constitui efetivamente uma actio pauliana como a que está em causa no processo principal e de que forma esta deve ser considerada para efeitos de determinação da competência judiciária (C).

A.      As origens e as várias facetas da actio pauliana

28.      A actio pauliana tem as suas raízes no direito romano (1). Atualmente, embora se mantenham algumas características comuns herdadas desse tempo, existem, de facto, várias formas nacionais diferentes de actio pauliana nos Estados‑Membros (2).

1.      Direito romano

29.      Como explicou o advogado‑geral R.‑J. Colomer, já no tempo dos romanos, a actio pauliana evoluíra de «um instrumento executivo que conferia ao credor o direito de vender o devedor […] como escravo» para um processo «que permitia ao credor rescindir os atos que o devedor tivesse realizado fraudulentamente em seu prejuízo» intentando uma ação «contra o terceiro adquirente do bem litigioso» (9).

30.      No período clássico, afigura‑se que existiam dois meios jurídico‑processuais especiais para resolver a questão da transmissão fraudulenta de bens: a restitutio in integrum ob fraudem e o interdictum fraudatorium (10).

31.      Em primeiro lugar, a restitutioin integrum ob fraudem permitia ao administrador da insolvência (curator bonorum)pedir ao respetivo pretor que ordenasse a reintegração dos bens transmitidos de forma fraudulenta no património do devedor. Este meio jurídico‑processual era geralmente acionado após o início do processo de insolvência, mas antes da execução dos bens. Possibilitava que os bens transmitidos de forma fraudulenta fossem tidos em conta na execução do património do devedor.

32.      Em segundo lugar, a interdictum fraudatorium era um meio jurídico‑processual à disposição de um determinado credor. O credor afetado podia pedir ao pretor que emitisse um édito (interdictum) para que os bens transmitidos de forma fraudulenta fossem restituídos ao património do devedor, de forma que o credor afetado pudesse obter uma indemnização pelos danos causados por essa transmissão.

33.      O Código de Justiniano parece ter fundido estes dois meios jurídico‑processuais numa ação designada por pauliana (11). É interessante observar (porventura com alguma relevância para a atualidade) que aparentemente se acreditava que a natureza da ação era bastante semelhante, independentemente de ser intentada no âmbito de um procedimento de insolvência ou por um credor individual, justificando, portanto, a fusão destes dois meios jurídico‑processuais, até aí distintos, num só.

34.      Em todo o caso, parece existir um consenso quanto a três elementos que definem tal ação (12): primeiro, a existência de dano efetivo (de natureza objetiva) no momento em que a ação é intentada (eventus damni); segundo, a intenção do devedor de prejudicar os seus credores (consilium fraudis), ou seja, a vontade por parte do devedor de praticar um eventus damni; e, terceiro, a má‑fé do terceiro (scientia fraudis), o conhecimento do terceiro de que o ato fraudulento foi praticado com a consilium fraudis do devedor.

2.      Formas nacionais na atualidade

35.      Hoje em dia, a expressão «actio pauliana» é geralmente utilizada para referir um tipo específico de meio jurídico‑processual que confere ao credor a possibilidade de obter a declaração de ineficácia de um ato no que lhe diz respeito, se esse ato tiver sido praticado por um devedor para dissipar o seu património transmitindo os seus bens a um terceiro. Normalmente, o credor demanda diretamente o terceiro. O conceito de actio pauliana é descrito como uma «série de técnicas para conceder proteção aos credores nos casos em que o devedor dissipa os seus bens penhoráveis para evitar pagar as suas dívidas» (13).

36.      Contudo, numa observação mais atenta, os elementos comuns dão lugar a muitas diferenças. Talvez não no tipo, mas certamente na forma como a figura jurídica é executada. Falando metaforicamente, tal como no filme Cloud Atlas (14), vários temas e motivos (gerais) permanecem iguais ao longo do filme, enquanto as épocas, os rostos e os lugares (reais) em que esses temas se desenvolvem e se repetem vão mudando. Numa perspetiva comparativa, existem atualmente dois elementos comuns, mas também, pelo menos, duas divergências significativas entre os Estados‑Membros.

37.      O primeiro elemento comum é a relação triangular entre as três partes, assente i) na existência de uma dívida entre o devedor e o credor, ii) numa transação entre o devedor e o terceiro e iii) na existência de uma «intenção de defraudar» por parte do devedor — bem como no conhecimento desse facto por parte do cessionário. Nesta relação triangular, a função da actio pauliana é, em todos os sistemas, essencialmente de proteção: limitar os efeitos jurídicos, em relação ao credor, do ato de disposição dos bens do devedor sempre que tal ato de disposição limite a possibilidade de o credor cobrar a dívida (15).

38.      Uma segunda característica relativamente comum é a divisão interna da actio pauliana entre a sua forma mais geral no contexto do direito civil e a sua expressão mais específica no contexto da insolvência (16). A principal diferença entre estas duas categorias de ações «radica nos efeitos que produzem»: o direito civil «limita‑os aos credores individuais demandantes», enquanto, nos termos das regras da insolvência, o benefício diz respeito a todos os credores abrangidos pelo processo de insolvência (17).

39.      No que diz respeito às diferenças, em primeiro lugar, ao nível da qualificação conceptual da actio pauliana, parece não existir consenso quanto à questão de saber se a actio pauliana constitui um direito in rem, ligado aos bens fraudulentamente transmitidos, ou um direito in personam, ligado ao próprio credor. De acordo com algumas opiniões, esta última abordagem afigura‑se dominante, «ainda que se reconheçam alguns efeitos reais [da actio pauliana]» (18).

40.      De facto, tal diferenciação tem raízes muito mais profundas. Está relacionada com a perceção sistemática e a qualificação da actio pauliana no respetivo sistema jurídico. Alguns ordenamentos jurídicos nacionais preveem essa ação no âmbito das disposições legais relativas ao processo de execução. Outros ordenamentos regulam‑na através de disposições de caráter substantivo, como as aplicáveis aos contratos e às obrigações. Há igualmente ordenamentos jurídicos que concebem a ação como um meio jurídico‑processual geral, sistematicamente relacionado com a questão da validade ou oponibilidade de atos jurídicos. Este parece ser também o cenário das regras polacas referidas no despacho de reenvio.

41.      Em segundo lugar, e mais importante para o presente processo, um estudo comparativo revela mais diferenças quando se trata de qualificar a actio pauliana para efeitos de determinar a competência judiciária internacional e a lei que lhe é aplicável (19). Em ambos os casos, o facto de a actio pauliana dizer respeito a uma relação triangular entre o credor, o devedor e um cessionário cria dificuldades na qualificação das relações jurídicas que emergem neste contexto. Essas dificuldades decorrem da multiplicidade de fatores de conexão e de interesses em causa, uma vez que tal multiplicidade torna difícil identificar «qualquer desses interesses como predominante e orientador» (20).

B.      Actio pauliana e regras de competência judiciária da União

42.      Ao nível da competência judiciária internacional, a questão chave que deve ser colocada, antes de mais, é a de saber se um determinado pedido de actio pauliana é apresentado no contexto de um processo de insolvência ou fora desse contexto. Consoante a resposta, serão aplicáveis regras de competência judiciária e de direito substantivo diferentes.

