Language of document : ECLI:EU:C:2006:432

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

29 de Junho de 2006 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Eléctrodos de grafite – Artigo 81.°, n.° 1, CE – Coimas – Orientações para o cálculo do montante das coimas – Comunicação sobre a cooperação – Apresentação de documentos no decurso de um inquérito da Comissão»

No processo C‑301/04 P,

que tem por objecto um recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 14 de Julho de 2004,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por W. Mölls, W. Wils e H. Gading, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

SGL Carbon AG, com sede em Wiesbaden (Alemanha), representada por M. Klusmann, Rechtsanwalt,

recorrente em primeira instância,

Tokai Carbon Co. Ltd, com sede em Tóquio (Japão),

Nippon Carbon Co. Ltd, com sede em Tóquio,

Showa Denko KK, com sede em Tóquio,

GrafTech International Ltd, anteriormente UCAR International Inc., com sede em Wilmington (Estados Unidos),

SEC Corp., com sede em Amagasaki (Japão),

The Carbide/Graphite Group Inc., com sede em Pittsburgh (Estados Unidos),

recorrentes em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relatora), P. Kūris, G. Arestis e J. Klučka, juízes,

advogado‑geral: L. A. Geelhoed,

secretário: K. Sztranc, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 15 de Setembro de 2005,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 19 de Janeiro de 2006,

profere o presente

Acórdão

1        Através do seu recurso, a Comissão das Comunidades Europeias pede a anulação do n.° 2 da parte decisória do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 29 de Abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão (T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, Colect., p. II‑1181, a seguir «acórdão recorrido»), na medida em que reduziu à quantia de 69 114 000 EUR o montante da coima aplicada à sociedade SGL Carbon AG (a seguir «SGL Carbon») pela Decisão 2002/271/CE da Comissão, de 18 de Julho de 2002, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do acordo EEE – Processo COMP/E‑1/36.490 – Eléctrodos de grafite (JO L 100, p. 1, a seguir «decisão controvertida»).

 O quadro jurídico

 O Regulamento n.° 17

2        O artigo 11.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), prevê:

«1.      No cumprimento dos deveres que lhe são impostos pelo artigo [85.°] e pelas disposições adoptadas em aplicação do artigo [83.°] do Tratado, a Comissão pode obter todas as informações necessárias junto dos Governos e das autoridades competentes dos Estados‑Membros, bem como das empresas e associações de empresas.

2.      Sempre que a Comissão formule um pedido de informações a uma empresa ou associação de empresas, enviará simultaneamente uma cópia do mesmo pedido à autoridade competente do Estado‑Membro em cujo território se situe a sede da empresa ou da associação de empresas.

3.      No seu pedido, a Comissão indicará os fundamentos jurídicos e o objectivo do pedido, bem como as sanções previstas no n.° 1, alínea b), do artigo 15.° do presente regulamento para o caso de ser prestada uma informação inexacta.

4.      São obrigados a fornecer as informações pedidas os titulares das empresas ou seus representantes e, no caso de pessoas colectivas, de sociedades ou de associações sem personalidade jurídica, as pessoas encarregadas de as representar, segundo a lei ou os estatutos.

5.      Se uma empresa ou associação de empresas não prestar as informações pedidas no prazo fixado pela Comissão ou se as fornecer de modo incompleto, a Comissão, mediante decisão, exigirá que a informação seja prestada. A decisão especificará as informações pedidas, fixará um prazo conveniente no qual a informação deve ser prestada e indicará as sanções previstas no n.° 1, alínea b), do artigo 15.° e no n.° 1, alínea c), do artigo 16.°, bem como a possibilidade de recurso da decisão para o Tribunal de Justiça.

6.      A Comissão enviará simultaneamente cópia da sua decisão à autoridade competente do Estado‑Membro em cujo território se situe a sede da empresa ou da associação de empresas.»

3        O artigo 15.° do referido regulamento prevê:

«1.      A Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de empresas multas no montante de cem a cinco mil unidades de conta sempre que, deliberada ou negligentemente:

[…]

b)      Prestem uma informação inexacta, em resposta a um pedido feito nos termos do n.° 3 ou n.° 5 do artigo 11.° […]

[…]

2.      A Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de empresas multas de mil unidades de conta, no mínimo, a um milhão de unidades de conta, podendo este montante ser superior desde que não exceda dez por centro do volume de negócios realizado, durante o exercício social anterior, por cada uma das empresas que tenha participado na infracção sempre que, deliberada ou negligentemente:

a)      Cometam uma infracção ao disposto no n.° 1 do artigo [81.°] ou no artigo [82.°] do Tratado, […]

[…]

Para determinar o montante da multa, deve tomar‑se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma.

