CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA
apresentadas em 3 de dezembro de 2020 (1)
Processo C‑705/19
Axpo Trading Ag
contra
Gestore dei Servizi Energetici SpA — GSE
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália)]
«Questão prejudicial — Livre circulação de mercadorias — Promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis — Importações de eletricidade proveniente da Suíça — Disposição nacional relativa à obrigação de compra de certificados verdes — Encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro — Imposição interna discriminatória — Medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação — Auxílio de Estado — Transferência de recursos estatais — Seletividade do auxílio — Tratado entre a União Europeia e a Suíça»
1. A Diretiva 2009/28/CE (2), que será substituída a partir de 1 de julho de 2021 pela Diretiva (UE) 2018/2001 (3), deu um grande impulso à utilização de energia proveniente de fontes renováveis. Um dos mecanismos ou «regimes de apoio» que prevê para fomentar a produção deste tipo de energia consiste nos certificados verdes (a seguir «CV») (4).
2. Em 2005, ao avaliar os mecanismos de apoio à eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis (a seguir «E‑FER»), a Comissão Europeia resumiu nos seguintes termos o sistema de CV utilizado, entre outros Estados‑Membros, pela Itália: «n[o] âmbito do sistema dos certificados verdes […], a E‑FER é vendida ao preço convencional do mercado. Para financiar o custo adicional da produção de eletricidade verde e garantir a produção desejada, todos os consumidores (ou produtores, em alguns países) são obrigados a comprar um certo número de certificados verdes aos produtores de E‑FER de acordo com uma percentagem fixa, ou quota, do seu consumo/produção total de eletricidade […]» (5).
3. O Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre os CV, especialmente sob a perspetiva da livre circulação de mercadorias(6). Este reenvio prejudicial permite‑lhe avançar na sua jurisprudência, debruçando‑se sobre a compatibilidade do regime jurídico italiano dos CV com o direito da União.
I. Quadro jurídico
A. Direito da União
1. Acordo de Comércio Livre CEE‑Suíça (7)
4. O artigo 2.o dispõe:
«O acordo é aplicável aos produtos originários da Comunidade e da Suíça:
i) Classificados nos capítulos 25 a 97 da nomenclatura do Sistema Harmonizado de designação e de codificação de mercadorias, com exceção dos produtos constantes do anexo I;
ii) Enumerados no anexo II;
iii) Enumerados no Protocolo n.o 2, tendo em conta as condições especiais nele previstas.»
5. O artigo 6.o, n.o 1, prevê:
«Não serão introduzidos novos encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros de importação nas trocas comerciais entre a Comunidade e a Suíça.»
6. Nos termos do artigo 13.o, n.o 1:
«Não serão introduzidas novas restrições quantitativas à importação; nem medidas de efeito equivalente nas trocas comerciais entre a Comunidade e a Suíça.»
2. Diretiva 2009/28
7. Os considerandos 15, 25, 52 e 56 têm a seguinte redação:
«(15) O ponto de partida, o potencial de energias renováveis e o cabaz energético variam de Estado‑Membro para Estado‑Membro. É consequentemente necessário traduzir o objetivo comunitário global de 20 % em objetivos individuais para cada Estado‑Membro, tendo na devida conta uma repartição justa e adequada que pondere o ponto de partida e o potencial de cada Estado‑Membro, incluindo o nível existente de energia proveniente de fontes renováveis e o cabaz energético. […]
[…]
(25) Os Estados‑Membros têm potenciais diferentes de energia renovável e utilizam diferentes regimes de apoio a nível nacional para as fontes de energia renováveis. A maioria dos Estados‑Membros aplica regimes de apoio que só concedem incentivos a energias provenientes de fontes renováveis produzidas no seu território. Para que os regimes de apoio nacionais funcionem adequadamente, é importante que os Estados‑Membros possam controlar o efeito e os custos desses mesmos regimes em função dos seus diferentes potenciais. Uma forma importante de alcançar o objetivo da presente diretiva é garantir o correto funcionamento dos regimes de apoio nacionais, à semelhança do disposto na Diretiva 2001/77/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de setembro de 2001, relativa à promoção da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis no mercado interno da eletricidade (JO 2001, L 283, p. 33)], a fim de manter a confiança dos investidores e permitir aos Estados‑Membros conceberem medidas nacionais eficazes para o cumprimento dos objetivos. A presente diretiva destina‑se a facilitar a concessão de apoio transfronteiriço à energia proveniente de fontes renováveis sem afetar os regimes de apoio nacionais. Introduz mecanismos facultativos de cooperação entre Estados‑Membros que lhes permitem chegar a acordo quanto ao grau em que um Estado‑Membro apoia a produção de energia noutro Estado‑Membro e ao grau em que a produção de energia a partir de fontes renováveis deverá ser contabilizada para efeitos da avaliação do cumprimento dos objetivos nacionais globais de cada um. Para assegurar a eficácia de ambas as medidas de cumprimento dos objetivos, ou seja, os regimes de apoio nacionais e os mecanismos de cooperação, é essencial que os Estados‑Membros possam determinar se, e em que medida, os seus regimes de apoio se aplicam à energia produzida a partir de fontes renováveis noutros Estados‑Membros e chegar a acordo sobre a questão através da aplicação dos mecanismos de cooperação previstos na presente diretiva.
[…]
(52) As garantias de origem emitidas para efeitos da presente diretiva têm como única função provar ao consumidor final que uma dada quota ou quantidade de energia foi produzida a partir de fontes renováveis. A garantia de origem pode ser transferida, independentemente da energia a que se refere, de um titular para outro. No entanto, a fim de garantir que uma unidade de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis só possa ser comunicada uma vez ao consumidor, deverá ser evitada a dupla contabilização e a dupla comunicação das garantias de origem.
[…]
(56) As garantias de origem não conferem por si só o direito de beneficiar de regimes de apoio nacionais.»
8. Nos termos do seu artigo 1.o, a Diretiva 2009/28 estabelece um quadro comum para a promoção de energia proveniente das fontes renováveis, fixando, nomeadamente, objetivos nacionais obrigatórios para a quota global de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto de energia e para a quota de energia proveniente de fontes renováveis consumida pelos transportes.
9. O artigo 3.o, n.os 1 e 2, refere‑se ao objetivo global nacional, no que respeita à quota de energia proveniente de fontes renováveis e às medidas destinadas a assegurar o cumprimento dessa quota.
10. O artigo 3.o, n.o 3, dispõe:
«Para alcançar os objetivos fixados nos n.os 1 e 2, os Estados‑Membros podem, nomeadamente, aplicar as seguintes medidas:
a) Regimes de apoio;
b) Medidas de cooperação entre vários Estados‑Membros e com países terceiros para alcançarem os seus objetivos nacionais globais nos termos dos artigos 5.o a 11.o
Sem prejuízo dos artigos 87.o e 88.o do Tratado, os Estados‑Membros têm o direito de decidir, nos termos dos artigos 5.o a 11.o da presente diretiva, em que medida apoiam a energia proveniente de fontes renováveis produzida noutros Estados‑Membros.»
11. O artigo 7.o, n.o 1, prevê:
«Dois ou mais Estados‑Membros podem cooperar em todos os tipos de projetos conjuntos relacionados com a produção de eletricidade, aquecimento e arrefecimento a partir de fontes de energia renováveis. Essa cooperação pode envolver operadores privados.»
12. O artigo 9.o, n.o 1, indica:
«Um ou vários Estados‑Membros podem cooperar com um ou vários países terceiros em todos os tipos de projetos conjuntos relativos à produção de eletricidade proveniente de energias renováveis. Esta cooperação pode envolver operadores privados.»
13. O artigo 15.o dispõe:
«1. Para efeitos de prova ao consumidor final da quota ou quantidade de energia proveniente de fontes renováveis presente no cabaz energético de um produtor, nos termos do n.o 6 do artigo 3.o da Diretiva 2003/54/CE, os Estados‑Membros devem assegurar que a origem da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis possa ser garantida como tal na aceção da presente diretiva de acordo com critérios objetivos, transparentes e não discriminatórios.
2. Para o efeito, os Estados‑Membros devem assegurar a emissão de uma garantia de origem a pedido de produtores de eletricidade a partir de fontes renováveis. […]
[...]
A garantia de origem não tem qualquer função em termos do cumprimento do disposto no artigo 3.o por parte de um Estado‑Membro. […]
[...]
9. Os Estados‑Membros devem reconhecer as garantias de origem emitidas por outros Estados‑Membros nos termos da presente diretiva exclusivamente enquanto prova dos elementos referidos no n.o 1 e nas alíneas a) a f) do n.o 6. Os Estados‑Membros só se podem recusar a reconhecer uma garantia de origem caso tenham dúvidas bem fundamentadas sobre a sua exatidão, fiabilidade ou veracidade, devendo nesse caso notificar a sua recusa à Comissão juntamente com a respetiva justificação.
[…]»
B. Direito italiano
1. Normas anteriores a 2011
14. Os números correspondentes do Acórdão Green Network descrevem, da seguinte forma, o sistema de CV em vigor em Itália antes da reforma de 2011:
«12 O artigo 11.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 79, relativo à transposição da Diretiva 96/92/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de dezembro de 1996, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade (JO 1997, L 27, p. 20)] (a seguir “Decreto Legislativo n.o 79/1999”), impõe aos importadores que tenham produzido ou importado eletricidade que introduzam, no ano seguinte, no sistema nacional, uma quota de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis (a seguir “eletricidade verde”) proveniente de instalações que tenham entrado em funcionamento ou aumentado a sua produção posteriormente à entrada em vigor do referido decreto. Por força do n.o 3 desse mesmo artigo, é, designadamente, possível cumprir essa obrigação mediante a aquisição da totalidade ou de parte dessa quota a outros produtores, desde que a eletricidade introduzida na rede nacional seja verde, ou mediante a compra de certificados verdes ao gestor de rede nacional, denominado, após 1 de novembro de 2005, Gestore servizi energetici SpA (a seguir “GSE”). Assim, os produtores e os importadores em causa devem apresentar certificados que atestem que uma quota de eletricidade produzida ou importada foi produzida a partir de fontes de energia renováveis ou comprar certificados verdes.
