Language of document : ECLI:EU:T:2023:734

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção Alargada)

22 de novembro de 2023 (*)

«União Económica e Monetária — União Bancária — Mecanismo Único de Resolução das instituições de crédito e de certas empresas de investimento (MUR) — Resolução do Banco Popular Español — Decisão do CUR que recusa uma indemnização aos acionistas e aos credores afetados pelas medidas de resolução — Avaliação da diferença de tratamento — Independência do avaliador»

No processo T‑304/20,

Laura Molina Fernández, residente em Madrid (Espanha), representada por S. Rodríguez Bajón, A. Gómez‑Acebo Dennes e A. Ruiz Ojeda, advogados,

recorrente,

contra

Conselho Único de Resolução (CUR), representado por M. Fernández Rupérez, A. Lapresta Bienz, L. Forestier e J. Rius Riu, na qualidade de agentes, assistidos por H.‑G. Kamann, F. Louis, V. Del Pozo Espinosa de los Monteros e L. Hesse, advogados,

recorrido,

apoiado por

Reino de Espanha, representado por A. Gavela Llopis, na qualidade de agente,

interveniente,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção Alargada),

composto, na deliberação, por: M. van der Woude, presidente, G. De Baere (relator), G. Steinfatt, K. Kecsmár e S. Kingston, juízes,

secretário: P. Nuñez Ruiz, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 8 de setembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Por meio do seu recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, a recorrente, Laura Molina Fernández, pede a anulação da Decisão do Conselho Único de Resolução, de 17 de março de 2020, sobre a eventual necessidade de compensar os acionistas e credores em relação aos quais as medidas de resolução do Banco Popular Español, S. A., produziram efeitos (SRB/EES/2020/52) (a seguir «decisão recorrida»).

 Antecedentes do litígio

2        A recorrente era acionista do Banco Popular Español (a seguir «Banco Popular») antes da adoção de um programa de resolução desse banco.

3        Em 7 de junho de 2017, a sessão executiva do CUR adotou a Decisão SRB/EES/2017/08, relativa a um programa de resolução do Banco Popular (a seguir «programa de resolução»), com fundamento no Regulamento (UE) n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução Bancária e que altera o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 (JO 2014, L 225, p. 1).

4        Antes da adoção do programa de resolução, em 23 de maio de 2017, na sequência de um processo de concurso público, o CUR contratou o gabinete Deloitte Revisores de Empresas como avaliador (a seguir «gabinete avaliador») no âmbito da preparação de uma eventual resolução do Banco Popular. Foi adjudicado ao gabinete avaliador um contrato específico na sequência de um concurso público no âmbito de um contrato‑quadro múltiplo de serviços que o CUR tinha assinado com seis gabinetes, entre os quais o gabinete avaliador. Em conformidade com o contrato específico, a missão do gabinete avaliador incluía a realização de uma avaliação do Banco Popular antes de uma eventual resolução e a avaliação da diferença de tratamento prevista no artigo 20.o, n.os 16 a 18, do Regulamento n.o 806/2014, posteriormente a uma resolução potencial.

5        Em 5 de junho de 2017, o CUR adotou uma primeira avaliação, em aplicação do artigo 20.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014, que tinha por objetivo fornecer os elementos que permitissem determinar se estavam preenchidos os pressupostos de abertura de um procedimento de resolução, conforme definidos no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014.

6        Em 6 de junho de 2017, o gabinete avaliador entregou ao CUR uma segunda avaliação (a seguir «avaliação 2»), redigida nos termos do artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014. A avaliação 2 tinha por objetivo estimar o valor do ativo e do passivo do Banco Popular, fornecer uma estimativa sobre o tratamento de que os acionistas e credores teriam beneficiado se o Banco Popular tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência e fornecer os elementos que permitissem tomar a decisão relativa às ações e aos instrumentos de propriedade a transferir e que permitissem ao CUR determinar condições comerciais para efeitos do instrumento de alienação da atividade.

7        No programa de resolução, o CUR, considerando que estavam preenchidos os pressupostos previstos no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, decidiu submeter o Banco Popular a um procedimento de resolução. O CUR decidiu reduzir e converter os instrumentos de capital do Banco Popular nos termos do artigo 21.o do Regulamento n.o 806/2014 e aplicar o instrumento de alienação da atividade nos termos do artigo 24.o do Regulamento n.o 806/2014 através da transferência das ações para um adquirente.

8        O CUR decidiu anular 100 % das ações do Banco Popular, converter e reduzir a totalidade do montante de capital dos instrumentos de fundos próprios adicionais de nível 1 emitidos pelo Banco Popular e converter a totalidade do montante de capital dos instrumentos de fundos próprios de nível 2 emitidos pelo Banco Popular em «novas ações II». Na sequência de um processo de venda transparente e aberto realizado pela autoridade de resolução espanhola, o Fondo de Reestructuración Ordenada Bancaria (FROB, Fundo de Reestruturação Ordenada das Instituições Bancárias, Espanha), as «novas ações II» foram transferidas para o Banco Santander, S. A., em contrapartida do pagamento de um preço de compra de um euro. Posteriormente, o Banco Santander sucedeu a título universal ao Banco Popular em 28 de setembro de 2018, no âmbito de uma fusão por incorporação.

9        Em 7 de junho de 2017, a Comissão Europeia adotou a Decisão (UE) 2017/1246, que aprova o programa de resolução para o Banco Popular (JO 2017, L 178, p. 15).

10      Em 14 de junho de 2018, o gabinete avaliador transmitiu ao CUR a avaliação da diferença de tratamento, prevista no artigo 20.o, n.os 16 a 18, do Regulamento n.o 806/2014, realizada para determinar se os acionistas e credores teriam beneficiado de um melhor tratamento caso a instituição objeto de resolução tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência (a seguir «avaliação 3»). Em 31 de julho de 2018, o gabinete avaliador enviou ao CUR uma adenda a essa avaliação, corrigindo certos erros formais.

11      O gabinete avaliador ponderou, na avaliação 3, o tratamento de que os acionistas e credores afetados teriam beneficiado se o Banco Popular tivesse sido sujeito a um processo normal de insolvência no momento em que o programa de resolução foi adotado. Procedeu a essa avaliação no âmbito de um cenário de liquidação aplicando a Ley 22/2003, Concursal (Lei 22/2003 da Insolvência), de 9 de julho de 2003 (BOE n.o 164, de 10 de julho de 2003, p. 26905).

12      O gabinete avaliador indicou que o cenário hipotético de liquidação tinha sido preparado com base nas informações financeiras não auditadas de 6 de junho de 2017 ou, caso não estivessem disponíveis, nas de 31 de maio de 2017. Considerou que a abertura de um processo normal de insolvência do Banco Popular em 7 de junho de 2017 teria levado a uma liquidação não planificada. Para apreciar os valores de realização dos ativos, o gabinete avaliador teve em conta três cenários temporais de liquidação alternativos, de 18 meses, de 3 anos e de 7 anos, cada um deles incluindo uma melhor e uma pior hipótese. Concluiu que, em cada uma dessas hipóteses, para os acionistas afetados e para os credores subordinados, não se esperava qualquer recuperação no âmbito de um processo normal de insolvência e que, por conseguinte, não existia qualquer diferença de tratamento em relação à resultante da medida de resolução.

13      Em 6 de agosto de 2018, o CUR publicou, no seu sítio Internet, o seu Aviso de 2 de agosto de 2018, sobre a decisão preliminar relativa à eventual necessidade de compensar os acionistas e credores em relação aos quais as medidas de resolução do Banco Popular Español S.A. produziram efeitos e o lançamento do processo de registo para o direito a ser ouvido (SRB/EES/2018/132) (a seguir «decisão preliminar»), e uma versão não confidencial da avaliação 3. Em 7 de agosto de 2018, foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2018, C 277 I, p. 1) uma comunicação sobre o aviso do CUR.

14      Na decisão preliminar, o CUR considerou que resultava da avaliação 3 que não existia diferença entre o tratamento de que tinham realmente sido objeto os acionistas e credores afetados pela resolução do Banco Popular e aquele de que teriam beneficiado se este tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência à data da resolução. O CUR decidiu, a título preliminar, que não tinha que pagar uma indemnização aos acionistas e aos credores afetados nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014.

15      Para lhe permitir tomar uma decisão final sobre a necessidade ou não de conceder uma indemnização aos acionistas e aos credores afetados, o CUR convidou‑os a comunicarem‑lhe o seu interesse em exercer o seu direito de audiência à luz da decisão preliminar, em conformidade com o artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

16      O CUR indicou que o processo relativo ao direito de audiência decorreria em duas fases.

17      Numa primeira fase, a fase de inscrição, os acionistas e os credores afetados foram convidados a manifestar o seu interesse em exercer o seu direito de audiência através de um formulário de inscrição em linha específico, aberto até 14 de setembro de 2018. Em seguida, o CUR devia verificar se cada parte que tivesse manifestado o seu interesse tinha o estatuto de acionista ou de credor afetado. Os acionistas e credores afetados interessados deviam fazer prova da sua identidade e de que detinham, em 6 de junho de 2017, um ou mais instrumentos de capital do Banco Popular que tivessem sido reduzidos ou convertidos e transferidos no âmbito da resolução.

18      Numa segunda fase, a fase de consulta, os acionistas e credores afetados que tivessem manifestado o seu interesse em exercer o seu direito de audiência na primeira fase e cujo estatuto tivesse sido verificado pelo CUR podiam apresentar os seus comentários sobre a decisão preliminar à qual estava anexada a avaliação 3.

19      Em 16 de outubro de 2018, o CUR anunciou que os acionistas e credores elegíveis seriam convidados a apresentar as suas observações escritas sobre a decisão preliminar a partir de 6 de novembro de 2018. Em 6 de novembro de 2018, o CUR enviou aos acionistas e aos credores elegíveis uma ligação pessoal única que dava acesso na Internet a um formulário que lhes permitia apresentar, até 26 de novembro de 2018, comentários sobre a decisão preliminar e sobre a versão não confidencial da avaliação 3.

20      No final da fase de consulta, o CUR analisou as observações relevantes dos acionistas e credores afetados sobre a decisão preliminar. Pediu ao gabinete avaliador que lhe fornecesse um documento com a sua avaliação dos comentários relevantes relativos à avaliação 3 e que examinasse se a avaliação 3 continuava válida à luz desses comentários.

21      Em 18 de dezembro de 2019, o gabinete avaliador forneceu ao CUR a sua avaliação intitulada «documento de clarificação sobre a avaliação da diferença de tratamento» (a seguir «documento de clarificação»). No documento de clarificação, o gabinete avaliador confirmou que a estratégia e os diferentes cenários de liquidação hipotéticos pormenorizados na avaliação 3, bem como as metodologias seguidas e as análises efetuadas, permaneciam válidos.

22      Em 17 de março de 2020, o CUR adotou a decisão recorrida. Em 20 de março de 2020, foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia um anúncio sobre essa decisão (JO 2020, C 91, p. 2).

