Language of document : ECLI:EU:C:2022:983

Processo C‑311/21

CM

contra

TimePartner Personalmanagement GmbH

(pedido de decisão prejudicial, apresentado pelo Bundesarbeitsgericht)

 Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 15 de dezembro de 2022

«Reenvio prejudicial – Emprego e política social – Trabalho temporário – Diretiva 2008/104/CE – Artigo 5.° – Princípio da igualdade de tratamento – Necessidade de garantir a proteção geral dos trabalhadores temporários em caso de derrogação deste princípio – Convenção coletiva que prevê uma remuneração inferior à do pessoal recrutado diretamente pelo utilizador – Proteção jurisdicional efetiva – Fiscalização jurisdicional»

1.        Política social – Trabalho temporário – Diretiva 2008/104 – Igualdade de tratamento – Derrogações – Convenção coletiva celebrada pelos parceiros sociais que autoriza diferenças de tratamento em matéria de condições fundamentais de trabalho e emprego em detrimento dos trabalhadores temporários – Requisito – Proteção geral dos trabalhadores temporários – Alcance – Dever de conceder aos trabalhadores temporários em causa vantagens destinadas a compensar a diferença de tratamento

[Diretiva 2008/104 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 2.°, 3.°, n.° 1, alínea f), e 5.°, n.os 1 e 3]

(cf. n.os 39‑44 e disp. 1)

2.        Política social – Trabalho temporário – Diretiva 2008/104 – Igualdade de tratamento – Derrogações – Convenção coletiva celebrada pelos parceiros sociais que autoriza diferenças de tratamento em matéria de condições fundamentais de trabalho e emprego em detrimento dos trabalhadores temporários – Requisito – Proteção geral dos trabalhadores temporários – Apreciação concreta do respeito da referida proteção geral – Critérios

(Diretiva 2008/104 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 5.°, n.° 3)

(cf. n.os 48‑50 e disp. 2)

3.        Política social – Trabalho temporário – Diretiva 2008/104 – Igualdade de tratamento – Derrogações – Convenção coletiva celebrada pelos parceiros sociais que autoriza diferenças de tratamento em matéria de condições fundamentais de trabalho e emprego em detrimento dos trabalhadores temporários – Requisito – Proteção geral dos trabalhadores temporários – Requisito relativo à vinculação do trabalhador temporário à empresa de trabalho temporário através de um contrato de trabalho por tempo indeterminado – Inexistência

(Diretiva 2008/104 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 5.°, n.os 2 e 3)

(cf. n.os 55‑57 e disp. 3)

4.        Política social – Trabalho temporário – Diretiva 2008/104 – Igualdade de tratamento – Derrogações – Convenção coletiva celebrada pelos parceiros sociais que autoriza diferenças de tratamento em matéria de condições fundamentais de trabalho e emprego em detrimento dos trabalhadores temporários – Requisito – Proteção geral dos trabalhadores temporários – Obrigação dos EstadosMembros de prever as condições e os critérios destinados a garantir essa proteção – Inexistência

(Diretiva 2008/104 do Parlamento Europeu e do Conselho, considerandos 16 e 19 e artigo 5.°, n.° 3)

(cf. n.os 66‑68 e disp. 4)

5.        Política social – Trabalho temporário – Diretiva 2008/104 – Igualdade de tratamento – Derrogações – Convenção coletiva celebrada pelos parceiros sociais que autoriza diferenças de tratamento em matéria de condições fundamentais de trabalho e emprego em detrimento dos trabalhadores temporários – Margem de apreciação, concedida aos parceiros sociais, no âmbito da negociação e da celebração dessa convenção – Limites – Fiscalização jurisdicional efetiva a fim de verificar o respeito, pelos parceiros sociais, do seu dever de garantir a proteção geral dos trabalhadores temporários

(Diretiva 2008/104 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 5.°, n.° 3)

(cf. n.os 75‑79 e disp. 5)

Resumo

Uma convenção coletiva que reduz a remuneração dos trabalhadores temporários em relação aos trabalhadores recrutados diretamente deve prever vantagens compensatórias.

Tal convenção coletiva deve poder ser objeto de uma fiscalização jurisdicional efetiva.

Entre janeiro e abril de 2017, a TimePartner Personalmanagement GmbH, uma empresa de trabalho temporário, empregou CM na qualidade de trabalhadora temporária ao abrigo de um contrato de trabalho a termo. Durante a sua cedência, CM trabalhou na qualidade de operadora de logística para um utilizador no setor do comércio a retalho.

Por esse trabalho, auferiu uma remuneração horária bruta de 9,23 euros, em conformidade com a Convenção coletiva aplicável aos trabalhadores temporários, celebrada entre dois sindicatos nos quais estavam filiadas, respetivamente, a TimePartner Personalmanagement GmbH e CM.

Esta convenção coletiva derrogava o princípio da igualdade de tratamento reconhecido no direito alemão (1) ao prever, em relação aos trabalhadores temporários, uma remuneração inferior à concedida aos trabalhadores do utilizador por força das condições previstas na Convenção coletiva dos trabalhadores do setor do comércio a retalho nos Land da Baviera (Alemanha), a saber, uma remuneração horária bruta de 13,64 euros.

