Language of document : ECLI:EU:C:2024:202

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

5 de março de 2024 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Cooperação policial — Regulamento (UE) 2016/794 — Artigos 49.o, n.o 3, e 50.o — Proteção de dados pessoais — Tratamento ilícito de dados — Processo penal instaurado na Eslováquia contra o recorrente — Perícia realizada pela Agência da União Europeia para a Cooperação Policial (Europol) para efeitos da instrução — Extração de dados de telemóveis e de um suporte de armazenamento USB que pertence ao recorrente — Divulgação desses dados — Prejuízo moral — Ação de indemnização — Natureza da responsabilidade extracontratual»

No processo C‑755/21 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 8 de dezembro de 2021,

Marián Kočner, residente em Bratislava (Eslováquia), representado por M. Mandzák e M. Para, advokáti,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Agência da União Europeia para a Cooperação Policial (Europol), representada por A. Nunzi, na qualidade de agente, assistido por M. Kottmann e G. Ziegenhorn, Rechtsanwälte,

recorrida em primeira instância,

apoiada por:

República Eslovaca, representada inicialmente por S. Ondrášiková e, em seguida, por E. V. Drugda e S. Ondrášiková, na qualidade de agentes,

interveniente no presente recurso,

Reino de Espanha,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, E. Regan, F. Biltgen, N. Piçarra e O. Spineanu‑Matei (relatora), presidentes de secção, S. Rodin, P. G. Xuereb, L. S. Rossi, N. Wahl, I. Ziemele, J. Passer e D. Gratsias, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de junho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, Marián Kočner pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 29 de setembro de 2021, Kočner/Europol (T‑528/20, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2021:631), através do qual este julgou improcedente o seu pedido com base no artigo 268.o TFUE, destinado a obter a reparação dos danos alegadamente sofridos devido à divulgação de dados pessoais pela Agência da União Europeia para a Cooperação Policial (Europol) e à inscrição pela Europol do seu nome nas «listas de mafiosos».

 Quadro jurídico

2        Nos termos dos considerandos 23, 45, 56, 57 e 65 do Regulamento (UE) 2016/794 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2016, que cria a Agência da União Europeia para a Cooperação Policial (Europol) e que substitui e revoga as Decisões 2009/371/JAI, 2009/934/JAI, 2009/935/JAI, 2009/936/JAI e 2009/968/JAI do Conselho (JO 2016, L 135, p. 53):

«(23)      Para efeitos de prevenção e luta contra os crimes abrangidos pelos seus objetivos, é necessário que a Europol disponha de informações o mais completas e atualizadas possível. Para o efeito, a Europol deverá ter condições para tratar dados fornecidos por Estados‑Membros […]

[…]

(45)      A fim de garantir a segurança dos dados pessoais, a Europol e os Estados‑Membros deverão aplicar as medidas técnicas e organizativas necessárias.

[…]

(56)      A Europol deverá ser sujeita às regras gerais de responsabilidade contratual e extracontratual aplicáveis às instituições, às agências e aos organismos da União, com exceção das normas da responsabilidade pelo tratamento ilícito de dados.

(57)      Pode não ser claro para o interessado saber se os danos sofridos em resultado de tratamento ilícito de dados são uma consequência da ação da Europol ou de um Estado‑Membro. Por conseguinte, a Europol e o Estado‑Membro no qual o facto danoso tenha ocorrido deverão ser solidariamente responsáveis.

[…]

(65)      A Europol trata dados que exigem uma proteção especial, uma vez que incluem informações sensíveis não classificadas e informações classificadas da UE. A Europol deverá, portanto, estabelecer regras em matéria de confidencialidade e de tratamento dessas informações. As regras sobre a proteção de informações classificadas da UE deverão ser consonantes com a Decisão 2013/488/UE do Conselho[, de 23 de setembro de 2013, relativa às regras de segurança aplicáveis à proteção das informações classificadas da [União Europeia] (JO 2013, L 274, p. 1)].»

3        O artigo 2.o deste regulamento, com a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

h)      “Dados pessoais”, uma informação relativa a um titular de dados pessoais;

i)      “Titular dos dados”, uma pessoa singular identificada ou uma pessoa singular identificável, que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador como, por exemplo, nome, número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa;

[…]

k)      “Tratamento”, uma operação ou um conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais ou conjuntos de dados pessoais, com ou sem meios automatizados, designadamente a recolha, o registo, a organização, a estruturação, a conservação, a adaptação ou a alteração, a extração, a consulta, a utilização, a divulgação através de transmissão, a difusão ou qualquer outra forma de disponibilização, a comparação ou combinação, a restrição, o apagamento ou a destruição;

[…]»

4        O artigo 3.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Objetivos», estabelece, no seu n.o 1:

«A Europol apoia e reforça a ação das autoridades competentes dos Estados‑Membros e a sua cooperação mútua em matéria de prevenção e luta contra a criminalidade grave que afete dois ou mais Estados‑Membros, o terrorismo e formas de criminalidade que afetem um interesse comum abrangido por uma política da União […]»

5        O artigo 17.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Fontes de informação», prevê, no seu n.o 1:

«A Europol apenas pode tratar as informações que lhe tenham sido facultadas:

a)      Pelos Estados‑Membros, nos termos da sua legislação nacional e do artigo 7.o;

[…]»

6        O artigo 18.o do Regulamento 2016/794, sob a epígrafe «Finalidades das atividades de tratamento de informações», dispõe, no seu n.o 1:

«Na medida do necessário para alcançar os seus objetivos, tal como previsto no artigo 3.o, a Europol pode tratar informações, incluindo dados pessoais.»

7        O artigo 28.o desse regulamento, sob a epígrafe «Princípios gerais em matéria de proteção de dados», dispõe, no seu n.o 1:

«Os dados pessoais são:

a)      Tratados com equidade e em conformidade com a lei;

b)      Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, e não são tratados ulteriormente de forma incompatível com essas finalidades. […]

[…]

f)      Tratados de forma que garanta a devida segurança desses mesmos dados.»

8        O artigo 32.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Segurança do tratamento», prevê, no seu n.o 1:

«A Europol põe em prática as medidas técnicas e organizativas adequadas para proteger os dados pessoais contra a destruição acidental ou ilícita, a perda acidental, a difusão, a alteração ou o acesso não autorizados, ou qualquer outra forma não autorizada de tratamento.»

9        O artigo 38.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Responsabilidade em matéria de proteção de dados», enuncia, nos n.os 4, 5 e 7:

«[…]

4.      A Europol é responsável pelo respeito dos princípios enunciados no artigo 28.o, n.o 1, alíneas a), b), […] e f).

5.      A responsabilidade pela legalidade das transferências cabe:

a)      Ao Estado‑Membro que tiver fornecido os dados, no caso de dados pessoais fornecidos pelos Estados‑Membros à Europol;

b)      À Europol, no caso de dados pessoais fornecidos pela Europol aos Estados‑Membros, bem como a países terceiros ou a organizações internacionais.

[…]

7.      A Europol é responsável por todas as operações de tratamento de dados por si efetuadas […]»

10      O artigo 49.o do Regulamento 2016/794, sob a epígrafe «Disposições gerais sobre responsabilidade e o direito a indemnização», enuncia, no seu n.o 3:

«Sem prejuízo do disposto no artigo 49.o, e em caso de responsabilidade extracontratual, a Europol indemniza, em conformidade com os princípios gerais comuns ao direito dos Estados‑Membros, os danos causados pelos seus serviços ou pelos seus funcionários no exercício das respetivas funções.»

11      O artigo 50.o deste regulamento, sob a epígrafe «Responsabilidade pelo tratamento incorreto de dados pessoais e direito a indemnização», dispõe:

«1.      Qualquer pessoa que tenha sofrido um dano em resultado de uma operação ilícita de tratamento de dados tem direito a receber indemnização pelo dano sofrido quer da Europol, em conformidade com o artigo 340.o [TFUE], quer do Estado‑Membro em que o facto gerador do dano tenha ocorrido, em conformidade com o seu direito nacional. A pessoa em causa intenta ação contra a Europol no Tribunal de Justiça da União Europeia ou contra o Estado‑Membro num tribunal nacional competente desse Estado‑Membro.

2.      Os litígios entre a Europol e os Estados‑Membros sobre a obrigação pelo pagamento da indemnização atribuída a uma pessoa singular, em conformidade com o n.o 1, serão submetidos ao Conselho de Administração, que delibera por maioria de dois terços dos seus membros, sem prejuízo do direito de impugnação desta decisão em conformidade com o artigo 263.o [TFUE].»

 Antecedentes do litígio

12      Os antecedentes do litígio, expostos nos n.os 1 a 16 do acórdão recorrido, podem, para efeitos do presente processo, ser resumidos da seguinte forma.

13      No âmbito de um inquérito conduzido pelas autoridades eslovacas na sequência do homicídio na Eslováquia, em fevereiro de 2018, de um jornalista e da sua noiva, a Europol, a pedido da Národná kriminálna agentúra (Agência Nacional de Luta contra a Criminalidade, Eslováquia) (a seguir «NAKA»), deu o seu apoio a essas autoridades procedendo à extração dos dados armazenados, por um lado, em dois telemóveis que terão pertencido ao recorrente (a seguir «telemóveis em causa») e que lhe foram entregues em 10 de outubro de 2018 pela NAKA, e, por outro, num suporte de armazenamento USB.