[...]»

 As orientações

4        A comunicação da Comissão que tem por epígrafe «Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA» (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações») enuncia no seu preâmbulo:

«Os princípios enunciados nas [...] orientações deverão permitir assegurar a transparência e o carácter objectivo das decisões da Comissão, quer em relação às empresas, quer em relação ao Tribunal de Justiça, reafirmando, simultaneamente, a margem de discricionariedade deixada pelo legislador à Comissão em matéria de fixação de coimas, no limite de 10% do volume de negócios global das empresas. Esta margem de discricionariedade deverá, contudo, ser exercida segundo uma linha de política coerente e não discriminatória, adaptada aos objectivos prosseguidos pela repressão das infracções às regras de concorrência.

A nova metodologia aplicável ao montante das coimas pautar‑se‑á doravante pelo esquema a seguir apresentado que se baseia na fixação de um montante de partida ajustado através de majorações, para ter em conta circunstâncias agravantes, e de diminuições, para ter em conta circunstâncias atenuantes.»

 A comunicação sobre a cooperação

5        Na sua comunicação sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO 1996, C 207, p. 4, a seguir «comunicação sobre a cooperação»), a Comissão definiu as condições com base nas quais as empresas que com ela cooperem durante as suas investigações sobre um acordo, decisão ou prática concertada poderão beneficiar da não aplicação ou da redução da coima que, em princípio, lhes seria aplicada.

6        Nos termos do ponto A, n.° 5, desta comunicação:

«A cooperação de uma empresa com a Comissão mais não é do que um dos vários elementos a tomar em conta para a fixação do montante de uma coima. [...]»

 Os factos na origem do litígio e a decisão controvertida

7        No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância resumiu os factos na origem do recurso neste interposto nos seguintes termos:

«1      Com a Decisão 2002/271/CE [...] a Comissão verificou a participação de várias empresas numa série de acordos e de práticas concertadas, na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (a seguir ‘acordo EEE’), no sector dos eléctrodos de grafite.

2      Os eléctrodos de grafite são utilizados principalmente na produção de aço em fornos de arco eléctrico. A produção de aço utilizando esses fornos consiste, essencialmente, num processo de reciclagem através do qual a sucata de aço é convertida em aço novo, por oposição ao processo clássico de produção a partir de minério de ferro nos altos‑fornos a oxigénio. Num forno de arco eléctrico médio, são utilizados nove eléctrodos, agrupados em colunas de três, para a fusão da sucata de aço. Dada a intensidade do processo de fusão, é consumido um eléctrodo aproximadamente de oito em oito horas. O tempo de fabrico de um eléctrodo é de aproximadamente dois meses. Não existem quaisquer produtos substitutos dos eléctrodos de grafite no âmbito deste processo de produção.

3      A procura de eléctrodos de grafite está directamente ligada à produção de aço em fornos de arco eléctrico. Os clientes são principalmente produtores siderúrgicos, que representam cerca de 85% da procura. Em 1998, a produção mundial de aço bruto elevou‑se a 800 milhões de toneladas, das quais 280 milhões de toneladas foram produzidas em fornos de arco eléctrico […].

[…]

5      Durante a década de 80, melhoramentos tecnológicos levaram a um declínio significativo no consumo específico de eléctrodos por tonelada de aço produzido. Durante este período, a indústria siderúrgica foi também objecto de uma importante reestruturação. Na sequência da queda da procura de eléctrodos, iniciou‑se um processo de reestruturação a nível da indústria mundial de eléctrodos. Diversas fábricas foram encerradas.

6      Em 2001, nove produtores ocidentais forneceram eléctrodos de grafite ao mercado europeu: […]

7      Em 5 de Junho de 1997, nos termos do n.° 3 do artigo 14.° do Regulamento n.° 17 do Conselho […], funcionários da Comissão realizaram investigações simultâneas e sem aviso prévio nas instalações [de certos produtores de eléctrodos de grafite].