13 O artigo 4.o, n.o 6, do Decreto Ministerial que estabelece regras de execução das disposições em matéria de eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis previstas no artigo 11.o, n.os 1, 2 e 3, do Decreto Legislativo n.o 79, de 16 de março de 1999 ([…] a seguir “Decreto ministerial de 11 de novembro de 1999”), dispõe:
“A obrigação prevista no artigo 11.o, n.os 1 e 2, do Decreto Legislativo [n.o 79/1999] pode ser cumprida importando, no todo ou em parte, eletricidade produzida em instalações que tenham entrado em funcionamento depois de 1 de abril de 1999, alimentadas por fontes renováveis, desde que essas instalações se situem em países estrangeiros que adotem instrumentos análogos de promoção e de incentivo das fontes de energia renováveis, baseados em mecanismos de mercado que reconheçam a mesma possibilidade a instalações situadas em Itália. Nesse caso, o pedido previsto no n.o 3 é apresentado pelo titular da obrigação ao mesmo tempo que o contrato de compra da eletricidade produzida pela instalação e que o título que autoriza a introdução dessa eletricidade na rede nacional. Todos os dados devem ser certificados pela autoridade designada nos termos do artigo 20.o, n.o 3, da Diretiva [96/92], no país onde se situa a instalação. No caso de países não membros da União Europeia, a aceitação do pedido está subordinada à celebração de uma convenção entre o gestor de rede nacional e a autoridade local análoga, que determina as modalidades das verificações necessárias”.
14 Por força do artigo 20.o, n.o 3, do Decreto Legislativo n.o 387, relativo à execução da Diretiva [2001/77], relativa à promoção da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis no mercado interno da eletricidade ([…]; a seguir “Decreto Legislativo n.o 387/2003”), os operadores que importem eletricidade produzida noutros Estados‑Membros da União Europeia podem pedir ao GSE dispensa da obrigação de comprar certificados verdes prevista no artigo 11.o do Decreto Legislativo n.o 79/1999 para a quota da eletricidade verde importada, apresentando‑lhe uma cópia conforme da garantia de origem emitida nos termos do artigo 5.o da Diretiva 2001/77. No caso de importação de eletricidade produzida num Estado terceiro, o referido artigo 20.o, n.o 3, subordina esta dispensa à celebração, entre a República Italiana e o Estado terceiro em causa, de uma convenção que preveja que a eletricidade em questão é produzida a partir de fontes de energia renováveis e garantida como tal segundo as mesmas modalidades que as previstas no artigo 5.o da Diretiva 2001/77.
15 Em 6 de março de 2007, foi celebrada uma convenção desta natureza entre os ministérios italianos competentes e o Departamento do Ambiente, dos Transportes, da Energia e das Comunicações da Confederação Suíça. Esta convenção prevê o reconhecimento recíproco das garantias de origem no que se refere à eletricidade importada a partir do ano de 2006, ano durante o qual a Confederação Suíça se dotou de regulamentação conforme com as disposições da Diretiva 2001/77.
16 Por força do artigo 4.o do Decreto Legislativo n.o 387/2003, incumbe ao GSE fiscalizar o respeito da obrigação prevista no artigo 11.o do Decreto Legislativo n.o 79/1999 e assinalar as situações de inexecução à AEEG [Autorità per l’energia elettrica e il gás (Autoridade para a Energia Elétrica e o Gás, Itália)], que, nesses casos, é competente para aplicar as sanções previstas na Lei n.o 481 Relativa às Regras da Concorrência e à Regulamentação dos Serviços de Utilidade Pública — Instituição das Autoridades Regulamentares dos Serviços de Utilidade Pública […]»
2. Decreto legislativo n.o 28/2011 (8)
15. Nos termos do artigo 25.o, n.o 2, «a energia elétrica importada a partir de 1 de janeiro de 2012 não está sujeita à obrigação prevista no artigo 11.o, n.os 1 e 2, do Decreto Legislativo [n.o 79/1999] unicamente no caso de contribuir para a prossecução dos objetivos nacionais previstos no artigo 3.o».
16. O mesmo artigo 25.o, n.o 11, alínea a), revogou o artigo 20.o, n.o 3, do Decreto Legislativo n.o 378/2003 a partir de 1 de janeiro de 2012. A partir dessa data, os operadores de eletricidade produzida noutros Estados‑Membros da União Europeia não podiam pedir ao GSE a isenção da obrigação de adquirir os CV.
II. Matéria de facto, processo principal e questão prejudicial
17. A Axpo Trading AG (a seguir «Axpo») (9) é uma sociedade suíça que opera no sector da eletricidade. Importa para a Itália energia produzida na Suíça (e, em menor medida, em França) a partir de fontes de energia renováveis e de combustíveis fósseis.
18. O GSE adotou duas Decisões, de 8 de abril de 2014 e de 10 de julho de 2016, nas quais declarava que a Axpo tinha importado para Itália, durante os anos de 2012 e 2014, eletricidade produzida a partir de fontes renováveis, sem adquirir os CV correspondentes, em violação do Decreto Legislativo n.o 79/1999, conforme alterado pelo Decreto Legislativo n.o 28/2011, pelo que lhe impôs a aquisição dos CV no prazo de 30 dias.
19. A Axpo impugnou as decisões do GSE no Tribunale Amministrativo Regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália).
20. Por Acórdão de 18 de setembro de 2017, o referido órgão jurisdicional negou provimento ao recurso da Axpo, invocando, particularmente, o Acórdão Ålands Vindkraft. Considerou que a regulamentação italiana não constituía um encargo de efeito equivalente nem um auxílio de Estado, dado não ter caráter seletivo e não falsear a concorrência, e que era compatível com a Diretiva 2009/28.
21. Além do recurso judicial, em 29 de outubro de 2014, a Axpo tinha apresentado uma denúncia à Direção‑Geral da Concorrência (DG COMP) da Comissão.
22. Por carta de 21 de dezembro de 2017, a DG COMP registou que a Axpo tinha interposto recurso da sentença de primeira instância e pedido ao órgão jurisdicional de recurso que submetesse um pedido de decisão prejudicial. Declarou igualmente que o regime italiano de CV não lhe tinha sido notificado e expôs o raciocínio utilizado nas suas decisões anteriores para analisar os CV de outros Estados‑Membros (10).
23. Em 2 de fevereiro de 2015, a Axpo apresentou outra denúncia à Direção‑Geral da Fiscalidade e da União Aduaneira (DG TAXUD) da Comissão. Esta respondeu‑lhe que iria estudar a possibilidade de iniciar um processo por incumprimento contra a República Italiana.
24. A Axpo recorreu do Acórdão de 18 de setembro de 2017 no Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), pedindo a não aplicação da legislação italiana em causa. Em apoio do seu pedido, alega, em substância, que a obrigação de compra dos CV para importar a E‑FER viola as regras do TFUE em matéria de auxílios de Estado, de união aduaneira, de livre circulação de mercadorias e de igualdade de tratamento, bem como o Acordo CEE‑Suíça.
25. A Comissão interveio no processo no Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) precisando que, no Acórdão Ålands Vindkraft, o Tribunal de Justiça se tinha pronunciado unicamente sobre a incompatibilidade das normas suecas com a proibição de medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas à importação. Alegou, também, que o órgão jurisdicional nacional pode excluir a existência de um auxílio de Estado, mas que, se reconhecer a sua existência, não lhe compete avaliar a sua compatibilidade com o direito da União, tarefa que constitui uma prerrogativa exclusiva da Comissão.
26. No seu despacho de reenvio, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) considera que a regulamentação italiana é conforme com as regras do TFUE, com a Diretiva 2009/28 e com o Acordo CEE‑Suíça. Considera, especialmente, que o regime nacional dos CV:
— está em conformidade com as regras do TFUE em matéria de auxílios de Estado, uma vez que não houve mobilização de recursos públicos. Mesmo que se tratasse de recursos públicos, a regulamentação seria conforme com a Diretiva 2009/28, que promove as medidas estatais de incentivo à produção de energia verde, e à proteção do ambiente. Em todo o caso, a medida não poderia ser qualificada de seletiva, uma vez que o mecanismo previsto na Diretiva 2009/28 seria, em si mesmo, seletivo, por privilegiar os produtores da E‑FER em cada Estado‑Membro;
— não constitui nem um encargo de efeito equivalente nem uma medida de efeito equivalente a restrições quantitativas à importação, tendo em conta o objetivo da Diretiva 2009/28;
— é compatível com os artigos 18.o e 110.o TFUE, na medida em que confere o mesmo tratamento a todos os operadores do sector da eletricidade que introduzam E‑FER na rede italiana.
