Language of document : ECLI:EU:T:2002:318

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

12 de Dezembro de 2002 (1)

«Marca comunitária - Processo de oposição - Marca nominativa anterior SAINT-HUBERT 41 - Pedido de marca comunitária figurativa que inclui o vocábulo ‘HUBERT’ - Motivo relativo de recusa - Risco de confusão - Artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 40/94»

No processo T-110/01,

Vedial SA, com sede em Ludres (França), representada por T. van Innis e G. Glas, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por E. Joly, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI)

France Distribution, com sede em Emerainville (França),

que tem por objecto um recurso da decisão da Primeira Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) de 9 de Março de 2001 (processo R 127/2000-1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, V. Tiili e P. Mengozzi, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vista a petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 23 de Maio de 2001,

vista a contestação do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 12 de Setembro de 2001,

após a audiência de 10 de Julho de 2002,

profere o presente

Acórdão

Antecedentes do litígio

1.
    Em 1 de Abril de 1996, a France Distribution apresentou, nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO L 11, p. 1), alterado, um pedido de marca comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI).

2.
    A marca cujo registo foi pedido é o sinal misto, nominativo e figurativo, a seguir reproduzido:

image: logo-hub

3.
    Os produtos para os quais foi pedido o registo da marca integram as classes 29, 30 e 42 na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e Serviços, para efeitos do registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, na versão revista e alterada, e correspondem à seguinte descrição:

- classe 29:    «Carne, charcutaria, peixe, aves e caça; extractos de carne; frutos e legumes em conserva, secos e cozidos; geleias, doces; ovos, produtos de ovos em geral; leite e outros produtos lácteos; conservas, frutos e legumes em conserva e congelados, picles»;

- classe 30:    «Café, chá, cacau, açúcar, arroz, tapioca, sagu, sucedâneos do café; farinhas e preparações feitas de cereais, pão, pastelaria e confeitaria, gelados comestíveis; mel e xarope de melaço; levedura e fermento em pó; sal, mostarda, vinagre, molhos; especiarias; gelo para refrescar»;

- classe 42:    «Serviços de hotelaria e de restaurante».

4.
    Este pedido foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias n.° 22/97 de 6 de Outubro de 1997.

5.
    Em 6 de Janeiro de 1998, a recorrente deduziu oposição, nos termos do artigo 42.° do Regulamento n.° 40/94, contra a marca pedida para parte dos produtos visados por esta, a saber, «leite e outros produtos lácteos» incluídos na classe 29, e «vinagre, molhos» incluídos na classe 30. A recorrente deduziu a oposição assinalando as quadrículas 93 (identidade de marcas e produtos/serviços), 94 (risco de confusão) e 95 (aproveitamento indevido/prejudicial ao carácter distintivo ou ao prestígio) sem assinalar a quadrícula 69 (marca anterior registada que goza de prestígio). A marca anterior é o registo francês n.° 1552214 da marca nominativa SAINT-HUBERT 41, para designar «manteigas, gorduras comestíveis, queijos e demais produtos lácteos» incluídos na classe 29.

6.
    Por decisão de 1 de Dezembro de 1999, a divisão de oposição do IHMI rejeitou a oposição por não existir risco de confusão no espírito do público no território francês em que a marca anterior é protegida na acepção do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e o n.° 5 do mesmo artigo não ser aplicável, uma vez que a recorrente não demonstrou o prestígio da marca anterior.

7.
    Em 31 de Janeiro de 2000, a recorrente recorreu para o IHMI, ao abrigo do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, da decisão da divisão de oposição. Em apoio do recurso, a recorrente juntou à exposição de fundamentos vários documentos no sentido de demonstrar o prestígio da sua marca em França.

8.
    O recurso foi indeferido por decisão de 9 de Março de 2001 da Primeira Câmara de Recurso do IHMI (a seguir «decisão recorrida»), notificada à recorrente em 16 de Março de 2001.