23      Na decisão recorrida, o CUR considerou que o gabinete avaliador era independente em conformidade com os requisitos previstos no artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 e no capítulo IV do Regulamento Delegado (UE) 2016/1075 da Comissão, de 23 de março de 2016, que complementa a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho no que respeita às normas técnicas de regulamentação que especificam o conteúdo dos planos de recuperação, dos planos de resolução e dos planos de resolução de grupos, os critérios mínimos que as autoridades competentes devem avaliar no que respeita aos planos de recuperação e aos planos de recuperação de grupos, as condições para a prestação de apoio financeiro intragrupo, os requisitos para os avaliadores independentes, o reconhecimento contratual dos poderes de redução e de conversão, os procedimentos e teor dos requisitos de notificação e de aviso de suspensão e o funcionamento operacional dos colégios de resolução (JO 2016, L 184, p. 1).

24      No título 5 «avaliação 3» da decisão recorrida, o CUR resumiu o conteúdo da avaliação 3 e considerou que esta era conforme com o quadro legal aplicável e estava suficientemente fundamentada e completa para constituir o fundamento de uma decisão tomada nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014. Considerou que a avaliação 3 avaliava os elementos necessários previstos no artigo 20.o, n.o 17, do Regulamento n.o 806/2014 e no Regulamento Delegado (UE) 2018/344 da Comissão, de 14 de novembro de 2017, que complementa a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito às normas técnicas de regulamentação que especificam os critérios relativos às metodologias de avaliação da diferença de tratamento no âmbito da resolução (JO 2018, L 67, p. 3).

25      No título 6 da decisão recorrida, o CUR apresentou os «comentários transmitidos pelos acionistas e credores afetados, bem como a sua avaliação». No título 6.1 «avaliação da relevância» da decisão recorrida, o CUR explicou que alguns desses comentários, que não eram relativos à sua decisão preliminar nem à avaliação 3, eram irrelevantes na medida em que não estavam abrangidos pelo procedimento relativo ao direito de audiência. No título 6.2 da decisão recorrida, procedeu ao «exame dos comentários relevantes» transmitidos pelos acionistas e credores afetados, relativos à independência do gabinete avaliador e ao conteúdo da avaliação 3, agrupados por tema.

26      O CUR concluiu que resultava da avaliação 3, conjugada com o documento de clarificação e com as conclusões enunciadas no título 6.2 da decisão recorrida, que não existia qualquer diferença entre o tratamento de que os acionistas e credores afetados tinham realmente sido objeto e aquele de que teriam beneficiado se o Banco Popular tivesse sido sujeito a um processo normal de insolvência à data da resolução.

27      Consequentemente, o CUR decidiu:

«Artigo 1.o

Avaliação

Para determinar se deve ser concedida uma compensação aos acionistas e aos credores afetados pelas medidas de resolução do Banco Popular […], a avaliação da diferença de tratamento no âmbito da resolução, prevista no artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014, é elaborada em conformidade com o anexo I da presente decisão, em conjugação com o documento de clarificação […] que figura no anexo II da presente decisão.

Artigo 2.o

Indemnização

Os acionistas e credores afetados pelas medidas de resolução do Banco Popular […] não têm direito a uma indemnização do Fundo Único de Resolução nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014.

Artigo 3.o

Destinatário da decisão

Esta decisão é dirigida ao FROB, na sua qualidade de autoridade nacional de resolução, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, ponto 3, do Regulamento n.o 806/2014.»

 Pedidos das partes

28      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar o CUR nas despesas.

29      O CUR, apoiado pelo Reino de Espanha, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

30      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca três fundamentos. Com um primeiro fundamento, a recorrente alega que a avaliação 3 não foi realizada por um avaliador independente, em violação do artigo 20.o do Regulamento n.o 806/2014 e do capítulo IV do Regulamento Delegado 2016/1075. Num segundo fundamento, a recorrente alega a existência de erros na avaliação 3. Com um terceiro fundamento, a avaliação 3 assenta numa base errada sobre o estado financeiro do Banco Popular no momento da sua resolução.

31      Refira‑se, a título preliminar, que a jurisprudência circunscreveu o alcance da fiscalização exercida pelo Tribunal Geral tanto em situações em que o ato recorrido se baseia numa apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica altamente complexos como quando se trata de apreciações económicas complexas.

32      Por um lado, nas situações em que as autoridades da União dispõem de um amplo poder de apreciação, nomeadamente quanto à apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica altamente complexos para determinar a natureza e o alcance das medidas que adotam, a fiscalização do juiz da União deve limitar‑se a examinar se o exercício de tal poder de apreciação não está ferido de erro manifesto ou de desvio de poder ou ainda se essas autoridades não ultrapassaram manifestamente os limites desse poder de apreciação. Com efeito, neste contexto, o juiz da União não pode substituir pela sua a apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica feita pelas autoridades da União, às quais o Tratado FUE conferiu em exclusivo essa missão [v. Acórdãos de 21 de julho de 2011, Etimine, C‑15/10, EU:C:2011:504, n.o 60 e jurisprudência referida, e de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 105 e jurisprudência referida].

33      Por outro lado, a fiscalização que os tribunais da União exercem sobre as apreciações económicas complexas feitas pelas autoridades da União é uma fiscalização restrita que se limita necessariamente à verificação do respeito das normas processuais e de fundamentação, da exatidão material dos factos, bem como da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder. No âmbito dessa fiscalização, também não cabe ao juiz da União substituir pela sua a apreciação económica da autoridade da União competente [v. Acórdãos de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, EU:C:2010:480, n.o 66 e jurisprudência referida, e de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 106 e jurisprudência referida].

34      Uma vez que as decisões do CUR destinadas a determinar se deve ser concedida uma indemnização aos acionistas e aos credores afetados pelas medidas de resolução de uma entidade se baseiam em apreciações económicas e técnicas altamente complexas, há que considerar que os princípios que resultam da jurisprudência acima referida nos n.os 32 e 33 se aplicam à fiscalização que o julgador é chamado a exercer.

35      Ora, embora seja reconhecida ao CUR uma margem de apreciação em matéria económica e técnica, isso não implica que o juiz da União se deva abster de fiscalizar a interpretação, feita pelo CUR, dos dados de natureza económica em que assenta a sua decisão. Com efeito, como já decidiu o Tribunal de Justiça, mesmo no caso de apreciações complexas, o juiz da União deve verificar não só a exatidão material das provas invocadas, a sua fiabilidade e coerência, mas também fiscalizar se essas provas constituem todos os dados relevantes a ter em consideração para apreciar uma situação complexa e se são capazes de sustentar as conclusões que delas são retiradas [v. Acórdãos de 11 de novembro de 2021, Autostrada Wielkopolska/Comissão e Polónia, C‑933/19 P, EU:C:2021:905, n.o 117 e jurisprudência referida, e de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 108 e jurisprudência referida].

36      A esse respeito, para demonstrar que o CUR cometeu um erro manifesto na apreciação dos factos suscetível de justificar a anulação da decisão recorrida, as provas apresentadas pelo recorrente devem ser suficientes para deixar sem plausibilidade as apreciações dos factos dados por provados nessa decisão [v., por analogia, Acórdãos de 7 de maio de 2020, BTB Holding Investments e Duferco Participations Holding/Comissão, C‑148/19 P, EU:C:2020:354, n.o 72, e de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 109 e jurisprudência referida].

37      Consequentemente, um fundamento relativo a erro manifesto de apreciação deve ser julgado improcedente se, apesar das provas apresentadas pelo recorrente, a apreciação em causa puder ser aceite como ainda verdadeira ou válida (v. Acórdãos de 27 de setembro de 2018, Spiegel‑Verlag Rudolf Augstein e Sauga/BCE, T‑116/17, não publicado, EU:T:2018:614, n.o 39 e jurisprudência referida, e de 25 de novembro de 2020, BMC/Entreprise commune Clean Sky 2, T‑71/19, não publicado, EU:T:2020:567, n.o 76 e jurisprudência referida).

38      Resulta ainda de jurisprudência constante que, quando as instituições dispõem de um poder de apreciação, o respeito das garantias conferidas pelo ordenamento jurídico da União nos procedimentos administrativos assume uma importância ainda mais fundamental. Entre essas garantias conferidas pelo ordenamento jurídico da União nos procedimentos administrativos figura, nomeadamente, o princípio da boa administração, consagrado no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, ao qual está ligado o dever de a instituição competente examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes do caso. Só assim pode o juiz da União verificar se estão preenchidos os elementos de facto e de direito de que depende o exercício do seu poder de apreciação (v., neste sentido, Acórdão de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14).

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à existência de erros na avaliação 3

39      Com o seu segundo fundamento, a recorrente alega, em substância, que o CUR, na decisão recorrida, e o gabinete avaliador, na avaliação 3, quando determinaram se os acionistas e credores afetados teriam beneficiado de melhor tratamento se o Banco Popular tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência no momento em que o programa de resolução foi adotado, cometeram um erro ao basear‑se num cenário hipotético em que o Banco Popular fosse sujeito a liquidação enquanto empresa em cessação de atividade.

40      A recorrente alega que, na decisão recorrida, o CUR se baseou numa premissa errada na medida em que o artigo 20.o, n.o 18, do Regulamento n.o 806/2014 não indica que o tratamento dos acionistas e dos credores afetados num hipotético processo de insolvência deva ser avaliado à luz de um critério segundo o qual a entidade sujeita à resolução estaria em situação de cessação de atividade. Ora, a avaliação é diferente consoante se baseie num critério de liquidação, a saber, a cessação de atividade, ou num critério de continuidade de exploração, a saber, a prossecução da atividade.

41      Sustenta que a referência ao processo normal de insolvência no Regulamento n.o 806/2014 deve ser entendida no sentido de que visa o processo regulado na lei espanhola, a saber, a Lei 22/2003. Refere que, segundo o artigo 44.o, n.o 1, da Lei 22/2003, «a declaração de insolvência não interrompe a continuação da atividade profissional ou comercial exercida pelo devedor», o que significa que, no direito espanhol, o facto de o devedor se encontrar em situação de insolvência declarada não leva à cessação de atividade nem à liquidação do seu património. Do mesmo modo, o artigo 100.o, n.o 3, da Lei 22/2003 estabelece uma solução preservadora e de prossecução da atividade mediante concordata. Essa lei prevê a venda, total ou parcial, da unidade de exploração sob um regime de continuidade, total ou parcial, da exploração, em conformidade com um critério de empresa em atividade, e não de liquidação de ativos não produtivos, o que está expressamente excluído. A Lei n.o 22/2003 impõe a prossecução da atividade independentemente da fase do processo de insolvência. Na decisão recorrida, o CUR cometeu um erro de apreciação e uma interpretação errada da Lei 22/2003 ao considerar que o processo de insolvência previsto nessa lei teria conduzido à liquidação da entidade.