8      No mesmo dia, nos Estados Unidos, agentes do Federal Bureau of Investigation (FBI) executaram mandados de busca nas instalações de diversos produtores. Estas investigações levaram ao início de um processo penal por colusão contra a SGL […]. Todos os acusados admitiram a sua culpa relativamente às acusações e concordaram em pagar coimas, [fixada] em 135 milhões de dólares dos Estados Unidos (USD) para a SGL […]

[…]

10      Foram intentadas acções de indemnização (triple damages) nos Estados Unidos contra a SGL […] por um grupo de adquirentes.

11      [...] [N]o Canadá, [...] [e]m Julho de 2000, a SGL admitiu a sua culpa, tendo concordado em pagar uma coima de 12,5 milhões de CAD pela [...] infracção [à lei canadiana sobre a concorrência]. Em Junho de 1998, diversos produtores de aço do Canadá intentaram acções cíveis contra a SGL […] por colusão.

12      Em 24 de Janeiro de 2000, a Comissão enviou uma comunicação de acusações às empresas em causa. O procedimento administrativo levou à adopção, em 18 de Julho de 2001, da decisão [controvertida] pela qual as empresas recorrentes […] são criticadas por terem procedido, à escala mundial, a uma fixação dos preços e a uma compartimentação dos mercados nacionais e regionais do produto em causa segundo o princípio do ‘produtor nacional’: a [...] SGL [...] [ficou responsável por uma parte] da Europa; […]

13      Sempre segundo a decisão [controvertida], os princípios de base do acordo eram os seguintes:

–        os preços para os eléctrodos de grafite deveriam ser fixados a nível mundial;

–        as decisões relativas aos preços de cada empresa deveriam ser tomadas apenas pelo presidente ou pelos directores‑gerais;

–        o ‘produtor nacional’ deveria estabelecer o preço de mercado na sua área e os outros produtores deveriam ‘segui‑lo’;

–        no que se refere aos mercados ‘não nacionais’, ou seja, aos mercados em que não existia qualquer produtor ‘nacional’, os preços deveriam ser decididos por consenso;

–        os produtores ‘não nacionais’ não deveriam concorrer de forma agressiva e abandonariam os mercados ‘nacionais’ dos outros produtores;

–        não deveria ocorrer qualquer expansão de capacidade (os produtores japoneses deveriam reduzi‑la);

–        não deveria ocorrer qualquer transferência de tecnologia fora do círculo de produtores que participavam no cartel.

14      A decisão [controvertida] continua indicando que os referidos princípios de base foram aplicados através de reuniões do cartel que tinham lugar a vários níveis: reuniões de ‘chefes’, reuniões ‘de trabalho’, reuniões do grupo dos produtores europeus (sem as empresas japonesas), reuniões nacionais ou regionais consagradas a mercados específicos e contactos bilaterais entre as empresas.

[…]

16      Com base nos factos apurados e nas apreciações jurídicas efectuadas na decisão [controvertida], a Comissão aplicou às empresas em causa coimas cujo montante foi calculado de acordo com a metodologia exposta nas orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA [...] e na comunicação sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas […].

17      O artigo 3.° do dispositivo da decisão [controvertida] fixa as seguintes coimas:

SGL: 80,2 milhões de EUR;

[…]

18      O artigo 4.° do dispositivo estabelece que as empresas em causa devem pagar as coimas no prazo de três meses a contar da data de notificação da decisão, sob pena de aplicação de juros à taxa de 8,04%.»

 A tramitação processual no Tribunal de Primeira Instância e o acórdão recorrido

8        A SGL Carbon e outras empresas destinatárias da decisão controvertida interpuseram no Tribunal de Primeira Instância recursos de anulação da referida decisão.

9        No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância decidiu nomeadamente:

«[…]

2)      No processo T‑239/01, SGL Carbon/Comissão:

–        o montante da coima aplicada à recorrente pelo artigo 3.° da Decisão 2002/271 é fixado em 69 114 000 EUR;

–        quanto ao mais, é negado provimento ao recurso;

[…]»

10      No respeitante ao cálculo das coimas aplicadas, o Tribunal de Primeira Instância julgou, nos n.os 401 a 412 do acórdão recorrido, o seguinte:

«401      Importa observar, depois, que a razão essencial pela qual a Comissão só concedeu à SGL uma redução de coima de 30% figura no considerando 174 da decisão [controvertida]: segundo a Comissão, uma empresa só merece uma redução de coima se a sua cooperação for ‘voluntária’ e independente do ‘exercício de qualquer poder de investigação’; considerando que 'uma parte significativa das informações fornecidas [pela SGL] constitui, de facto, a resposta da SGL ao pedido formal de informações da Comissão, a declaração [foi] considerada como uma contribuição voluntária, na acepção da comunicação sobre a não aplicação ou a redução de coimas, apenas nos casos em que as informações fornecidas foram mais além do que o solicitado nos termos do artigo 11.°’. Além disso, a SGL só enviou a sua declaração de 8 de Junho de 1999 após um novo pedido em que a Comissão se reservou o direito de adoptar uma decisão formal nos termos do n.° 5 do artigo 11.° (considerando 173 da decisão [controvertida]). Baseando‑se no acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 1989, Orkem/Comissão (374/87, Colect., p. 3283, n.os 27, 28 e 32 a 35), a Comissão não recompensou, portanto, as informações que considerava que a SGL lhe devia, de qualquer forma, fornecer em resposta a um pedido de informações ou a uma decisão ordenando, sob ameaça de sanções, a comunicação das informações solicitadas.

402      Neste contexto, há que sublinhar que o direito de guardar silêncio absoluto, invocado pela SGL para defender que não devia responder a qualquer pedido de informações, não pode ser reconhecido. Com efeito, o reconhecimento de tal direito iria além do que é necessário para preservar os direitos de defesa das empresas e constituiria um entrave injustificado ao cumprimento, pela Comissão, da missão de velar pelo respeito das regras de concorrência no mercado comum. O direito de guardar silêncio só pode ser reconhecido na medida em que a empresa em causa seja obrigada a fornecer respostas através das quais seja levada a admitir a existência da infracção cuja prova cabe à Comissão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Fevereiro de 2001, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, T‑112/98, Colect., p. II‑729, n.os 66 e 67).

403      Para preservar o efeito útil do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, a Comissão pode, assim, obrigar as empresas a fornecerem todas as informações necessárias relativas aos factos de que possam ter conhecimento e, se necessário, os documentos correlativos que estejam na sua posse, mesmo que estes possam servir para comprovar a existência de um comportamento anticoncorrencial (v. acórdão Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, referido no n.° 402 supra, n.° 65, e a jurisprudência aí referida).

404      Este direito da Comissão de obter informações, consagrado pelos acórdãos Orkem/Comissão e Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, referidos, respectivamente, nos n.os 401 e 402 supra, não contraria nem o artigo 6.°, n.os 1 e 2, da CEDH [Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950] (acórdão Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, já referido, n.° 75) nem a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

405      Com efeito, embora o Tribunal de Justiça tenha considerado [acórdão de 15 de Outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect., p. I‑8375] que, a seguir ao acórdão Orkem/Comissão, referido no n.° 401 supra, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que o tribunal comunitário deve ter em conta, conheceu novos desenvolvimentos com o acórdão Funke, com o acórdão Saunders/Reino Unido de 17 de Dezembro de 1996 (Recueil des arrêts et décisions, 1996‑VI, p. 2044, [n.os] 69, 71 e 76) e com o acórdão J.B./Suisse de 3 de Maio de 2001 (Recueil des arrêts et décisions, 2001‑III p. 455, [n.os] 64 a 71), não procedeu, no acórdão [Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão], já referido, à alteração da sua jurisprudência.

406      De qualquer forma, o facto de ser obrigado a responder às questões puramente factuais colocadas pela Comissão e a satisfazer os seus pedidos de apresentação de documentos preexistentes não é susceptível de violar o princípio do respeito do direito de defesa ou o direito a um processo equitativo, que oferecem, no domínio do direito da concorrência, uma protecção equivalente à garantida pelo artigo 6.° da CEDH. Com efeito, nada impede o destinatário de um pedido de informações de demonstrar, mais tarde no quadro do procedimento administrativo ou num processo perante o juiz comunitário, que os factos constantes das suas respostas ou os documentos transmitidos têm um significado diferente daquele que lhes deu a Comissão (acórdão Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, referido no n.° 402 supra, n.os 77 e 78).

407      Em seguida, quanto a saber em que medida a SGL era obrigada a responder, nos termos da referida jurisprudência, ao pedido de informações de 31 de Março de 1999, importa observar que, além das questões puramente factuais e dos pedidos de apresentação de documentos preexistentes, a Comissão pediu a descrição do objecto e do desenvolvimento de várias reuniões em que a SGL participou, bem como os resultados/conclusões dessas reuniões, sendo claro que a Comissão desconfiava que o objecto das referidas reuniões era restringir a concorrência. Concluiu‑se que esse pedido era susceptível de obrigar a SGL a confessar a sua participação numa infracção às regras comunitárias da concorrência.