27. No entanto, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) considerou necessário submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«Pede‑se ao Tribunal de Justiça que declare se:
— o artigo 18.o TFUE, na medida em que proíbe toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade no âmbito de aplicação dos Tratados;
— os artigos 28.o e 30.o TFUE, bem como o artigo 6.o do Acordo de Comércio Livre [entre a Comunidade Económica Europeia e a Confederação Suíça], na medida em que preveem a abolição dos direitos aduaneiros e medidas de efeito equivalente;
— o artigo 110.o TFUE, na medida em que proíbe imposições fiscais sobre importações superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares;
— o artigo 34.o TFUE, bem como o artigo 13.o do Acordo de Comércio Livre [entre a Comunidade Económica Europeia e a Confederação Suíça], na medida em que proíbem a adoção de medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas às importações;
— os artigos 107.o e 108.o TFUE, na medida em que proíbem a execução de uma medida de auxílio de Estado não notificada à Comissão e incompatível com o mercado interno;
— a Diretiva 2009/28/CE, na medida em que visa favorecer o comércio intracomunitário de eletricidade verde favorecendo também a promoção das capacidades produtivas de cada Estado‑Membro.
se opõem a uma lei nacional, como a descrita, supra, que impõe aos importadores de eletricidade verde um encargo pecuniário não aplicável aos produtores nacionais do mesmo produto?»
III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça
28. O reenvio prejudicial deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 23 de setembro de 2019.
29. Apresentaram observações escritas a Axpo, o GSE, a Fallimento Esperia (a seguir «Esperia») (11), o Governo italiano e a Comissão. Com exceção do GSE, todos intervieram na audiência que se realizou em 23 de setembro de 2020.
IV. Apreciação
30. Começarei por expor, resumidamente, o regime italiano dos CV para, em seguida, examinar a sua conformidade com a Diretiva 2009/28. Posteriormente, abordarei os problemas suscitados por tal regime quanto ao direito primário da União e ao Acordo CEE‑Suíça.
A. O regime italiano dos CV
31. Mediante o Decreto Legislativo n.o 79/1999, Itália introduziu o sistema de CV. Como já referi (12), através dele pretendia promover o desenvolvimento da E‑FER atribuindo aos seus produtores certificados (os CV) que estes podiam negociar no mercado vendendo‑os a quem produzia eletricidade a partir de fontes não renováveis (13).
32. Os CV eram atribuídos gratuitamente a qualquer produtor da E‑FER que os solicitasse ao GSE, proporcionalmente à eletricidade por ele produzida, depois de ter comprovado este dado (14).
33. Com a venda dos CV que lhes tinham sido atribuídos, os produtores de E‑FER podiam «financiar o custo adicional de produção de eletricidade verde e […] garantir a produção desejada» (15).
34. Para atingir os seus objetivos, o Decreto Legislativo n.o 79/1999 e as regras de execução obrigavam todos os produtores ou importadores de eletricidade ou a injetar na rede nacional uma proporção de E‑FER (que podiam produzir diretamente ou adquirir a um produtor italiano) ou a comprar CV.
35. Por conseguinte, os produtores e importadores de eletricidade em Itália deviam apresentar a certificação comprovativa de que: a) uma parte da sua eletricidade (produzida ou importada) tinha sido produzida a partir de fontes de energia renováveis ou b) em alternativa, tinham adquirido os CV correspondentes.
36. Quando um produtor ou um importador de eletricidade convencional decidia atingir a sua percentagem de E‑FER comprando CV, era obrigado a apresentar ao GSE uma declaração anual da eletricidade produzida e a quantidade de CV proporcionais à sua quota.
37. Após a verificação, o GSE anulava os CV apresentados pelo produtor ou importador (16). Se fossem inferiores à quota do produtor ou do importador, estes deviam compensar a diferença comprando os CV restantes e enviando‑os ao GSE (17).
38. No entanto, estava prevista uma isenção dessas obrigações se se demonstrasse que a eletricidade importada para Itália provinha de fontes renováveis. Assim, em conformidade com o artigo 20.o, n.o 3, do Decreto Legislativo n.o 387/2003:
— os importadores de E‑FER produzida noutros Estados‑Membros da União podiam pedir ao GSE uma isenção da obrigação de aquisição dos CV, pela quota de eletricidade importada, desde que lhe anexasse uma cópia da garantia de origem;
— em contrapartida, se se tratasse de importar E‑FER produzida num Estado terceiro que estabelecesse que a eletricidade era produzida a partir de fontes de energia renováveis e garantida enquanto tal, a isenção estaria subordinada à celebração de um acordo entre a Itália e esse Estado.
39. Como resulta do Acórdão Green Network (18), em 6 de março de 2007, a Itália e a Confederação Suíça celebraram um acordo dessa natureza. Este previa o reconhecimento recíproco das garantias de origem relativamente à eletricidade importada a partir do ano de 2006, ano durante o qual a Confederação Suíça adotou uma regulamentação conforme com as disposições da Diretiva 2001/77, posteriormente substituída pela Diretiva 2009/28.
40. No Acórdão Green Network, o Tribunal de Justiça declarou que os Estados‑Membros não podiam celebrar acordos deste tipo, uma vez que a sua celebração era da competência exclusiva da União. Considerou igualmente que o direito da União não era compatível com a norma italiana que permitia as isenções dos CV para a eletricidade importada de países terceiros (19).
41. O Decreto Legislativo n.o 28/2011 alterou o regime de promoção da E‑FER estabelecido pelo Decreto Legislativo n.o 79/1999, optando pelo abandono progressivo dos CV e pela sua substituição por outro regime de apoio. Além disso, como já recordei, suprimiu, a partir de 1 de janeiro de 2012, a possibilidade de os importadores de E‑FER ficarem isentos da aquisição de CV italianos (20).
42. A alteração legislativa de 2011 é, precisamente, a que suscitou o litígio que deu origem ao reenvio prejudicial.
B. Compatibilidade do regime italiano com a Diretiva 2009/28
43. A Axpo considera que este regime viola a Diretiva 2009/28 na medida em que penaliza as importações de E‑FER, ao impor aos importadores a obrigação de apoiar a produção nacional, quando a referida diretiva prevê mecanismos de cooperação.
44. Pelo contrário, o órgão jurisdicional de reenvio, o GSE, a Itália e a Comissão entendem que o regime em causa é conforme com a Diretiva 2009/28.
45. Antes de mais, parece‑me oportuno trazer à colação os n.os 26 a 29 do Acórdão Elecdey Carcelen e o. (21) no qual o Tribunal de Justiça declarou o seguinte a respeito da Diretiva 2009/28:
«26 […] conforme resulta do seu artigo 1.o, a Diretiva 2009/28 tem por objeto estabelecer um quadro comum para a promoção de energia proveniente de fontes renováveis, fixando, nomeadamente, objetivos nacionais obrigatórios para a quota global de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto de energia.
27 Assim, em virtude do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2009/28, os Estados‑Membros têm a obrigação de assegurar que a quota de energia proveniente de fontes renováveis no seu consumo final de energia em 2020 seja, pelo menos, igual ao objetivo nacional, tal como estabelecido na parte A do anexo I da diretiva, o qual deve ser coerente com o objetivo de alcançar uma quota de energia proveniente de fontes renováveis de, pelo menos, 20 %.
28 Por outro lado, segundo o artigo 3.o, n.o 2, da referida diretiva, os Estados‑Membros devem introduzir medidas efetivamente concebidas para assegurar que a sua quota de energia proveniente de fontes renováveis seja igual ou superior à fixada na “trajetória indicativa” fixada na parte B do anexo I dessa diretiva.
29 Para alcançar estes objetivos, os Estados‑Membros podem, segundo o artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 2009/28, aplicar “regimes de apoio”, tal como definidos no artigo 2.o, segundo parágrafo, alínea k), dessa diretiva, e, portanto, conceder, designadamente, ajudas ao investimento, isenções ou reduções fiscais e o reembolso de impostos, ou ainda impor obrigações de utilização de energias renováveis».
46. Ora, o mecanismo italiano dos CV é um regime de apoio que se insere naturalmente na Diretiva 2009/28. Além disso, é análogo ao que foi objeto do Acórdão Ålands Vindkraft, no qual se afirma expressamente que «[…] as disposições do artigo 2.o, segundo parágrafo, alíneas k) e l), da Diretiva 2009/28 também se referem especificamente aos regimes de apoio nacionais que utilizam “certificados verdes”» (22).
47. O Acórdão Ålands Vindkraft validou o regime sueco de apoio que previa que os fornecedores de eletricidade e certos consumidores deviam utilizar CV «para cumprirem as suas respetivas obrigações de propor uma determinada proporção de eletricidade verde na sua oferta de eletricidade ou de utilizar eletricidade verde numa determinada proporção» (23).
48. A Diretiva 2009/28 não contém um quadro uniforme, para toda a União, dos regimes nacionais de apoio à E‑FER, mas confere uma ampla margem aos Estados‑Membros para os regulamentar.
49. O Tribunal de Justiça salientou que, «[c]omo resulta da própria letra do artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 2009/28, em particular do termo “podem”, os Estados‑Membros não estão de modo algum obrigados a adotar regimes de apoio para promover a utilização de energia proveniente de fontes renováveis, nem, a fortiori, caso decidam adotar tais regimes, a concebe‑los sob a forma de isenções ou de reduções fiscais» (24).
50. Os Estados‑Membros estão apenas obrigados a «alcançar os objetivos globais nacionais obrigatórios fixados no artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2009/28, lido em conjugação com o anexo I desta diretiva» (25). Segundo a Comissão, a República Italiana alcançou o seu objetivo global nacional de utilização de energia verde para 2020.
51. A margem de apreciação concedida aos Estados‑Membros pela Diretiva 2009/28 para organizarem os seus regimes de apoio à E‑FER permite uma conceção puramente nacional desses regimes, que favoreça a produção, também nacional, de E‑FER e exclua a importada de outros Estados‑Membros ou de países terceiros (26).