42      Além disso, a recorrente alega que o critério de liquidação, utilizado pelo gabinete avaliador na avaliação 3 e aprovado pelo CUR na decisão recorrida, é incompatível com a resolução conforme definida pelo Regulamento n.o 806/2014, nomeadamente com o seu objetivo de assegurar a continuidade das funções críticas da instituição, e com o instrumento de resolução utilizado pelo CUR, a saber, a venda do Banco Popular como empresa em continuidade de exploração. Considera que a diferença de tratamento se baseia num exercício hipotético de comparação de dois procedimentos que permitam a recuperação das instituições de crédito. Uma vez que a apreciação da diferença de tratamento na avaliação 3 pressupõe a comparação de operações equivalentes, há que, para proceder a uma avaliação adequada num cenário de insolvência, tomar como base uma hipótese semelhante à que foi aplicada na resolução, a saber, a prossecução das atividades da entidade.

43      Na decisão recorrida, o CUR referiu que, segundo o artigo 15.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 806/2014, a avaliação 3 devia determinar se os acionistas e credores afetados tinham tido pior tratamento no âmbito da resolução do que teriam tido se o Banco Popular tivesse sido «liquidado segundo um processo normal de insolvência». Referiu, à semelhança do gabinete avaliador no documento de clarificação, que a Ley 11/2015 de recuperación y resolución de entidades de crédito y empresas de servicios de inversión (Lei 11/2015 de Recuperação e de Resolução das Instituições de Crédito e das Empresas de Serviços de Investimento), de 18 de junho de 2015 (BOE n.o 146, de 19 de junho de 2015, p. 50797), que transpõe a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/CE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.o ° 1093/2010 e (UE) n.o ° 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2014, L 173, p. 190), prevê especificamente que a avaliação da diferença de tratamento deve ser efetuada partindo do princípio de que a entidade entrou num processo de liquidação.

44      Em primeiro lugar, quanto às disposições relevantes do Regulamento n.o 806/2014, há que lembrar que a avaliação prevista no artigo 20.o, n.o 16, desse regulamento visa determinar se os acionistas e os credores teriam beneficiado de um melhor tratamento se a instituição objeto de resolução tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência.

45      Nos termos do artigo 20.o, n.o 17, do Regulamento n.o 806/2014, a avaliação referida no n.o 16 desse mesmo artigo estabelece a diferença de tratamento entre o tratamento real de que foram objeto os acionistas e credores no âmbito da resolução e o tratamento de que teriam beneficiado se a entidade tivesse sido sujeita a um processo normal de insolvência no momento em que foi tomada a decisão sobre a medida de resolução.

46      Essa avaliação destina‑se a aplicar o princípio de que nenhum credor deve ter um tratamento desfavorável, princípio esse enunciado no artigo 15.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 806/2014, que prevê que «nenhum credor deve suportar perdas mais elevadas do que teria tido de incorrer se a entidade referida no artigo 2.o tivesse sido liquidada ao abrigo de um processo normal de insolvência de acordo com as salvaguardas previstas no artigo 29.o».

47      Por força desse princípio, o artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014 indica que o CUR pode recorrer ao Fundo Único de Resolução (FUR) para «pagar uma compensação aos acionistas ou aos credores se, na sequência de uma avaliação efetuada nos termos do artigo 20.o, n.o 5, tiverem sofrido prejuízos maiores do que teriam sofrido em caso de uma liquidação em conformidade com os processos normais de insolvência, na sequência de uma avaliação efetuada nos termos do artigo 20.o, n.o 16».

48      Assim, resulta claramente das disposições acima referidas do Regulamento n.o 806/2014 que, ao contrário do que alega a recorrente, a referência, no artigo 20.o, n.os 16 a 18, do Regulamento n.o 806/2014, ao tratamento de que os acionistas e credores da entidade teriam beneficiado se esta tivesse sido sujeita a um processo normal de insolvência remete para o seu tratamento hipotético em caso de liquidação da entidade.

49      Além disso, segundo o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento Delegado 2018/344, o método para realizar a avaliação do tratamento de que teriam beneficiado os acionistas e credores em relação aos quais as medidas de resolução foram executadas, se a entidade tivesse sido sujeita a um processo normal de insolvência à data da decisão de resolução, consiste unicamente em determinar o montante atualizado dos fluxos de tesouraria esperados no âmbito de um processo normal de insolvência. Os fatores a tomar em consideração para avaliar esses fluxos de tesouraria, enunciados no artigo 4.o, n.os 4 e 5, do Regulamento Delegado 2018/344, visam determinar o valor dos ativos, consoante sejam negociados ou não num mercado ativo, no âmbito de uma cessão hipotética. O artigo 4.o, n.o 8, do Regulamento Delegado 2018/344 prevê igualmente que o produto hipotético resultante da avaliação seja repartido entre os acionistas e os credores em função da sua prioridade nos termos da legislação aplicável em matéria de insolvência.

50      Daí resulta que o método de avaliação do tratamento de que os acionistas e credores teriam beneficiado no âmbito de um hipotético processo normal de insolvência definido no Regulamento Delegado 2018/344 corresponde à realização dos ativos da instituição e, portanto, a uma liquidação conforme definida no artigo 3.o, n.o 1, ponto 42, do Regulamento n.o 806/2014.

51      Ao contrário do que alega a recorrente, o facto de a diferença de tratamento ser avaliada comparando o tratamento real de que os acionistas e credores afetados foram objeto em consequência da resolução com um cenário hipotético em que a entidade fosse objeto de um processo normal de insolvência não implica que esse cenário contrafactual se deva basear numa hipótese semelhante à que foi aplicada na resolução, a saber, a prossecução das atividades da entidade.

52      Há que observar que este argumento resulta de uma compreensão errada do mecanismo de indemnização dos acionistas e dos credores de uma entidade sujeita a uma medida de resolução instituída pelo Regulamento n.o 806/2014.

53      A este respeito, o considerando 62 do Regulamento n.o 806/2014 indica:

«A interferência com os direitos de propriedade não deverá ser desproporcionada. Daí decorre que os acionistas e credores afetados não deverão suportar perdas mais elevadas do que aquelas que suportariam se a entidade tivesse sido liquidada no momento em que é tomada a decisão de desencadear a resolução. Em caso de transferência parcial dos ativos de uma instituição objeto de resolução para um comprador do setor privado ou para uma instituição de transição, a parte remanescente da instituição objeto de resolução deverá ser liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência. Para proteger os acionistas e credores da entidade durante o processo de liquidação, estes deverão ter direito a receber em pagamento pelos seus créditos um valor não inferior ao que se estima que receberiam se a entidade no seu conjunto fosse liquidada ao abrigo dos processos normais de insolvência.»

54      Segundo o artigo 20.o, n.o 18, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 806/2014, a avaliação da diferença de tratamento prevista no artigo 20.o, n.o 16, do mesmo regulamento parte do pressuposto de que uma instituição objeto de resolução em relação à qual foram executadas uma ou mais medidas de resolução teria entrado em processo normal de insolvência no momento em que foi tomada a decisão sobre a medida de resolução e no pressuposto de que a medida ou medidas de resolução não foram executadas.

55      Importa igualmente recordar que a adoção de uma medida de resolução em relação a uma entidade pressupõe que as condições previstas no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 estejam preenchidas, a saber, que a entidade esteja em situação ou em risco de insolvência, que não existam outras medidas de natureza privada ou medidas prudenciais suscetíveis de impedir a sua insolvência num prazo razoável e que a medida de resolução seja necessária para o interesse público. Segundo o artigo 18.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014, considera‑se que uma medida de resolução é de interesse público se for necessária para a prossecução, por meios proporcionados, de um ou mais dos objetivos da resolução e que, pelo contrário, a liquidação da entidade pelos processos normais de insolvência não o permitiria na mesma medida. Como indica a recorrente, a adoção de um mecanismo de resolução tem nomeadamente por objetivo, em aplicação do artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do mesmo regulamento, assegurar a continuidade das funções críticas da entidade.

56      Como admite a recorrente, uma medida de resolução constitui uma alternativa à liquidação de uma entidade quando o interesse público o exija.

57      Nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014, relativo à aplicação do princípio referido no artigo 15.o, n.o 1, alínea g), do mesmo regulamento, é reconhecido aos acionistas e aos credores o direito, no processo de resolução, a um reembolso ou a uma indemnização dos seus créditos que não seja inferior à estimativa do que teriam recuperado se toda a instituição ou empresa em causa tivesse sido liquidada num processo normal de insolvência [v., por analogia, Acórdão de 5 de maio de 2022, Banco Santander (Resolução bancária Banco Popular), C‑410/20, EU:C:2022:351, n.o 48].

58      Daí resulta que, para determinar a diferença de tratamento, a comparação tem por objeto o tratamento real dado aos acionistas e credores afetados devido à resolução e a avaliação da sua situação caso a medida de resolução não tivesse sido adotada, a saber, a hipótese de a entidade ter sido liquidada. Contrariamente ao que sustenta a recorrente, a apreciação da diferença de tratamento não pressupõe a comparação de duas situações semelhantes, mas sim de duas alternativas. A recorrente sustenta também erradamente, portanto, que o cenário contrafactual visa, à semelhança da resolução, um procedimento que permita assegurar a continuidade das funções críticas das instituições de crédito e a sua recuperação e que deve basear‑se na mesma hipótese aplicada no programa de resolução.

59      Em segundo lugar, no que respeita à legislação nacional aplicável, refira‑se que, ao contrário do que alega a recorrente, a Lei 22/2003, que rege o processo normal de insolvência em Espanha, não é o único diploma de direito espanhol aplicável à avaliação da diferença de tratamento.

60      Com efeito, o Real Decreto 1012/2015 por el que se desarrolla la Ley 11/2015, y por el que se modifica el Real Decreto 2606/1996, de 20 de diciembre, sobre fondos de garantía de depósitos de entidades de crédito (Real Decreto 1012/2015, que aplica a Lei 11/2015 e que altera o Real Decreto 2606/1996, de 20 de dezembro de 1996, relativo aos fundos de garantia de depósitos de instituições de crédito), de 6 de novembro de 2015 (BOE n.o 267, de 7 de novembro de 2015, p. 105911), que transpõe a Diretiva 2014/59, contém disposições específicas para a avaliação da diferença de tratamento.

61      Ora, como indica o Reino de Espanha, o legislador espanhol, quando regulamentou a avaliação da diferença de tratamento, não previu outra hipótese que não a da liquidação segundo o processo normal de insolvência.

62      Com efeito, o artigo 10.o, n.o 2, do Real Decreto 1012/2015 prevê que a avaliação deve determinar o tratamento que os acionistas e credores teriam recebido se a entidade objeto de resolução tivesse sido objeto de um processo de liquidação no momento da adoção da decisão de resolução.

63      A esse respeito, o artigo 10.o, n.o 3, alínea a), do Real Decreto 1012/2015 indica que a avaliação parte da hipótese de que a entidade à qual foram aplicadas as medidas de resolução teria sido liquidada no âmbito do processo de insolvência no momento em que a decisão de resolução foi tomada.