14      Em 21 de junho de 2019, a Europol comunicou à NAKA os relatórios científicos definitivos relativos às operações efetuadas sobre os telemóveis em causa.

15      Segundo a Europol, esta comunicação foi precedida, em 23 de outubro de 2018, pela entrega por esta agência à NAKA de um disco rígido que contém os dados encriptados extraídos nomeadamente desses telemóveis e, em 13 de fevereiro de 2019, pela entrega destes últimos pela Europol à NAKA.

16      A título de prova destas entregas, a Europol forneceu a cópia de uma ata com o papel timbrado da NAKA, datada de 23 de outubro de 2018, mencionando a referência PPZ‑203/NKA‑PZ‑ZA‑2018 e assinada pelo chefe da equipa de inquérito, A, e de um formulário de receção/entrega de provas, datado de 13 de fevereiro de 2019, com a mesma referência, indicando nomeadamente os telemóveis em causa e assinada quer por quem a entregou quer pelo destinatário das provas.

17      Esta ata de 23 de outubro de 2018 tinha a seguinte redação:

«Hoje, 23 de outubro de 2018, à 1 h 30, foi‑me entregue um disco externo HDD preto contendo os resultados provisórios do inquérito da Europol, recuperado por Decisões de 8 de outubro de 2018 e de 10 de outubro de 2018. O referido disco externo foi trazido pessoalmente por B, funcionário da Europol, desde a sede desta em Haia [Países Baixos].

O disco em questão contém resultados provisórios sob a forma de aquisições e extrações da memória para as provas 1Z (cartão SIM unicamente), 2Z, 3Z, 4Z (cartão SIM unicamente), 5Z, 6Z, 7Z, 8Z, 1K, 2K.

O conteúdo do referido disco HDD está protegido por uma palavra‑passe que me foi comunicada.»

18      No que respeita ao suporte de armazenamento USB, a NAKA, em 17 de outubro de 2018, solicitou a assistência da Europol para, nomeadamente, examinar os dados nele contidos.

19      O relatório da Europol de 13 de janeiro de 2019 (a seguir «relatório da Europol»), enviado à NAKA em 14 de fevereiro de 2019, menciona, sob o título «Contexto (histórico)», que «[o recorrente] está detido por suspeita de crime financeiro desde 20 de junho de 2018. O seu nome está, entre outros, diretamente ligado às “listas ditas mafiosas” e aos “Panama Papers”».

20      Em 1 de abril de 2019, as autoridades penais eslovacas utilizaram informações contidas nos telemóveis em causa no âmbito de um processo penal instaurado contra o recorrente. Do mesmo modo, resulta de uma ata dos serviços de polícia eslovacos de 18 de junho de 2019 que essas autoridades procederam a uma análise completa dos dados contidos nesses telefones.

21      Além disso, diversos artigos de imprensa e sítios Internet, entre os quais o de uma rede internacional de jornalistas de investigação, mencionaram um volume muito significativo de informações relativas ao recorrente retiradas nomeadamente dos telemóveis em causa e disponibilizaram ao público essas informações. Em particular, em 20 e 29 de maio de 2019, vários artigos de imprensa evocaram os dados provenientes desses telefones. Do mesmo modo, em 19 de maio de 2020, um sítio Internet publicou uma seleção de documentos relativos ao recorrente e, em especial, transcrições das comunicações íntimas trocadas entre este e uma amiga através de um serviço de mensagens encriptadas e contidas nos referidos telefones. Esta seleção foi utilizada pela imprensa eslovaca em 21 de maio de 2020.

22      Por carta de 4 de maio de 2020, o recorrente exigiu à Europol, com base no artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794, o pagamento de uma indemnização no valor de 100 000 euros em reparação do prejuízo moral que considera ter sofrido, a duplo título, devido à violação do direito ao respeito pela sua vida privada e familiar. Este prejuízo resulta, por um lado, da publicação na imprensa e na Internet de dados pessoais, em particular da publicação das transcrições das suas comunicações de caráter íntimo e sexual. Por outro lado, o referido prejuízo resulta da inscrição do seu nome nas «listas de mafiosos», devido, alegadamente, ao relatório da Europol, na medida em que a imprensa dele fez eco na sequência de fugas no processo penal nacional relativo ao homicídio do jornalista e da sua noiva referidos no n.o 13 do presente acórdão, processo que incluía esse relatório.

23      Após o inquérito conduzido pelas autoridades eslovacas, mencionado no n.o 13 do presente acórdão, o recorrente foi acusado de cumplicidade nesse homicídio, na sua qualidade de comanditário.

24      Em 3 de setembro de 2020, em primeira instância, o órgão jurisdicional de reenvio eslovaco competente absolveu o recorrente. Em 15 de junho de 2021, o Najvyšší súd Slovenskej republiky (Supremo Tribunal da República Eslovaca) anulou a decisão de primeira instância e devolveu o processo.

 Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

25      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de agosto de 2020, o recorrente intentou uma ação com base nos artigos 268.o e 340.o TFUE, bem como no artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794, destinada a obter a indemnização dos danos morais que considera ter sofrido devido aos comportamentos da Europol. A título do primeiro pedido, solicitou uma indemnização de 50 000 euros como reparação do prejuízo que sofreu devido à divulgação de dados de caráter pessoal provenientes dos telemóveis em causa, dados que, em seguida, foram publicados na Internet e retomados pela imprensa eslovaca. Esta divulgação de dados pessoais prejudicou a sua honra e a sua reputação profissional, o direito ao respeito pela sua vida privada e familiar e o direito ao respeito pelas suas comunicações, que são garantidos pelo artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). A título do segundo pedido, o recorrente pediu uma indemnização do mesmo montante em reparação do prejuízo que sofreu devido à inscrição, pela Europol, do seu nome nas «listas de mafiosos».

26      Com o acórdão recorrido, antes de mais, o Tribunal Geral, após ter analisado os fundamentos de inadmissibilidade suscitados pela Europol relativamente ao primeiro pedido do recorrente, considerou que esse pedido era admissível apenas na medida em que, através dele, o recorrente invocava um dano moral resultante da alegada divulgação pela Europol das transcrições das conversas de caráter íntimo e sexual entre ele e a sua amiga, retiradas dos telemóveis em causa. A este respeito, o Tribunal Geral considerou que, tratando‑se do alcance do prejuízo alegado, embora o recorrente censurasse a Europol por ter divulgado um volume considerável de dados pessoais retirados desses telemóveis, só a divulgação dessas transcrições era apoiada por provas documentais, contrariamente à alegada divulgação de fotografias «de natureza altamente confidencial», algumas das quais revelam esta amiga despida.

27      Em seguida, quanto ao mérito, o Tribunal Geral julgou improcedente o primeiro pedido assim delimitado. Em primeiro lugar, considerou, nos n.os 58 a 91 do acórdão recorrido, que o recorrente não tinha apresentado «a prova de um nexo de causalidade suficientemente comprovado» entre o dano alegado e um eventual comportamento da Europol. Em particular, o recorrente não demonstrou que a divulgação dos dados contidos nos telemóveis em causa ou das transcrições das conversas entre o recorrente e a sua amiga era imputável à Europol.

28      Em segundo lugar, nos n.os 92 a 95 desse acórdão, o Tribunal Geral considerou que esta conclusão relativa à falta de imputabilidade à Europol da divulgação dos dados em causa não era infirmada nem pelo considerando 57, nem pelo artigo 49.o, n.o 3, nem pelo artigo 50.o do Regulamento 2016/794, que o recorrente invocava.

29      A este respeito, por um lado, o Tribunal Geral decidiu, nos n.os 93 a 95 do acórdão recorrido, que os artigos 49.o, n.o 3, e 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794 se limitavam a precisar que, em matéria de responsabilidade extracontratual e particularmente de responsabilidade resultante de operações de tratamento ilícito de dados, a Europol devia indemnizar qualquer dano causado pelos seus serviços ou pelo seu pessoal no exercício das suas funções, em conformidade com os requisitos fixados no artigo 340.o TFUE. Ora, segundo o Tribunal Geral, estes requisitos não estavam reunidos no caso vertente. Por um lado, o Tribunal Geral recordou que, embora o considerando 57 do Regulamento 2016/794 enuncie, em substância, que a Europol e o Estado‑Membro no qual se verificou o dano, surgido de um tratamento ilícito de dados efetuado por essa agência ou por esse Estado‑Membro, são solidariamente responsáveis por esse dano, havia, no entanto, que constatar que esse mecanismo de solidariedade não encontra nem a sua expressão nem o seu fundamento nas disposições do regulamento. Além disso, sublinhou que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o preâmbulo de um ato da União não tem valor jurídico obrigatório e não pode ser invocado para derrogar as próprias disposições do ato em questão. Assim, o Tribunal Geral entendeu que «o considerando 57 do Regulamento 2016/794 não pode criar uma responsabilidade solidária que se imponha à Europol no caso em apreço».

30      Por conseguinte, o Tribunal Geral julgou improcedente o primeiro pedido, considerando que não era necessário examinar se os outros requisitos para incorrer em responsabilidade extracontratual da União estavam preenchidos.

31      Quanto ao segundo pedido, relativo à reparação do prejuízo alegadamente sofrido devido à inscrição, pela Europol, do nome do recorrente nas «listas de mafiosos», o Tribunal Geral declarou, nos n.os 102 e 105 do acórdão recorrido, que não se demonstrara que essas listas foram elaboradas e mantidas por uma instituição da União, na aceção do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, em particular, pela Europol, e que esta conclusão não era posta em causa nem pelo considerando 57, nem pelos artigos 49.o, n.o 3 ou 50.o do Regulamento 2016/794, pelos mesmos motivos enunciados nos n.os 92 a 95 do acórdão recorrido e resumidos no n.o 29 do presente acórdão.