9.
    A Câmara de Recurso considerou que a decisão da divisão de oposição era correcta no que se refere à aplicação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. No essencial, a Câmara de Recurso considerou que, embora exista um elevado grau de semelhança entre os produtos em causa e ainda que, para efeitos da aplicação desta disposição, seja possível ter em consideração o prestígio da marca anterior, ali demonstrada pela recorrente, não existe risco de confusão no espírito do público destinatário dado que os sinais em conflito não apresentam grandes semelhanças. Por outro lado, a decisão da divisão de oposição foi anulada na parte em que se pronunciou sobre a aplicação do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94 por não ter sido submetido à divisão de oposição qualquer pedido com base nesta disposição.

Pedidos das partes

10.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão recorrida;

-    condenar o IHMI nas despesas.

11.
    O IHMI conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    esclarecer que o prestígio da marca anterior não deveria ter sido reconhecido pela Câmara de Recurso;

-    decidir quanto ao risco de confusão e anular apenas a decisão recorrida se se concluir pela existência de um risco de confusão;

-    decidir que cada uma das partes suporte as próprias despesas.

Quanto à admissibilidade da primeira parte do pedido do IHMI

Argumentos das partes

12.
    A título liminar, o IHMI afirma que, no quadro dos processos ditos «inter partes», embora actue perante o Tribunal como recorrido, não tem qualquer interesse em defender qualquer das partes no litígio.

13.
    O IHMI afirma que, na decisão recorrida, a Câmara de Recurso teve erradamente em conta, no âmbito de aplicação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, provas produzidas pela recorrente relativamente ao prestígio em França da marca anterior que tinham sido apresentadas pela primeira vez quando da tramitação do processo na Câmara de Recurso.

14.
    De acordo com o IHMI, a Câmara de Recurso não pode admitir factos, provas e argumentos apresentados apenas durante o processo de recurso, dado que foi concedido prazo para esse efeito pela divisão de oposição e esse prazo não foi respeitado. No caso vertente, a Câmara de Recurso não podia reconhecer o prestígio da marca anterior em França, uma vez que a recorrente não apresentou qualquer prova da existência do referido prestígio no prazo concedido para o efeito pela divisão de oposição. O IHMI conclui que a decisão recorrida é incorrecta neste ponto. Contudo, considera que este erro não é suficiente para justificar a anulação da decisão recorrida.

15.
    Na audiência, a recorrente afirmou que considerava o presente pedido do IHMI inadmissível, o que o Tribunal fez constar da acta da audiência.

Apreciação do Tribunal

16.
    O IHMI, na primeira parte do seu pedido, requer ao Tribunal, no essencial, que altere a decisão recorrida esclarecendo que o prestígio da marca anterior não deveria ter sido reconhecido pela Câmara de Recurso.

17.
    A este propósito, importa lembrar, em primeiro lugar, que o artigo 63.°, n.os 3 e 4, do Regulamento n.° 40/94 prevê que o Tribunal «é competente para anular e para reformar a decisão impugnada» e que o recurso para o Tribunal «está aberto a qualquer parte no processo na Câmara de Recurso, desde que a decisão dessa câmara não tenha dado provimento às suas pretensões». Decorre, portanto, claramente destas disposições que o recurso não está aberto ao IHMI, que não é parte no processo nas suas Câmaras de Recurso.

18.
    Em segundo lugar, resulta do artigo 133.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância que o IHMI, enquanto autor do acto cuja legalidade é fiscalizada, age perante o Tribunal na sua qualidade de recorrido.

19.
    Em terceiro lugar, há que observar que as Câmaras de Recurso, não obstante o estatuto de independência conferido aos seus membros por força do artigo 131.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, fazem parte integrante do IHMI nos termos dos artigos 125.°, alínea e), e 130.° do Regulamento n.° 40/94 [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 1999, Procter & Gamble/IHMI (BABY-DRY), T-163/98, Colect., p. II-2383, n.° 37].

20.
    Em quarto lugar, no que se refere aos processos ditos «inter partes», o artigo 134.°, n.os 1 e 3, do Regulamento de Processo prevê que «[a]s partes no processo perante a instância de recurso, com excepção da parte demandante, podem participar no processo perante o Tribunal de Primeira Instância na qualidade de intervenientes» e que o interveniente pode, na resposta, «formular pedidos de anulação ou de alteração da decisão da instância de recurso, de pontos não suscitados na petição e apresentar fundamentos nela não invocados».