52. O Tribunal de Justiça declarou‑o claramente: «o legislador da União não pretendeu obrigar os Estados‑Membros que optaram por um regime de apoio que utiliza certificados verdes a ampliar o benefício deste à eletricidade verde produzida no território de outro Estado‑Membro» (27).
53. Por conseguinte, os Estados‑Membros estão autorizados a decidir se os seus regimes nacionais de apoio se aplicam ou não à E‑FER produzida noutros Estados‑Membros (a fortiori, em países terceiros). Se optarem por essa via, podem ainda determinar em que medida o farão.
54. É certo que a Diretiva 2009/28 prevê mecanismos de cooperação entre Estados‑Membros, diferentes das garantias de origem emitidas em conformidade com esta diretiva (garantias que não conferem, por si só, o direito de beneficiar dos regimes nacionais de apoio) (28). No entanto, esses mecanismos são facultativos, não obrigatórios, de modo que os Estados podem, sem mais, restringir os seus regimes de apoio à E‑FER produzida no interior das suas fronteiras.
55. Na medida em que, a partir 2012, a legislação italiana optou por incentivar apenas a produção de E‑FER proveniente de Itália, não se opõe à Diretiva 2009/28.
C. Regime italiano dos CV e disposições do TFUE relativas à união aduaneira e à livre circulação de mercadorias
56. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, «toda e qualquer medida nacional, num domínio que foi objeto de uma harmonização exaustiva a nível da União, deve ser apreciada à luz das disposições dessa medida de harmonização e não das do direito primário» (29).
57. A Diretiva 2009/28 não efetuou uma harmonização exaustiva dos mecanismos de apoio às energias provenientes de fontes renováveis. No Acórdão Ålands Vindkraft (30), expõem‑se os argumentos que confirmam o caráter não exaustivo da harmonização levada a cabo pela Diretiva 2009/28, que considero não ser necessário reproduzir.
58. A partir desta premissa, a compatibilidade dos regimes de apoio nacionais com o direito da União deve ser examinada à luz da Diretiva 2009/28 e do direito primário.
59. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, especialmente, sobre a compatibilidade do regime italiano dos CV com a proibição de encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros de importação (artigo 30.o TFUE), de imposições internas discriminatórias (artigo 110.o TFUE) e de medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas à importação (artigo 34.o TFUE).
60. Não é necessário analisar a lei italiana à luz do artigo 18.o TFUE, uma vez que este só se aplica na falta de regras mais específicas que reflitam o princípio da não discriminação (31). É o que sucede no domínio da livre circulação de mercadorias (das quais fazem parte as importações de eletricidade), uma vez que os artigos 30.o, 34.o e 110.o TFUE concretizam o princípio da não discriminação, que o artigo 18.o TFUE consagra de modo genérico.
61. Como a proibição de medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas à importação tem caráter residual relativamente às outras proibições do TFUE em matéria de livre circulação de mercadorias (32), importa começar por abordar a compatibilidade do regime italiano com a proibição de encargos de efeito equivalente dos direitos aduaneiros de importação e com a proibição de imposições internas discriminatórias.
1. Proibição de encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros de importação (artigos 28.o e 30.o TFUE)
62. Um direito aduaneiro é um imposto indireto que incide sobre a importação de mercadorias de países terceiros (a título excecional, sobre a exportação) segundo as taxas previstas na pauta aduaneira da União.
63. O sistema dos CV, no que respeita à importação de E‑FER para Itália, não tem, dadas as suas características, a natureza de um direito aduaneiro (além de dizer respeito não só às importações de países terceiros mas também às de outros Estados‑Membros).
64. No entanto, a Axpo defende que este sistema pode ser qualificado de encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro de importação, o que exige um estudo mais aprofundado.
65. Embora o direito originário não forneça uma definição deste tipo de encargos, o Tribunal de Justiça desenvolveu‑a na sua jurisprudência: «constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro qualquer encargo pecuniário unilateralmente imposto, ainda que mínimo, sejam quais forem as suas designação e técnica, que incida sobre mercadorias por passarem a fronteira, quando não seja um direito aduaneiro propriamente dito» (33). Tal é o caso, ainda que não seja cobrado em benefício do Estado, que não tenha qualquer efeito discriminatório ou protecionista e que o produto tributado não se encontre em concorrência com a produção nacional (34).
66. A proibição de encargos de efeito equivalente a um direito aduaneiro é absoluta e o direito originário não prevê restrições. No entanto, o Tribunal de Justiça estabeleceu três limitações a essa proibição, que não se aplica a:
— encargos pecuniários cobrados, em determinadas condições, em virtude de controlos efetuados para se conformar com obrigações impostas pelo direito da União (35);
— encargos pecuniários que constituam a contrapartida de um serviço efetivamente prestado ao operador que está obrigado a pagá‑lo, de um montante proporcionado ao referido serviço (36);
— regimes fiscais que incidem de facto apenas sobre as importações (37).
67. Tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, considero que o sistema italiano de CV aplicado aos importadores de E‑FER também não é um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro.
68. Posso admitir que a obrigação de aquisição de CV italianos acarreta para os importadores de eletricidade em Itália consequências semelhantes às de um encargo pecuniário imposto unilateralmente pelo Estado italiano. No entanto, não penso que tal obrigação possa ser equiparada à que decorre de uma imposição fiscal ou parafiscal, condição indispensável para que um encargo pecuniário seja abrangido pela proibição dos artigos 28.o e 30.o TFUE.
69. Além disso, a obrigação de aquisição de CV não está ligada à passagem da fronteira italiana: não se impõe como reação à importação de energia elétrica, mas para respeitar o regime nacional de apoio à E‑FER.
70. Em aplicação deste mesmo regime, a partir de 2012, foi eliminada a isenção que permitia aos importadores provar a origem verde da sua eletricidade no Estado de proveniência. Como já expliquei, foram assim obrigados a adquirir CV italianos, de modo que o Estado italiano incentivava apenas a produção de E‑FER nacional e deixava de favorecer a E‑FER importada.
71. Ao alterar nestes termos a regulamentação jurídica do seu regime nacional de apoio à utilização de energias renováveis, o Estado italiano não impôs, na realidade, nenhum encargo relacionado com o facto da importação (isto é, com a passagem da fronteira), mas sim uma alteração no seu regime interno, para a qual estava autorizado pela Diretiva 2009/28 (38).
72. Por conseguinte, uma disposição nacional com estas características não implica um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro (39).
2. Proibição de imposições internas discriminatórias
73. Para o Tribunal de Justiça, «os encargos pecuniários que decorrem de um regime geral de imposições internas que compreende sistematicamente, segundo os mesmos critérios objetivos, categorias de produtos independentemente da sua origem ou do seu destino são abrangidos pelo artigo 110.o TFUE, que proíbe as imposições internas discriminatórias» (40).
74. Como já expliquei, a obrigação de aquisição dos CV italianos não é de natureza fiscal ou parafiscal, pelo que a proibição do artigo 110.o TFUE não lhe é aplicável.
75. Estou de acordo com a Comissão quanto ao facto de uma medida como esta não constituir um imposto, isto é, não implicar um encargo de natureza fiscal, afirmação à qual não obsta que (como ocorre com tantas outras obrigações semelhantes) tenha sido prevista na legislação interna.
3. Proibição de medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas à importação (artigo 34.o TFUE)
76. O artigo 34.o TFUE, «ao proibir entre os Estados‑Membros as medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas à importação, [aplica‑se] a qualquer medida nacional suscetível de entravar direta ou indiretamente, atual ou potencialmente o comércio intracomunitário» (41).
77. A obrigação de compra de CV, imposta pela Itália às importações de E‑FER até 2016, é uma medida de efeito equivalente abrangida pela proibição do artigo 34.o TFUE.
78. Trata‑se de uma medida que se aplica unicamente às importações de E‑FER e não à produção nacional dessa mesma mercadoria. Os CV são atribuídos gratuitamente aos produtores nacionais de E‑FER, ao passo que os importadores desta mesma eletricidade estão obrigados a adquiri‑los (comprando‑os aos produtores nacionais ou na plataforma digital gerida pela sociedade GME), em função da eletricidade que importam para Itália.
79. Esta situação, que torna mais difícil as importações, começou em 1 de janeiro de 2012, por força do Decreto Legislativo n.o 28/2011, e, repito, manteve‑se até 2016 (42). Durante este período, quem importava E‑FER para a injetar na rede italiana, mesmo provando a garantia de origem, devia adquirir CV italianos.
80. O Tribunal de Justiça considerou que o regime sueco dos CV, semelhante ao italiano, constituía uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação (43). Pronunciou‑se igualmente sobre a sua justificação, tendo em conta o seu objetivo (44), pelos motivos resumidos no n.o 82 do Acórdão Ålands Vindkraft: «um objetivo de promoção da utilização das fontes de energia renováveis para a produção de eletricidade […] é, em princípio, suscetível de justificar eventuais entraves à livre circulação de mercadorias».
81. Nesta mesma proporção, o regime italiano de CV é adequado para a proteção de objetivos semelhantes promovendo igualmente a produção de E‑FER (45).
82. A ligação direta dos CV à produção de E‑FER resulta, entre outros, do artigo 11.o, n.o 3, do Decreto Legislativo n.o 79/1999 quando prevê que os CV são atribuídos em função da eletricidade produzida a partir de fontes renováveis (46).
83. Além disso, o caráter puramente nacional do sistema italiano de apoio à produção de E‑FER não obsta a que esse mecanismo contribua para a salvaguarda dos interesses gerais da preservação do ambiente e da proteção da saúde e da vida das pessoas, dos animais e das plantas.