32      O Tribunal Geral explicou, além disso, nos n.os 106 a 109 do acórdão recorrido que, admitindo que o segundo pedido «se deve entender como censurando à Europol o facto de estar na origem da evolução dos qualificativos utilizados pela imprensa eslovaca em relação ao recorrente, na medida em que este último foi apresentado, não como um “empresário controverso”, mas, antes, como “um mafioso” ou como “uma pessoa que figura nas listas de mafiosos”», este pedido também se revelava infundado. A este propósito, o Tribunal Geral considerou nomeadamente que o recorrente não tinha fornecido qualquer elemento de prova suscetível de demonstrar que as informações publicadas na imprensa eslovaca tinham a sua origem no relatório da Europol, nem um nexo de causalidade entre a fuga nesse relatório e o facto de a imprensa eslovaca ter alterado, a partir do início de 2019, a forma como qualificava o recorrente. A coincidência temporal alegada é contrariada por elementos de prova fornecidos quer pelo recorrente quer pela Europol, da qual decorria que, bem antes do início de 2019, a imprensa eslovaca apresentava ocasionalmente o recorrente como um «mafioso», o que exclui que essa apresentação possa encontrar a sua origem na fuga no processo penal nacional relativo ao recorrente do qual consta o referido relatório.

33      Por conseguinte, o Tribunal Geral considerou improcedente o segundo pedido e a ação na sua totalidade.

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

34      Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 8 de dezembro de 2021, o recorrente interpôs recurso do acórdão recorrido.

35      Através do seu recurso, o recorrente pede ao Tribunal de Justiça:

–        que anule o acórdão recorrido;

–        que remeta o processo ao Tribunal Geral; e

–        que a decisão quanto às despesas seja proferida no quadro do processo principal.

36      A Europol pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        negar provimento ao recurso, e

–        condenar o recorrente nas despesas.

37      Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 1 de abril de 2022, foi admitida a intervenção da República Eslovaca em apoio dos pedidos da Europol.

 Quanto ao presente recurso

38      A recorrente invoca seis fundamentos de recurso. O primeiro a quarto fundamentos respeitam à improcedência do primeiro pedido, que visa a reparação do prejuízo moral que sofreu devido à divulgação ao público de dados pessoais provenientes dos telemóveis em causa. O quinto a sexto fundamentos respeitam à improcedência do segundo pedido, que visa a reparação do prejuízo moral que sofreu devido à inscrição do seu nome nas «listas de mafiosos».

 Quanto à admissibilidade do primeiro e quinto fundamentos

 Argumentos das partes

39      A Europol alega que o primeiro a quinto fundamentos, relativos a um erro de direito que o Tribunal Geral cometeu ao excluir a responsabilidade solidária da Europol e do Estado‑Membro em causa pelos danos sofridos devido a um tratamento ilícito de dados, são inadmissíveis na medida em que tratam de um fundamento apresentado tardiamente, pelo recorrente, ao Tribunal Geral, ou seja, na fase da réplica. Este último devia ter suscitado oficiosamente a inadmissibilidade deste fundamento.

40      O recorrente pede que este fundamento de inadmissibilidade seja julgado improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

41      Resulta do artigo 84.o, n.os 1 e 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral que devem ser declarados inadmissíveis os fundamentos expostos pela primeira vez na fase da réplica e que não se baseiem em elementos de direito ou de facto revelados durante o processo. Todavia, o Tribunal de Justiça já decidiu a este respeito que um fundamento ou um argumento que constitua a ampliação de um fundamento enunciado anteriormente na petição deve ser considerado admissível (v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2007, Alcon/IHMI, C‑412/05 P, EU:C:2007:252, n.os 38 a 40 e jurisprudência referida). Por conseguinte, esse fundamento não pode ser declarado inadmissível por intempestivo.

42      No caso em apreço, no n.o 58 da sua petição no Tribunal Geral, o recorrente alegou que, a título da responsabilidade solidária prevista nos artigos 49.o, n.o 3, e 50.o do Regulamento 2016/794, e atendendo ao considerando 57 deste regulamento, a Europol devia ser considerada responsável pelo prejuízo que sofreu mesmo que os atos danosos tenham sido cometidos com as autoridades eslovacas. No n.o 24 da réplica, o recorrente desenvolveu esta argumentação alegando que, ao abrigo destas disposições e, em particular, atendendo a esse considerando, a Europol era em qualquer caso solidariamente responsável com o Estado‑Membro em causa pelo dano causado devido a um tratamento ilícito de dados.

43      Ao fazê‑lo, o recorrente invocou expressamente, na sua petição, a existência de um mecanismo de responsabilidade solidária da Europol baseado nos artigos 49.o e 50.o do Regulamento 2016/794, lidos à luz do considerando 57, pelo que o Tribunal Geral considerou, corretamente, que, com essa petição, era confrontado com a questão da responsabilidade solidária no contexto do presente processo. O n.o 24 da réplica deve, portanto, ser considerado uma ampliação da argumentação enunciada na petição a este respeito.

44      Nestas circunstâncias, foi acertadamente que o Tribunal Geral procedeu à análise das disposições e do considerando invocados pelo recorrente no quadro desta argumentação.

45      Consequentemente, o fundamento de inadmissibilidade suscitado pela Europol deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao primeiro fundamento

 Argumentos das partes

46      Com o seu primeiro fundamento, o recorrente censura o Tribunal Geral por ter cometido um erro de direito ao decidir, nos n.os 94 e 95 do acórdão recorrido, não ter em conta o considerando 57 do Regulamento 2016/794 para determinar a responsabilidade da Europol baseada no artigo 50.o, n.o 1, desse regulamento, pelo facto de o preâmbulo de um regulamento não ter valor jurídico vinculativo. Daqui resulta que o Tribunal Geral julgou erradamente improcedente o primeiro pedido ao decidir que esse considerando não pode criar uma responsabilidade solidária da Europol devido a um tratamento ilícito de dados por esta agência ou pelo Estado‑Membro em causa.

47      A este respeito, o recorrente alega, em substância, que o Tribunal Geral considerou que o dano devia ser suportado pela pessoa a quem é imputado, ou seja, ou a Europol ou o Estado‑Membro em causa, sendo que resulta dos artigos 49.o, n.o 3 e 50.o do Regulamento 2016/794, lidos à luz do seu considerando 57 e dos objetivos por ele prosseguidos, que este regulamento estabelece uma responsabilidade solidária da Europol e do Estado‑Membro onde se verificou o dano surgido de um tratamento ilícito de dados efetuado por esta agência ou por este Estado‑Membro.

48      A Europol, apoiada pela República Eslovaca, afirma que o primeiro fundamento não procede.

49      Esta agência alega que a responsabilidade da União a título do artigo 340.o TFUE está sujeita à reunião de um conjunto de requisitos, entre os quais a ilegalidade do comportamento censurado à instituição da União em causa. Defende também que, na falta de um comportamento ilegal de uma dessas instituições, a União não pode ser responsabilizada e os danos causados pelos Estados‑Membros não podem desencadear essa responsabilidade. Além disso, nas situações em que as autoridades da União e dos Estados‑Membros interagem, o Tribunal de Justiça observou, nomeadamente, que, em caso de dano causado conjuntamente pela União e por um Estado‑Membro, o tribunal da União só pode decidir sobre o prejuízo depois de o tribunal nacional ter tomado uma decisão a esse respeito. A responsabilidade solidária da União e do Estado‑Membro em causa, quando ambos atuam conjuntamente, não é reconhecida, em princípio, no âmbito do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, carecendo de uma menção explícita do legislador da União nesse sentido.

50      Além disso, o artigo 50.o do Regulamento 2016/794 não é aplicável ao tratamento de dados em causa no caso em apreço, uma vez que se aplica exclusivamente aos tratamentos de dados efetuados no âmbito das operações e das atribuições da Europol. Uma vez que os factos danosos alegados ocorreram aquando da conservação do processo de inquérito nacional, não constituem «operações ilícitas de tratamento de dados», na aceção deste artigo, incluídas no âmbito de aplicação deste regulamento.

51      Acresce que o artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794 não prevê expressamente uma responsabilidade solidária da Europol e do Estado‑Membro em causa. Com efeito, nos termos desta disposição, a Europol é unicamente responsável «em conformidade com o artigo 340.o [TFUE]», o que significa que esta responsabilidade só pode existir quando os três requisitos decorrentes desta disposição estiverem preenchidos. Por conseguinte, mesmo que o artigo 50.o, n.o 1, fosse aplicável no caso em apreço, a Europol não pode ser responsabilizada na falta de qualquer comportamento ilegal da sua parte e de um nexo de causalidade entre esse comportamento e o dano sofrido. De resto, a União não pode ser obrigada a indemnizar danos resultantes da ação de um Estado‑Membro por força do referido artigo 50.o, n.o 1, que só se aplica aos danos causados conjuntamente pela União e por um Estado‑Membro, como confirma a redação do artigo 50.o, n.o 2, desse regulamento.