21.
    Assim, uma vez que o n.° 3 do artigo acima referido prevê a possibilidade de o interveniente formular pedidos de anulação ou de alteração da decisão da instância de recurso, de pontos não suscitados na petição e apresentar fundamentos nela não invocados, deve daí deduzir-se que o IHMI não pode formular pedidos de anulação ou de alteração de tal decisão. Com efeito, se o Regulamento de Processo tivesse por objectivo permitir ao IHMI actuar nesse sentido, teria sido lógico prever igualmente a possibilidade de o interveniente apresentar pedidos de anulação ou de alteração da decisão recorrida mesmo quanto a um ponto não suscitado na contestação do IHMI.

22.
    Além disso, a possibilidade concedida ao interveniente pelo artigo 134.°, n.° 3, do Regulamento de Processo constitui uma derrogação ao regime geral da intervenção previsto nos artigos 115.° e 116.° do mesmo regulamento. Tal possibilidade deve, assim, ser considerada excepcional e não pode, portanto, ser alargada ao IHMI, que, nos processos em matéria de marcas comunitárias, assume a qualidade de recorrido.

23.
    Além disso, no quadro específico dos processos ditos «inter partes», importa observar que julgar admissível um pedido de anulação ou de alteração por parte do IHMI violaria a confiança legítima da parte vencedora na Câmara de Recurso pelo facto de o IHMI ir actuar na qualidade de recorrido perante o Tribunal de Primeira Instância.

24.
    Assim, o IHMI não tem legitimidade activa que lhe permita pedir a anulação ou a alteração das decisões das Câmaras de Recurso.

25.
    Por conseguinte, deve ser julgado inadmissível o pedido do IHMI de alteração da decisão recorrida de modo que se esclareça que o prestígio da marca anterior não deveria ter sido reconhecido pela Câmara de Recurso.

Quanto ao pedido de anulação

Quanto ao fundamento único, baseado na violação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94

Argumentos das partes

26.
    A recorrente sustenta que a decisão recorrida violou o conceito de risco de confusão conforme este é interpretado pelo Tribunal de Justiça.

27.
    Em primeiro lugar, a recorrente observa que, como foi afirmado pela Câmara de Recurso no n.° 28 da decisão recorrida, a marca anterior possui um carácter distintivo muito forte. Contudo, entende que a Câmara de Recurso deveria ter apreciado de forma mais explícita que a marca anterior é intrinsecamente muito forte fazendo notar que apresenta ab initio grande capacidade para identificar, em França, produtos lácteos e produtos similares e pode ser apreendida, expressa, entendida e memorizada muito facilmente, o que é característico de uma marca intrinsecamente forte sobretudo quando, como no caso vertente, é pacífico que nada tem de usual para os produtos em causa.

28.
    Em segundo lugar, a recorrente reitera que a Câmara de Recurso cometeu vários erros de apreciação na comparação das marcas em causa. No que se refere à comparação visual, entende que uma marca nominativa não pode apresentar semelhança visual com uma marca figurativa e, quanto à comparação fonética, considera que a Câmara de Recurso não concluiu que a semelhança dos sinais diga respeito aos elementos dominantes das marcas em conflito. A recorrente considera, por outro lado, surpreendentes os critérios utilizados pela Câmara de Recurso para apreciar a inexistência de semelhança conceptual entre as marcas em causa. A este propósito, critica os argumentos desenvolvidos pela Câmara de Recurso, no n.° 32 da decisão recorrida, que referem o facto de, em França, Saint-Hubert evocar o patrono dos caçadores e a inexistência de um nexo entre a ideia de caçador e a evocada pelo elemento figurativo da marca pedida, ou seja, um cozinheiro.

29.
    Em terceiro lugar, a recorrente reitera que, uma vez que a maior parte dos produtos a que respeitam estas duas marcas são idênticos, a Câmara de Recurso não aplicou correctamente o princípio da interdependência entre a comparação das marcas e dos produtos.