43.      O Tribunal de Justiça esclareceu desde cedo que uma actio pauliana apresentada no contexto de um processo de insolvência não é abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012 (e das normas que o antecederam) porque o seu artigo 1.o, n.o 2, alínea b), exclui a matéria relativa à insolvência (21).

44.      As regras de competência judiciária específicas que se aplicam no contexto da insolvência estão definidas no Regulamento da Insolvência (22). O Tribunal de Justiça forneceu orientações suplementares sobre quando se considera que um determinado pedido de anulação de um ato se insere no contexto da insolvência. A aplicação dessas orientações pode nem sempre ser simples, uma vez que está extremamente dependente do contexto factual e jurídico de cada caso concreto (23).

45.      No contexto do presente processo, o despacho de reenvio refere que a COLISEUM está insolvente. Contudo, afigura‑se que o pedido de declaração de insolvência dessa sociedade comercial não foi julgado procedente. Tal foi igualmente confirmado na audiência. Daqui decorre que, quando a demandante intentou a ação contra a demandada, a COLISEUM não era objeto de qualquer processo de insolvência. Em consequência, as regras relevantes para determinar a competência judiciária internacional devem ser encontradas no Regulamento n.o 1215/2012.

46.      No entanto, nem o Regulamento n.o 1215/2012 nem as normas que o antecederam contêm qualquer regra sobre qual o órgão jurisdicional com competência judiciária para apreciar um pedido como a actio pauliana que está em causa no processo principal. De igual modo, os Regulamentos Roma I (24) e Roma II (25), que tratam, respetivamente, da lei aplicável às obrigações contratuais e da lei aplicável às obrigações extracontratuais, nada dispõem sobre esta matéria, pelo que não oferecem qualquer fonte de inspiração quanto à forma como deve ser tratada a questão da actio pauliana (26).

47.      Dito isto, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de tomar posição sobre vários critérios de atribuição de competência judiciária admitidos (e excluídos) neste contexto (1). A questão principal suscitada no presente processo é a de saber se um critério de atribuição de competência judiciária que não foi expressamente analisado (ou seja, o que diz respeito a «matéria contratual») pode ser aplicado num processo com as características do presente processo (2).

1.      Critérios de competência judiciária já excluídos

48.      O Tribunal de Justiça esclareceu que uma ação semelhante nas suas características principais à que está em causa no presente processo (27) não pode ser considerada abrangida pelos critérios de atribuição de competência judiciária exclusiva ou especial em matéria de direitos reais sobre imóveis (28), execução de decisões (29), medidas provisórias (30) e responsabilidade extracontratual (31).

49.      No Acórdão Reichert I (32), o Tribunal de Justiça declarou que a actio pauliana prevista no direito civil francês não é abrangida pela competência judiciária exclusiva em matéria de direitos reais sobre imóveis. Nesse processo, o casal Reichert, domiciliado na Alemanha, doou um bem imóvel situado em França ao seu filho. O credor do casal, o Dresden Bank, impugnou essa transmissão num tribunal francês.

50.      O Tribunal de Justiça explicou que a competência judiciária exclusiva para ações sobre direitos reais «não abrange a totalidade das ações sobre direitos reais sobre imóveis, mas apenas aquelas que […] se destinam a determinar o alcance, a consistência, a propriedade, a posse de um bem imóvel ou a existência de outros direitos reais sobre esses bens e a garantir aos titulares desses direitos a proteção das prerrogativas ligadas ao seu título». Tal não era o caso na ação em causa, que «encontra o seu fundamento no direito de crédito, direito pessoal do credor relativamente ao devedor, e tem por objeto proteger o direito de garantia de que pode dispor o primeiro sobre o património do segundo. Se ela for julgada procedente, tem como consequência tornar inoponível ao credor o ato de disposição praticado pelo devedor em violação dos seus direitos». Além isso, «o seu exame não exige a apreciação de factos nem a aplicação das regras e usos do local onde se situa o bem que seriam suscetíveis de justificar a competência de um juiz do Estado onde se situa o imóvel» (33). Por último, o Tribunal de Justiça observou que essa conclusão não era afetada pelo facto de as regras relativas ao registo predial em vigor poderem exigir que sejam propostas ações no Estado onde se situa o imóvel (34).

51.      Pouco tempo depois, o Tribunal de Justiça acrescentou, no Acórdão Reichert II (35), que essa actio pauliana não era nem uma medida provisória nem um processo judicial relativo à execução de uma decisão. Também não se tratava de matéria extracontratual, de responsabilidade delitual ou quase delitual.

52.      O Tribunal de Justiça explicou que, em primeiro lugar, o tipo de ação em causa não constitui nem uma medida provisória nem uma medida cautelar e, em segundo lugar, «embora preserve assim os interesses do credor tendo em vista […] a posterior execução forçada da obrigação, ela não se destina a fazer dirimir um diferendo relativo ao “recurso à força, à coerção ou ao desapossamento de bens móveis e imóveis para assegurar a execução material de decisões e atos”» (36). Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça declarou ainda que não era aplicável a competência judiciária em matéria extracontratual porque o objetivo da actio pauliana «não consiste em obter a condenação do devedor a indemnizar o credor pelos prejuízos que lhe causou com o ato violador, e sim em suprimir, em relação ao credor, os efeitos do ato de disposição praticado pelo devedor. Ela é dirigida não só contra o devedor, mas também contra o beneficiário do ato, terceiro relativamente à obrigação existente entre credor e devedor, mesmo que, sendo a título gratuito, este não tenha praticado qualquer ato ilícito» (37).

53.      Nestes dois acórdãos, o Tribunal de Justiça analisou a aplicabilidade dos critérios de atribuição de competência judiciária especial ou exclusiva que poderiam ser admitidos no contexto da actio pauliana, com exceção do relativo à matéria contratual. A potencial aplicabilidade deste critério de atribuição de competência judiciária, que analisarei na secção que se segue, está no cerne do presente processo.

2.      Presente processo: «matéria contratual»?

54.      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que «o conceito de “matéria contratual” deve ser interpretado de maneira autónoma com vista a assegurar a aplicação uniforme deste em todos os Estados‑Membros» (38). No Acórdão Handte, invocado pelo órgão jurisdicional de reenvio, bem como na jurisprudência relacionada, o Tribunal de Justiça explicou que a aplicabilidade desse critério de atribuição de competência judiciária exige que exista um «compromisso livremente assumido por uma parte relativamente à outra» (39), no qual a ação do demandante se fundamenta, embora não exija a celebração de um contrato (40). Por outras palavras, a possibilidade de remeter para esse critério de atribuição de competência judiciária baseia‑se na causa de pedir (41) e não na identidade das partes (42). Todavia, é necessária a identificação de uma obrigação «dado que a competência do órgão jurisdicional nacional é fixada […] em função do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida» (43).