52      Segundo a Europol, não se pode inferir do considerando 57 do Regulamento 2016/794 que não seja assim. O conceito de «responsabilidade solidária» mencionado nesse considerando implica que mais do que uma entidade é responsável pelo mesmo prejuízo, e não que a Europol pode, na falta de qualquer comportamento ilegal da sua parte, ser responsabilizada pela ação de um Estado‑Membro. A interpretação do referido considerando pelo recorrente contraria o alcance desse regulamento e a redação do seu artigo 50.o Ora, uma vez que o preâmbulo de um ato da União não tem valor jurídico vinculativo, não pode ser invocado para afastar a redação clara de uma disposição.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

53      Importa examinar, num primeiro momento, se o artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794 instaura um regime de responsabilidade solidária da Europol e do Estado‑Membro em causa em caso de tratamento ilícito de dados. Na afirmativa, há que determinar, num segundo tempo, quais os requisitos dessa responsabilidade.

–       Natureza do regime de responsabilidade a título do artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794

54      Para efeitos da interpretação do artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794, em particular para determinar a natureza do regime de responsabilidade aí consagrado, importa, em conformidade com uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, ter em conta não só os termos desta mas também o contexto em que se insere e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 2021, TEAM POWER EUROPE, C‑784/19, EU:C:2021:427, n.o 43 e jurisprudência referida).

55      Quanto aos termos do artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794, este enuncia que a pessoa lesada em resultado de uma operação ilícita de tratamento de dados tem direito a receber indemnização pelo dano sofrido «quer da Europol […] quer do Estado‑Membro em que o facto gerador do dano tenha ocorrido». Como o advogado‑geral salientou no n.o 38 das suas conclusões, estes termos não são unívocos quanto à natureza da responsabilidade visada. Podem, com efeito, indicar que a pessoa singular lesada deve dirigir‑se ou à Europol em caso de dano que seja imputável total ou parcialmente a esta, ou ao Estado‑Membro em causa em caso de dano que seja total ou parcialmente imputável a este. Todavia, uma vez que pode também decorrer dos referidos termos que a pessoa lesada se pode dirigir indiferentemente a cada uma das entidades — portanto, quer à Europol quer ao Estado‑Membro em causa —, com vista à reparação da totalidade do prejuízo sofrido devido a um tratamento ilícito dos dados ocorrido no quadro da cooperação entre a Europol e esse Estado‑Membro, esses mesmos termos não excluem que a referida disposição possa instaurar a este respeito uma responsabilidade solidária das referidas entidades.

56      Há, portanto, que examinar se, à luz do objetivo prosseguido pelo artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794 e do seu contexto, esta disposição cria um regime de responsabilidade solidária da Europol e do Estado‑Membro em causa quanto aos danos sofridos devido a um tratamento ilícito de dados ocorrido no quadro da cooperação entre a Europol e esse Estado‑Membro a título desse regulamento.

57      Segundo o considerando 57 do Regulamento 2016/794, que exprime esse objetivo, «[p]ode não ser claro para o interessado saber se os danos sofridos em resultado de tratamento ilícito de dados são uma consequência da ação da Europol ou de um Estado‑Membro [e, p]or conseguinte, a Europol e o Estado‑Membro no qual o facto danoso tenha ocorrido deverão ser solidariamente responsáveis».

58      Daí resulta que, tomando em consideração a situação na qual uma pessoa singular lesada por um tratamento ilícito de dados não pode determinar se o seu prejuízo é imputável à ação da Europol ou de um Estado‑Membro com o qual cooperou, o legislador da União instaurou um regime de responsabilidade solidária entre a Europol e o Estado‑Membro no qual o facto danoso ocorreu a fim de assegurar uma proteção completa a essa pessoa singular na hipótese de se encontrar nessa situação.

59      A este respeito, importa recordar, que apesar de não ter valor jurídico vinculativo, um considerando de um ato da União possui um valor interpretativo importante, já que pode determinar em pormenor o conteúdo de uma disposição do ato em causa e esclarecer a vontade do autor desse ato (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2023, Comissão/CK Telecoms UK Investments, C‑376/20 P, EU:C:2023:561, n.os 104 e 105 e jurisprudência referida).

60      Na verdade, o considerando de um ato da União não pode ser invocado para derrogar as próprias disposições do ato em causa ou para interpretar essas disposições em sentido manifestamente contrário à sua redação (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de junho de 2014, Karen Millen Fashions, C‑345/13, EU:C:2014:2013, n.o 31 e jurisprudência referida, e de 16 de fevereiro de 2022, Hungria/Parlamento e Conselho, C‑156/21, EU:C:2022:97, n.o 191).

61      Todavia, no caso em apreço, o considerando 57 do Regulamento 2016/794 não contradiz de modo nenhum os termos do artigo 50.o, n.o 1, desse regulamento. Com efeito, como salientado no n.o 55 do presente acórdão, esses termos prestam‑se, nomeadamente, a uma interpretação segundo a qual esta disposição instaura um regime de responsabilidade solidária da Europol e do Estado‑Membro em causa a favor da pessoa singular lesada por um tratamento ilícito de dados ocorrido no quadro da cooperação entre eles.

62      Resulta destes elementos de análise que o artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794, lido à luz do considerando 57 desse regulamento, cria, em conformidade com a vontade do legislador da União de favorecer a pessoa singular lesada, um regime de responsabilidade solidária da Europol e do Estado‑Membro em causa pelos danos sofridos devido a esse tratamento.

63      Esta interpretação é corroborada pelo contexto no qual se inscreve esta disposição, em particular pelos artigos 49.o e 50.o, n.o 2, do Regulamento 2016/794.

64      Com efeito, por um lado, o artigo 49.o do Regulamento 2016/794 estabelece, segundo a sua epígrafe, disposições gerais sobre responsabilidade e o direito a indemnização. Em contrapartida, resulta da epígrafe do artigo 50.o desse regulamento que este artigo respeita especificamente à responsabilidade pelo tratamento incorreto de dados pessoais e ao direito a indemnização daí resultante. O caráter derrogatório do referido artigo 50.o em relação aos princípios gerais da responsabilidade extracontratual da União é sublinhado, em particular, pelo artigo 49.o, n.o 3, do referido regulamento, lido à luz do seu considerando 56.

65      Por força desta última disposição, em caso de responsabilidade extracontratual, a Europol indemniza, em conformidade com os princípios gerais comuns ao direito dos Estados‑Membros, os danos causados pelos seus serviços ou pelos seus funcionários no exercício das respetivas funções. Esta regra é, todavia, enunciada «[s]em prejuízo do disposto no artigo 49.o» do Regulamento 2016/794.

66      A este propósito, há que observar que a referência ao «artigo 49.o», na letra do artigo 49.o, n.o 3, desse regulamento, constitui um erro de redação manifesto. Com efeito, esta referência é desprovida de sentido se remete para o artigo de que faz parte. Logo, e uma vez que o artigo 50.o do mesmo regulamento estabelece um regime derrogatório em relação às regras gerais de responsabilidade extracontratual da União visadas no referido artigo 49.o, n.o 3, esta última disposição deve ser lida, quanto à parte inicial que contém os termos «sem prejuízo», como visando este artigo 50.o

67      O considerando 56 do Regulamento 2016/794 corrobora a interpretação adotada no número anterior ao enunciar que «[a] Europol deverá ser sujeita às regras gerais de responsabilidade contratual e extracontratual aplicáveis às instituições, às agências e aos organismos da União, com exceção das normas da responsabilidade pelo tratamento ilícito de dados».

68      Daí decorre que o artigo 50.o do Regulamento 2016/794 visa instaurar um regime particular de responsabilidade extracontratual no que respeita às operações de tratamento ilícito de dados, que derroga o regime geral de responsabilidade previsto por esse regulamento.

69      Por outro lado, resulta do artigo 50.o, n.o 2, do Regulamento 2016/794 que questionar, no Tribunal de Justiça da União Europeia ou no órgão jurisdicional nacional competente, a responsabilidade da Europol ou do Estado‑Membro em causa devido a um tratamento ilícito de dados ocorrido no quadro da cooperação entre eles só constitui a primeira das duas etapas do mecanismo de responsabilidade previsto no artigo 50.o desse regulamento. Com efeito, segundo o seu artigo 50.o, n.o 2, a segunda etapa desse mecanismo consiste em determinar a «obrigação» da Europol e/ou do Estado‑Membro em causa de pagamento da indemnização atribuída a uma pessoa singular em conformidade com o artigo 50.o, n.o 1, desse regulamento, podendo ser submetidos ao Conselho de Administração os litígios entre a Europol e os Estados‑Membros a este respeito, sem prejuízo do direito de impugnação desta decisão no Tribunal de Justiça da União Europeia em conformidade com o artigo 263.o TFUE.

70      Ora, a possibilidade prevista no artigo 50.o, n.o 2, do Regulamento 2016/794 de o Conselho de Administração da Europol determinar, no quadro desta segunda etapa, a «obrigação» que incumbe à entidade à qual é imputável o comportamento ilegal na origem do prejuízo, ou mesmo a parte de responsabilidade que incumbe a cada uma das entidades em caso de concurso de comportamentos ilegais, não teria razão de ser na falta de responsabilidade solidária dessas entidades.

71      Tendo em conta o exposto, há que considerar que o artigo 50.o do Regulamento 2016/794, lido à luz do artigo 49.o, n.o 3, e dos considerandos 56 e 57 desse regulamento, instaura um regime de responsabilidade solidária da Europol e do Estado‑Membro no qual ocorreu o dano surgido de um tratamento ilícito de dados no quadro da cooperação entre eles a título do referido regulamento.