64      Assim, na apreciação da diferença de tratamento na sequência de uma resolução decidida pelo FROB, o direito espanhol prevê que o cenário contrafactual é um cenário de liquidação da entidade que tem em conta as disposições da Lei 22/2003 relativas à liquidação.

65      A esse respeito, como refere o Reino de Espanha, o conceito de «liquidação», referido nos artigos 148.o e 149.o da Lei 22/2003, consiste na realização dos bens e dos direitos da empresa insolvente para satisfazer os credores com o que foi obtido e corresponde à definição que figura no artigo 3.o, n.o 1, ponto 42, do Regulamento n.o 806/2014.

66      Além disso, como indica o CUR, o artigo 100.o da lei 22/2003, relativo à concordata, mencionado pela recorrente, está incluído no título V dessa lei, intitulado «Das fases de liquidação ou de concordata». Daí resulta que a Lei 22/2003, que é a lei geral da insolvência, prevê que uma concordata com os credores constitui uma solução alternativa à liquidação no termo da fase comum do processo de insolvência.

67      Por conseguinte, o Real Decreto 1012/2015, ao prever expressamente que a diferença de tratamento deve ser apreciada tendo em conta a hipótese de a entidade ter entrado em fase de liquidação, excluiu a possibilidade da aplicação da solução alternativa que consiste numa concordata com os credores.

68      Daí resulta que, contrariamente ao que alega a recorrente, as disposições da legislação espanhola aplicáveis preveem que a determinação da diferença de tratamento se deve basear num cenário de liquidação, o que exclui a possibilidade de um cenário assente numa continuidade de exploração da entidade e numa concordata com os credores.

69      Em terceiro lugar, no caso, há que recordar que, na hipótese de o programa de resolução não ter sido adotado, a alternativa consistia na liquidação do Banco Popular segundo um processo normal de insolvência [Acórdão de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 421].

70      A esse respeito, na decisão recorrida, o CUR referiu que, de acordo com a avaliação 3, à luz das circunstâncias do caso e, em particular, da incapacidade de o Banco Popular pagar as suas dívidas na data do vencimento, a abertura de um processo normal de insolvência à data da resolução teria levado a uma liquidação do Banco Popular, que teria implicado uma realização acelerada dos ativos, sem preço mínimo vinculativo, e o pagamento da realização líquida aos credores em conformidade com a hierarquia estabelecida pela Lei 22/2003.

71      Importa igualmente mencionar que o argumento da recorrente de que o cenário contrafactual da medida de resolução não implicava necessariamente a hipótese de uma liquidação do Banco Popular já tinha sido suscitado por certos acionistas e credores afetados no âmbito do processo relativo ao direito de audiência.

72      Na decisão recorrida, o CUR referiu que tinham alegado que poderia ter sido encontrada uma solução proveniente do setor privado ou que o cenário contrafactual se deveria ter baseado na venda do Banco Popular como empresa em atividade, uma vez que este ainda estava em atividade no mercado à data da adoção do programa de resolução. Em particular, o CUR indicou que alguns acionistas e credores afetados sustentavam que os credores poderiam ter celebrado um acordo (uma concordata) que tivesse impedido a liquidação do Banco Popular. Outras tinham observado que o processo de insolvência espanhol previa a possibilidade de insolvência preestabelecida, através da qual os ativos viáveis da entidade eram separados e vendidos como empresa em atividade. Afirmaram que essa solução deveria ter sido prevista pelo gabinete avaliador na definição da estratégia de liquidação, uma vez que teria permitido preservar melhor o valor de franquia do Banco Popular.

73      O CUR referiu que, sem prejuízo das exigências previstas no Regulamento n.o 806/2014 e no direito nacional aplicável, o gabinete avaliador tinha explicado, no documento de clarificação, as razões pelas quais não era possível, no caso do Banco Popular, realizar uma venda como empresa em atividade (através de um processo de insolvência preestabelecido ou de outro modo) nem organizar uma concordata. A este respeito, o gabinete avaliador tinha indicado, por um lado, que, tendo em conta a situação de liquidez do Banco Popular à data da resolução e a avaliação do Banco Central Europeu (BCE) sobre a situação ou risco de insolvência do Banco Popular, este não podia continuar a funcionar enquanto fossem levadas a cabo negociações, provocando uma destruição de valor significativo. O CUR acrescentou que uma carta do diretor‑geral do Banco Popular, de 6 de junho de 2017, corroborava a conclusão de que a situação de liquidez do Banco Popular não lhe permitia prosseguir as suas atividades. Por outro lado, o gabinete avaliador tinha considerado que a licença bancária do Banco Popular teria sido revogada, na medida em que estavam preenchidos os pressupostos da sua revogação previstos na lei espanhola. Tinha indicado que a licença bancária era necessária para aceitar os depósitos dos clientes, que eram essenciais à prossecução das atividades do Banco Popular ou à sua venda enquanto empresa em atividade.

74      O CUR acrescentou que o gabinete avaliador tinha mencionado, no documento de clarificação, que a criação de um «banco bom» e de um «banco mau» não estava prevista na Lei 22/2003 e que, em todo o caso, a sua execução exigiria tempo que então não estava disponível.

75      O CUR concluiu que o gabinete avaliador tinha procedido a uma avaliação adequada do cenário de liquidação utilizado na avaliação 3.

76      Daí resulta que, à data da resolução, o Banco Popular não estava em condições de prosseguir as suas atividades devido à sua situação de liquidez, à sua situação ou risco de insolvência e à possível revogação da sua autorização bancária, e que, por esse motivo, nem uma concordata nem um cenário de insolvência que assumisse a hipótese de uma empresa em continuidade de exploração eram possíveis.

77      Por conseguinte, contrariamente ao que alega a recorrente, tanto as disposições jurídicas aplicáveis como a situação factual do Banco Popular à data da resolução excluíam a aplicação de um cenário contrafactual que tivesse em conta a hipótese de uma empresa em continuidade de exploração.

78      Daí resulta que é irrelevante o argumento da recorrente relativo à diferença de valor que resultaria da aplicação do critério da continuidade da exploração em vez do critério de liquidação relativo à avaliação dos ativos de imposto diferido não protegidos do Banco Popular.

79      Resulta do exposto que a recorrente não demonstrou que o CUR tenha cometido um erro manifesto de apreciação ao aprovar o entendimento do gabinete avaliador de que a avaliação do tratamento de que teriam beneficiado os acionistas e credores afetados do Banco Popular no caso de este ter sido objeto de um processo normal de insolvência devia ser efetuada segundo um cenário de liquidação de uma empresa em cessação de atividade.

80      Improcede, portanto, o segundo fundamento.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 20.o do Regulamento n.o 806/2014 e do capítulo IV do Regulamento Delegado 2016/1075, por não ter sido a avaliação 3 realizada por um avaliador independente

81      A recorrente alega que o gabinete avaliador não preenchia as condições para ser considerado independente para efeitos da elaboração da avaliação 3 e que a sua designação pelo CUR viola as disposições do capítulo IV do Regulamento Delegado 2016/1075 e o artigo 20.o do Regulamento n.o 806/2014.

82      Na decisão recorrida, o CUR considerou que o gabinete avaliador era independente, em conformidade com os requisitos do artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 e do capítulo IV do Regulamento Delegado 2016/1075. Referiu que o gabinete avaliador tinha sido selecionado no âmbito de um procedimento de concurso, no termo do qual o CUR considerou que possuía as qualificações, a experiência, as competências, os conhecimentos e os recursos necessários para realizar a avaliação 3, sem dependência excessiva em relação a uma autoridade pública em causa ou ao Banco Popular, em conformidade com as exigências do artigo 38.o, n.o 1, e do artigo 39.o do Regulamento Delegado 2016/1075. O CUR considerou que o gabinete avaliador, tendo em conta a natureza, a dimensão e a complexidade da avaliação a efetuar, dispunha dos recursos humanos e técnicos adequados para realizar a avaliação 3, em conformidade com o artigo 39.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2016/1075.

83      Além disso, o CUR considerou que o gabinete avaliador era uma entidade jurídica independente das autoridades públicas e do Banco Popular e, a esse respeito, que era totalmente independente do CUR e não tinha sido contratado para os trabalhos contabilísticos anuais do Banco Popular.

84      Por último, o CUR referiu que, relativamente à inexistência de interesses comuns ou contraditórios significativos, atuais ou potenciais, na aceção do artigo 41.o do Regulamento Delegado 2016/1075, o gabinete avaliador tinha efetuado uma verificação interna à luz dos padrões profissionais aplicáveis. Tendo em conta o resultado dessa verificação, o gabinete avaliador considerou que não apresentava qualquer conflito de interesses relativamente à sua designação como avaliador independente. A esse respeito, o CUR mencionou as diferentes declarações de inexistência de conflito de interesses prestadas pelo gabinete avaliador durante o procedimento de concurso e após a sua designação, destinadas a garantir a sua independência e dos membros das suas equipas, nomeadamente a encarregada de realizar a avaliação 3.

85      Tendo em conta essas declarações e as garantias fornecidas pelo gabinete avaliador, o CUR considerou que este apresentava garantias suficientes para evitar qualquer interesse significativo real ou potencial em comum ou em conflito com uma autoridade pública relevante ou com o Banco Popular. O CUR remeteu igualmente para o n.o 6.2.1 da decisão recorrida, no qual respondeu aos «comentários relativos à independência do gabinete avaliador» apresentados pelos acionistas e credores afetados no procedimento relativo ao direito de audiência. Nesse título, o CUR explicou que o gabinete avaliador, no momento da sua designação e durante a realização da avaliação 3, não tinha qualquer interesse significativo real ou potencial em comum ou em conflito com uma autoridade pública relevante ou com a entidade relevante, na aceção do artigo 41.o do Regulamento Delegado 2016/1075.

86      O CUR concluiu que o gabinete avaliador era independente em conformidade com os requisitos do artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014 e dos artigos 39.o a 41.o do Regulamento Delegado 2016/1075.

87      A esse respeito, por força do artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR assegura que seja realizada uma avaliação por uma pessoa independente referida no n.o 1 desse artigo, a saber, por uma pessoa independente de qualquer autoridade pública, incluindo o CUR e a autoridade nacional de resolução, bem como da entidade em causa.

88      As regras relativas à independência dos avaliadores são especificadas no capítulo IV do Regulamento Delegado 2016/1075, cujo artigo 38.o dispõe:

«Uma pessoa singular ou coletiva pode ser nomeada como avaliador. O avaliador será considerado independente de qualquer autoridade pública relevante e da entidade relevante se estiverem preenchidas todas as seguintes condições:

1)      O avaliador possui as qualificações, a experiência, as aptidões, os conhecimentos e os recursos necessários e é capaz de realizar a avaliação de forma eficaz sem depender excessivamente de qualquer autoridade pública relevante ou da entidade relevante em conformidade com o artigo 39.o;

2)      O avaliador está juridicamente separado das autoridades públicas relevantes e da entidade relevante em conformidade com o artigo 40.o;

3)      O avaliador não tem interesses significativos em comum ou em conflito na aceção do artigo 41.o»

89      O artigo 41.o do Regulamento Delegado 2016/1075, relativo aos interesses comuns ou contraditórios significativos, prevê:

«1. O avaliador independente não deve ter qualquer interesse real ou potencial significativo em comum ou em conflito com qualquer autoridade pública relevante ou com a entidade relevante.