84. Quanto à sua proporcionalidade, o Tribunal de Justiça declarou que o sistema sueco dos CV «visa nomeadamente fazer com que o mercado suporte diretamente o excesso de custo relacionado com a produção de eletricidade verde, concretamente, os fornecedores e os utilizadores de eletricidade que estão vinculados pela obrigação de quota e, in fine, os consumidores. […] Ao fazer essa escolha, um Estado‑Membro não excede a margem de apreciação que continua a ser a sua na prossecução do objetivo legítimo de aumentar a produção de eletricidade verde» (47).
85. No entanto, depois, o Tribunal de Justiça recordou que:
«[…] [O] bom funcionamento desse regime implica, por natureza, a existência de mecanismos de mercado que permitam aos operadores sujeitos à obrigação de quota, e que ainda não dispõem dos certificados exigidos para dar cumprimento à referida obrigação, obterem certificados de modo efetivo e em condições equitativas. […] Assim, importa que sejam instituídos mecanismos que assegurem a criação de um verdadeiro mercado de certificados em que a oferta e a procura possam efetivamente encontrar‑se e tender para o equilíbrio, para que seja efetivamente possível que os fornecedores e os utilizadores interessados se aprovisionem de certificados em condições equitativas» (48).
86. Ora, estes mesmos critérios e condições são preenchidos pelos CV italianos:
— por um lado, esse regime foi instituído com o mesmo objetivo que o do mecanismo sueco em causa no Acórdão Ålands Vindkraft;
— por outro lado, os importadores de eletricidade em Itália podem cumprir a sua obrigação adquirindo os CV diretamente aos produtores estabelecidos nesse país ou no mercado dos certificados (a plataforma digital gerida pela sociedade GME).
87. Em resumo, mesmo que o regime italiano dos CV possa ser descrito como uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, justifica‑se pelos objetivos gerais da preservação do ambiente e da proteção da saúde e da vida das pessoas, dos animais e das plantas.
D. Regime italiano dos CV e artigos 107.o e 108.o TFUE
88. Segundo a Axpo e a Esperia, o regime italiano inclui auxílios de Estado a favor dos produtores italianos de E‑FER. Como não foi notificado à Comissão, violava o artigo 108.o TFUE.
89. Em contrapartida, o GSE e o Governo italiano consideram que este regime não comporta auxílios de Estado, uma vez que não há transferência de recursos estatais e não é seletivo.
90. Para a Comissão, «o simples facto de impor aos operadores que importam energia a obrigação de comprar CV não parece constituir, em si mesmo, um auxílio financiado por recursos estatais, uma vez que estes operadores têm de adquirir os CV com recursos financeiros próprios». Tendo em conta a natureza e as funções do GSE na gestão do sistema de CV, seria necessário determinar que grau de intervenção e de controlo exerce o Estado sobre este regime, mas, com base nos elementos fornecidos, «as condições necessárias para que haja utilização de recursos estatais não parecem, no caso em apreço, estar reunidas» (49).
91. A Comissão acrescenta que, como o despacho de reenvio fornece explicações insuficientes que não permitem determinar definitivamente o seu caráter de auxílio de Estado, «uma análise do regime de CV no seu conjunto não parece pertinente para a resolução do litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio» (50).
92. Se se aceitasse a abordagem da Comissão, deveria ser declarada inadmissível na íntegra, por falta de elementos de apreciação, a parte do despacho de reenvio que diz respeito à qualificação do regime italiano dos CV como auxílio de Estado (51).
93. No entanto, parece‑me que o Tribunal de Justiça está em condições de dar uma resposta útil ao Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), tendo em conta os elementos adicionais que, a este respeito, e na falta de informações mais amplas no pedido de decisão prejudicial, as partes apresentaram nas suas alegações, escritas e orais, no Tribunal de Justiça.
94. Em todo o caso, esta resposta estará subordinada à verificação, pelo órgão jurisdicional de reenvio, das características do regime dos CV às quais me referirei a seguir.
1. Abordagem geral
95. O artigo 107.o, n.o 1, TFUE declara incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.
96. Por conseguinte, devem estar preenchidos quatro requisitos para apreciar a incompatibilidade de um auxílio de Estado: a) deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou proveniente de recursos estatais; b) essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros; c) deve conferir uma vantagem ao seu beneficiário; e d) deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência(52).
97. Não se discute a questão de saber se o regime em causa preenche o segundo requisito (eventual afetação das trocas comerciais entre os Estados‑Membros) e o quarto (distorção ou ameaça de falsear a concorrência). Em contrapartida, discutem‑se os outros dois, o que torna necessário esclarecer se o referido regime implica uma vantagem seletiva para as empresas beneficiárias e, sobretudo, determinar se a medida é imputável ao Estado e pressupõe a utilização de recursos estatais.
2. Intervenção do Estado e transferência de recursos estatais
98. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para que uma vantagem seletiva possa ser qualificada de «auxílio» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, é indispensável, por um lado, ser concedida direta ou indiretamente através de recursos estatais e, por outro lado, ser imputável ao Estado (53). São duas condições cumulativas (54) que, no entanto, costumam ser tidas em conta conjuntamente na avaliação de uma medida à luz desta disposição.
99. A Axpo argumenta que o regime italiano implica a transferência de recursos estatais, como consequência da gratuitidade dos CV atribuídos aos produtores italianos de E‑FER, da recompra dos CV excedentários pelo GSE e do controlo do Estado sobre as receitas da sociedade GME.
100. Segundo a Axpo, os produtores italianos recebem, gratuitamente, os CV proporcionais às quantidades de E‑FER que produzem e podem vendê‑los aos produtores italianos de eletricidade convencional e aos importadores de qualquer tipo de eletricidade. Além disso, o GSE assegura a existência de um mercado de CV, colocando no mercado uma quantidade maior quando a procura é elevada e retirando os CV desse mercado quando a procura é demasiado baixa.
101. O Governo italiano, o GSE e o órgão jurisdicional de reenvio consideram, pelo contrário, que os CV não mobilizam recursos estatais. A aquisição dos CV é financiada pelas empresas obrigadas a adquiri‑los e a recompra dos CV excedentários pelo GSE é financiada pelos consumidores finais, sem que o Estado tenha controlo sobre esses recursos.
102. A Comissão pronuncia‑se apenas sobre a obrigação de aquisição dos CV, que não considera um auxílio financiado com recursos estatais (55).
a) Imputação da medida ao Estado
103. Para apreciar a imputabilidade de uma medida ao Estado, importa examinar se as autoridades públicas estiveram implicadas na sua adoção.
104. É manifestamente esse o caso quando as vantagens seletivas para uma categoria de empresas tenham sido instituídas por lei (56). Tal é o caso do regime italiano de CV, que se rege por normas, algumas com grau de lei, adotadas pelo Estado italiano.
105. No entanto, o GSE invoca em sentido contrário a imputação ao Estado italiano, que este não detém o controlo sobre todos os elementos do regime jurídico dos CV, alegando, especialmente, que é o GSE, uma sociedade de direito privado, que recompra os CV.
106. A intervenção do Estado ou proveniente de recursos estatais abrange tanto os auxílios concedidos diretamente pelo Estado como os concedidos por organismos públicos ou privados instituídos ou designados pelo Estado para gerir o auxílio (57). O direito da União não pode admitir que a simples criação de instituições autónomas encarregadas da distribuição desses recursos permita contornar as regras relativas aos auxílios de Estado (58).
107. O caráter de sociedade de direito privado do GSE não impede que se impute ao Estado a criação e a regulamentação jurídica do regime dos CV, que se impõe obrigatoriamente a esta sociedade.
108. Com efeito, é a lei italiana, juntamente com as suas modalidades de aplicação, que encarrega o GSE de atribuir os CV aos produtores italianos de E‑FER, de retirar os excedentes em relação à procura e de determinar um preço de referência para a oferta de CV. Não se afigura que o GSE disponha de autonomia para deixar de exercer estas competências.
109. Por outro lado, o GSE, embora tendo a forma de uma sociedade de direito privado, é inteiramente controlado pelo Governo italiano e exerce funções de natureza pública no sector da energia.
110. Consequentemente, a medida em causa é imputável ao Estado italiano.
b) Transferência de recursos estatais
111. Nas minhas Conclusões do processo Georgsmarienhütte e o. (59), descrevi a situação da jurisprudência no que diz respeito à qualificação de auxílios de Estado de alguns regimes de apoio à E‑FER, que aqui volto a recordar (60).
112. Além da imputação ao Estado, é necessário que a medida implique a transferência de recursos estatais para as empresas beneficiárias para ser considerada auxílio de Estado.
113. O Tribunal de Justiça interpretou de forma ampla o conceito de «recursos estatais», que compreende não só os do sector público, em sentido estrito, mas também, em determinadas circunstâncias, alguns recursos de organismos privados.
114. A redução indireta das receitas do Estado decorrente da adoção de legislação ou medidas nacionais não constitui uma transferência de recursos estatais, quando a referida repercussão é a elas inerente (61).
115. As maiores dificuldades para saber se houve ou não transferência de recursos estatais surgem quando os Estados aprovam mecanismos de intervenção na vida económica, em resultado dos quais certas empresas podem obter uma vantagem seletiva. Concretamente, a zona cinzenta corresponde a casos de intervenção do Estado que, indo além da adoção de uma simples legislação geral reguladora do sector, não se chegam a traduzir numa transferência direta de recursos. Neste reenvio, é suscitado um destes casos, para cuja solução é necessário considerar, previamente, a complexa (e nem sempre linear) jurisprudência do Tribunal de Justiça a este respeito.
116. Uma medida da autoridade pública que beneficie certas empresas ou certos produtos não perde o seu caráter de vantagem gratuita pelo facto de ser parcial ou totalmente financiada por contribuições impostas pela autoridade pública e cobradas às empresas interessadas(62).