55.      De acordo com algumas opiniões, o Tribunal de Justiça já excluiu implicitamente, no Acórdão Reichert, a aplicabilidade de um critério de atribuição de competência judiciária em matéria contratual à actio pauliana prevista no direito francês. Neste sentido, o advogado‑geral C. Gulmann observou, no processo que deu origem ao Acórdão Reichert II, que «não seria provavelmente nem correto nem útil considerar esta ação como sendo de natureza contratual, e isso mesmo que o crédito do credor contra o devedor tenha por base uma convenção […] e mesmo que o ato de disposição impugnado consista na transferência de um bem patrimonial» (44). Idêntica opinião foi expressa pelo advogado‑geral R.‑J. Colomer no processo que deu origem ao Acórdão Deko Marty Belgium, quando comentou que «[r]esulta da decisão a competência dos tribunais do Estado do domicílio do demandado, apesar de [o Tribunal de Justiça] não o dizer expressamente [no Acórdão Reichert I]» (45). Alguns académicos exprimiram também uma opinião semelhante (46).

56.      Contudo, a verdade é que o Tribunal de Justiça nunca excluiu expressamente a aplicabilidade do critério de atribuição de competência judiciária em matéria contratual. A razão pragmática para tal é que, no contexto específico dos dois Acórdãos Reichert, essa questão não foi submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio. Em contrapartida, a questão relativa ao critério de atribuição de competência judiciária foi expressamente objeto de uma questão prejudicial no presente processo.

57.      É verdade que, na maioria das situações, é provável que o pretenso ato fraudulento (entre o devedor e o cessionário) seja de natureza contratual. Muitas vezes o direito subjacente que o credor procura proteger através da actio pauliana é igualmente de natureza contratual.

58.      Poderia dizer‑se que, no presente processo, o cenário é idêntico, embora não seja totalmente claro se o demandante pagou as dívidas da COLISEUM por estar vinculado por obrigações contratuais, por obrigações legais (por causa da responsabilidade solidária imposta por lei) ou por uma conjugação de ambas.

59.      Contudo, mesmo admitindo que ambas as relações jurídicas identificadas no presente processo (demandante‑COLISEUM, COLISEUM‑demandada) são de natureza contratual, será esse elemento contratual subjacente motivo suficiente para concluir que a actio pauliana em causa é abrangida pelo critério de atribuição de competência judiciária em «matéria contratual»?

60.      A demandada, os Governos polaco e suíço, bem como a Comissão consideram que a actio pauliana em causa no processo principal não é abrangida pelo artigo 7.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012.

61.      Concordo com a conclusão proposta por estes intervenientes, embora por razões diferentes.

62.      Admitindo que há que reconhecer a aplicabilidade do critério de atribuição de competência judiciária em matéria contratual, a questão que imediatamente se coloca é: qual dos dois contratos potencialmente abrangidos deve ser considerado relevante? A qual dos dois contratos diz efetivamente respeito a actio pauliana?

63.      Em teoria, podem ser admitidas três opções.

64.      Em primeiro lugar, pode afirmar‑se que a actio pauliana diz respeito ao contrato que foi celebrado primeiro, entre a demandante (como credor) e a COLISEUM (como devedor). A lógica subjacente à ligação entre a actio pauliana e esse contrato é a de assegurar determinados direitos e obrigações decorrentes desse primeiro contrato, designadamente a obtenção do reembolso do montante correspondente à dívida da COLISEUM. Portanto, a competência judiciária para a ação secundária (actio pauliana) deve decorrer da competência judiciária para o primeiro contrato (47).

65.      Deixando de parte quer a questão de saber se tal abordagem seria, em todo o caso, possível de acordo com a respetiva lei nacional quer a questão de saber qual era, de facto, a relação jurídica precisa entre a demandante e a COLISEUM ao nível nacional (48), o facto é que tal conexão é demasiado ténue e distante. A transmissão de bens a um terceiro tem, na verdade, muito pouco a ver com o primeiro contrato, ou contrato original. Uma definição assim tão ampla do conceito de «matéria contratual» iria contra a lógica do critério especial de atribuição de competência judiciária. Na verdade, significaria também que qualquer ato jurídico subsequente praticado por qualquer das partes no contrato original poderia ser sempre considerado «matéria contratual», uma vez que a redução do património de qualquer das partes no contrato seria sempre, de acordo com esse raciocínio, uma matéria relativa ao contrato original.

66.      Em segundo lugar, a conexão entre a actio pauliana e o contrato celebrado posteriormente, entre a COLISEUM e a demandada, alegadamente em prejuízo da demandante, pode afigurar‑se mais adequada. A um determinado nível, é mais lógica: o que se pretende com a actio pauliana é tornar ineficaz um elemento desse segundo contrato — o ato de dispor dos bens que eram o objeto desse contrato.

67.      Contudo, esta segunda abordagem também é problemática. O que a demandante pretende, em última instância, não é tornar esse segundo contrato ineficaz, ou mesmo nulo, mas proteger os seus direitos. Em princípio, não é relevante saber se esses direitos serão salvaguardados através da venda dos bens afetados através desse segundo contrato ou de qualquer outra forma, como quando o cessionário concorde em satisfizer o crédito do demandante ou em «indicar bens do devedor [como a COLISEUM] suficientes para satisfazer o crédito em causa» (49). Por outras palavras, neste caso, a actio pauliana é também independente de qualquer obrigação específica e concreta que resulte desse contrato. O único elemento que os dois atos jurídicos parecem ter em comum é a definição de um determinado montante monetário.

68.      Seja como for, deve igualmente acrescentar‑se e sublinhar‑se que nenhuma das abordagens acima referidas satisfaz o requisito do «compromisso livremente assumido por uma parte relativamente à outra» (50), ou seja, pela demandada relativamente à demandante. Ainda que a jurisprudência do Tribunal de Justiça não exija que exista identidade das partes no processo judicial e no contrato controvertido, afigura‑se difícil considerar que a mera propositura de uma actio pauliana cria uma relação de direito substantivo entre a demandante e a demandada decorrente, por exemplo, de algum tipo de sub‑rogação legal baseada num ato da COLISEUM (como devedor inicial do demandante) (51).

69.      Em terceiro lugar, pode talvez também alegar‑se, à semelhança do que foi proposto pela advogada‑geral E. Sharpston no processo que deu origem ao Acórdão Ergo Insurance (52),no contexto de uma ação de regresso intentada por uma seguradora contra outra seguradora (sem qualquer ligação contratual entre si, mas tendo cada uma delas um contrato com a parte responsável por um acidente), que o importante é a existência de obrigações contratuais nas quais se baseia a ação e sem as quais a respetiva demandante não teria qualquer base jurídica para agir judicialmente. Assim, não há necessidade de escolher um dos dois contratos. Nesta perspetiva, uma vez que a actio pauliana está, em todo o caso, «na órbita» de um contrato, constitui matéria relativa a um contrato, sem que seja necessário identificar especificamente o contrato.

70.      Embora tal abordagem possa ser uma solução pragmática no contexto específico dos seguros, no qual, de facto, em última instância, todos os agentes estarão ligados entre si por uma rede de contratos, no presente processo, dificilmente seria aceitável concluir que a situação é de natureza «contratual» independentemente do contrato que permite tal conclusão. Não apenas porque tal resposta se basearia em vários pressupostos bastante questionáveis, mas também por razões muito pragmáticas: para que o artigo 7.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012 seja aplicável, é necessário identificar o lugar de cumprimento relevante. Os dois contratos que estão em causa no presente processo têm um objeto diferente e, portanto, preveem autonomamente os respetivos lugares de cumprimento.