2. Para efeitos do n.o 1, um interesse real ou potencial deve ser considerado significativo sempre que, na apreciação da entidade competente para proceder a nomeações ou de qualquer outra autoridade com competência para tal no Estado‑Membro em causa, possa influenciar ou aparentar influenciar o discernimento do avaliador independente na sua avaliação.

3. Para efeitos do n.o 1, deverão ser considerados relevantes os interesses em comum ou em conflito com pelo menos as seguintes partes:

a)      A gestão de topo e os membros do órgão de administração da entidade relevante;

b)      As pessoas singulares ou coletivas que controlam ou possuem uma participação qualificada na entidade;

c)      Os credores identificados pela entidade competente para proceder a nomeações ou por qualquer outra autoridade com competência para tal no Estado‑Membro em causa como significativos com base nas informações à disposição dessas entidades competentes ou outras autoridades com competência para tal no Estado‑Membro em causa;

d)      Cada uma das entidades de grupo.

4. Para efeitos do n.o 1 devem ser considerados relevantes pelo menos os seguintes aspetos:

a)      A prestação de serviços pelo avaliador independente, incluindo a prestação de serviços no passado, à entidade relevante e às pessoas referidas no n.o 3 e, em especial, a ligação entre esses serviços e os elementos pertinentes para a avaliação;

b)      As relações pessoais e financeiras entre o avaliador independente e a entidade relevante e as pessoas referidas no n.o 3;

c)      Os investimentos e outros interesses financeiros significativos do avaliador independente;

d)      No que respeita às pessoas coletivas, qualquer separação estrutural ou outros mecanismos que devam ser aplicados para evitar quaisquer ameaças à independência, tais como a autoavaliação, o interesse pessoal, a representação, a familiaridade, a confiança ou a intimidação, nomeadamente mecanismos para distinguir entre os membros do pessoal que possam ser envolvidos na avaliação e os restantes membros do pessoal.

[…]»

90      A título preliminar, refira‑se que a recorrente não contesta que o gabinete avaliador preenchia os requisitos previstos no artigo 38.o, n.os 1 e 2, do Regulamento Delegado 2016/1075, a saber, possuía as qualificações, a experiência, as competências, os conhecimentos e os recursos necessários para efetuar eficazmente a avaliação 3 e que estava juridicamente separado das autoridades públicas relevantes e do Banco Popular.

91      Também não alega que o gabinete avaliador tinha um interesse significativo real ou potencial em comum ou em conflito com a autoridade pública relevante, a saber, o CUR, ou com a entidade relevante, a saber, o Banco Popular, na aceção do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento Delegado 2016/1075.

92      A recorrente alega que o gabinete avaliador não preenchia os requisitos para ser considerado independente, na medida em que tinha interesses reais ou potenciais significativos que podiam influenciar ou ser razoavelmente entendidos no sentido de que influenciavam a sua apreciação na realização da avaliação 3, na aceção do artigo 41.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2016/1075.

93      Alega, em substância, que a existência de tais interesses não deve ser apreciada unicamente à luz das ligações entre, por um lado, o gabinete avaliador e, por outro, o CUR ou o Banco Popular, mas também tendo em conta todas as circunstâncias do caso. Assim, acusa o CUR de não ter tido em conta, em primeiro lugar, o facto de o gabinete avaliador já ter realizado a avaliação 2 e, em segundo lugar, as ligações entre este e o Banco Santander.

 Quanto à primeira parte, relativa ao facto de o gabinete avaliador ter realizado as avaliações 2 e 3

94      A recorrente alega que, dado o gabinete avaliador ter realizado a avaliação 2, não era oportuno, por força do respeito do princípio da diligência profissional e da objetividade na escolha do avaliador independente, confiar‑lhe a realização da avaliação 3. Entende que este estava sujeito a uma forte pressão para preservar a sua reputação profissional, o que o incentivava a evitar qualquer retificação ou alteração das conclusões da avaliação 2.

95      A recorrente lembra que o CUR está sujeito ao respeito do princípio da boa administração, consagrado no artigo 41.o da Carta, e à exigência de imparcialidade, que visa, em especial, evitar situações de conflito de interesses. Ora, o CUR limitou‑se a declarar a conformidade formal da designação do avaliador com as exigências do Regulamento Delegado 2016/1075, sem ter em conta a posição ocupada pelo gabinete avaliador no procedimento de resolução nem a sua aparência de imparcialidade. Não basta que as exigências relativas à separação estrutural e aos interesses significativos sejam respeitadas, é igualmente necessário preservar o processo de qualquer suspeita de parcialidade.

96      Na réplica, a recorrente admite que é certo que, como alega o CUR, as disposições aplicáveis, nomeadamente o artigo 20.o do Regulamento n.o 806/2014, não se opõem a que as avaliações 2 e 3 sejam realizadas pelo mesmo avaliador. Alega que, no entanto, o facto de o gabinete avaliador ter realizado a avaliação 2 constituía uma circunstância que o impedia de poder ser considerado um avaliador objetivo e independente.

97      Com os seus argumentos, a recorrente acusa, em substância, o CUR de ter designado o gabinete avaliador como avaliador independente para realizar a avaliação 3 sem ter em conta o facto de, tendo este já realizado a avaliação 2, não se poder considerar que cumpria o requisito de imparcialidade consagrado no artigo 41.o, n.o 1, da Carta, conforme interpretado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

98      A esse respeito, o artigo 41.o, n.o 1, da Carta enuncia, nomeadamente, que todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial.

99      Segundo a jurisprudência, o requisito de imparcialidade, que é imposto às instituições, órgãos e organismos no exercício das suas funções, visa garantir a igualdade de tratamento que é a base da União. Esse requisito visa, nomeadamente, evitar possíveis situações de conflitos de interesses de funcionários e agentes que atuam por conta das instituições, órgãos e organismos. Atendendo à importância fundamental da garantia da independência e da integridade no que diz respeito tanto ao funcionamento interno como à imagem externa das instituições, órgãos e organismos da União, a exigência de imparcialidade abrange todas as circunstâncias que o funcionário ou agente que conhece de um processo deva razoavelmente entender ser, aos olhos de terceiros, suscetível de afetar a sua independência na matéria (v., neste sentido, Acórdão de 27 de março de 2019, August Wolff e Remedia/Comissão, C‑680/16 P, EU:C:2019:257, n.o 26 e jurisprudência referida).

100    Em especial, cabe a essas instituições, órgãos e organismos respeitar a exigência de imparcialidade, nas suas duas componentes que são, por um lado, a imparcialidade subjetiva, por força da qual nenhum membro da instituição em causa deve manifestar ideias preconcebidas ou um juízo antecipado pessoal, e, por outro, a imparcialidade objetiva, nos termos da qual esta instituição deve oferecer garantias suficientes para excluir todas as dúvidas legítimas quanto a um eventual juízo antecipado (v., neste sentido, Acórdão de 27 de março de 2019, August Wolff e Remedia/Comissão, C‑680/16 P, EU:C:2019:257, n.o 27 e jurisprudência referida).

101    Ora, como acima se indica no n.o 87, cabia ao CUR, nos termos do artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014, assegurar a independência do gabinete avaliador à luz das circunstâncias do caso.

102    É certo que, em princípio, não se pode excluir que, aos olhos de terceiros, o facto de o gabinete avaliador já ter participado no procedimento de resolução do Banco Popular ao realizar a avaliação 2, antes da adoção do programa de resolução, possa parecer uma circunstância que o impede de ser objetivo e imparcial na realização da avaliação 3.

103    A este respeito, há que salientar que, na decisão recorrida, o CUR indicou que vários acionistas e credores afetados tinham apresentado comentários sobre a independência do gabinete avaliador e tinham afirmado que este não deveria ter realizado a avaliação 3 na medida em que já tinha realizado a avaliação 2. Alguns desses comentários mencionam o facto de a avaliação 2 incluir uma estimativa ex ante do tratamento que cada categoria de acionistas ou de credores teria tido no quadro de um processo normal de insolvência e afirmavam que o gabinete avaliador tentava confirmar as conclusões da análise do princípio de que nenhum credor terá pior tratamento que tinha feito na avaliação 2.

104    Refira‑se, porém, que as circunstâncias do caso, por um lado, não demonstram que o gabinete avaliador, ao realizar a avaliação 3, tenha sido influenciado pelo facto de ter realizado a avaliação 2 e, por outro, contradizem o argumento da recorrente de que podia razoavelmente parecer ter falta de objetividade ou de imparcialidade.

105    Desde logo, há que lembrar que a avaliação 2 se divide em duas partes, a primeira com a avaliação provisória do Banco Popular para efeitos da resolução e a segunda que consiste numa simulação de cenário de liquidação. A primeira parte contém uma avaliação do ativo e do passivo do Banco Popular e visa determinar o seu valor económico no âmbito da aplicação do instrumento de alienação da atividade. Essa primeira parte foi tida em conta pelo CUR para efeitos da adoção do programa de resolução. A simulação de um cenário de liquidação, contida na segunda parte, tem por objeto, em conformidade com o artigo 20.o, n.o 9, do Regulamento n.o 806/2014, estimar o tratamento que cada categoria de acionistas e credores poderia receber se a entidade visada pela medida de resolução tivesse sido liquidada num processo normal de insolvência nos termos da legislação espanhola.

106    Na avaliação 3, a análise da diferença de tratamento baseia‑se no tratamento efetivo dos acionistas e credores afetados na sequência da resolução. A avaliação do ativo e do passivo do Banco Popular para efeitos da resolução que figura na primeira parte da avaliação 2 não foi tida em conta na avaliação 3 e não podia, portanto, influenciar o gabinete avaliador quando a realizou.

107    Assim, o argumento da recorrente apenas diz respeito à segunda parte da avaliação 2, que corresponde a uma simulação de um cenário de liquidação.

108    A este respeito, na decisão recorrida, o CUR salientou que o quadro jurídico aplicável reconhecia que a estimativa provisória do tratamento que os acionistas e credores afetados poderiam ter tido se a entidade tivesse sido sujeita a liquidação no âmbito da avaliação 2 não podia ser tão precisa como a que constava da avaliação 3 por várias razões, nomeadamente, os condicionalismos de tempo e a falta de dados suficientemente próximos da data de resolução no âmbito da avaliação 2. Assim, segundo o artigo 20.o, n.o 9, do Regulamento n.o 806/2014, a avaliação 2 inclui uma «estimativa» desse tratamento, ao passo que o artigo 20.o, n.o 17, do mesmo regulamento dispõe que a avaliação 3 o «determina». O CUR indicou que o simples facto de a estimativa provisória contida na avaliação 2 e a avaliação 3 terem resultados semelhantes, mas tendo‑se baseado em hipóteses diferentes, não podia ser considerado só por si prova bastante de que a avaliação 3 não tinha sido feita em conformidade com as exigências legais.