117. Com efeito, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE abrange todos os meios pecuniários que as autoridades públicas podem efetivamente utilizar para apoiar empresas, não sendo relevante que esses meios pertençam ou não de modo permanente ao património do Estado. Mesmo se as quantias correspondentes à medida em causa não se encontrarem de modo permanente na posse do Tesouro Público, o facto de estarem constantemente sob controlo público, e, portanto, à disposição das autoridades nacionais competentes, é suficiente para que sejam qualificadas de «recursos estatais» (63).
118. No que diz respeito ao sector da eletricidade, no Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Association Vent De Colère! e o., o Tribunal de Justiça afirmou que «os fundos alimentados por contribuições obrigatórias impostas pela legislação de um Estado‑Membro, geridas e repartidas de acordo com essa legislação, podem ser considerados recursos estatais na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, mesmo que sejam geridos por entidades distintas da autoridade pública» (64).
119. Desta jurisprudência, resulta que o elemento decisivo para verificar se os recursos controvertidos são estatais, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, é o grau de intervenção e de controlo das autoridades públicas sobre eles.
120. A ausência de controlo das autoridades públicas é a razão pela qual o Tribunal de Justiça não considera auxílios, por exemplo, os casos em que os recursos dos membros de uma associação profissional se destinam a financiar uma finalidade específica no interesse desses membros, que decide uma organização privada e tem propósitos puramente comerciais, relativamente aos quais o Estado atua simplesmente como instrumento para conferir caráter obrigatório às contribuições introduzidas pelas organizações comerciais. Os processos Pearle e o. (65) e Doux Élevage e Coopérative agricole UKL‑ARREE (66) são exemplos destes casos.
121. A ausência de controlo estatal sobre as transferências de recursos explica, também, o motivo pelo qual o Tribunal de Justiça não considera auxílios as legislações das quais resultam a redistribuição financeira de uma entidade privada para outra, sem intervenção adicional do Estado. Em princípio, não há transferência de recursos estatais se os recursos passam diretamente de uma entidade privada para outra, sem transitar por um organismo público ou privado designado pelo Estado para gerir a transferência (67).
122. Também não haverá transferência de recursos estatais quando as empresas, maioritariamente privadas, não tenham sido encarregadas pelo Estado‑Membro de gerir um recurso estatal, mas tenham apenas uma obrigação de compra utilizando os seus próprios recursos financeiros (68). É esta a situação do Acórdão PreussenElektra, segundo o qual a obrigação, imposta por um Estado‑Membro às empresas privadas de fornecimento, de comprar a preços mínimos fixos a eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis não engendra nenhuma transferência direta ou indireta de recursos estatais para as empresas produtoras deste tipo de eletricidade, não alterando esta circunstância o facto de os menores rendimentos das empresas sujeitas a essa obrigação causarem, provavelmente, uma diminuição de receitas fiscais, dado que esta consequência é inerente à medida (69). No referido caso, as empresas afetadas (ou seja, os fornecedores privados de eletricidade) estavam ligadas por uma obrigação de adquirir um tipo específico de eletricidade com os seus próprios recursos financeiros, mas não tinham sido designadas pelo Estado para gerir um regime de auxílios.
123. O Tribunal de Justiça também não considerou que havia controlo estatal (e, portanto, transferência de recursos estatais) no mecanismo polaco que impunha aos fornecedores a obrigação de vender uma parte de energia elétrica de cogeração, equivalente a 15 % das suas vendas anuais, aos consumidores finais (70).
124. Contudo, o controlo estatal reaparece e terá transferência de recursos estatais quando os montantes pagos pelos particulares passam através de uma instituição pública ou privada designada para as canalizar para os beneficiários. Assim sucedia no processo Essent Netwerk Noord, em que uma instituição privada recebia a função, por via legal, de cobrar um suplemento do preço (tarifa) da energia elétrica, em nome do Estado, com a obrigação de o canalizar para os beneficiários, não estando autorizada a utilizar o seu montante para fins diferentes dos previstos na lei. O montante global deste suplemento (que o Tribunal de Justiça qualificou de imposto) encontrava‑se sob controlo público, o que era suficiente para o classificar de recurso estatal (71).
125. O Tribunal de Justiça também não considerou que existisse controlo estatal no processo Vent de Colère! e o., no qual havia um mecanismo, financiado por todos os consumidores finais, que compensava integralmente os custos adicionais impostos às empresas sujeitas a uma obrigação de compra da energia elétrica de origem eólica (a um preço superior ao preço de mercado). Havia intervenção mediante recursos estatais, mesmo quando este mecanismo se baseava, parcialmente, numa transferência direta de recursos entre entidades privadas (72).
126. Nesta mesma linha, insere‑se o despacho do Tribunal de Justiça no processo Elcogás, no qual se discutia «se constituem uma intervenção do Estado ou mediante recursos estatais os montantes atribuídos a uma empresa privada produtora de energia elétrica que se financiam pelo conjunto dos utilizadores finais da energia elétrica estabelecidos no território nacional»(73).
127. O Tribunal de Justiça respondeu que o mecanismo de compensação dos custos adicionais de que a referida empresa beneficiava (financiado mediante a tarifa final de eletricidade aplicada ao conjunto dos consumidores espanhóis e aos utilizadores das redes de transporte e de distribuição no território nacional) devia ser considerada uma intervenção do Estado ou mediante recursos estatais, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. A esse respeito, não era «pertinente […] o facto de os montantes destinados a compensar os custos adicionais não resultarem de um suplemento específico da tarifa de eletricidade e de o mecanismo de financiamento considerado não pertencer, em sentido estrito, à categoria de imposto, taxa ou taxa parafiscal nos termos do direito nacional» (74).
128. Dos acórdãos do Tribunal de Justiça relativos aos regimes de apoio à E‑FER proferidos após as Conclusões apresentadas no processo Georgsmarienhütte e o., destacam‑se o de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão (75), e o de 15 de maio de 2019, Achema e o. (76), centrados, especialmente, no controlo estatal das quantidades de que beneficiam as empresas de eletricidade.
129. No primeiro desses acórdãos, o Tribunal de Justiça anulou o Acórdão do Tribunal Geral de 10 de maio de 2016, Alemanha/Comissão (77), bem como a decisão da Comissão que aí tinha sido confirmada, relativa ao regime alemão de apoio à E‑FER (78).
130. Para o Tribunal de Justiça, a Comissão não tinha «demonstr[ado] que as vantagens previstas pela Lei EGG [Lei Relativa à Nova Regulamentação do Quadro Jurídico da Promoção da Eletricidade Produzida a Partir de Energias Renováveis] de 2012, a saber, o regime de apoio à produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis e de gás de extração financiado pela sobretaxa EEG e o regime de compensação especial relativo à sua redução para os grandes consumidores de energia, implicavam recursos estatais e constituíam, assim, auxílios de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE» (79).
131. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça tomou em consideração, entre outros, os seguintes argumentos:
— «[…] o facto de os fundos resultantes da sobretaxa EEG serem afetados exclusivamente ao financiamento dos regimes de apoio e de compensação, nos termos das disposições da Lei EGG de 2012, não implica que o Estado possa dispor dos mesmos, na aceção da jurisprudência referida […]. Este princípio legal de afetação exclusiva dos fundos provenientes da sobretaxa EEG tende antes a demonstrar, na falta de qualquer elemento em sentido contrário, que o Estado não podia precisamente dispor desses fundos, ou seja, decidir uma afetação diferente da prevista pela Lei EGG de 2012.»
— Os ORT (operadores de rede de transporte inter‑regional de alta e de muito alta tensão), encarregados de gerir o regime de apoio à produção de eletricidade EEG [eletricidade produzida a partir de energias renováveis e de gás de extração], não estavam constantemente sob controlo público nem sequer estavam sujeitos a um controlo público. É certo que os ORT não podiam utilizar os fundos resultantes da sobretaxa EEG para fins diferentes dos previstos pelo legislador, que estavam sujeitos à obrigação de gerir esses fundos numa conta comum específica e que o cumprimento desta obrigação era objeto de controlo por instâncias estatais nos termos do § 61 da Lei EGG de 2012, e que as instâncias estatais exerciam um controlo estrito a múltiplos níveis sobre os atos dos ORT, garantido, nomeadamente que comercializam a eletricidade EEG em conformidade com o § 37 da Lei EGG de 2012.
— No entanto, o Tribunal de Justiça considerou que «os elementos assim acolhidos permit[e]m efetivamente concluir que as autoridades públicas exercem um controlo da boa execução da Lei EGG de 2012, [mas] não permitem, em contrapartida, concluir pela existência de um controlo público sobre os próprios fundos gerados pela sobretaxa EEG» (80).
132. Por seu turno, o Acórdão Achema e o. confirmou a jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça, salientando que «[…] uma medida que consiste, nomeadamente, numa obrigação de compra de energia pode ser abrangida pelo conceito de “auxílio”, apesar de não comportar uma transferência de recursos estatais […]» e que, «[m]esmo que os montantes correspondentes à medida de auxílio em causa não se encontrem de modo permanente na posse do Tesouro Público, o facto de estarem constantemente sob controlo público, e, portanto, à disposição das autoridades nacionais competentes, é suficiente para serem qualificados de “recursos estatais”» (81).
133. No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o decisivo era constituído pelo facto de as entidades diferentes da autoridade pública estarem «mandatadas pelo Estado para gerir um recurso estatal, e não simplesmente vinculadas por uma obrigação de compra através dos seus recursos financeiros próprios» (82).