71.      Em suma, neste caso específico, não se afigura possível basearmo‑nos num ou noutro contrato que possa existir entre a demandante e a COLISEUM e entre a COLISEUM e o devedor para concluir que o critério de atribuição de competência judiciária em matéria contratual é aplicável.

72.      Por estas razões, a minha primeira conclusão intermédia é, assim, a de que o artigo 7.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «matéria contratual» constante desta disposição não abrange uma ação, como a que está em causa no processo principal, intentada contra um comprador cuja sede está situada no território de um Estado‑Membro, com vista a obter a declaração de ineficácia de um contrato de compra e venda de um bem imóvel situado no território de outro Estado‑Membro, em razão do prejuízo causado aos credores do vendedor.

C.      Em que consiste a actio pauliana para efeitos de competência judiciária internacional?

73.      Ao longo do tempo, na jurisprudência acima referida (53), o Tribunal de Justiça excluiu os pedidos de actio pauliana de vários critérios de atribuição de competência judiciária: responsabilidade extracontratual/delitual; medidas provisórias; execução de decisões; e competência judiciária exclusiva em matéria de direitos reais sobre imóveis. Na secção anterior das presentes conclusões, propus que, no contexto do presente processo, fosse igualmente excluído o critério de atribuição de competência judiciária em matéria contratual.

74.      O minimalismo judicial é uma virtude. Contudo, à semelhança de muitas outras coisas boas, o pressuposto para que continue a ser boa é o seu uso moderado. Após anos de «jogo‑do‑mata judicial» que forneceram (como facilmente se compreende, tendo em conta a formulação exata das questões prejudiciais) respostas negativas, que eliminaram um critério de atribuição de competência judiciária após outro, e, a menos que se pretenda explorar outros critérios de atribuição de competência judiciária de modo semelhante no futuro (apesar de o leque de critérios de atribuição de competência judiciária razoavelmente concebíveis ser hoje já muito reduzido), talvez tenha chegado o momento de fornecer igualmente algumas orientações positivas: não apenas sobre o que a actio pauliana não é, mas também sobre o que, em termos de competência judiciária internacional, pode ser.

75.      Esta metodologia é igualmente aconselhável por duas outras razões. Em primeiro lugar, analisada a maioria dos critérios de atribuição de competência judiciária especial (e exclusiva) razoavelmente concebíveis disponíveis, começa agora a emergir claramente uma explicação de princípio para o facto de, no que diz respeito a uma actio pauliana como a que está em causa no processo principal, ser aplicável o critério geral de atribuição de competência judiciária previsto no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 (1). Em segundo lugar, apesar das potenciais dificuldades práticas que podem surgir de tal resultado em casos específicos, mas considerando que estas não podem modificar a resposta de princípio fornecida, a discussão de tais questões pode, contudo, estimular potenciais reflexões legislativas futuras ao nível da União (2).

1.      Natureza camaleónica da actio pauliana

76.      Resumidamente, a razão de princípio pela qual a actio pauliana do tipo da que está em causa no processo principal não se encaixa em nenhum dos tipos (especial ou exclusivo) previstos no Regulamento n.o 1215/2012 é a natureza camaleónica dessa ação. Cada um dos critérios de atribuição de competência judiciária especial, em particular os relativos a contratos ou à responsabilidade delitual/extracontratual, está essencialmente assenteno título (ex ante). Em contrapartida, uma actio pauliana como a que está em causa no processo principal, mas que, aparentemente, também está prevista em vários outros Estados‑Membros, é independente do título (ex ante): qualquer ato jurídico, não apenas um contrato, realizado em prejuízo do credor pode ser impugnado.

77.      É bastante provável que, na prática, a actio pauliana diga frequentemente respeito, de uma forma ou de outra, a um contrato. Contudo, tal não significa necessariamente que esse elemento de base esteja sempre presente. De facto, pode existir uma dupla diferenciação. Em primeiro lugar, o direito subjacente do credor pode ser de natureza distinta: pode ter origem legal ou pode tratar‑se de um direito de receber uma compensação por prejuízos causados ou baseado numa obrigação legal. Em segundo lugar, e talvez mais importante, o próprio ato alegadamente fraudulento cometido pelo devedor, que está a ser impugnado, pode não ser de natureza contratual. Pode tratar‑se de um ato que origine responsabilidade delitual ou extracontratual. Pode igualmente tratar‑se de outro tipo de ato jurídico unilateral que tenha como objetivo prejudicar os credores.

78.      Atentando às especificidades do presente processo, uma actio pauliana como a descrita no despacho de reenvio parece ter um âmbito de aplicação amplo. Baseada nos artigos 527.o e seguintes do Código Civil polaco, parece facultar um meio jurídico‑processual contra qualquer ato jurídico praticado por um devedor em prejuízo dos credores. Com efeito, como realçou o Governo polaco na audiência, essa redação demonstra que pode ser utilizada pelo credor para proteger os seus direitos independentemente da natureza contratual ou extracontratual do ato alegadamente fraudulento (54).

79.      Antes de ser intentada, e até esse momento, essa ação não tem qualquer conteúdo específico, contratual ou outro. Falando metaforicamente, tal como um camaleão, uma actio pauliana como a que está em causa no processo principal parece poder camuflar‑se consoante o tipo de ato jurídico que visa impugnar. Antes de o camaleão contactar com o respetivo contexto em causa é impossível afirmar, em geral, que cor irá adotar. Contudo, essa faculdade única impede a sua qualificação nos termos do Regulamento n.o 1215/2012, que exige, para que os critérios especiais de atribuição de competência judiciária sejam aplicáveis, que essa cor seja conhecida e previsível ex ante.

80.      Afigura‑se que este problema já emergiu no contexto do processo de exclusão gradual levado a cabo pelo Tribunal de Justiça ao longo dos anos, o que significa, resumidamente, que esse tipo de ação não pode ser simplesmente qualificado de forma abstrata, geral e ex ante para poder ser abrangido por um critério de atribuição de competência judiciária abstrato. Ainda que sejam naturalmente efetuadas em relação a uma forma nacional definida de actio pauliana, essas exclusões mantêm‑se igualmente a um nível mais geral, em relação à resposta de princípio.

81.      A este propósito, impõem‑se talvez duas considerações adicionais. Em primeiro lugar, quanto ao critério de atribuição de competência judiciária em matéria de responsabilidade extracontratual (55), é verdade que a natureza fraudulenta da transmissão dos bens aproxima bastante a actio pauliana da área do direito da responsabilidade extracontratual. Poder‑se‑ia sugerir que, independentemente de qual seja exatamente o ato jurídico do devedor que está a ser impugnado, uma actio pauliana pode ser sempre entendida como um tipo de ação de responsabilidade extracontratual: essencialmente, um tipo de ação para impugnar a transmissão fraudulenta de bens (56).