30.
    Em quarto lugar, a recorrente entende que a Câmara de Recurso procedeu a uma apreciação analítica das marcas em causa ignorando as circunstâncias particulares do caso vertente e, designadamente, o facto de os produtos designados pelas marcas em conflito serem de grande consumo e o de o público-alvo apreender as marcas de modo sintético, sem reter na memória uma imagem perfeita destas.

31.
    O IHMI alega antes de mais que, se a marca anterior pudesse ser validamente considerada uma marca de prestígio, haveria que concluir pela existência de um risco de confusão com a marca pedida. Contudo, como o prestígio da marca anterior não pode ser tomado em consideração, há que apreciar o processo abstraindo desse elemento de facto.

32.
    Seguidamente, no que se refere ao risco de confusão, o IHMI não contesta os princípios da jurisprudência enunciados pelo Tribunal de Justiça quanto ao conceito amplo de risco de confusão lembrados pela recorrente. Sublinha, contudo, que a determinação de um risco de confusão deve simplesmente levar a que se verifique se, confrontado uma primeira vez com produtos que apresentam a marca ulterior, o consumidor não corre o risco de pensar imediatamente que esses produtos têm a mesma origem ou, pelo menos, provêm de uma empresa ligada economicamente à empresa titular da marca anterior.

33.
    O IHMI entende que, se o Tribunal de Primeira Instância concluir que o elemento dominante da marca anterior é o nome próprio «HUBERT», torna-se difícil negar a existência de um risco de confusão entre as marcas em causa. Ao invés, se o Tribunal de Primeira Instância considerar que a marca anterior não é particularmente distintiva e representa um conjunto em que nenhum dos elementos é dominante, as diferenças entre as marcas serão suficientes para afastar a existência de risco de confusão.

34.
    Por último, o IHMI confia na justa apreciação do Tribunal de Primeira Instância para resolver esta questão de direito que lhe foi submetida.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

35.
    Nos termos do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, após oposição do titular de uma marca anterior, o pedido de registo de marca será recusado quando, «devido à sua identidade ou semelhança com a marca anterior e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços designados pelas duas marcas, exista risco de confusão no espírito do público [do] território [onde] a marca anterior está protegida; o risco de confusão compreende o risco de associação com a marca anterior». Por outro lado, por força do artigo 8.°, n.° 2, alínea a), ii), do Regulamento n.° 40/94, são consideradas marcas anteriores as marcas registadas num Estado-Membro cuja data de depósito seja anterior à do pedido de marca comunitária.

36.
    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à interpretação do artigo 4.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), cujo conteúdo normativo é, em substância, idêntico ao do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, constitui um risco de confusão o risco de que o público possa crer que os produtos ou serviços em causa provêm da mesma empresa ou, eventualmente, de empresas ligadas economicamente (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1998, Canon, C-39/97, Colect., p. I-5507, n.° 29, e de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C-342/97, Colect., p. I-3819, n.° 17).

37.
    Segundo esta mesma jurisprudência, o risco de confusão no espírito do público deve ser apreciado globalmente, atentos todos os factores relevantes do caso em apreço (acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1997, SABEL, C-251/95, Colect., p. I-6191, n.° 22, Canon, já referido, n.° 16, Lloyd Schuhfabrik Meyer, já referido, n.° 18, e de 22 de Junho de 2000, Marca Mode, C-425/98, Colect., p. I-4861, n.° 40).

38.
    Esta apreciação global implica uma certa interdependência entre os factores tomados em conta, nomeadamente, a semelhança das marcas e dos produtos ou serviços designados. Assim, um reduzido grau de semelhança entre os produtos ou serviços designados pode ser compensado por um elevado grau de semelhança entre as marcas, e inversamente (acórdãos Canon, já referido, n.° 17, e Lloyd Schuhfabrik Meyer, já referido, n.° 19). A interdependência entre estes factores encontra a sua expressão no sétimo considerando do Regulamento n.° 40/94, segundo o qual há que interpretar o conceito de semelhança em relação com o risco de confusão cuja apreciação, por seu turno, depende nomeadamente do conhecimento da marca no mercado e do grau de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços designados.