72      Como o advogado‑geral salientou no n.o 51 das suas conclusões, este regime de responsabilidade solidária não é alheio ao direito da União em matéria de tratamento de dados. Assim, o artigo 82.o, n.o 4, do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO 2016, L 119, p. 1), prevê essa responsabilidade em caso de pluralidade de responsáveis pelo tratamento de dados.

–       Requisitos da responsabilidade a título do artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794

73      Em conformidade com as condições decorrentes do artigo 340.o TFUE, ao qual faz referência o artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794 no caso de a pessoa lesada interpor um recurso contra a Europol, a responsabilidade extracontratual da União a título deste artigo 340.o implica um conjunto de requisitos, a saber, a ilegalidade do comportamento imputado à instituição, órgão ou organismo da União em causa, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre esse comportamento e o prejuízo invocado (v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2020, Conselho/K. Chrysostomides & Co. e o., C‑597/18 P, C‑598/18 P, C‑603/18 P e C‑604/18 P, EU:C:2020:1028, n.os 79 e 80 e jurisprudência referida).

74      No contexto específico do Regulamento 2016/794, resulta dos termos do artigo 50.o, n.o 1, deste regulamento que a pessoa singular que quer fazer valer o seu direito a indemnização, com base nessa disposição, face quer à Europol, quer ao Estado‑Membro que põe em causa, deve demonstrar a existência de uma «operação ilícita de tratamento de dados», de um «dano» e de um nexo causal entre essa operação e esse dano. Assim, à luz do primeiro requisito recordado no número anterior, essa pessoa deve demonstrar apenas que ocorreu um tratamento ilícito de dados no quadro da cooperação que implicou a Europol e um Estado‑Membro a título do referido regulamento.

75      Como salientado nos n.os 57 e 58 do presente acórdão, o objetivo prosseguido pelo artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794 consiste, nos termos do considerando 57 desse regulamento, em responder às dificuldades a que pode ser exposto o interessado para saber se os danos sofridos em resultado de tratamento ilícito de dados ocorrido no quadro de tal cooperação são uma consequência da ação da Europol ou do Estado‑Membro em causa.

76      Ora, sob pena de esvaziar do seu efeito útil o referido artigo 50.o, n.o 1, lido à luz desse considerando 57, não se pode exigir a essa pessoa que estabeleça a quem, entre a Europol e o Estado‑Membro em causa, é imputável esse dano, ou que intente ações contra estas duas entidades para obter a reparação integral do seu dano.

77      A este respeito, importa observar que o artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794 não prevê que a pessoa singular em causa possa intentar uma ação contra as duas entidades potencialmente responsáveis pelo tratamento ilícito de dados no mesmo órgão jurisdicional, já que esta disposição obriga essa pessoa a intentar ação contra a Europol no Tribunal de Justiça da União Europeia ou contra o Estado‑Membro num tribunal competente deste.

78      Logo, antes de mais, embora o Estado‑Membro em causa e a Europol tenham a possibilidade de intervir respetivamente no Tribunal Geral ou num tribunal desse Estado‑Membro, não se pode excluir que esta pessoa seja obrigada a intentar a sua ação na ausência de uma dessas entidades. Em seguida, de qualquer modo, se as duas entidades estiverem presentes no processo no órgão jurisdicional a que se recorreu, resulta do número anterior que só a responsabilidade de uma delas pode ser procurada no quadro do processo em curso, o que pode prejudicar a determinação dos factos. Por fim, ações conduzidas pela pessoa em causa respetivamente contra a Europol no Tribunal Geral e contra o Estado‑Membro em causa nos tribunais desse Estado‑Membro arriscam conduzir à mesma conclusão, por parte desses dois órgãos jurisdicionais, de inexistência de responsabilidade de cada uma dessas entidades demandadas, se essa pessoa não tiver demonstrado de modo juridicamente bastante a imputabilidade do dano alegado a estas últimas.

79      Ora, foi precisamente para ter em conta estas dificuldades probatórias que o legislador da União previu, no artigo 50.o do Regulamento 2016/794, para a indemnização dos danos causados pelo tratamento ilícito de dados, um mecanismo de responsabilidade em duas etapas que, por um lado, dispensa a pessoa singular em causa do ónus de estabelecer a identidade da entidade cujo comportamento está na origem do dano alegado e, por outro, prevê que, após compensar esta pessoa, a «obrigação» relativa a esse dano deve, sendo caso disso, ser definitivamente decidida no âmbito de um processo que já só implica a Europol e o Estado‑Membro em causa no Conselho de Administração da Europol.

80      De onde resulta que o artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794, lido à luz do considerando 57 desse regulamento, deve ser interpretado no sentido de que não impõe à pessoa singular em causa que demonstrou a existência de um tratamento ilícito de dados ocorrido no quadro da cooperação entre a Europol e um Estado‑Membro a título do referido regulamento o ónus de identificar qual das entidades implicadas nessa cooperação adotou o comportamento constitutivo desse tratamento ilícito.

81      Basta, para incorrer na responsabilidade solidária da Europol ou do Estado‑Membro em causa e para permitir à pessoa singular em causa obter a reparação integral do seu prejuízo quer perante o juiz da União, quer perante o juiz nacional, a título do artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794, que esta pessoa demonstre que, por ocasião da cooperação entre a Europol e o Estado‑Membro em causa a título deste regulamento, foi efetuado um tratamento ilícito de dados que lhe causou um prejuízo, sem que se exija que determine, além disso, a qual destas duas entidades é imputável esse tratamento ilícito.

82      No entanto, a entidade demandada continua a ter a possibilidade de demonstrar por todos os meios legalmente admissíveis que o dano alegado não tem qualquer relação com o alegado tratamento ilícito de dados ocorrido no quadro dessa cooperação. Seria, por exemplo, o caso, se esta entidade demonstrasse que esse dano tem a sua origem em factos anteriores à cooperação entabulada a título do Regulamento 2016/794.

83      Decorre de tudo o exposto que ao considerar improcedente, no n.o 91 do acórdão recorrido, o primeiro pedido do recorrente por este não ter demonstrado a imputabilidade à Europol da divulgação de dados pessoais que lhe diziam respeito e não ter, logo, «apresentado a prova de um nexo de causalidade suficientemente comprovado entre o dano alegado no quadro d[esse pedido] e um eventual comportamento da Europol», e ao considerar, nos n.os 92 a 95 do acórdão recorrido, que essa improcedência não era posta em causa pelo considerando 57 e os artigos 49.o, n.o 3 e 50.o do Regulamento 2016/794, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, erradamente, que o artigo 50.o, n.o 1, desse regulamento, lido à luz do considerando 57 deste último, não dispensava a pessoa singular em causa de determinar a qual das duas entidades implicadas é imputável o tratamento ilícito de dados.

84      O primeiro fundamento é pois procedente.

85      Este erro de direito vicia, na íntegra, a declaração de improcedência, pelo Tribunal Geral, do primeiro pedido, como delimitado no n.o 49 do acórdão recorrido, não tendo esta limitação sido contestada no âmbito do recurso.

86      Por conseguinte, há que julgar procedente o primeiro fundamento do recurso e anular o acórdão recorrido na parte em que o Tribunal Geral julgou improcedente esse primeiro pedido assim delimitado.

 Quanto ao segundo a quarto fundamentos

87      O segundo a quarto fundamentos do recurso respeitam, como o primeiro fundamento, à improcedência do primeiro pedido, que visa a reparação do prejuízo moral que o recorrente sofreu devido à divulgação ao público de dados pessoais provenientes dos telemóveis em causa.

88      Uma vez que o exame do segundo a quarto fundamentos não pode conduzir a uma anulação do acórdão recorrido mais ampla do que a que resulta da procedência do primeiro fundamento, não há que analisá‑los.

 Quanto ao sexto fundamento

 Argumentos das partes

89      O sexto fundamento, que importa examinar antes do quinto, contém duas partes e visa os n.os 102 e 106 a 111 do acórdão recorrido.

90      Com a primeira parte do sexto fundamento, o recorrente censura o Tribunal Geral por ter concluído erradamente, nesses números do acórdão recorrido, pela falta de nexo de causalidade entre o comportamento ilegal alegado no quadro do segundo pedido, ou seja, a inscrição pelo Europol do seu nome nas «listas de mafiosos», ou o estabelecimento pela Europol de um nexo entre ele e estas listas, e o dano que alega ter sofrido devido a essa inscrição ou ao estabelecimento desse nexo.

91      Em apoio dessa primeira parte, o recorrente defende que a Europol não fundamentou o estabelecimento desse nexo entre ele e as «listas de mafiosos» e que, com o estabelecimento desse nexo, esta agência violou o princípio da proporcionalidade ao exceder a sua missão que consiste apenas em analisar o suporte de armazenamento USB em causa.

92      Além disso, uma vez que o relatório da Europol fazia parte do processo penal nacional relativo ao recorrente, e que houve fuga de informações contidas nesse processo, há que concluir pela existência de um nexo causal entre o comportamento ilegal da Europol e o prejuízo sofrido pelo recorrente. O facto de nenhum dos artigos de imprensa em causa mencionar esse relatório, como indica o Tribunal Geral no n.o 107 do acórdão recorrido, não põe em causa a existência desse nexo de causalidade.