109    Refira‑se, primeiro, que, na avaliação 2, o gabinete avaliador precisou que não dispunha de todas as informações e dados necessários nem tempo suficiente para proceder a uma estimativa mais do que simplesmente indicativa nessa fase. Indicou várias vezes que a simulação do cenário de liquidação assentava em muitas incertezas e que, quando estivessem disponíveis informações mais precisas, poderia aperfeiçoar as suas hipóteses e preparar um cenário de liquidação mais «robusto» e mais fiável.

110    O gabinete avaliador mencionou nomeadamente que, «[u]ma vez que a estrutura da empresa ou os balanços das entidades individuais não [lhe tinham] sido comunicados, [o seu] cenário de liquidação [tinha sido] elaborado numa base consolidada a título indicativo» e que «[a] liquidação efetiva ao abrigo da [Lei 22/2003] dizia respeito às entidades individuais». Acrescentou que, «[q]uando recebe[sse] essas informações complementares, [estaria] em condições de apresentar uma simulação de cenário de liquidação mais robusta numa base individual».

111    Por um lado, daí resulta que a avaliação 2 tinha muitas reservas quanto à fiabilidade da simulação do cenário de liquidação. Por outro lado, resulta dos n.os 105 e 106, supra, que uma avaliação do Banco Popular num cenário de liquidação na avaliação 3 diferente da que figura na simulação contida na avaliação 2 não é suscetível de pôr em causa a validade desta última.

112    Por conseguinte, a recorrente não pode validamente sustentar que o gabinete avaliador, com o objetivo de proteger a sua reputação profissional, se considerou vinculado pelas conclusões que figuram na avaliação 2 quando realizou a avaliação 3 nem que uma diferença entre essas duas avaliações seria suscetível de ferir a sua reputação profissional e, portanto, de levar a uma falta sua de objetividade.

113    Segundo, o argumento da recorrente de que o gabinete avaliador foi incentivado a evitar qualquer retificação ou alteração das conclusões contidas na avaliação 2 é desmentido pelas circunstâncias em que foram efetuadas as avaliações 2 e 3.

114    A este respeito, na decisão recorrida, em resposta aos comentários acima mencionados no n.o 103, o CUR indicou que, embora a estimativa ex ante do tratamento de que teriam beneficiado os acionistas e credores afetados num hipotético processo de insolvência, incluída na avaliação 2, tivesse sido realizada num prazo específico e se baseasse nas informações de que dispunha o gabinete avaliador antes da resolução, a saber, principalmente as disponíveis em 31 de março de 2017, a avaliação 3 assentava em informações mais precisas em 6 de junho de 2017, à data do encerramento das atividades, quando estavam disponíveis. O CUR considerou que, tendo em conta as diferentes informações em que se baseavam essas avaliações, bem como a sua finalidade diferente, o gabinete avaliador teria podido muito bem chegar a conclusões diferentes.

115    Há que lembrar, por um lado, que a simulação do cenário de liquidação que figura na avaliação 2 se baseava necessariamente em dados anteriores à adoção do programa de resolução, ao passo que a avaliação 3 devia ter em conta os dados disponíveis à data da resolução. Não se podia, portanto, presumir que, quanto à avaliação do Banco Popular num hipotético cenário de liquidação efetuada na avaliação 3, o gabinete avaliador chegaria ao mesmo resultado da simulação que figurava na avaliação 2.

116    Por outro lado, a recorrente admite que a avaliação 2 teve de ser efetuada com urgência. Assim, como indicou o gabinete avaliador na avaliação 2, a simulação do cenário de liquidação baseava‑se em hipóteses não verificadas e que tinham que ser aperfeiçoadas.

117    Daí resulta que o CUR, a partir da receção da avaliação 2, estava informado de que o gabinete avaliador se devia basear em novos dados na avaliação 3 e, portanto, alterar a avaliação efetuada na simulação do cenário de liquidação. A recorrente não pode, portanto, alegar validamente que o facto de o gabinete avaliador ter realizado a avaliação 2 deveria ter levado o CUR a duvidar da sua objetividade e imparcialidade.

118    Terceiro, a recorrente não nega que as avaliações 2 e 3 foram realizadas com finalidades diferentes e segundo critérios diferentes.

119    Na audiência, a recorrente explicou que o CUR deveria ter recorrido a um avaliador diferente para proceder a uma avaliação segundo um método diferente, ao passo que o gabinete avaliador utilizou a mesma metodologia nas avaliações 2 e 3, a saber, uma avaliação segundo um cenário de liquidação.

120    Ora, na medida em que resulta da análise do segundo fundamento que a avaliação do tratamento de que teriam beneficiado os acionistas e credores afetados do Banco Popular no caso de este ter sido objeto de um processo normal de insolvência devia ser efetuada segundo um cenário de liquidação, a recorrente não pode utilmente alegar que a escolha desse método era suscetível de demonstrar uma aparência de falta de objetividade por parte do gabinete avaliador. Contrariamente ao que sustenta, qualquer outro avaliador que tivesse sido designado para realizar a avaliação 3 deveria ter‑se baseado num cenário hipotético de liquidação do Banco Popular.

121    Por outro lado, refira‑se que, na avaliação 3, o gabinete avaliador não se limitou a confirmar o resultado da simulação que figurava na avaliação 2.

122    Assim, por exemplo, na avaliação 2, o total da realização dos ativos do Banco Popular para os credores, no caso de um cenário de liquidação de três anos, foi estimado entre 120,9 mil milhões de euros na melhor hipótese e 116,5 mil milhões de euros na pior hipótese. Na avaliação 3, no cenário de liquidação de três anos, a avaliação dos ativos conduziu a um resultado diferente, ou seja, 101,546 mil milhões de euros na melhor hipótese e 97,593 mil milhões de euros na pior hipótese.

123    O simples facto de o gabinete avaliador ter chegado à mesma conclusão, a saber, que os acionistas e credores afetados não teriam qualquer recuperação em caso de liquidação do Banco Popular, não basta para demonstrar que se considerou vinculado pela sua avaliação realizada na avaliação 2 quando efetuou a avaliação 3.

124    Resulta do exposto que o argumento destinado a demonstrar uma aparência de falta de objetividade do gabinete avaliador pelo facto de ter realizado a avaliação 2 não se baseia em nenhum elemento concreto e é desmentido pelo próprio conteúdo da avaliação 3.

125    Por conseguinte, nas circunstâncias do caso, contrariamente ao que alega a recorrente, o facto de o gabinete avaliador ter realizado a avaliação 2 não permitia pôr em causa a sua independência para realizar a avaliação 3 e a sua designação pelo CUR como avaliador independente.

126    Daqui resulta que há que julgar improcedente a primeira parte.

 Quanto à segunda parte, relativa às ligações entre o gabinete avaliador e o Banco Santander

127    A recorrente alega que foi erradamente que o CUR, para apreciar a independência do gabinete avaliador, não teve em conta as relações entre este último e o Banco Santander.

128    Em primeiro lugar, alega que, tendo em conta os serviços prestados pelo gabinete avaliador ao Banco Santander antes e depois da resolução do Banco Popular, o CUR devia ter concluído que este não preenchia as condições para ser considerado um avaliador independente na medida em que tinha interesses significativos, reais ou potenciais, suscetíveis de influenciar ou de se poder razoavelmente entender que influenciava a sua apreciação no âmbito da avaliação 3, na aceção do artigo 41.o do Regulamento Delegado 2016/1075.

129    Em primeiro lugar, a recorrente alega que o CUR não teve em conta o facto de o gabinete avaliador ter sido o revisor de contas do Banco Santander durante 25 anos até 2016.

130    Refira‑se, a este respeito, que, no processo relativo ao direito de audiência, alguns acionistas e credores afetados apresentaram comentários relativos à independência do gabinete avaliador, que estava comprometida pelo facto de este ter prestado serviços de auditoria ao Banco Santander no passado, antes da adoção do programa de resolução.

131    Na decisão recorrida, em resposta àqueles comentários, o CUR considerou que os serviços de auditoria prestados ao Banco Santander pelo gabinete avaliador não deviam ser tidos em conta na apreciação da independência que tinha efetuado no momento da sua contratação em 23 de maio de 2017, na medida em que essa apreciação tinha sido efetuada em relação ao Banco Popular. O CUR indicou que, nessa data, não tinha sido analisada a independência do gabinete avaliador em relação aos potenciais adquirentes na medida em que, por um lado, não estava prevista no quadro legal e, por outro, o procedimento de avaliação era um procedimento diferente do processo de venda que determinava o adquirente. Em especial, o gabinete avaliador não teve acesso às informações relativas aos nomes dos potenciais adquirentes ou à identidade do adquirente antes da adoção do programa de resolução.

132    O CUR considerou que, tendo em conta o alcance e o objetivo da avaliação 3, os serviços de auditoria prestados no passado ao Banco Santander pelo gabinete avaliador não interferiam com a independência deste no que respeita à realização da avaliação 3 nem criavam um interesse significativo real ou potencial em comum ou em conflito, na aceção do artigo 41.o do Regulamento Delegado 2016/1075. Em especial, referiu que a avaliação 3 dizia unicamente respeito aos ativos e passivos do Banco Popular antes da sua venda ao Banco Santander e não aos do Banco Santander.

133    Assim, há que considerar que, à data da designação do gabinete avaliador como avaliador independente, a saber, 23 de maio de 2017, a identidade do adquirente não era conhecida e, por conseguinte, não era possível ter em conta as ligações entre o gabinete avaliador e o Banco Santander. Refira‑se ainda que, à data da sua designação como avaliador, o gabinete avaliador já não prestava serviços de auditoria ao Banco Santander, o que, aliás, a recorrente não alega.

134    Além disso, nos termos do artigo 41.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Delegado 2016/1075, para determinar a existência de um interesse significativo real ou potencial em comum ou em conflito na aceção do n.o 1 deste artigo, é relevante a prestação de serviços, incluindo no passado, pelo avaliador independente à entidade relevante e às pessoas referidas no n.o 3, nomeadamente a ligação entre esses serviços e os elementos relevantes para a avaliação.

135    Ora, a recorrente não invoca nenhum argumento destinado a demonstrar a existência de uma ligação entre os serviços de auditoria prestados ao Banco Santander pelo gabinete avaliador e os elementos relevantes para a avaliação 3, que apenas dizia respeito à avaliação do Banco Popular e não à do Banco Santander.

136    Segundo, a recorrente alega que a contratação do gabinete avaliador pelo Banco Santander enquanto consultor para as operações que conduziram aos acordos entre este último e certos investidores do Banco Popular, que tinham interposto recursos por via judicial ou extrajudicial, demonstra a existência de interesses reais ou potenciais em comum entre o avaliador e a entidade em causa, na aceção do artigo 41.o do Regulamento Delegado 2016/1075. Segundo a recorrente, uma pessoa que, imediatamente após a resolução, aconselha o adquirente da entidade objeto de resolução, numa matéria diretamente relacionada com os litígios decorrentes da resolução, não pode ser considerada independente da pessoa que a contrata. Além disso, o gabinete avaliador foi contratado pelo Banco Santander por causa das informações de que dispunha sobre o Banco Popular devido à sua participação na avaliação 2.