39.
    Além disso, a percepção das marcas que tem o consumidor médio dos produtos ou serviços em causa desempenha um papel determinante na apreciação global do risco de confusão. Ora, o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades (acórdãos SABEL, já referido, n.° 23, e Lloyd Schuhfabrik Meyer, já referido, n.° 25). Para efeitos desta apreciação global, é suposto que o consumidor médio dos produtos em causa esteja normalmente informado e razoavelmente atento e advertido. Por outro lado, há que tomar em conta que o consumidor médio raramente tem a possibilidade de proceder a uma comparação directa entre as diferentes marcas, devendo confiar na imagem imperfeita das mesmas que conservou na memória. Importa igualmente tomar em consideração o facto de que o nível de atenção do consumidor médio é susceptível de variar em função da categoria de produtos ou serviços em causa (acórdão Lloyd Schuhfabrik Meyer, já referido, n.° 26).

40.
    No caso vertente, uma vez que, em primeiro lugar, os produtos visados pela marca pedida e afectados pela oposição da recorrente, a saber, «leite e outros produtos lácteos» e «vinagre, molhos» são géneros alimentícios de consumo corrente e, em segundo lugar, que a marca anterior na qual se baseou a oposição está registada e protegida em França, o público-alvo relativamente ao qual a análise do risco de confusão se deve efectuar é composto pelo consumidor médio desse Estado-Membro.

41.
    À luz das considerações que precedem, há que proceder à comparação entre, por um lado, os produtos em causa e, por outro, os sinais em conflito.

42.
    Em primeiro lugar, no que se refere à comparação dos produtos, importa lembrar que, de acordo com jurisprudência do Tribunal de Justiça, para apreciar a semelhança entre os produtos ou serviços em causa, importa tomar em conta todos os factores pertinentes que caracterizam a relação existente entre eles. Estes factores incluem, em especial, a natureza desses produtos ou serviços, o seu destino, utilização, bem como o seu carácter concorrente ou complementar (acórdão Canon, já referido, n.° 23).

43.
    Em primeiro lugar, a Câmara de Recurso considerou que os «produtos lácteos» visados pela marca anterior são idênticos aos produtos «leite e outros produtos lácteos» a que se refere o pedido de marca contestado.

44.
    Importa notar que os produtos visados pela marca anterior incluem os produtos a que se refere o pedido de marca e, portanto, há que concluir pela existência de uma identidade entre os referidos produtos.

45.
    Em segundo lugar, a Câmara de Recurso considerou que existe uma semelhança entre os produtos «gorduras comestíveis» visados na marca anterior e os produtos «vinagre, molhos» a que se refere o pedido de marca uma vez que as gorduras são habitualmente utilizadas para o fabrico de molhos, que os óleos bem como os vinagres são usados como condimentos e colocados à venda nas mesmas secções (n.° 29 da decisão recorrida).

46.
    Há que concluir que existe uma ligação entre os produtos «gorduras comestíveis» visados pela marca anterior e os produtos «vinagre, molhos» a que se refere o pedido de marca em função da sua natureza de produtos alimentares, de se destinarem ao consumo humano e, designadamente, da sua utilização como condimento usual de géneros alimentícios. Esta proximidade entre os produtos em causa é susceptível de fazer crer ao público-alvo que, se os produtos apresentam um sinal idêntico ou similar, foram fabricados sob o controlo de uma única empresa à qual pode ser atribuída a responsabilidade pela qualidade daqueles (v., neste sentido, acórdão Canon, já referido, n.° 28).

47.
    Por conseguinte, a Câmara de Recurso considerou correctamente que alguns dos produtos em causa são idênticos e outros são similares.

48.
    Em segundo lugar, relativamente à comparação dos sinais, resulta da jurisprudência que esta apreciação global do risco de confusão deve, no que respeita à semelhança visual, fonética ou conceptual das marcas em causa, basear-se na impressão de conjunto produzida por estas, atendendo, em especial, aos seus elementos distintivos e dominantes (acórdãos SABEL, já referido, n.° 23, e Lloyd Schuhfabrik Meyer, já referido, n.° 25). Além disso, o Tribunal de Justiça considerou que não se pode excluir que a mera semelhança fonética de duas marcas possa criar um risco de confusão (v., nesse sentido, acórdão Lloyd Schuhfabrik Meyer, já referido, n.° 28). Importa, portanto, proceder a uma comparação dos sinais em questão no caso vertente nos planos visual, fonético e conceptual.