93      O recorrente alega, além disso, que a Europol é a única a ter estabelecido, no referido relatório, este nexo entre ele e as «listas de mafiosos», já que nem o direito nacional nem o direito da União preveem a possibilidade de elaborar e manter tais listas. A este propósito, não se podem ter em conta os meios de comunicação eslovacos, segundo os quais as «listas de mafiosos» eram mantidas pelos serviços de polícia eslovacos. Além disso, apoiando‑se, para estabelecer este nexo, em fontes acessíveis ao público, a Europol violou as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 29.o, n.o 6, do Regulamento 2016/794. Segundo o recorrente, há que deduzir do facto de o relatório da Europol não indicar que esta encontrou informação relativa ao nexo entre o recorrente e as «listas de mafiosos» nos meios de comunicação, e do facto de essa informação figurar expressamente nesse relatório, que a Europol estabeleceu esse nexo, que não resulta da «imprensa sensacionalista».

94      A segunda parte deste fundamento é relativa a uma desvirtuação dos elementos de prova. O recorrente considera errada a constatação do Tribunal Geral que figura nos n.os 108 e 109 do acórdão recorrido, segundo a qual decorre dos artigos de imprensa apresentados no quadro do processo que o recorrente foi qualificado de «mafioso» antes mesmo da redação do relatório da Europol. O título do artigo de imprensa, publicado em 28 de fevereiro de 2012, que apresenta o recorrente como «[o] mafioso que não existe» é a prova de que não tinha nenhuma ligação com as «listas de mafiosos».

95      A Europol e a República Eslovaca pedem que se declare a improcedência do sexto fundamento.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

96      Quanto à segunda parte do sexto fundamento, que importa examinar em primeiro lugar, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, existe uma desvirtuação dos elementos de prova quando o Tribunal Geral tenha excedido manifestamente os limites de uma apreciação razoável desses elementos. A desvirtuação deve resultar de modo manifesto dos documentos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas. A este respeito, não basta demonstrar que um documento pode ser objeto de uma interpretação diferente da adotada pelo Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Comissão/Itália e Espanha, C‑635/20 P, EU:C:2023:98, n.o 127 e jurisprudência referida).

97      No caso em apreço, no n.o 108 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que «a coincidência temporal alegada pelo recorrente é contrariada pelos elementos de prova fornecidos pelo próprio recorrente e pela Europol». A este respeito, salientou, no mesmo número, que «o recorrente remet[ia], na petição, para um artigo de imprensa publicado em 28 de fevereiro de 2012, intitulado “Marián Kočner. O mafioso que não existe”, e nos termos do qual “[n]as listas ditas ‘dos mafiosos’, que foram objeto de fugas na polícia em 2005, o empresário Marián Kočner consta da rubrica ‘veículos motorizados que apresentam um interesse’”» e que a «Europol se refer[ia] a artigos de imprensa publicados em 21 de junho de 2005 e 9 de julho de 2017 que também referiam eventuais implicações mafiosas do recorrente».

98      Assim, afigura‑se que o Tribunal Geral baseou a sua conclusão segundo a qual o recorrente tinha sido qualificado de «mafioso» antes mesmo da redação do relatório da Europol num conjunto de artigos de imprensa sobre o recorrente, e não no único artigo, datado de 2012, fornecido por este último e que, em sua opinião, o dissociava das «listas de mafiosos». Ao proceder assim, contrariamente ao que considera o recorrente, o Tribunal Geral não excedeu os limites de uma apreciação razoável desses elementos, tomados no seu conjunto, nem desvirtuou o referido artigo de imprensa invocado pelo recorrente ao fazer uma leitura deste inconciliável com a sua redação.

99      Assim, a segunda parte do sexto fundamento deve ser julgada improcedente.

100    No que respeita à primeira parte desse fundamento, há que lembrar que, em matéria de responsabilidade extracontratual da União, a questão da existência de um nexo de causalidade entre o facto gerador e o prejuízo, requisito dessa responsabilidade, constitui uma questão de direito que, consequentemente, está sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça (Acórdão de 16 de julho de 2009, Comissão/Schneider Electric, C‑440/07 P, EU:C:2009:459, n.o 192, e Despacho de 3 de setembro de 2019, FV/Conselho, C‑188/19 P, EU:C:2019:690, n.o 36). Esta fiscalização não pode, todavia, consistir, para o Tribunal de Justiça, em pôr em causa as constatações e as apreciações factuais efetuadas pelo Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2009, Comissão/Schneider Electric, C‑440/07 P, EU:C:2009:459, n.o 193).

101    Ora, importa declarar que, com esta primeira parte, o recorrente visa, na realidade, pôr em causa certas apreciações factuais que o Tribunal Geral efetuou perante as provas que lhe foram apresentadas. Trata‑se, primeiro, da apreciação que figura no n.o 102 do acórdão recorrido, segundo a qual o recorrente não tinha fornecido nenhum elemento de prova capaz de demonstrar que as «listas de mafiosos» nas quais o seu nome foi inscrito tinham sido elaboradas e mantidas pela Europol. Segundo, o recorrente põe também em causa a apreciação do Tribunal Geral segundo a qual não existe um nexo causal entre o comportamento alegadamente ilegal da Europol e o prejuízo alegado, uma vez que o Tribunal Geral declarou, por um lado, no n.o 107 do acórdão recorrido, que o recorrente não tinha fornecido nenhuma prova de que as informações publicadas a este respeito tinham a sua origem no relatório da Europol e, por outro, nos n.os 108 e 109 desse acórdão, que, bem antes de 2009, a imprensa eslovaca já apresentava o recorrente como sendo um mafioso. Ora, uma vez que, com a presente parte, o recorrente não invoca uma desvirtuação dos elementos de prova, as referidas apreciações escapam à fiscalização do Tribunal de Justiça.

102    Por conseguinte, a primeira parte do sexto fundamento é inadmissível.

103    Daqui resulta que este fundamento deve ser declarado, em parte, inadmissível, e, em parte, improcedente.

 Quanto ao quinto fundamento

104    Com o seu quinto fundamento, baseado na mesma argumentação avançada em apoio do primeiro fundamento, o recorrente censura o Tribunal Geral por ter cometido um erro de direito ao decidir, no n.o 105 do acórdão recorrido, não ter em conta o considerando 57 do Regulamento 2016/794 para determinar a responsabilidade da Europol, uma vez que o preâmbulo de um regulamento não tem valor jurídico vinculativo. De onde decorre que o Tribunal Geral declarou improcedente o segundo pedido, destinado a obter a reparação do prejuízo que o recorrente considera ter sofrido devido à alegada inscrição, pela Europol, do seu nome nas «listas de mafiosos», considerando que nenhum mecanismo de responsabilidade solidária encontra a sua expressão ou o seu fundamento nas disposições desse regulamento em caso de tratamento ilícito de dados pela Europol ou pelo Estado‑Membro em causa.

105    A Europol, apoiada pela República Eslovaca, pede que se declare a improcedência do quinto fundamento, invocando os mesmos argumentos que foram mencionados nos n.os 49 a 52 do presente acórdão, em resposta à argumentação da recorrente no quadro do primeiro fundamento.

106    A este propósito, há que salientar que, para julgar improcedente o segundo pedido, destinado a obter a reparação do prejuízo que o recorrente considera ter sofrido devido à inscrição pela Europol do seu nome nas «listas de mafiosos», o Tribunal Geral — que é o único competente para constatar e apreciar os factos e para examinar as provas que admite em apoio desses factos — baseou‑se em vários elementos. Assim, observou, por um lado, no n.o 102 do acórdão recorrido, que é visado pelo sexto fundamento do recurso que foi julgado improcedente, que o recorrente não tinha demonstrado que as «listas de mafiosos» nas quais tinha sido inscrito o seu nome foram elaboradas e mantidas pela Europol. Por outro lado, nos n.os 108 e 109 desse acórdão, também visados pelo sexto fundamento que foi julgado improcedente, o Tribunal Geral considerou que a coincidência temporal alegada pelo recorrente entre o relatório da Europol e a evolução dos qualificativos utilizados na evocação do recorrente pela imprensa eslovaca, que, após as fugas no processo penal nacional que lhe dizia respeito, apresentou este último como um «mafioso» ou como «uma pessoa que figura nas listas de mafiosos», era contrariada pelos elementos de prova fornecidos quer pelo recorrente quer pela Europol, por referência a artigos de imprensa publicados em 2005, 2012 e 2017. A este respeito, o Tribunal Geral declarou, por outro lado, no n.o 109 do acórdão recorrido que, bem antes do início de 2019, a imprensa eslovaca já apresentava o recorrente como “um mafioso”, e não apenas como um “empresário controverso”, e excluiu, com base nesses elementos de prova, que «essa apresentação do recorrente possa encontrar a sua origem na fuga no processo penal [nacional que lhe dizia respeito], [que continha] o relatório da Europol».

107    Assim, resulta, em particular, das declarações dos n.os 108 e 109 do acórdão recorrido que, sendo o relatório da Europol posterior, e, por isso, alheio ao facto danoso alegado pelo recorrente no quadro do segundo pedido, se exclui que o prejuízo alegado pelo recorrente possa estar ligado a um eventual tratamento ilícito de dados ocorrido no quadro da cooperação entre a Europol e as autoridades eslovacas. Ora, como salientado nos n.os 96 a 102 do presente acórdão, o recorrente não demonstrou, no quadro do sexto fundamento, que o Tribunal Geral cometeu, no que respeita a essas constatações, uma desvirtuação dos elementos de prova ou um erro de direito.