137    No processo relativo ao direito de audiência, alguns acionistas e credores afetados também apresentaram comentários sobre a independência do gabinete avaliador que teria sido comprometida pelo facto de, posteriormente à resolução do Banco Popular, este último ter prestado ao Banco Santander serviços relativos à integração do Banco Popular ou à concessão de uma compensação parcial pelo Banco Santander a certos credores do Banco Popular.

138    Na decisão recorrida, em resposta a esses comentários, o CUR considerou que esses serviços não demonstravam interesses comuns ou contraditórios significativos na aceção do artigo 41.o, n.os 2 e 4, do Regulamento Delegado 2016/1075, com uma pessoa relevante na aceção do artigo 41.o, n.o 3, do mesmo regulamento delegado.

139    Primeiro, o CUR considerou que, tendo em conta o alcance e o objetivo da avaliação 3, os serviços prestados pelo gabinete avaliador após a data da resolução relativa a uma empresa em atividade não podiam afetar a avaliação 3 e os elementos nela contidos. Referiu também que a avaliação 3 não poderia afetar a posição do Banco Popular ou do Banco Santander, na medida em que determinava unicamente se devia ser concedida uma indemnização através do FUR aos acionistas e aos credores afetados.

140    Segundo, o CUR considerou que, de qualquer forma, após a adoção do programa de resolução, o gabinete avaliador tinha dado garantias adicionais de que os serviços prestados ao Banco Santander não podiam dar origem a interesses comuns ou contraditórios significativos, atuais ou potenciais. O CUR referiu que, na sua declaração de 18 de dezembro de 2019, o gabinete avaliador tinha confirmado que nenhum serviço prestado ao Banco Santander estava ligado à avaliação dos ativos ou dos passivos objeto da avaliação 3, nem à informação financeira que lhes dizia respeito. Além disso, indicou que o gabinete avaliador tinha confirmado que não havia fluxos de informações entre o trabalho de avaliação efetuado e outros projetos, tendo em conta as medidas de proteção implementadas e os seus protocolos de confidencialidade.

141    Em particular, no que respeita aos serviços relativos à integração do Banco Popular, o CUR indicou que o gabinete avaliador tinha precisado suficientemente que, mesmo que tivesse prestado serviços de consultoria ao Banco Santander, estes não estavam relacionados com os serviços prestados ao CUR, não diziam respeito a nenhuma questão relacionada com os serviços de avaliação prestados ao CUR e também não incluíam serviços de avaliação ou jurídicos ligados ao Banco Popular.

142    No que respeita aos serviços relativos à concessão de uma compensação pelo Banco Santander a determinados credores do Banco Popular, o CUR referiu, no considerando 93 da decisão recorrida, que o gabinete avaliador tinha precisado que esses serviços não estavam ligados a assessoria jurídica ou a serviços de consultoria sobre essas reclamações. Em particular, este último tinha sido contratado para conceber e implementar uma solução de centro de coordenação único para reunir as informações relativas à gestão das reclamações extrajudiciais e judiciais com o objetivo de obter ganhos de eficácia e reduzir o tempo de gestão. Mais especificamente, as tarefas do gabinete avaliador consistiam em serviços relacionados com o acompanhamento e a documentação das informações administrativas e a preparação de relatórios periódicos. Além disso, este tinha acrescentado que não tinha participado nos trabalhos de defesa jurídica, na medida em que o Banco Santander tinha recorrido a escritórios de advogados externos para gerir essas reclamações, e que também não tinha determinado nem calculado o montante das compensações oferecidas pelo Banco Santander aos clientes do Banco Popular.

143    Refira‑se que, ao longo de todo o procedimento relativo à resolução do Banco Popular, o CUR assegurou, como era obrigado a fazer, que o gabinete avaliador respeitasse as exigências de independência e, em particular, as relativas à inexistência de conflito de interesses previstas no artigo 41.o do Regulamento Delegado 2016/1075.

144    Assim, durante o procedimento de concurso que conduziu à adjudicação do contrato específico ao gabinete avaliador, este apresentou ao CUR, em 18 de maio de 2017, uma declaração de inexistência de conflito de interesses com o Banco Popular. Em 23 de maio de 2017, à data da sua designação como avaliador, apresentou igualmente uma declaração relativa à sua independência em conformidade com o Regulamento Delegado 2016/1075, na qual indicou, nomeadamente, ter conhecimento dos requisitos legais e que tinham sido tomadas as disposições adequadas, quando eram necessárias, para assegurar que nem ele nem nenhum membro da equipa proposta para a execução do contrato específico tinham um interesse significativo, tal como definido no artigo 41.o do Regulamento Delegado 2016/1075. Comprometeu‑se a instituir todas as disposições necessárias para assegurar que qualquer serviço futuro prestado às outras partes não comprometeria a sua independência. Referiu que qualquer entrada de novos membros na sua equipa estaria sujeita ao respeito das exigências de independência e à aprovação do CUR.

145    Após a sua designação como avaliador, em 21 de setembro de 2017 e em 11 de abril de 2019, o gabinete avaliador forneceu declarações adicionais sobre a sua independência no seguimento da entrada de novos membros na equipa que trabalhava na avaliação 3. Acresce que, em 18 de dezembro de 2019, apresentou uma declaração de inexistência de conflito de interesses em que confirmou que, em 15 de novembro de 2019, tendo em conta os seus sistemas e os seus controlos, era e tinha sido independente para efeitos da avaliação 3 e que não tinha conhecimento de quaisquer conflitos com outros trabalhos que tivesse efetuado nem de conflitos individuais.

146    Refira‑se que, na sua declaração de 18 de dezembro de 2019, efetuada a pedido do CUR na sequência dos comentários dos acionistas e dos credores afetados no âmbito do processo relativo ao direito de audiência, o gabinete avaliador indicou os serviços que tinha prestado ao Banco Santander e precisou que não existia qualquer ligação entre os serviços que prestava ao Banco Santander e os serviços prestados ao CUR para a realização da avaliação 3 ou do documento de clarificação. Acrescentou que não tinha prestado serviços relativos à avaliação ou à informação financeira dos ativos e passivos objeto da avaliação 3.

147    As explicações do gabinete avaliador foram reproduzidas pelo CUR no considerando 93 da decisão recorrida, acima referido no n.o 142. Assim, o CUR concluiu que, na declaração de 18 de dezembro de 2019, o gabinete avaliador tinha prestado garantias adicionais para se certificar de que os serviços prestados ao Banco Santander relativos à concessão de uma compensação a certos credores do Banco Popular, posteriormente à resolução, não demonstravam qualquer interesse real ou potencial significativo em comum ou em conflito, na aceção do artigo 41.o, n.o 2, e n.o 4, alínea a), do Regulamento Delegado 2016/1075.

148    Ora, a recorrente não explica de que forma esses serviços eram suscetíveis de influenciar a decisão do gabinete avaliador na realização da avaliação 3, na aceção do artigo 41.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2016/1075.

149    Daqui resulta que os argumentos da recorrente não são suscetíveis de pôr em causa o entendimento do CUR de que os serviços prestados pelo gabinete avaliador ao Banco Santander não demonstravam a existência de interesses significativos, reais ou potenciais, suscetíveis de influenciar ou de ser razoavelmente entendidos no sentido de que influenciavam o julgamento do gabinete avaliador, na aceção do artigo 41.o do Regulamento Delegado 2016/1075.

150    Em segundo lugar, a recorrente sustenta que as ligações entre o gabinete avaliador e o Banco Santander suscitam uma suspeita de parcialidade aos olhos de terceiros, impedindo que seja considerado um avaliador independente. A imparcialidade pressupõe a inexistência de preconceitos ou favoritismo. Ora, considera que a avaliação 3 poderia ter efeitos negativos sobre o Banco Santander, prejudicar a sua posição nos litígios relacionados com a resolução do Banco Popular ou permitir pedidos de indemnização dos antigos acionistas do Banco Popular.

151    Refira‑se que, de acordo com a jurisprudência acima referida nos n.os 99 e 100, a exigência de imparcialidade, aplicada ao gabinete avaliador, abrange todas as circunstâncias que possam razoavelmente surgir aos olhos de terceiros como suscetíveis de afetar a sua independência. Para demonstrar uma violação desse requisito, as ligações entre este e o Banco Santander devem constituir uma circunstância suscetível de criar uma dúvida legítima quanto a um eventual juízo antecipado.

152    Assim, considerar que o CUR devia ter tido em conta uma aparência de falta de objetividade ou de imparcialidade do gabinete avaliador devido às suas ligações com o Banco Santander pressupõe demonstrar que, quando o primeiro considerou, na avaliação 3, que os acionistas e credores afetados não teriam beneficiado de um tratamento mais favorável no âmbito de um processo normal de insolvência do que aquele de que foram objeto em consequência da resolução, pretendia favorecer a segunda.

153    Ora, na decisão recorrida, o CUR referiu que, à luz do objetivo da avaliação 3, que é determinar se os acionistas e credores afetados teriam recebido um melhor tratamento no âmbito de um hipotético processo normal de insolvência, esta não poderia ter efeitos na venda do Banco Popular e não poderia afetar a posição do Banco Santander. O CUR considerou que a avaliação 3 só produzia efeitos a seu respeito, na medida em que teria de pagar uma indemnização, através do FUR, em caso de diferença de tratamento.

154    A este respeito, primeiro, há que lembrar que, na avaliação 3, o gabinete avaliador avaliou o valor dos ativos e passivos do Banco Popular no âmbito de um hipotético processo normal de insolvência e considerou que os acionistas e credores afetados não teriam obtido recuperação caso o Banco Popular tivesse sido liquidado à data da resolução. Comparando o resultado dessa avaliação com a situação real dos acionistas e dos credores afetados resultante da resolução, o CUR concluiu que não tinham direito a nenhuma indemnização nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014.

155    Ora, mesmo admitindo que o gabinete avaliador tivesse concluído, na avaliação 3, que os acionistas e credores afetados teriam beneficiado de melhor tratamento em caso de liquidação do Banco Popular do que aquele de que foram objeto devido à resolução, a indemnização que daí poderia resultar seria paga pelo FUR e não pelo Banco Santander.

156    Segundo, há que observar que a hipótese de uma avaliação efetuada nos termos do artigo 20.o, n.os 16 a 18, do Regulamento n.o 806/2014 revelar que os acionistas e credores de uma entidade teriam beneficiado de um tratamento mais favorável do que o resultante da sua resolução faz parte integrante do funcionamento do mecanismo de resolução previsto no Regulamento n.o 806/2014, na medida em que institui um mecanismo de indemnização com base no princípio de que nenhum credor deve ter pior tratamento, consagrado no seu artigo 15.o, n.o 1, alínea g).