82.      Dito isto, independentemente das razões pelas quais o Tribunal de Justiça já excluiu esse critério de atribuição de competência judiciária no Acórdão Reichert II (57), conceber a actio pauliana como tratando‑se sempre de um tipo de ação de responsabilidade delitual ou extracontratual cria um problema duplo: conceptual e pragmático. Ao nível conceptual, a possível aplicabilidade à actio pauliana concebida em termos amplos (de tipo camaleónico) leva a problemas idênticos aos da aplicação do critério de atribuição de competência judiciária em matéria contratual (58). Ao nível pragmático, entender a actio pauliana no sentido de que implica sempre um tipo de ação de responsabilidade delitual ou extracontratual levaria a instituir mais um foro com competência judiciária nos termos do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, potencialmente diferente do que está previsto no artigo 7.o, ponto 1, e/ou no artigo 4.o, n.o 1.

83.      Em segundo lugar, no referido acórdão, o Tribunal de Justiça excluiu igualmente a aplicação do critério de atribuição de competência judiciária para medidas provisórias (59). Contudo, poder‑se‑ia sugerir que a actio pauliana cria um determinado tipo de ónus sobre o bem que foi objeto do ato de disposição fraudulento até que a dívida do credor seja satisfeita. Nessa perspetiva, a sua função é idêntica.

84.      Considerando os requisitos substantivos relativos às medidas provisórias, é uma característica bastante comum os direitos nacionais condicionarem a concessão dessas medidas ao requisito do fumus boni iuris (presunção de fundamento jurídico suficiente, que corresponde, essencialmente, ao conceito de «good arguable case» do direito anglo‑saxónico) e do periculum in mora (o risco de o direito do requerente ser afetado pelo tempo decorrido) (60). Ao nível da União, foram igualmente estabelecidos requisitos semelhantes (61).

85.      Por conseguinte, dada a semelhança de função entre a actio pauliana, por um lado, e as medidas cautelares, por outro, poder‑se‑ia talvez sugerir que, no contexto da actio pauliana, podem ser utilizados critérios idênticos ao fumus boni iuris e ao periculum in mora. Tal permitiria orientar a competência judiciária internacional a favor do demandante quando existam indicações de que essa ação pode ter fundamento e quando existam elementos que demonstrem a intenção de estruturar a transmissão fraudulenta de forma a tornar o litígio mais difícil para o demandante (escolhendo um cessionário domiciliado num Estado‑Membro sem conexão com o local da relação jurídica preexistente entre o devedor e o credor).

86.      Por muito atraente que tal abordagem possa ser, não tem em conta o facto de a actio pauliana não instituir um procedimento «incidental» que não implica uma pronúncia antecipada sobre o mérito da causa (que é objeto de outro processo) (62). Pelo contrário: a actio pauliana procura obter e leva (quando bem sucedida), por si só, a uma decisão sobre o mérito da causa. O vínculo de garantia patrimonial de facto que é criado em consequência dessa ação constitui, ele próprio, o resultado da pronúncia sobre o mérito que o credor pretende obter. Trata‑se portanto, em princípio (com ressalva das respetivas regras nacionais), de uma ação de pleno direito sobre o mérito da causa que não se coaduna com a aplicação de apreciações mais perfunctórias em matéria de ónus da prova que o fumus boni iuris e o periculum in mora pretensamente constituem.

87.      Em suma, a natureza única da actio pauliana, que, mesmo que seja entendida a um nível mais abstrato, não assegura a reabertura de qualquer critério de atribuição de competência judiciária já excluído pelo Tribunal de Justiça, conduz à minha segunda conclusão intermédia de que o órgão jurisdicional que tem competência judiciária para apreciar uma ação como a que está em causa no processo principal deve ser determinado nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012.

2.      Potenciais dificuldades da aplicação da regra geral

88.      Aplicada aos factos do processo principal, a regra geral constante do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012 levará efetivamente à atribuição da competência judiciária para apreciar o pedido da demandante aos órgãos jurisdicionais espanhóis. Como foi exaustivamente analisado na audiência, essa solução pode afigurar‑se impraticável, uma vez que tanto a demandante como a COLISEUM estão domiciliadas na Polónia, e que outros elementos do presente processo estão igualmente localizados nesse Estado‑Membro (lugar da execução do projeto de desenvolvimento, da localização do imóvel em causa e da celebração do contrato de compra e venda desse imóvel). «Apenas» a sede da demandada está localizada em Espanha.

89.      Além disso, como recorda o órgão jurisdicional de reenvio, o credor pode ser obrigado a intentar uma actio pauliana não apenas contra o cessionário (como a demandada), mas igualmente contra outros potenciais adquirentes dos bens em causa. Se a competência judiciária tiver de ser determinada com base no domicílio do demandado, o credor terá de intentar outras ações nos tribunais de (potencialmente) vários Estados‑Membros. Tal pode conduzir a custos desproporcionados e o prejuízo do credor será agravado em consequência das regras que regulam a competência judiciária.

90.      Por conseguinte, poder‑se‑ia argumentar que o objetivo da boa administração da justiça, que justifica genericamente a aplicação de critérios especiais de atribuição de competência judiciária, constante do considerando 16 do Regulamento n.o 1215/2012 deveria orientar o foro competente para a Polónia porque existe uma conexão mais estreita entre esse Estado‑Membro e o litígio no processo principal.

91.      Este raciocínio não é convincente.

92.      Em primeiro lugar, a remissão para o objetivo expresso num considerando no qual se baseiam critérios especiais de atribuição de competência judiciária não pode, só por si, afastar a aplicação da regra geral quando não estejam reunidas as condições para a aplicação do critério especial de atribuição de competência judiciária.

93.      Em segundo lugar, o domicílio da demandada é precisamente o elemento de conexão chave para efeitos de aplicação do Regulamento n.o 1215/2012. Assim, o facto de «apenas» o domicílio da demandada estar localizado no Estado‑Membro A enquanto todos os outros elementos estão localizados no Estado‑Membro B não fundamenta a competência judiciária do Estado‑Membro B quando não seja aplicável nenhum dos critérios especiais ou exclusivos de atribuição de competência judiciária. Além disso, a afirmação (implicitamente depreciativa) de que «apenas» o domicílio da demandada está localizado em Espanha não tem em conta o facto de o conhecimento por parte da demandada da alegada intenção fraudulenta da COLISEUM constituir um elemento que terá de ser apurado e que pode ter, por razões ligadas à produção de prova, conexões com Espanha.

94.      Em terceiro lugar, atribuir a competência judiciária especial com base em factos de um determinado processo (além de infringir as regras de competência judiciária previstas no Regulamento n.o 1215/2012) equivale a presumir efetivamente a existência de conhecimento da fraude por parte do cessionário (como a demandada). Com efeito, decidir sobre a questão da competência judiciária de acordo com essa linha de raciocínio condicionaria completamente o resultado da actio pauliana. Contudo, a questão de saber se o conhecimento da fraude pela demandada e outras condições para a procedência da actio pauliana se verificam é uma questão que cabe na avaliação do mérito da causa.

95.      Ao nível estrutural, tal significaria efetivamente (não pretendendo, de modo nenhum, pronunciar‑me sobre os factos do presente processo) que existiria uma «presunção de fraude» para efeitos de competência judiciária que permitiria que a demandada fosse atraída para o foro da sede da demandante. Tal poderia porventura funcionar no caso de uma actio pauliana bem fundamentada. Mas o que dizer dos casos que não tenham fundamento? O que dizer dos processos potencialmente vexatórios? Também este aspeto evidencia a natureza circular desta tese, que, na prática, implicaria que se decidiria primeiro quanto ao mérito e depois sobre a competência judiciária.