408      O mesmo sucede com os pedidos destinados a obter os protocolos das referidas reuniões, os documentos de trabalho e os respectivos documentos de preparação, as notas manuscritas que se lhes referem, as notas e conclusões relativas a essas reuniões, os documentos de planificação e de discussão bem como os projectos de execução relativos aos aumentos de preços efectuados entre 1992 e 1998.

409      Não sendo a SGL obrigada a responder a este tipo de questões que figuravam no pedido de informações de 31 de Março de 1999, o facto de, contudo, ter dado informações sobre esses elementos deve ser considerado uma colaboração voluntária da empresa susceptível de justificar uma redução da coima nos termos da comunicação sobre a cooperação.

410      Esta conclusão não pode ser infirmada pelo argumento da Comissão segundo o qual as informações em causa não foram fornecidas espontaneamente, mas em resposta a um pedido de informações. Com efeito, o ponto D, n.° 2, primeiro travessão, da comunicação sobre a cooperação, longe de exigir um acto espontâneo, praticado por iniciativa apenas da empresa em causa, contenta‑se em exigir informações que contribuam ‘para confirmar’ a existência da infracção. Além disso, mesmo o ponto C, que diz respeito a uma maior redução da coima do que a referida no ponto D, permite recompensar uma cooperação fornecida ‘depois de a Comissão ter procedido a uma verificação, após ter adoptado a pertinente decisão, em qualquer das empresas envolvidas no acordo’. Portanto, o facto de um pedido de informações ter sido enviado à SGL, nos termos do artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17, não é determinante para minimizar a cooperação da empresa, nos termos do ponto D, n.° 2, primeiro parágrafo, da comunicação sobre a cooperação, tanto mais que tal pedido é um acto menos vinculativo do que uma investigação efectuada com base numa decisão.

411      De onde resulta que a Comissão ignorou a importância da cooperação da SGL neste contexto.

412      Na medida em que a Comissão censura à SGL o facto de lhe ter dado uma resposta incompleta à questão de saber quais as empresas que a SGL tinha informado da iminência das verificações da Comissão em Junho de 1997, é verdade que, por carta de 30 de Julho de 1997, a SGL limitou a sua confissão à VAW e a outra empresa, sem indicar que também tinha informado a UCAR. Contudo, a própria Comissão sublinhou que o aviso da SGL reforçava a gravidade da infracção, dava lugar a uma coima cujo efeito dissuasor era mais importante do que normalmente e justificava ser considerado uma circunstância agravante, tendo este comportamento da SGL criado as condições necessárias à manutenção do cartel em actividade e à prolongação dos seus efeitos nefastos. Verifica‑se, portanto, que a SGL não era obrigada a indicar à Comissão que tinha avisado outras empresas. Efectivamente, essas informações eram susceptíveis de agravar a sanção que a Comissão iria impor à SGL. A Comissão ignorou, portanto, também sob este ponto, o comportamento da SGL ao censurá‑la por ter fornecido uma resposta incompleta.»

 Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

11      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o acórdão recorrido no que respeita ao n.° 2 da sua parte decisória;

–        condenar a SGL Carbon nas despesas.

12      A SGL Carbon conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a Comissão nas despesas.

 Quanto ao pedido de reabertura da fase oral

13      Por missiva entrada no Tribunal de Justiça em 24 de Fevereiro de 2006, a SGL Carbon pediu, ao abrigo do disposto no artigo 61.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a reabertura da fase oral.

14      Para alicerçar o referido pedido, a SGL Carbon invocou que as conclusões do advogado‑geral no presente recurso não reproduziram sempre de modo correcto a exposição dos factos respeitantes às partes e as constatações do Tribunal de Primeira Instância. De igual modo, contêm argumentos e suposições que até ao presente não foram avançados pelas partes nas suas alegações escritas e não foram objecto de discussão na audiência. Portanto, estas conclusões não puderam preparar de forma bastante o julgamento, mas exigem excepcionalmente observações suplementares antes de o Tribunal de Justiça se pronunciar definitivamente.