157    Além disso, importa sublinhar que o facto de os acionistas e credores afetados poderem ter obtido o reembolso de uma parte dos seus créditos no âmbito de um processo normal de insolvência não implica que a decisão de submeter o banco em causa a um processo de resolução estivesse errada nem que esse processo não era necessário e justificado, uma vez que o objetivo de uma resolução era evitar que um banco de importância sistémica fosse liquidado.

158    Assim, ao contrário do que a recorrente sustentou na audiência, o resultado da avaliação 3 não tem influência tanto na legalidade e na legitimidade da decisão de submeter o Banco Popular a um processo de resolução como no resultado dessa resolução, a saber, a sua venda ao Banco Santander.

159    Além disso, há que lembrar que a avaliação 2 tinha um objeto diferente do da avaliação 3, a saber, estimar o valor da totalidade do Banco Popular para um eventual adquirente no âmbito da aplicação do instrumento de alienação da atividade. Assim, a estimativa do valor dos ativos do Banco Popular no âmbito de um hipotético processo normal de insolvência realizada na avaliação 3 não é suscetível de pôr em causa a avaliação realizada na avaliação 2 nem, portanto, a venda do Banco Popular ao Banco Santander por um euro.

160    Por outro lado, por força do artigo 85.o, n.o 4, último parágrafo, da Diretiva 2014/59, a eventual anulação da decisão de resolução não pode levar a uma alteração das condições da venda do Banco Popular ao Banco Santander. Por conseguinte, seja qual for o resultado da avaliação 3, a venda do Banco Popular ao Banco Santander pelo preço de um euro não pode ser posta em causa.

161    Terceiro, ao contrário do que a recorrente sustenta, a avaliação efetuada na avaliação 3 não pode ter como consequência conferir um direito dos acionistas e credores afetados a uma indemnização do Banco Santander.

162    A esse respeito, basta observar que o Tribunal de Justiça já considerou que, tanto a ação de indemnização como a ação de declaração de nulidade equivalem a exigir que a instituição de crédito ou a empresa de investimento objeto de resolução, ou o sucessor dessas entidades, indemnize os acionistas pelas perdas sofridas em consequência do exercício, por uma autoridade de resolução, do poder de redução e de conversão relativamente a elementos do passivo desse estabelecimento ou dessa empresa, ou que proceda ao reembolso total das quantias investidas na subscrição de ações que foram reduzidas devido a esse procedimento de resolução. Tais ações põem em causa toda a avaliação em que se baseia a decisão de resolução, uma vez que a composição do capital faz parte dos dados objetivos dessa avaliação. Como referiu o advogado‑geral Richard de la Tour nos n.os 82 e 95 das suas conclusões, o próprio processo de resolução e os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2014/59 seriam, portanto, postos em causa [Acórdão de 5 de maio de 2022, Banco Santander (Resolução bancária Banco Popular), C‑410/20, EU:C:2022:351, n.o 43].

163    Resulta do exposto que, na medida em que a avaliação 3, fosse qual fosse o seu resultado, não podia afetar a situação do Banco Santander, o gabinete avaliador não podia favorecê‑la. Por conseguinte, as suas ligações não podem suscitar dúvidas legítimas quanto à existência de um eventual juízo antecipado nem conduzir a uma falta de objetividade ou de imparcialidade do gabinete avaliador. Essas ligações não constituíam uma circunstância suscetível de pôr em causa a sua independência para realizar a avaliação 3 e a sua designação pelo CUR como avaliador independente.

164    Daí resulta que improcede a segunda parte e, com ela, improcede integralmente o primeiro fundamento.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo ao facto de a avaliação 3 se basear numa base errada no que respeita à situação financeira do Banco Popular no momento da sua resolução

165    Na petição, com o terceiro fundamento, a recorrente pedia, em substância, ao Tribunal Geral que ordenasse, através de uma diligência de instrução, a apresentação pelo Juzgado Central de instrucción n.o 4 da Audiencia Nacional (Tribunal Singular Central de Instrução n.o 4 do Tribunal Central, Espanha) de um relatório de peritagem do Banco de Espanha, de 8 de abril de 2019, relativo ao Banco Popular.

166    Por requerimento apresentado no Tribunal Geral em 2 de setembro de 2022, a recorrente apresentou um novo oferecimento de prova com base no artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo. A recorrente indicou que, por esse facto, prescindia dessa diligência de instrução.

167    Na audiência, a recorrente sustentou que o relatório de peritagem do Banco de Espanha apresentava um estado do património do Banco Popular imediatamente antes da resolução e que permitia apreciar o potencial do banco para poder gerir o seu ativo e o seu passivo no âmbito da prossecução das suas atividades. Explicou que esse relatório era fundamental para poder aplicar o critério da empresa em continuidade de exploração e realizar uma avaliação alternativa à avaliação 3 com base nesse critério.

168    O CUR e o Reino de Espanha alegam que esse relatório era irrelevante, uma vez que dizia respeito ao valor do Banco Popular em dezembro de 2016. O CUR alega, nomeadamente, que esse relatório diz respeito a factos irrelevantes para a avaliação do tratamento contrafactual ou da comparação efetuada na avaliação 3 e que não foram apreciados na decisão recorrida.

169    Como indicou o Reino de Espanha, esse relatório de peritagem foi apresentado no âmbito de um processo penal relativo à responsabilidade do Banco Popular e dos seus dirigentes no aumento de capital realizado no exercício de 2016, que se baseou em informações relativas às demonstrações contabilísticas e financeiras do banco, comunicadas aos investidores através de prospetos de emissão que não refletiam a sua situação económica real.

170    Refira‑se que, no relatório de peritagem do Banco de Espanha, as principais conclusões são resumidas do seguinte modo: primeiro, três episódios de fugas de depósitos no segundo trimestre de 2017 estiveram na origem da resolução do Banco Popular, segundo, as contas anuais que constavam do prospeto do aumento de capital de 2016 não respeitavam certos aspetos da regulamentação contabilística, nomeadamente a classificação das operações refinanciadas como duvidosas e, terceiro, certas hipóteses tidas em conta para chegar às estimativas contidas no prospeto eram demasiado otimistas.

171    Na petição, a recorrente alega que o relatório de peritagem do Banco de Espanha indica que as perdas sofridas pelos investidores não eram devidas a uma insuficiência do património do Banco Popular para absorver as perdas, mas sim à impossibilidade de responder aos elevados pedidos de levantamentos de depósitos. Entende que esse relatório indica que, segundo as contas anuais de 2016, o Banco Popular tinha tido um ativo líquido positivo de 11,088 mil milhões de euros e gerava lucros, que a resolução do Banco Popular se devia a um problema de saídas de depósitos, que tinha ocorrido uma saída de depósitos particularmente significativa em 23 de maio de 2017 na sequência de uma entrevista da presidente do CUR no canal de televisão Bloomberg, que o Banco Popular tinha beneficiado, em 5 de junho de 2017, de uma injeção de liquidez de emergência de 9,5 mil milhões de euros pelo Banco de Espanha e que o conselho de administração do Banco Popular tinha pedido ao BCE, por carta de 6 de junho de 2017, que declarasse o banco em situação ou em risco de insolvência, mas indicando igualmente que era necessário prosseguir a procura de uma solução privada. Resulta desse relatório que, embora o Banco Popular tivesse um grave problema de liquidez, os seus fundos próprios se tinham mantido positivos antes da resolução, mesmo tendo em conta os ajustamentos contabilísticos que faltava efetuar e apesar do possível desrespeito dos rácios de solvabilidade regulamentares.

172    A esse respeito, basta lembrar que a apreciação da diferença de tratamento, efetuada na avaliação 3, consistia em comparar o tratamento real dado aos acionistas e aos credores devido à resolução do Banco Popular e o tratamento de que teriam beneficiado se a entidade tivesse sido sujeita a um processo normal de insolvência no momento em que o programa de resolução foi adotado. Ora, o relatório de peritagem do Banco de Espanha diz respeito a acontecimentos anteriores à resolução do Banco Popular, a saber, o aumento de capital de 2016 e a fuga dos depósitos do primeiro trimestre de 2017, que eram irrelevantes para a avaliação 3.

173    Além disso, a recorrente não explica a que título os acontecimentos analisados no relatório de peritagem do Banco de Espanha, relativos à situação do Banco Popular anterior à resolução, deveriam ter sido tidos em conta, na avaliação 3 ou na decisão recorrida. Também não identifica que argumento suscitado na petição ou na réplica se destina a sustentar.

174    Ora, refira‑se que a recorrente pedia a apresentação desse relatório para poder proceder à sua própria avaliação. Na audiência, a recorrente precisou que esse relatório era necessário para proceder a uma avaliação do Banco Popular enquanto empresa em continuidade de exploração.

175    A este respeito, basta lembrar que resulta da análise do segundo fundamento que a avaliação 3 devia ter em conta um cenário de liquidação. Assim, a avaliação que a recorrente se propõe efetuar com base no relatório de peritagem do Banco de Espanha é, em todo o caso, irrelevante e não é suscetível de demonstrar a existência de um erro manifesto na avaliação 3.

176    Há que considerar, portanto, que o novo oferecimento de prova da recorrente apresentado em 2 de setembro de 2022, ou seja, o relatório de peritagem do Banco de Espanha, é irrelevante para efeitos de apreciação da legalidade da decisão recorrida, sem que seja necessário examinar se a recorrente justificou a sua apresentação tardia.

177    Quanto aos argumentos invocados na petição, com exceção do pedido de apresentação do relatório de peritagem do Banco de Espanha, a recorrente limita‑se a alegar que, tendo a resolução do Banco Popular sido decidida devido a uma falta de liquidez e não a um desequilíbrio patrimonial, é surpreendente que a avaliação 3 não faça referência ao valor de capitalização bolsista do Banco Popular no momento da resolução, que constitui um valor mínimo para a avaliação de qualquer sociedade cotada. À data da resolução, a capitalização bolsista do Banco Popular era de 1,33 mil milhões de euros, com uma última cotação de encerramento da ação de 0,317 euros.

178    Basta observar que a recorrente não explica qual seria a utilidade da consideração do valor de capitalização bolsista do Banco Popular para a determinação do tratamento dos acionistas e dos credores no âmbito de um processo normal de insolvência na realização de uma avaliação segundo um cenário de liquidação. A esse respeito, há que lembrar que, segundo o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento Delegado 2018/344, o método para realizar essa avaliação consiste unicamente em determinar o montante atualizado dos fluxos de tesouraria esperados no âmbito de um processo normal de insolvência.

179    Por conseguinte, este argumento deve ser julgado inoperante.

180    Daqui resulta que há que julgar improcedente o terceiro fundamento e, portanto, negar integralmente provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

181    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pelo CUR, em conformidade com o pedido deste último.

182    Por força do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as respetivas despesas. O Reino de Espanha suportará, pois, as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção Alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      Laura Molina Fernández é condenada nas suas próprias despesas e nas despesas do Conselho Único de Resolução (CUR).

3)      O Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

van der Woude

De Baere

Steinfatt

Kecsmár

 

      Kingston

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 22 de novembro de 2023.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.