CM instaurou uma ação no Arbeitsgericht Würzburg (Tribunal do Trabalho de Wurtzbourg, Alemanha) com vista a obter um suplemento de remuneração de 1 296,72 euros, equivalente à diferença salarial entre os trabalhadores temporários e os trabalhadores comparáveis recrutados diretamente pelo utilizador. Alegou, a este respeito, que o princípio de igualdade de tratamento dos trabalhadores temporários consagrado no artigo 5.° da Diretiva 2008/104 (2) tinha sido violado. Uma vez que a ação foi julgada improcedente em primeira instância e que foi posteriormente negado provimento ao recurso, CM interpôs recurso de «Revision» para o Bundesarbeitsgericht (Supremo Tribunal do Trabalho Federal, Alemanha) que submete ao Tribunal de Justiça cinco questões prejudiciais sobre a interpretação da referida disposição.

O Tribunal de Justiça define as condições a preencher por uma convenção coletiva celebrada pelos parceiros sociais para poder derrogar o princípio da igualdade de tratamento dos trabalhadores temporários ao abrigo do artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 2008/104 (3). Esclarece, nomeadamente, o alcance do conceito de «proteção geral dos trabalhadores temporários» que as convenções coletivas devem garantir em aplicação desta disposição e fornece os critérios que permitem apreciar se tal proteção geral foi efetivamente garantida. O Tribunal de Justiça conclui igualmente que estas convenções coletivas devem poder ser objeto de fiscalização jurisdicional efetiva.

Apreciação do Tribunal de Justiça

Após ter recordado o duplo objetivo da Diretiva 2008/104 de assegurar a proteção dos trabalhadores temporários e o respeito da diversidade dos mercados de trabalho, o Tribunal esclarece que o artigo 5.°, n.° 3, desta diretiva não exige, ao referir o conceito de «proteção geral dos trabalhadores temporários», que se tenha em consideração um nível de proteção específico dos trabalhadores temporários que vá além do estabelecido, para os trabalhadores em geral, pelo direito nacional e pelo direito da União em matéria de condições fundamentais de trabalho e emprego.

Todavia, quando os parceiros sociais autorizam, através de uma convenção coletiva, diferenças de tratamento em matéria de condições fundamentais de trabalho e emprego em detrimento dos trabalhadores temporários, esta convenção coletiva deve, a fim de garantir a proteção geral dos trabalhadores temporários em causa, conceder a estes últimos, em contrapartida, vantagens em matéria de condições fundamentais de trabalho e emprego (4) suscetíveis de compensar a diferença de tratamento suportada.

Com efeito, a proteção geral dos trabalhadores temporários ficaria necessariamente enfraquecida se, em relação a estes trabalhadores, essa convenção se limitasse a reduzir uma ou mais das referidas condições fundamentais.

Por outro lado, a disposição derrogatória prevista no artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 2008/104 impõe que se verifique o respeito do dever de garantir a proteção geral dos trabalhadores temporários em concreto, comparando, a respeito de uma dada função, as condições fundamentais de trabalho e emprego aplicáveis aos trabalhadores recrutados diretamente pelo utilizador com as aplicáveis aos trabalhadores temporários para assim poder determinar se as vantagens compensatórias concedidas em relação às referidas condições fundamentais permitem mitigar os efeitos da diferença de tratamento suportada.

Este dever de garantir a proteção geral dos trabalhadores temporários não exige que o trabalhador temporário em causa esteja vinculado à empresa de trabalho temporário através de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, uma vez que o artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 2008/104 permite derrogar o princípio da igualdade de tratamento em relação a qualquer trabalhador temporário, sem distinguir em função do caráter determinado ou indeterminado da duração do seu contrato de trabalho com a empresa de trabalho temporário.

Além disso, o referido dever não exige que os Estados‑Membros prevejam detalhadamente as condições e os critérios que as convenções coletivas devem respeitar.

Dito isto, embora gozem de uma ampla margem de apreciação no âmbito da negociação e da celebração de convenções coletivas, os parceiros sociais devem agir no respeito do direito da União em geral e da Diretiva 2008/104 em particular.

Assim, embora as disposições desta diretiva não imponham aos Estados‑Membros a adoção de uma regulamentação específica destinada a garantir a proteção geral dos trabalhadores temporários, na aceção do seu artigo 5.°, n.° 3, não deixa de ser certo que os Estados‑Membros, incluindo os seus órgãos jurisdicionais, devem garantir que as convenções coletivas que autorizam diferenças de tratamento em matéria de condições fundamentais de trabalho e emprego asseguram, nomeadamente, a proteção geral dos trabalhadores temporários.

Por conseguinte, essas convenções coletivas devem poder ser objeto de uma fiscalização jurisdicional efetiva a fim de verificar o respeito, pelos parceiros sociais, do seu dever de garantir essa proteção.


1      Relativamente ao período entre janeiro e março de 2017, no § 10, n.° 4, primeiro período, da Arbeitnehmerüberlassungsgesetz (Lei sobre o regime da cedência de trabalhadores), de 3 de fevereiro de 1995 (BGBl. 1995 I, p. 158), na sua versão em vigor até 31 de março de 2017 e, no que respeita a abril de 2017, no § 8, n.° 1, desta lei na sua versão em vigor a partir de 1 de abril de 2017.


2      Diretiva 2008/104/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa ao trabalho temporário (JO 2008, L 327, p. 9).


3      Este n.° 3 oferece aos Estados‑Membros a faculdade de permitir aos parceiros sociais manterem ou celebrarem convenções coletivas que autorizem diferenças de tratamento em matéria de condições fundamentais de trabalho e emprego dos trabalhadores temporários desde que a proteção geral dos trabalhadores temporários seja garantida.


4      As condições fundamentais de trabalho e emprego estão definidas no artigo 3.°, n.° 1, alínea f), da Diretiva 2008/104. Referem‑se à duração do trabalho, às horas suplementares, aos períodos de pausa, aos períodos de descanso, ao trabalho noturno, às férias, aos feriados e à remuneração.