96.      Em quarto lugar, por muito tentador que seja procurar argumentos a favor de um demandante que litigue em circunstâncias idênticas às que caracterizam o presente processo, tal abordagem revelar‑se‑ia completamente injustificada em situações em que houvesse diferentes elementos factuais relacionados com vários Estados‑Membros. Como seria se uma sociedade comercial checa iniciasse um projeto de desenvolvimento com um contratante polaco, relativo a um imóvel situado na Eslováquia, e a sociedade comercial polaca praticasse um ato de disposição de um imóvel localizado na Áustria transmitindo‑o para uma sociedade comercial alemã?

97.      Por outras palavras, o que deve procurar‑se é uma resposta de princípio que se aplique com grande independência em relação aos elementos factuais de cada caso concreto. Embora reconhecendo plenamente e enaltecendo a atraente flexibilidade de regras como o forum(non) conveniens, que permitem a derrogação à luz dos factos de um caso específico, a verdade é que a estrutura e a lógica da Convenção e dos Regulamentos de Bruxelas assenta, de facto, em diferentes premissas (63). O que é compreensivelmente necessário num espaço jurídico diversificado composto por 28 ordenamentos jurídicos são regras razoavelmente previsíveis ex ante e, portanto, talvez por vezes um pouco inflexíveis, e não tanto uma explicação ex post facto (maioritariamente orientada para justificar a própria competência), fortemente dependente de um leque de elementos de facto.

98.      Em suma, no estado atual do direito da União, a actio pauliana afigura‑se como um dos raros exemplos que apenas permite a aplicabilidade da regra geral e uma igualmente rara confirmação do facto de que «[…] não há um fundamento óbvio para a ideia de que deve existir sempre, ou até frequentemente, uma alternativa ao tribunal do domicílio do demandado» (64).

V.      Conclusão

99.      À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Sąd Okręgowy w Szczecinie (Tribunal Regional de Szczecinie) da seguinte forma:

O artigo 7.o, ponto 1, alínea a), do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «matéria contratual» constante desta disposição não abrange uma ação, como a que está em causa no processo principal, intentada contra um comprador cuja sede está situada no território de um Estado‑Membro, com vista a obter a declaração de ineficácia de um contrato de compra e venda de um bem imóvel situado no território de outro Estado‑Membro, em razão do prejuízo causado aos credores do vendedor.

O órgão jurisdicional que tem competência judiciária para apreciar tal ação deve ser determinado nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012.


1      Língua original: inglês.


2      V., por exemplo, Rattigan, W.H., De Iure Personarum or A Treatise on the Roman Law of Persons, Wildy & Sons, London, 1873, pp. 126 a 130 ou Rein, W., Das Römische Privatrecht und der Civilprozess bis in das erste Jahrhundert der Kaiserherrschaft, K. F. Koehler, Leipzig, 1836, pp. 47 a 48 e p. 106.


3      V., por exemplo, Sullivan, W.P., «Consent in Roman Choice of Law», Critical Analysis of Law, vol. 3, No 1, 2016, pp. 165 a 166 ou Aldo, C., «Legal Pluralism in Practice», du Plessis, P.J., Aldo, C., e Tuori, K. (eds.), The Oxford Handbook of Roman Law and Society, Oxford University Press, Oxford, 2016, pp 286 a 287.


4      Gaius, Institutiones, Livro IV, § 37: «Item civitas romana peregrino fingitur, si eo nomine agat aut cum eo agatur quo nomine nostris legibus actio constituta est, si modo iustum sit eam actionem etiam ad peregrinum extendi […]». The Institutes of Gaius, Translated with an Introduction by Gordon, W. M. and Robinson, O. F., Duckworth, Londres, 1988, p. 431. N. do T.: versão portuguesa retirada de Gaio, Instituições, Direito Privado Romano, tradução do texto latino, introdução e notas de J.A. Segurado e Campos, Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, p. 426.


5      Como explicou, de forma clara, o advogado‑geral R.‑J. Colomer no processo que deu origem ao Acórdão Deko Marty Belgium(C‑339/07, EU:C:2008:575, n.os 24 a 26.)


6      Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012 (JO 2012, L 351, p. 1).


7      Artigo 66.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012 (JO 2012, L 351, p. 1).


8      Acórdão de 17 de junho de 1992, Handte (C‑26/91, EU:C:1992:268).


9      Conclusões do advogado‑geral R.‑J. Colomer no processo que deu origem ao Acórdão Deko Marty Belgium (C‑339/07, EU:C:2008:575, n.os 24 a 26.)


10      Para uma descrição destes dois meios processuais, v., por exemplo, Talamanca, M., Istituzioni di Diritto Romano, Dott. A. Giuffrè Editore, Milão, 1990, p. 659; Kaser, M., Das römische Privatrecht, Erster Abschnitt, Das altrömische, das vorklassische und das klassische Recht, 2.a edição, C.H. Beck’sche Verlagsbuchhandlung, Munique, 1971, p. 252; Marrone, M., Lineamenti di Diritto Privato Romano, G. Giappichelli Editore, Turim, 2001, p. 299; Guarino, A., Diritto Privato Romano, Editore Jovene Napoli, Nápoles, 2001, p. 1020; Impallomeni, G., «Azione Revocatoria (Diritto Romano)», Novíssimo Digesto Italiano, vol. II, 1957, Unione Tipografico — Editrice Torinese, Turim, p. 147; Fernández Barreiro, A., e Paricio Serrano, J., Fundamentos de Derecho Privado Romano, 9.a edição, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, Madrid, 2016, p. 105.


11      V., por exemplo, Marrone, M., Lineamenti di Diritto Privato Romano, G. Giappichelli Editore, Turim, 2001, p. 300; Guarino, A., Diritto Privato Romano, Editore Jovene Napoli, Nápoles, 2001, p. 1020; Kaser, M., Das römische Privatrecht, Zweiter Abschnitt, Die nachklassischen Entwicklungen, 2.a edição, C.H. Beck’sche Verlagsbuchhandlung, Munique, 1975, pp. 94 a 95; Kaser, M., Knütel, R., Lohsse, S., Römisches Privatrecht — Ein Studienbuch, 21.a ed., C.H. Beck, Munique, 2017, n.o 9.12; Fernández Barreiro, A. e Paricio Serrano, J., Fundamentos de Derecho Privado Romano, 9.a edição, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, Madrid, 2016, p. 106.


12      V., por exemplo, Marrone, M., Lineamenti di Diritto Privato Romano, G. Giappichelli Editore, Turim, 2001, p. 299; Guarino, A., Diritto Privato Romano, Editore Jovene Napoli, Nápoles, 2001, p. 1021; Talamanca, M., Istituzioni di Diritto Romano, Dott. A. Giuffrè Editore, Milão, 1990, p. 659;Impallomeni, G., «Azione Revocatoria (Diritto Romano)», Novíssimo Digesto Italiano, vol. II, 1957, Unione Tipografico — Editrice Torinese, Turim, p. 148; Fernández Barreiro, A. e Paricio Serrano, J., Fundamentos de Derecho Privado Romano, 9.a edição, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, Madrid, 2016,p. 105; Carballo Piñeiro, L., «Acción Pauliana e integración Europea: una propuesta de ley aplicable», Revista Española de Derecho Internacional, vol. LXIV, 2012, p. 48.