49.
    No que se refere à comparação visual, a marca anterior «SAINT-HUBERT 41» é constituída por uma sequência de duas palavras ligadas por um hífen e pelo número 41. O pedido de marca comunitária contestado é composto por um sinal misto que compreende a denominação HUBERT, em caracteres estilizados negros rodeados a branco, em letras maiúsculas e encimadas pela figura de um cozinheiro, com ar jovial, que ergue o braço direito com o polegar levantado (n.° 30 da decisão recorrida).

50.
    A título liminar, é de observar que a recorrente sustenta que uma marca figurativa não pode apresentar uma qualquer semelhança visual com uma marca nominativa.

51.
    Esta afirmação não pode ser acolhida. Com efeito, há que considerar que é possível analisar e verificar a existência de uma semelhança visual entre uma marca figurativa e uma marca nominativa, uma vez que estes dois tipos de marcas têm uma configuração gráfica susceptível de causar uma impressão visual.

52.
    A Câmara de Recurso entende que a palavra «HUBERT» não constitui o elemento preponderante da marca pedida e que os sinais que se opõem não apresentam qualquer semelhança quanto à sua estrutura e à sua construção (n.° 30 da decisão recorrida).

53.
    Há que observar que resulta da descrição da marca anterior que o número «41» está colocado depois do sintagma SAINT-HUBERT e, portanto, ocupa um lugar secundário no conjunto constituído pelo sinal. Consequentemente, o sintagma SAINT-HUBERT deve ser considerado o elemento dominante da marca anterior. Quanto à marca pedida, cabe notar, como fez a Câmara de Recurso (n.° 30 da decisão recorrida), que o elemento nominativo «HUBERT» ocupa um lugar equivalente em relação ao elemento figurativo e, portanto, que este último não pode ser considerado, no plano visual, subsidiário relativamente ao outro componente do sinal.

54.
    Importa igualmente observar que o facto de os dois sinais utilizarem a palavra «HUBERT» tem uma incidência menor na comparação visual. Com efeito, na apreciação global do conjunto dos sinais em causa, há que tomar em consideração a existência de outros elementos de cada sinal, a saber:

-    o termo «HUBERT», na marca anterior, é precedido do adjectivo «SAINT» e de um hífen. Este sintagma constitui um todo que oferece uma impressão visual distinta da simples palavra «HUBERT»,

-    o número 41 que se segue ao sintagma «SAINT-HUBERT» da marca anterior,

-    o elemento figurativo da marca pedida.

Estes elementos fazem com que a impressão visual global da marca anterior seja diferente da da marca pedida. Por conseguinte, as diferenças entre os sinais em causa são suficientes para se considerar que estes não são similares no plano visual.

55.
    Quanto à comparação fonética, a Câmara de Recurso afirma que a marca anterior contém sete fonemas e a marca pedida dois. Além disso, verifica que a acentuação é feita em francês, para a marca anterior, nas primeira, terceira e quinta sílabas e, para a marca pedida, na segunda (n.° 31 da decisão recorrida).

56.
    Há que considerar que a análise fonética da Câmara de Recurso está correcta. Com efeito, importa concluir que o elemento comum dos dois sinais é apenas a segunda palavra do sintagma que constitui a marca anterior, a qual consiste em duas palavras e um número. Assim, as marcas em causa não são semelhantes do ponto de vista fonético.

57.
    No que se refere à análise conceptual das marcas em causa, importa notar que as ideias que sugerem os termos SAINT-HUBERT e «HUBERT» são diferentes. Com efeito, a combinação dos termos «SAINT» e «HUBERT» com um hífen entre ambos cria um conceito e uma unidade lógica distinta dos seus componentes. Assim, o sintagma «SAINT-HUBERT» constitui um conjunto indissociável que é susceptível de evocar ao público-alvo um santo da religião católica ou o nome de uma localidade. Ao invés, a palavra «HUBERT» corresponde a um nome próprio francês do género masculino comum.