108    Por conseguinte, a exigência, enunciada no n.o 81 do presente acórdão, necessária para a responsabilização solidária da Europol com base no artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794, não é cumprida no caso em apreço, pelo que essa responsabilidade não pode, de qualquer modo, verificar‑se a título do segundo pedido.

109    De onde resulta que, apesar do erro de direito que o Tribunal Geral cometeu ao afastar, no n.o 105 do acórdão recorrido e pelos fundamentos expostos nos n.os 92 a 95 deste último, o próprio princípio de uma responsabilidade solidária da Europol no contexto desse regulamento, o quinto fundamento deve ser considerando inoperante.

110    Sendo o quinto e sexto fundamentos considerados improcedentes, deve ser negado provimento ao recurso na parte relativa ao segundo pedido.

 Quanto ao recurso no Tribunal Geral

111    Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

112    No caso em apreço, tendo em conta, nomeadamente, a circunstância de o recurso no Tribunal Geral se basear em fundamentos que nele foram objeto de debate contraditório e cujo exame não exige a adoção de nenhuma medida suplementar de organização do processo ou de instrução dos autos, o Tribunal de Justiça entende que o esse recurso está em condições de ser julgado e que pode decidir definitivamente sobre o mesmo dentro dos limites do litígio que lhe foi submetido (v., por analogia, Acórdão de 4 de março de 2021, Comissão/Fútbol Club Barcelona, C‑362/19 P, EU:C:2021:169, n.o 108 e jurisprudência referida).

113    Atendendo à anulação parcial do acórdão recorrido, há que decidir unicamente sobre o primeiro pedido formulado no Tribunal Geral, como delimitado no n.o 49 deste acórdão.

114    O recorrente exige, com base nos artigos 268.o e 340.o TFUE e no artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794, o pagamento de um montante de 50 000 euros em reparação do prejuízo que considera ter sofrido devido à divulgação ao público de dados pessoais provenientes dos telemóveis em causa, que foram disponibilizados publicamente na Internet e retomados pela imprensa eslovaca. Esta divulgação de dados pessoais, devido à sua publicação, atentou contra a sua honra e a sua reputação profissional, assim como contra o direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, e o direito ao respeito pelas suas comunicações, que são garantidos pelo artigo 7.o da Carta.

115    A este respeito, o recorrente, apoiando‑se no considerando 57 do Regulamento 2016/794, afirma que a Europol pode ser considerada solidariamente responsável com base no artigo 50.o, n.o 1, desse regulamento se o dano que alega ter sofrido devido a um tratamento ilícito de dados for a consequência da ação da Europol ou de um Estado‑Membro.

116    A Europol defende que não está provado que tenha efetuado um tratamento ilícito de dados, pois não está demonstrado que a fuga nos dados relativos ao recorrente provinha dela. De qualquer modo, qualquer fuga de informações, mesmo se demonstrada, não acarreta automaticamente a sua responsabilidade extracontratual. A Europol alega, com efeito, que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, só se pode incorrer na responsabilidade extracontratual dos órgãos da União se, nomeadamente, tiver havido uma violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito que tenham por objeto conferir direitos aos particulares. Ora, o artigo 32.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794 não prevê uma obrigação de resultado absoluta, impondo apenas à Europol que ponha em prática as medidas técnicas e organizativas adequadas para proteger os dados pessoais contra qualquer forma não autorizada de tratamento, o que fez. Além disso, a Europol nunca tratou os dados extraídos dos telemóveis em causa sob forma desencriptada e inteligível.

117    Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, a responsabilidade extracontratual da União a título do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE está sujeita à verificação de um conjunto de requisitos, nomeadamente a existência de uma violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito que tenha por objeto conferir direitos aos particulares, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o incumprimento da obrigação que incumbe ao autor do ato e o dano sofrido pelas pessoas lesadas (Acórdão de 10 de setembro de 2019, HTTS/Conselho, C‑123/18 P, EU:C:2019:694, n.o 32 e jurisprudência referida).

118    Resulta dessa jurisprudência que o primeiro requisito da responsabilidade, relativo à ilegalidade do comportamento censurado à instituição, ao órgão ou ao organismo da União em causa, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 73 do presente acórdão, tem duas partes, a saber, que é necessário, por um lado, que tenha havido violação de uma norma de direito da União que tenha por objeto conferir direitos aos particulares e, por outro, que essa violação seja suficientemente caracterizada (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2019, HTTS/Conselho, C‑123/18 P, EU:C:2019:694, n.o 36).

119    No que se refere à primeira parte deste requisito, segundo jurisprudência assente, os direitos nascem não apenas quando disposições do direito da União os atribuem explicitamente, mas também devido a obrigações positivas ou negativas que estas impõem de forma bem definida tanto aos particulares como aos Estados‑Membros ou às instituições, aos órgãos e aos organismos da União [v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, Ministre de la Transition écologique e Premier ministre (Responsabilidade do Estado pela poluição do ar), C‑61/21, EU:C:2022:1015, n.o 46]. Esta regra também é válida para as obrigações impostas pelo direito da União no quadro da cooperação entre uma agência da União, como a Europol, e os Estados‑Membros.

120    A violação de tais obrigações pode prejudicar os direitos que são assim implicitamente conferidos aos particulares através das disposições do direito da União em causa. A plena eficácia dessas disposições e a proteção dos direitos que estas visam conferir exigem que os particulares tenham a possibilidade de ser indemnizados [v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2022, Ministre de la Transition écologique e Premier ministre (Responsabilidade do Estado pela poluição do ar), C‑61/21, EU:C:2022:1015, n.o 47].

121    No caso em apreço, há que constatar que o Regulamento 2016/794 impõe à Europol e às autoridades competentes dos Estados‑Membros chamados a cooperar com essa agência da União para efeitos da ação penal uma obrigação de proteção dos particulares contra o tratamento ilícito dos dados pessoais que lhe dizem respeito, que resulta, em especial, de uma leitura conjugada do artigo 2.o, alíneas h), i) e k), 28.o, n.o 1, alíneas a) e f), 38.o, n.o 4, e 50.o, n.o 1, desse regulamento.

122    Com efeito, o artigo 2.o, alínea k), do Regulamento 2016/794 define «tratamento» como uma operação ou um conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais ou conjuntos de dados pessoais, com ou sem meios automatizados, designadamente a divulgação através de transmissão, a difusão ou qualquer outra forma de disponibilização. O artigo 2.o, alíneas h) e i), desse regulamento define os «dados pessoais» como uma informação relativa a um «titular de dados pessoais», designando este último conceito uma pessoa singular identificada ou uma pessoa singular identificável. Além disso, o artigo 28.o, n.o 1, alíneas a) e f), do referido regulamento exige que os dados pessoais sejam tratados «com equidade e em conformidade com a lei» e de forma que garanta a devida segurança desses mesmos dados. Segundo o artigo 38.o, n.o 4, do mesmo regulamento, a Europol é responsável pelo respeito desses princípios enunciados no referido artigo 28.o, n.o 1, alíneas a) e f). Por último, o artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794, na medida em que impõe às entidades implicadas no quadro da cooperação prevista por esse regulamento indemnizar o dano sofrido por uma pessoa singular em resultado de um tratamento ilícito de dados, contém a obrigação implícita, por parte destas entidades, de protegerem qualquer pessoa singular contra qualquer forma ilícita de disponibilização de dados pessoais que lhe digam respeito.

123    Decorre de uma leitura conjugada das disposições referidas nos dois números anteriores que qualquer divulgação de dados pessoais, objeto de um tratamento no quadro da cooperação entre a Europol e as autoridades nacionais competentes nos termos do Regulamento 2016/794, a pessoas não autorizadas a deles terem conhecimento constitui a violação de uma regra do direito da União que tem por objeto conferir direitos a particulares.

124    No caso em apreço, resulta das constatações do Tribunal Geral nos n.os 1, 2, 44, 84, 85 e 90 do acórdão recorrido, que o Tribunal de Justiça faz suas, que dados pessoais relativos ao recorrente, que consistem em conversações de caráter íntimo entre este e a sua amiga, contidas nos telemóveis em causa, entregues pelas autoridades eslovacas à Europol no quadro da cooperação a título do Regulamento 2016/794, foram extraídos desses telefones e que tais dados, que estavam na posse da Europol, primeiro, e, a partir de 23 de outubro de 2018, da Europol e dessas autoridades, foram objeto de uma divulgação a pessoas não autorizadas a deles terem conhecimento, que culminaram na sua publicação na imprensa eslovaca em 20 de maio de 2019. Tais circunstâncias são reveladoras de uma violação como a referida no número anterior.

125    A este respeito, há que afastar o argumento da Europol segundo o qual respeitou as obrigações que o Regulamento 2016/794 lhe impõe, pondo em prática as medidas técnicas e organizativas adequadas para proteger os dados pessoais contra qualquer forma não autorizada de tratamento. Com efeito, como salientado no n.o 80 do presente acórdão, o artigo 50.o, n.o 1, desse regulamento estabelece um regime de responsabilidade solidária no quadro do qual a pessoa que se considera vítima de um tratamento ilícito de dados é dispensada de demonstrar a qual das entidades implicadas na cooperação a título do referido regulamento é imputável esse tratamento, sem prejuízo da possibilidade oferecida à Europol de recorrer, sendo caso disso, posteriormente, ao seu Conselho de Administração, com base no artigo 50.o, n.o 2, do mesmo regulamento, para se determinar a obrigação do pagamento da indemnização atribuída a essa pessoa.