134. Aplicando esta jurisprudência ao litígio, examinarei, em primeiro lugar, o regime de compra dos CV segundo a posição dos beneficiários e dos que são obrigados a adquiri‑los; em segundo lugar, o grau de controlo do GSE sobre o mecanismo dos CV.
1) Obrigação de compra dos CV
135. No que diz respeito aos beneficiários (os produtores italianos de E‑FER), estes não recebem receitas do Estado, mas sim dos importadores ou de outros produtores nacionais de eletricidade em Itália, que devem adquirir os CV atribuídos aos primeiros.
136. Ora, uma transferência de receitas de um particular para outro, ainda que em execução de um mandato legal, pressupõe, em princípio, que o montante transferido (no caso em apreço, o preço de uma venda entre operadores económicos privados) não tenha caráter estatal. A obrigação de compra através da utilização dos recursos financeiros próprios por sujeitos privados não é, em regra, abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.
137. Foi esta abordagem que, no essencial, prevaleceu no Acórdão PreussenElektra, no Acórdão Uteca (83) e, mais recentemente, no Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão (84).
138. No que se refere aos que são obrigados a comprar os CV (isto é, à outra parte da venda), o respetivo pagamento é efetuado, repito, com recursos próprios dos adquirentes.
139. Pode considerar‑se que o Estado renuncia (85) a receber receitas públicas, ao atribuir os CV gratuitamente aos produtores de E‑FER estabelecidos em Itália?
140. No Acórdão de 8 de setembro de 2011, Comissão/Países Baixos, procurou defender‑se a resposta afirmativa a essa questão, uma vez que a atribuição gratuita de determinados direitos de emissão foi entendida como um indício do caráter estatal dos recursos correspondentes (86). Na sequência desse acórdão, a Comissão alterou a sua posição, uma vez que até então não considerava recursos estatais os correspondentes aos CV (87).
141. No entanto, considero que tal extrapolação não pode ser efetuada. A própria natureza dos CV exige que sejam atribuídos gratuitamente aos produtores de E‑FER, para que estes os vendam no mercado e lucrem com o montante dessa venda. Se a gratuitidade desaparecesse e os produtores da E‑FER tivessem de pagar um montante (diretamente ao GSE ou em hasta pública) para adquirirem os CV, esse incentivo ficaria esvaziado de sentido próprio.
142. Os CV surgem como um modo de financiamento dos custos adicionais que a produção de E‑FER comporta para os seus produtores. Esse financiamento desapareceria (e o CV seria inútil) se o produtor de E‑FER que o recebe tivesse de pagar o seu valor. Se assim fosse, a esse custo adicional acresceria o custo próprio dos CV, de modo que este mecanismo não serviria para promover a produção de E‑FER. Eram precisamente os custos de produção mais elevados (pelo menos, nesses momentos), relativamente à eletricidade convencional (88), que militavam a favor da atribuição gratuita do incentivo (89).
143. Como declarou o Tribunal de Justiça, «um regime de apoio nacional que […] utiliza certificados verdes visa nomeadamente fazer com que o mercado suporte diretamente o excesso de custo relacionado com a produção de eletricidade verde, concretamente, os fornecedores e os utilizadores de eletricidade […] e, in fine, os consumidores» (90).
144. Na minha opinião, essas afirmações revelam que é o mercado, e não as autoridades estatais, que suporta o excesso de custo da produção de E‑FER que se reflete nos CV, uma vez que estes últimos são títulos negociáveis com um valor garantido pela existência de compradores obrigados por lei.
145. Nessa mesma medida, o orçamento do Estado italiano não é afetado pela atribuição gratuita de CV que, repito, não implica a transferência de recursos estatais(91).
146. É este também o entendimento do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), quando afirma que «neste caso, não estão envolvidos recursos estatais, uma vez que não parece verificar‑se nenhuma transferência, direta ou indireta, de recursos públicos em benefício dos produtores de energia verde que operam em Itália» (92).
147. Por conseguinte, o orçamento de Estado não deixa de obter receitas pela atribuição gratuita dos CV, que é inerente, como salientei, à natureza deste incentivo.
148. Admitindo, para efeitos dialéticos, que essa atribuição gratuita significa uma perda indireta para o Estado italiano, nem por isso estaríamos necessariamente perante um auxílio de Estado: para o Tribunal de Justiça, a diminuição indireta das receitas do Estado decorrente da adoção de regulamentação ou medidas nacionais não constitui uma transferência de recursos estatais quando essa repercussão lhes é inerente (93).
2) Controlo estatal dos recursos destinados à recompra de CV
149. Uma vez que o litígio que está na origem do reenvio prejudicial se refere à obrigação da Axpo de comprar os CV, na qualidade de importador para Itália de E‑FER, o exposto até ao momento quanto à inexistência de recursos estatais seria suficiente para responder ao órgão jurisdicional de reenvio, como sugere a Comissão nas suas observações.
150. No entanto, essa abordagem poderia não ser exaustiva, dado que não analisaria o controlo do Estado italiano sobre outros elementos do regime dos CV e da sua aplicação. Concretamente, o Estado poderia exercer o seu controlo sobre os recursos financeiros destinados aos CV, à margem das transferências privadas entre produtores de E‑FER e importadores e produtores nacionais de eletricidade convencional.
151. Como já foi exposto, o legislador italiano instituiu um mecanismo para manter o valor de mercado dos CV. É certo que os CV podem ser objeto de transações diretas entre produtores da E‑FER e importadores e produtores nacionais de eletricidade convencional, mas a regulamentação italiana instituiu igualmente uma plataforma digital de trocas de CV, gerida pela sociedade GME, filial do GSE.
152. Nem no despacho de reenvio nem na audiência foram apresentados elementos de prova que demonstrem que o GME utiliza os seus recursos a fim de implicarem transferências de recursos estatais em benefício dos produtores nacionais da E‑FER. Em princípio, parece que o GME se limita a gerir a plataforma ao servir de intermediário entre compradores e vendedores de CV. Não obstante, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar esta circunstância.
153. Ao invés, outro dos elementos do regime italiano dos CV poderia implicar a mobilização de recursos públicos (em benefício dos produtores de E‑FER), nomeadamente, a intervenção do GSE no mercado para recomprar os certificados excedentários com o objetivo de manter o seu preço.
154. Os recursos à disposição do GSE para a recompra dos CV excedentários têm origem nas receitas obtidas a título da componente tarifária A3, que os consumidores italianos pagam na sua fatura de eletricidade. O montante da A3 é fixado pela Autorità di regolazione per energia, reti e ambiente (Autoridade de Supervisão da Energia, Redes e Ambiente) (94).
155. A componente tarifária A3 faz parte dos chamados custos gerais do sistema elétrico (95), cujos montantes se encontram previstos no artigo 39.o, n.o 3, do Decreto‑Lei n.o 83/2012. As entidades que utilizam os serviços da rede de eletricidade estão juridicamente obrigadas a pagar esses montantes ao Fundo de Compensação do Sector Elétrico (96) e a repercuti‑los nos consumidores finais (que, repito, os pagam nas suas faturas).
156. Os montantes exigidos para cobrir os custos gerais do sistema elétrico destinam‑se a financiar objetivos de interesse geral, em conformidade com os critérios de repartição fixados pelas autoridades públicas. Um desses objetivos consiste na promoção das energias renováveis e da eficiência energética, objeto da componente tarifária A3 (97).
157. Os montantes cobrados para cobrir os custos gerais do sistema elétrico não passam para o orçamento de Estado, são depositados nas contas de gestão de uma entidade pública económica (o Fundo de Compensação do Sector Elétrico), que os redistribui em benefício de determinadas categorias de operadores, para fins específicos. A exceção a esta regra é a componente tarifária A3, cujo montante era pago a 98 % nas contas do GSE (98).
158. Por conseguinte, a componente tarifária A3 é um encargo pecuniário imposto pela regulamentação italiana para financiar o objetivo de interesse geral de promover a produção de E‑FER. Entre as ações que a referida regulamentação prevê para atingir este objetivo, figura a recompra de CV efetuada pelo GSE.
159. As receitas provenientes da componente tarifária A3, ainda que não estejam integradas no orçamento de Estado, podem ser consideradas recursos estatais que se encontram sob o controlo indireto das autoridades italianas, porque o GSE, enquanto sociedade inteiramente detida pelo Ministério da Economia e das Finanças italiano, recebe deste último e do Ministério do Desenvolvimento Económico as orientações que deve respeitar (99).
160. Em suma, os recursos da componente A3 afetados pelo GSE à recompra de CV podem ser considerados recursos estatais, na medida em que: a) provenham de um encargo pecuniário imposto pela regulamentação italiana; b) sejam suportados pelos consumidores finais de eletricidade; e c) sejam administrados por uma sociedade pública (o GSE) que opera sob a direção do Estado italiano e se encarrega da sua atribuição aos produtores italianos de E‑FER, recomprando CV na plataforma de trocas gerida pelo GME, quando o seu preço baixa (100).
161. Por conseguinte, a componente tarifária A3 geraria receitas que se poderiam qualificar de recursos estatais, canalizados para os produtores italianos de E‑FER, indiretamente, através da recompra de CV pelo GSE, uma entidade com forma de sociedade pertencente ao Estado (101). Nessa mesma medida, estaríamos em presença de uma transferência de recursos estatais constitutiva de um auxílio de Estado(102).
162. Em todo o caso, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, que dispõe de todas as informações relevantes: a) analisar a intervenção do GSE na recompra dos CV com base na componente tarifária A3; b) determinar se, mediante essa intervenção, se verifica uma transferência de recursos estatais em benefício dos produtores italianos de E‑FER; e c) verificar que grau de controlo estatal existe, na prática, sobre os recursos que o GSE afeta à recompra dos CV.