13      V., por exemplo, Pretelli, I., «Cross‑Border Credit Protection Against Fraudulent Transfers of Assets: Actio Pauliana in the Conflict of Laws», Yearbook of Private International Law, vol. 13, 2011, p. 590. Para uma descrição semelhante V., Linna, T., «Actio Pauliana — “Actio Europensis?” Some Cross‑Border Insolvency Issues» Journal of Private International Law, vol. 10, 2014, p. 69. V., igualmente, Virgós Soriano, M. e Garcimartín Alférez, F., Derecho procesal civil internacional: litigación internacional, 2.a edition, Thomson Civitas, Cizur Menos, 2007, pp. 704 a 705 ou Göranson, U., «Actio pauliana outside bankruptcy and the Brussels Convention», Sumampouw M. et al. (eds.), Law and Reality: Essays on National and International Procedural Law in Honour of Cornelis Carel Albert Voskuil, T.M.C. Asser Instituut, Haia, 1992, p. 91.


14      Cloud Atlas, dir. Tykwer T., Wachowski L. e Wachowski L., 2012.


15      Virgós Soriano, M. e Garcimartín Alférez, F., Derecho procesal civil internacional: litigación internacional, 2.a edition, Thomson Civitas, Cizur Menor, 2007, pp. 704 a 705, em 24.44.


16      V., neste sentido, McCormack G., Keay A., Brown S., European Insolvency Law: Reform and Harmonization, Edward Elgar Publishing Ltd, Cheltenham, 2017, p. 159; Göranson, U., «Actio pauliana outside bankruptcy and the Brussels Convention», Sumampouw M. et al. (eds.), Law and Reality:Essays on National and International Procedural Law in Honour of Cornelis Carel Albert Voskuil, T.M.C. Asser Instituut, Haia, 1992, p. 90; Linna, T., «Actio Pauliana — “Actio Europensis?” Some Cross‑Border Insolvency Issues», Journal of Private International Law, vol. 10, 2014, p. 69; Pretelli, I., «Cross‑Border Credit Protection Against Fraudulent Transfers of Assets: Actio Pauliana in the Conflict of Laws», Yearbook of Private International Law, vol. 13, 2011, pp. 598 a 599.


17      V., Conclusões do advogado‑geral R.‑J. Colomer no processo que deu origem ao Acórdão Deko Marty Belgium (C‑339/07, EU:C:2008:575, n.o 27 e doutrina referida).


18      V., por exemplo, Göranson, U., «Actio pauliana outside bankruptcy and the Brussels Convention», Sumampouw M. et al. (eds.), Law and Reality:Essays on National and International Procedural Law in Honour of Cornelis Carel Albert Voskuil, T.M.C. Asser Instituut, Haia, 1992, p. 92.


19      Para uma resenha de direito comparado v., por exemplo, Pretelli, I., «Cross‑Border Credit Protection Against Fraudulent Transfers of Assets: Actio Pauliana in the Conflict of Laws», Yearbook of Private International Law, vol. 13, 2011, p. 590.


20      V., por exemplo, Göranson, U., «Actio pauliana outside bankruptcy and the Brussels Convention», Sumampouw M. et al. (eds.), Law and Reality:Essays on National and International Procedural Law in Honour of Cornelis Carel Albert Voskuil, T.M.C. Asser Instituut, Haia, 1992, p. 93.


21      V., Acórdão de 22 de fevereiro de 1979, Gourdain (133/78, EU:C:1979:49, n.os 4 a 6), relativo a uma declaração de âmbito geral sobre processos relativos a questões de insolvência. Para uma aplicação dessa declaração de âmbito geral aos processos de insolvência, v. Acórdão de 12 de fevereiro de 2009, Deko Marty Belgium (C‑339/07, EU:C:2009:83).


22      Regulamento (UE) 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo aos processos de insolvência (JO 2015, L 141, p. 19). Este revogou o Regulamento (CE) n.o 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência (JO 2000, L 160, p. 1).


23      V., neste contexto, Acórdãos de 12 de fevereiro de 2009, Deko Marty Belgium (C‑339/07, EU:C:2009:83); de 10 de setembro de 2009, German Graphics Graphische Maschinen (C‑292/08, EU:C:2009:544) e de 19 de abril de 2012, F‑Tex(C‑213/10, EU:C:2012:215). V., igualmente, Relatório Virgos‑Schmit sobre a Convenção relativa aos processos de insolvência, de 3 de maio de 1996, Documento do Conselho n.o 6500/1/96 REV1 DRS 8 (CFC), n.o 77, disponível em Moss, G., Fletcher, I. F., e Isaacs, S., The EC Regulation on Insolvency proceedings A Commentary and Annotated Guide, segunda edição, Oxford University Press, 2009, p. 381 e segs.


24      Regulamento (CE) n.o 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (JO 2008, L 177, p. 6).


25      Regulamento (CE) n.o 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II) (JO 2007, L 199, p. 40).


26      Todavia, existe um elemento da história legislativa do Regulamento Roma II que indica que a matéria foi tida em consideração. Uma versão proposta (mas não adotada) do artigo 10.o (com a epígrafe «Impugnação pauliana») dispunha que «[a]s condições e os efeitos decorrentes de uma obrigação em que um credor pode impugnar um contrato, celebrado por um devedor com um terceiro, que ponha em risco a satisfação do credor [pagamento da dívida], são regulados pela lei aplicável à obrigação existente entre o credor e o seu devedor». V. nota do Secretariado‑Geral do Conselho para o Comité sobre as Questões de Direito Civil (Roma II) (n.o doc. prev.: 10231/99 JUSTCIV 112) 11982/99 JUSTCIV 150, de 9 de dezembro de 1999.


27      O órgão jurisdicional de reenvio observa que a actio pauliana polaca é diferente da francesa, que foi analisada nos processos referidos nesta secção das presentes conclusões (notas 32 e 35). De facto, como já sublinhei acima, nos n.os 36 a 41, no que respeita aos requisitos processuais e substantivos, é provável que todos os tipos de actio pauliana sejam diferentes. Contudo, é igualmente verdade que, nas suas características gerais, como sublinhei, em especial, no n.o 35, supra, ambos os sistemas têm muitos aspetos comuns.


28      Artigo 16.o, n.o 1, da Convenção de Bruxelas (atual artigo 24.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012).