126    Quanto à segunda parte do primeiro requisito da responsabilidade extracontratual da União, relativa à exigência de uma violação suficientemente caracterizada de uma regra do direito da União que tenha por objeto conferir direitos aos particulares, o critério decisivo a este respeito para considerar que uma violação do direito da União é suficientemente caracterizada é o da violação manifesta e grave dos limites ao poder de apreciação que a regra violada comporta (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, EU:C:2000:361, n.o 43 e jurisprudência referida, e de 4 de abril de 2017, Provedor/Staelen, C‑337/15 P, EU:C:2017:256, n.o 31 e jurisprudência referida). Quando a autoridade em causa apenas dispõe de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infração ao direito da União pode bastar para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada desse direito (Acórdão de 10 de julho de 2003, Comissão/Fresh Marine, C‑472/00 P, EU:C:2003:399, n.o 26 e jurisprudência referida). Constituem nomeadamente essa violação erros não escusáveis, negligências graves no exercício de um dever ou uma manifesta falta de diligência (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 1992, Finsider e o./Comissão, C‑363/88 e C‑364/88, EU:C:1992:44, n.o 22 e jurisprudência referida).

127    A apreciação a efetuar exige tomar em consideração o domínio, as condições e o contexto em que o dever em causa vincula a autoridade a ele sujeita (v., neste sentido, Acórdão de 4 de abril de 2017, Provedor/Staelen, C‑337/15 P, EU:C:2017:256, n.o 40 e jurisprudência referida).

128    Além disso, há que ter em conta, nomeadamente, o grau de clareza e de precisão da regra violada e o âmbito da margem de apreciação que esta regra deixa à autoridade em causa (v., neste sentido, Acórdão de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho, C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.o 30 e jurisprudência referida), a complexidade da situação a resolver e as dificuldades de aplicação ou de interpretação dos diplomas [Acórdão de 19 de abril de 2007, Holcim (Deutschland)/Comissão, C‑282/05 P, EU:C:2007:226, n.o 50 e jurisprudência referida].

129    No caso em apreço, há que observar, por um lado, que as disposições mencionadas nos n.os 122 e 123 do presente acórdão não deixam às entidades implicadas na cooperação a título do Regulamento 2016/794 nenhuma margem de apreciação quanto à sua obrigação de proteger qualquer pessoa singular de qualquer forma ilícita de disponibilização de dados pessoais que lhe digam respeito, pondo em prática as medidas técnicas e organizativas adequadas a esse fim. Por outro lado, esta obrigação inscreve‑se no contexto sensível da cooperação entre a Europol e os Estados‑Membros para efeitos de ação penal, no qual tais dados são tratados à margem de qualquer intervenção das pessoas em causa, o mais frequentemente sem o seu conhecimento, e, portanto, sem que possam intervir de qualquer forma para evitar um eventual tratamento ilícito de dados.

130    O caráter íntimo dos dados que podem estar contidos em suportes como os que estão em causa no presente processo reforça a necessidade que havia de garantir estritamente a proteção desses dados relativos ao recorrente, tanto mais que os referidos dados não tinham nenhuma relação com os factos pelos quais o recorrente era objeto de ação penal.

131    Nestas condições, há que considerar, atendendo às constatações do Tribunal Geral recordadas no n.o 124 do presente acórdão, que o tratamento ilícito dos referidos dados que ocorreu no quadro da cooperação entre a Europol e as autoridades eslovacas a título do Regulamento 2016/794 constituiu uma violação suficientemente caracterizada de uma regra do direito da União que tem por objeto conferir direitos aos particulares.

132    Importa acrescentar que o argumento da Europol segundo o qual esta nunca dispôs dos dados extraídos dos telemóveis em causa sob forma desencriptada e inteligível não pode pôr em causa a própria existência dessa violação devido ao tratamento ilícito de dados que ocorreu no quadro dessa cooperação. Ora, como resulta do n.o 80 do presente acórdão, o artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794 estabelece um regime de responsabilidade solidária no quadro do qual a vítima desse tratamento é dispensada de demonstrar a qual das entidades implicadas na cooperação é imputável esse tratamento. De onde decorre que este argumento não pode, de qualquer modo, prosperar no contexto do presente processo, sem prejuízo da possibilidade de a Europol o invocar, sendo caso disso, no quadro do recurso ao seu Conselho de Administração a título do artigo 50.o, n.o 2, desse regulamento.

133    Quanto ao segundo e terceiro requisitos da responsabilidade extracontratual da União decorrente do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, relativos à prova do prejuízo sofrido e do nexo causal entre esse prejuízo e a violação suficientemente caracterizada de uma regra do direito da União que o tratamento ilícito de dados constitui no caso em apreço, o recorrente defende que a divulgação dos dados pessoais que lhe dizem respeito contidos nos telemóveis em causa atentaram, devido à publicação desses dados, não só contra o direito ao respeito pela sua vida privada, mas também contra o direito ao respeito pela sua vida familiar. Esta divulgação teve um impacto negativo nas relações entre o recorrente e as suas filhas, que ficaram profundamente afetadas pela publicação dos referidos dados, que revelam nomeadamente a relação íntima do seu pai com a sua amiga, exposta publicamente, assim como as suas conversas íntimas. Daí resultou um sentimento de frustração e de injustiça, bem como um atentado à honra e à reputação profissional do recorrente. A referida divulgação violou também o direito ao respeito pelas suas comunicações garantido pelo artigo 7.o da Carta.

134    A Europol não formulou nenhum argumento específico relativamente à realidade do prejuízo moral alegado pelo recorrente e à existência de um nexo de causalidade entre o tratamento ilícito de dados e esse prejuízo. Limitou‑se a defender que, na falta de prova de um facto danoso ou da sua imputabilidade à Europol, o primeiro pedido deve ser julgado improcedente.

135    Quanto às condições relativas à realidade do dano e ao nexo causal, a responsabilidade extracontratual da União só pode existir se a parte recorrente sofreu efetivamente um prejuízo real e certo, e o prejuízo decorre de forma suficientemente direta da violação alegada de uma regra de direito da União. Compete à parte recorrente apresentar elementos de prova ao juiz da União para demonstrar a existência e a extensão do prejuízo que invoca, bem como a existência de um nexo de causalidade suficientemente direto entre essa violação e o dano alegado (v., neste sentido, Acórdão de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho, C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.os 61 e 62 e jurisprudência referida).

136    No caso em apreço, como salientado no n.o 124 do presente acórdão, o tratamento ilícito de dados que a divulgação a pessoas não autorizadas de dados relativos a conversas íntimas entre o recorrente e a sua amiga constitui conduziu à disponibilização desses dados ao público, como demonstra a sua publicação na imprensa eslovaca. Atendendo ao conteúdo dessas conversas, há que considerar que esse tratamento ilícito de dados violou o direito do recorrente ao respeito pela sua vida privada e familiar, e pelas suas comunicações, como garantido pelo artigo 7.o da Carta, e atentou contra a sua honra e a sua reputação, o que lhe causou um dano moral.

137    A título de reparação do dano alegado no quadro do primeiro pedido, o recorrente exige o pagamento de um montante de 50 000 euros.

138    Todavia, o Tribunal Geral considerou que a análise do primeiro pedido devia limitar‑se ao prejuízo alegado resultante apenas da divulgação das transcrições das conversas de caráter íntimo e sexual entre o recorrente e a sua amiga, não tendo o recorrente fornecido nenhum elemento suscetível de demonstrar direta ou indiretamente a realidade da divulgação das fotografias evocadas no n.o 26 do presente acórdão.

139    Como esta improcedência parcial do primeiro pedido não foi impugnada no quadro do recurso, há que excluir da indemnização a conceder ao recorrente esta parte do prejuízo alegado.

140    Nestas condições, há que decidir que o dano moral incorrido pelo recorrente devido à divulgação das transcrições das conversas de caráter íntimo tidas com a sua amiga será adequadamente reparado com o pagamento de uma indemnização fixada, com base num juízo de equidade, em 2 000 euros.

 Quanto às despesas

141    Nos termos do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente, ou for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

142    De acordo com o artigo 138.o, n.o 1, desse regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 184.o, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Por força desse artigo 138.o, n.o 3, primeiro período, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas.

143    No caso em apreço, o recorrente pede que se decida quanto às despesas «no âmbito do processo principal». A este respeito, há que salientar que embora nos seus pedidos em primeira instância tenha solicitado que a Europol seja condenada nas despesas, no recurso não concluiu sobre as despesas relativas ao processo de recurso.

144    A Europol pediu a condenação do recorrente nas despesas relativas ao processo em primeira instância e ao presente processo de recurso.

145    Nestas circunstâncias, tendo as partes sido parcialmente vencidas nos seus pedidos em sede de recurso e em primeira instância, suportará cada uma as suas despesas relativas ao processo em primeira instância e em sede de recurso.

146    Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. A República Eslovaca, interveniente no Tribunal de Justiça, deverá portanto suportar as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 29 de setembro de 2021, Kočner/Europol (T528/20, EU:T:2021:631), é anulado na parte em que julga improcedente o primeiro pedido como delimitado nesse acórdão.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      A Agência da União Europeia para a Cooperação Policial (Europol) é condenada a pagar uma indemnização no montante de 2 000 euros a Marián Kočner.

4)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

5)      Marián Kočner e a Europol suportarão as suas próprias despesas relativas tanto ao processo em primeira instância como ao processo de recurso.

6)      A República Eslovaca suportará as suas próprias despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: eslovaco.