58.
    A este propósito, a questão de saber se o público-alvo conhece o significado concreto do sintagma SAINT-HUBERT, como sendo o patrono dos caçadores, não é relevante. Com efeito, para verificar a existência de uma semelhança conceptual entre as marcas em causa, basta comprovar se o público-alvo irá estabelecer diferenças entre os conceitos evocados para cada sinal. Assim, o conhecimento pelo público-alvo das conotações semânticas particulares do sintagma SAINT-HUBERT não tem incidência na análise conceptual destes.

59.
    Assim, uma vez que o elemento dominante da marca anterior, o sintagma SAINT-HUBERT, e o nome próprio «HUBERT» da marca pedida possuem valores semânticos distintos e que, além disso, o elemento figurativo da marca pedida, ou seja, a representação de um cozinheiro, constitui um elemento de diferenciação relativamente à ideia de um santo ou do nome de uma localidade, há que observar que não existe semelhança conceptual entre as marcas em causa.

60.
    A Câmara de Recurso concluiu que não existe qualquer risco de o consumidor médio em França das categorias dos produtos em causa poder considerar que os produtos colocados à venda sob a marca pedida provêm da empresa que distribui a marca anterior de «manteigas, gorduras comestíveis, queijos e demais produtos lácteos» ou que exista uma ligação económica entre as duas empresas (n.° 33 da decisão recorrida).

61.
    No quadro de uma apreciação global do risco de confusão, importa realçar que o facto de o consumidor médio memorizar apenas uma imagem imperfeita da marca confere uma importância maior ao elemento predominante da marca em causa.

62.
    Assim, o elemento nominativo dominante «SAINT-HUBERT» da marca anterior tem um peso primordial na comparação com a marca pedida, uma vez que o consumidor que observa produtos alimentares tem em consideração e fixa o elemento nominativo predominante do sinal que lhe permita, no caso de uma aquisição posterior, repetir a experiência. Ora, quando o público-alvo encontrar produtos designados pela marca pedida, que apresenta diferenças visuais, fonéticas e conceptuais com a marca anterior, não atribuirá a mesma origem comercial aos produtos em causa. Por conseguinte, não existe risco de o público-alvo estabelecer uma ligação entre os produtos identificados por cada uma das duas marcas que evocam conceitos diferentes.

63.
    Nessas condições, há que considerar que, embora exista uma identidade e uma semelhança entre os produtos visados pelas marcas em causa, as diferenças visual, fonética e conceptual entre os sinais constituem um motivo suficiente para afastar a existência de risco de confusão na percepção do público-alvo.

64.
    Por conseguinte, a conclusão da Câmara de Recurso segundo a qual a marca anterior é largamente conhecida em França e goza aí de um certo prestígio (n.os 28 e 33 da decisão recorrida) não tem qualquer incidência para a aplicação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 no caso concreto.

65.
    Com efeito, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um risco de confusão pressupõe uma identidade ou semelhança entre os sinais bem como os produtos e serviços designados e o prestígio de uma marca é um elemento que deve ser tomado em consideração para apreciar se a semelhança entre os sinais ou entre os produtos e serviços é suficiente para dar lugar a um risco de confusão (v., neste sentido, acórdão Canon, já referido, n.os 22 e 24). Ora, uma vez que, no caso concreto, os sinais em conflito, nos planos visual, fonético e conceptual, não podem de modo algum ser considerados idênticos nem semelhantes, o facto de a marca anterior ser largamente conhecida em França não pode alterar a apreciação global do risco de confusão.

66.
    Do exposto resulta que não está preenchida uma das condições indispensáveis para a aplicação do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Consequentemente, a Câmara de Recurso concluiu com razão não existir risco de confusão entre a marca pedida e a marca anterior.

67.
    Deve, assim, ser negado provimento ao recurso.

Quanto às despesas

68.
    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida e o IHMI pedido que as despesas sejam repartidas, há que ordenar que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1.
    É negado provimento ao recurso.

2.
    Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

Vilaras
Tiili
Mengozzi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Dezembro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

M. Vilaras


1: Língua do processo: francês.