29      Artigo 16.o, n.o 5, da Convenção de Bruxelas (atual artigo 24.o, ponto 5, do Regulamento n.o 1215/2012).


30      Artigo 24.o da Convenção de Bruxelas (atual artigo 35.o do Regulamento n.o 1215/2012).


31      Artigo 5.o, n.o 3, da Convenção de Bruxelas (atual artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012).


32      Acórdão de 10 de janeiro de 1990, Reichert e Kockler (C‑115/88, EU:C:1990:3).


33      Acórdão de 10 de janeiro de 1990, Reichert e Kockler (C‑115/88, EU:C:1990:3, n.os 11 e 12).


34      Acórdão de 10 de janeiro de 1990, Reichert e Kockler (C‑115/88, EU:C:1990:3, n.o 13).


35      Acórdão de 26 março de 1992, Reichert e Kockler (C‑261/90, EU:C:1992:149,).


36      Acórdão de 26 de março de 1992, Reichert e Kockler (C‑261/90, EU:C:1992:149, n.o 35 e n.os 27 e 28).


37      Acórdão de 26 de março de 1992, Reichert e Kockler (C‑261/90, EU:C:1992:149, n.o 19).


38      Recentemente, por exemplo, Acórdão de 7 de março de 2018, flightright e o. (C‑274/16, C‑447/16 e C‑448/16, EU:C:2018:160, n.o 58).


39      Acórdão de 17 de junho de 1992, Handte (C‑26/91, EU:C:1992:268, n.o 15). Como referido no n.o 17 desse acórdão, esse processo dizia respeito a uma cadeia de contratos internacionais de mercadorias em que «as obrigações contratuais das partes podem variar de um contrato para o outro, de forma que os direitos contratuais que o subadquirente pode invocar contra o seu vendedor imediato não eram necessariamente os mesmos que o fabricante assumiu nas suas relações com o primeiro comprador. V., igualmente, Acórdãos de 17 de setembro de 2002, Tacconi (C‑334/00, EU:C:2002:499, n.o 22), e de 21 de janeiro de 2016, ERGO Insurance e Gjensidige Baltic (C‑359/14 e C‑475/14, EU:C:2016:40, n.o 44).


40      Acórdão de 7 de março de 2018, flightright e o.(C‑274/16, C‑447/16 e C‑448/16, EU:C:2018:160, n.os 58 a 60 e jurisprudência referida).


41      Acórdão de 7 de março de 2018, flightright e o. (C‑274/16, C‑447/16 e C‑448/16, EU:C:2018:160, n.o 61 e jurisprudência referida). Para uma perspetiva diferente, v., igualmente, Acórdãos de 13 de março de 2014, Brogsitter (C‑548/12, EU:C:2014:148, n.os 24 e 25), e de 14 de julho de 2016, Granarolo (C‑196/15, EU:C:2016:559, n.o 21).


42      Ao contrário da competência judiciária em matéria de contratos de consumo, nos termos do artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012, que está disponível apenas para as partes no contrato — Acórdão de 25 de janeiro de 2018, Schrems (C‑498/16, EU:C:2018:37, n.os 43 a 45).


43      Acórdão de 17 de setembro 2002, Tacconi (C‑334/00, EU:C:2002:499, n.o 22).


44      Conclusões do advogado‑geral C. Gulmann no processo que deu origem ao Acórdão Reichert II (C‑261/90, EU:C:1992:78, p. I‑2164).


45      Conclusões do advogado‑geral R.‑J. Colomer no processo que deu origem ao Acórdão Deko Marty Belgium (C‑339/07, EU:C:2008:575, n.o 32).


46      Ancel, B.,«De la loi applicable à une donation attaquée par la voie de l’action paulienne», Revue critique de droit international privé, 1992, p. 714, n.o 12. Idêntica perspetiva é adotada por Forner Delaygua, J., «The Actio Pauliana under the ECJ — a critical look on Reichert II», Gemeinsame Prinzipien des Europäischen Privatrechts, 2003, pp. 291 a 301.


47      Acolhendo assim, de certo modo, a lógica proposta em termos de lei aplicável no projeto de redação do artigo 10.o do Regulamento Roma II acima referida (nota 26, supra).


48      N.o 58, supra.


49      Como dispõe o artigo 533.o do Código Civil (citado acima, no n.o 15 das presentes conclusões).


50      Acima (nota 39).


51      Assim, ao contrário, por exemplo, dos Acórdãos de 7 de março de 2018, flightright e o. (C‑274/16, C‑447/16 C‑448/16, EU:C:2018:160), ou de 20 de julho de 2017, MMA IARD SA(C‑340/16, EU:C:2017:576).


52      Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston apresentadas nos processos apensos que deram origem ao Acórdão ERGO Insurance e Gjensidige Baltic (C‑359/14 e C‑475/14, EU:C:2015:630, n.os 57 a 62).


53      N.os 48 a 53 das presentes conclusões.


54      V., n.os 12 a 15, supra, das presentes conclusões.


55      Acórdão de 26 de março de 1992, Reichert e Kockler (C‑261/90, EU:C:1992:149).


56      Remontando assim, na verdade, às raízes do direito romano das várias aceções de fraus (n.o 30, supra).


57      Acórdão de 26 de março de 1992, Reichert e Kockler (C‑261/90, EU:C:1992:149, n.o 19).


58      Abordada acima, nos n.os 57 a 72 das presentes conclusões.


59      Acórdão de 26 de março de 1992, Reichert e Kockler (C‑261/90, EU:C:1992:149, n.o 35). A regra atual sobre competência judiciária para medida provisórias consta do artigo 35.o do Regulamento n.o 1215/2012.


60      Calvo Caravaca, A‑L. e Carrascosa González, J., Litigación internacional en la Unión Europea I, Competencia judicial y validez de resoluciones en materia civil y mercantil en la Unión Europea. Comentario al Reglamento Bruselas I Bis, Cizur Menor (Navarra), Editorial Aranzadi, 2017, p. 535.


61      V., por exemplo, Acórdãos de 9 novembro de 1995, Atlanta Fruchthandelsgesellschaft e o. (I) (C‑465/93, EU:C:1995:369, n.o 32), e de 17 de julho de 1997, Krüger (C‑334/95, EU:C:1997:378, n.o 44).


62      Tal reflete‑se igualmente através de duas condições principais que o Tribunal de Justiça desenvolveu para que esse critério de atribuição de competência judiciária seja aplicável — V., em especial, Acórdão de 17 de novembro de 1998, Van Uden (C‑391/95, EU:C:1998:543, n.os 37 e 40).


63      V., neste contexto, Acórdão de 1 de março de 2005, Owusu (C‑281/02, EU:C:2005:120, n.os 37 a 46). Para uma discussão mais ampla, v. Briggs, A., «Some Points of Friction between English and Brussels Convention Jurisdiction», Andenas, M., e Jacobs, F. (eds.), European Community Law in the English Courts, Clarendon Press, Oxford, 1998, pp. 278 a 279; Briggs, A., The Conflict of Laws, 3.a edição, Oxford University Press, Oxford, 2013, pp. 52 a 54; Dickinson, A., «Legal Certainty and the Brussels Convention — Too Much of a Good Thing?», De Vareilles‑Sommières, P. (ed.), Forum Shopping in the European Judicial Area, Hart Publishing, Oxford e Portland, 2007, p. 115 e segs.; Fentiman, R., «Foreign Law and the Forum Conveniens», Nafziger, J., e Symeonides, S. (eds.), Law and Justice in a Multistate World, Essays in Honor of Arthur T. von Mehren, Transnational Publishers Inc, Ardsley, Nova Iorque, 2002, p. 291.


64      Göranson, U., «Actio pauliana outside bankruptcy and the Brussels Convention», M. Sumampouw et al. (eds.), Law and Reality, T.M.C Asser Instituut, Haia, 1992, p. 97.