3. Seletividade da vantagem
163. Os produtores de E‑FER instalados em Itália obtêm uma vantagem, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, quando recebem os CV, uma vez que lhes são atribuídos gratuitamente e podem, em seguida, vendê‑los diretamente ou na plataforma digital gerida pelo GME, a um preço que o GSE se encarrega de manter a um nível razoável (103).
164. Esta vantagem é concedida apenas aos produtores nacionais de E‑FER, que seriam privilegiados em relação aos importadores de eletricidade (seja E‑FER ou convencional) e aos produtores nacionais de eletricidade convencional. Por conseguinte, à primeira vista, trata‑se de uma vantagem seletiva (104).
165. Para o Tribunal de Justiça, a apreciação da condição da seletividade da vantagem impõe determinar se, no quadro de um dado regime jurídico, a medida nacional é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» em relação a outras, que se encontrem, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime, em situação factual e jurídica comparável e que estão sujeitas a um tratamento diferenciado que pode, em substância, ser qualificado de discriminatório (105).
166. No caso de um regime de auxílio e não de um auxílio individual, importa demonstrar se esse regime nacional, ainda que preveja uma vantagem de alcance geral, confere o seu benefício exclusivo a certas empresas ou a certos sectores de atividade (106).
167. Segundo o método geralmente adotado pela jurisprudência na matéria, a análise da seletividade de uma medida efetua‑se geralmente em três fases: a) identificação do regime jurídico de referência; b) comparação da situação factual e jurídica dos operadores beneficiados pela medida; e c) eventual justificação do tratamento favorável no que se refere à natureza ou à sistemática geral do regime de referência (107).
168. No que diz respeito à identificação do regime jurídico de referência, durante a audiência, as partes apresentaram abordagens totalmente divergentes: para algumas, devia considerar‑se como tal o regime geral da produção de eletricidade em Itália; para outras, o que rege a produção de E‑FER.
169. No meu entender, o regime jurídico de referência neste processo é, precisamente, um dos estabelecidos pela Diretiva 2009/28. Concordo com o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) quando declara que esse regime é «ex se, expressa e voluntariamente seletivo, na medida em que tende a privilegiar, em cada Estado‑Membro, a produção de energia verde […]» (108).
170. Por conseguinte, partilho da apreciação do órgão jurisdicional de reenvio segundo a qual um regime nacional de apoio à E‑FER como o dos CV (que a Diretiva 2009/28 prevê e procura assegurar) não constitui uma derrogação do regime de referência, mas faz parte integrante dele (109).
171. Se, pelo contrário, se considerasse que o regime jurídico de referência é o que regula, em Itália, com caráter geral, o mercado da eletricidade (ao qual o mecanismo dos CV constituiria uma exceção), para determinar os efeitos deste regime de apoio, seria necessário examinar a comparabilidade das situações dos vários grupos de operadores económicos (110).
172. Com os CV, o Estado italiano pretende promover a produção de E‑FER, e a especificidade deste tipo de energia leva a que as situações dos que, em Itália, produzem eletricidade a partir de fontes renováveis não sejam, por si só, equiparáveis às dos que a obtêm a partir de fontes fósseis ou convencionais. A diferença de custos em que incorrem torna impossível considerar comparáveis as situações de uns e de outros.
173. Ora, para alcançar o referido objetivo, o local de produção da E‑FER é, em princípio, indiferente, dado que a única coisa relevante seria, repito, a sua produção a partir de fontes renováveis. Sob esta perspetiva, a situação dos produtores italianos de E‑FER e a dos importadores dessa E‑FER proveniente de outros Estados‑Membros ou de países terceiros seria semelhante. Por conseguinte, estes últimos seriam discriminados em relação aos primeiros, pelo que a vantagem dos produtores de E‑FER instalados em Itália seria seletiva.
174. Quanto a este ponto, não se pode ignorar que a Diretiva 2009/28, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Ålands Vindkraft, permite, especificamente, que os regimes de apoio à produção de E‑FER sejam instituídos numa base nacional.
175. Para que tal se verifique, o montante da venda dos CV não deve ser sobredimensionado, isto é, não deve exceder o equivalente ao custo mais elevado que apresenta, para os produtores da E‑FER, esse modo de produção de eletricidade. Se, de modo artificial, o preço dos CV aumentasse para lá desse custo, a seletividade da medida não poderia ser negada (além da sua falta de justificação objetiva).
176. No que respeita precisamente à justificação da medida, penso que a natureza ou a sistemática geral do regime dos CV (111) lhe confere a base necessária. O regime de apoio pode amparar‑se na Diretiva 2009/28 se tiver por objetivo favorecer a proteção do ambiente e da saúde e da vida das pessoas, dos animais e das plantas. Por conseguinte, na medida em que seja conforme com as prescrições desta diretiva, é possível considerar o auxílio compatível com o artigo 107.o, n.o 3, TFUE.
177. No entanto, a análise da compatibilidade do auxílio com o mercado interno não compete aos órgãos jurisdicionais nacionais, mas sim à Comissão, caso a caso, na sequência da notificação que lhe é dirigida pelo Estado‑Membro em causa (112), em conformidade com as orientações que ela própria forneceu (113).
E. O Acordo CEE‑Suíça
178. Em princípio, o Acordo CEE‑Suíça é aplicável às importações de eletricidade entre a Suíça e os Estados‑Membros da União (114). Para a Axpo, a obrigação de comprar CV italianos, quando a E‑FER é importada da Suíça para a Itália, viola os seus artigos 6.o e 13.o
179. A invocação destas disposições do acordo exigia, antes de mais, que a Axpo demonstrasse que a eletricidade que importa da Suíça para a Itália foi produzida a partir de fontes renováveis. Para que assim fosse, seria necessário que a União e a Suíça tivessem acordado um mecanismo que garantisse e certificasse essa proveniência.
180. Como afirmado pela Comissão e confirmado na audiência, a União não celebrou nenhum acordo com a Suíça para harmonizar as garantias de origem da E‑FER, em conformidade com o artigo 15.o da Diretiva 2009/28. As negociações bilaterais iniciadas neste domínio foram interrompidas.
181. É certo que, em 6 de março de 2007, a Itália e a Suíça celebraram um acordo que previa o reconhecimento mútuo das garantias de origem para a eletricidade importada a partir de 2006 (115). No entanto, esse acordo bilateral não é válido para o reconhecimento mútuo das garantias de origem da E‑FER, como já referi (116).
182. Mesmo que a Axpo pudesse demonstrar a origem renovável da eletricidade que importa da Suíça, entendo que os artigos 6.o e 13.o do Acordo CEE‑Suíça (117) não se oporiam ao sistema italiano de compra de CV, imposto aos importadores.
183. No que respeita ao artigo 6.o, n.o 1 (que proíbe os encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros de importação nas trocas comerciais entre a Comunidade e a Suíça, de modo análogo aos artigos 28.o e 30.o TFUE), já referi (118) que a obrigação em causa não tem natureza fiscal ou parafiscal, o que impede de a qualificar de encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro.
184. No que diz respeito ao artigo 13.o, n.o 1 (que proíbe as restrições quantitativas à importação e as medidas de efeito equivalente nas trocas comerciais entre a Comunidade e a Suíça), essa proibição é semelhante à do artigo 34.o TFUE. Como também expliquei (119), o mecanismo italiano dos CV, ainda que represente uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, é justificado pela preservação do ambiente e pela proteção da saúde e da vida das pessoas, dos animais e das plantas, pelo que não viola, a proibição do artigo 34.o TFUE. O mesmo raciocínio é transponível para a proibição do artigo 13.o do Acordo CEE‑Suíça.
V. Conclusão
185. Atendendo ao exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda ao Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália) nos seguintes termos:
1) A Diretiva 2009/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE, não se opõe a uma legislação pela qual um Estado‑Membro decide não isentar os importadores de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis noutros Estados‑Membros, ou em países terceiros, da obrigação de aquisição de certificados verdes ligados exclusivamente à produção nacional desse tipo de eletricidade.
2) Um regime de apoio através de certificados verdes como o que está em causa neste processo não constitui um direito aduaneiro de importação nem um encargo de efeito equivalente, contrários aos artigos 28.o e 30.o TFUE, nem uma imposição interna discriminatória incompatível com o artigo 110.o TFUE. No entanto, esse regime constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, contrária, em princípio, à proibição prevista no artigo 34.o TFUE, mas justificada pela exigência imperativa da preservação do ambiente e pelo motivo de interesse geral da proteção da vida e da saúde das pessoas, dos animais e das plantas, permitido pelo artigo 36.o TFUE.
3) A obrigação de compra de certificados verdes imposta pelo Estado italiano aos importadores de eletricidade, bem como a atribuição gratuita desses certificados aos produtores nacionais de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis, não implicam a transferência de recursos estatais na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. No entanto, a obrigação de recompra dos certificados verdes excedentários que recai sobre a sociedade de capital público Gestore servizi energetici (Gestor de serviços energéticos), com base na componente tarifária A3, poderia implicar uma transferência de recursos públicos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Essa transferência não é suscetível de ser qualificada de auxílio de Estado incompatível com o artigo 107.o, n.o 1, TFUE, se não conferir uma vantagem seletiva aos produtores italianos de eletricidade obtida a partir de fontes renováveis.
4) A obrigação de aquisição de certificados verdes de origem nacional imposta por uma regulamentação interna aos importadores de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis num país terceiro, como a Suíça, não é contrária aos artigos 6.o, n.o 1, e 13.o, n.o 1, do Acordo entre a Comunidade Económica Europeia e a Confederação Suíça de 1972.