15      A este respeito, basta recordar que o Estatuto do Tribunal de Justiça e o seu Regulamento de Processo não prevêem a possibilidade de as partes apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral (v., nomeadamente, despacho de 4 de Fevereiro de 2000, Emesa Sugar, C‑17/98, Colect., p. I‑665, n.° 2).

16      Quanto à argumentação avançada pela SGL Carbon, há que recordar que o Tribunal de Justiça pode, oficiosamente ou por proposta do advogado‑geral, ou ainda a pedido das partes, ordenar a reabertura da fase oral do processo, em conformidade com o artigo 61.° do seu Regulamento de Processo, se considerar que não está suficientemente esclarecido ou que o processo deve ser decidido com base num argumento que não foi debatido entre as partes (v., nomeadamente, acórdãos de 13 de Novembro de 2003, Schilling e Fleck‑Schilling, C‑209/01, Colect., p. I‑13389, n.° 19, e de 17 de Junho de 2004, Recheio – Cash & Carry, C‑30/02, Colect., p. I‑6051, n.° 12).

17      No caso vertente, o Tribunal de Justiça considera que dispõe de todos os elementos necessários para decidir o presente recurso.

18      Por conseguinte, não há que ordenar a reabertura da fase oral.

 Quanto ao recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância

19      A Comissão alega que os n.os 401 a 412 do acórdão recorrido comportam violações do direito comunitário, em especial do artigo 15.°, em conjugação com o artigo 11.°, do Regulamento n.° 17, bem como da comunicação sobre a cooperação. Entende que o Tribunal de Primeira Instância cometeu erros de direito na apreciação dada às respostas fornecidas pela SGL Carbon aos pedidos de informações da Comissão no tocante a uma eventual redução do montante da coima. Ao que acresce que, quanto a estes elementos, o acórdão recorrido enferma de erros da respectiva fundamentação. Em apoio do seu pedido, a Comissão divide o seu único fundamento em duas partes.

20      A SGL Carbon entende que, como correctamente concluiu o Tribunal de Primeira Instância, o pedido de informações da Comissão de 30 de Junho de 1997, bem como as primeira a quinta questões e a sétima questão, segundo travessão, do pedido de 31 de Março de 1999 exorbitavam das competências da Comissão em matéria de investigação. Com efeito, os referidos pedidos violaram o direito de não se incriminar a si próprio (nemo tenetur se ipsum accusare). Por conseguinte, com base na comunicação sobre a cooperação, era necessário reduzir mais ainda a coima em, pelo menos, 8%. Em todo o caso, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância não enferma, a este respeito, de qualquer erro de apreciação.

 Primeira parte: o pedido de informações de 31 de Março de 1999

–       Argumentos das partes

21      A Comissão considera que o acórdão recorrido, nos seus n.os 408 e 409, padece de vários erros de direito no que respeita à interpretação do artigo 15.°, em conjugação com o artigo 11.° do Regulamento n.° 17 e com a comunicação sobre a cooperação. Com efeito, assiste‑lhe sempre o direito de pedir a apresentação de documentos e este pedido não viola os direitos de defesa.

22      A Comissão salienta que os pontos mencionados no pedido de informações de 31 de Março de 1999 versavam sobre a «apresentação» de documentos que se encontravam na posse da SGL Carbon e que não se tratava de questões destinadas à obtenção de uma «resposta» por parte desta última. Nestas condições, a conclusão do Tribunal de Primeira Instância de que certos elementos do referido pedido eram susceptíveis de obrigar a SGL a confessar a sua participação numa infracção não podia ser aplicada aos pedidos de apresentação de documentos existentes.

23      A Comissão afirma que um pedido de documentos existentes pode ser sempre conciliado com os direitos de defesa, mesmo quando estes possam servir para comprovar a existência de um comportamento anticoncorrencial, como o Tribunal de Primeira Instância salientou explicitamente nos n.os 403, 406 e 407 do acórdão recorrido. Portanto, o Tribunal de Primeira Instância não aplicou a jurisprudência do Tribunal de Justiça e contradisse as suas próprias conclusões.

24      Segundo a Comissão, o Tribunal de Primeira Instância deveria ter estabelecido em que medida a SGL Carbon tinha efectivamente satisfeito os diversos pontos do pedido de informações que o Tribunal de Primeira Instância especificamente contestou, apresentando os documentos aí referidos. Ora, resulta da resposta desta empresa de 8 de Junho de 1999 que não foi este o caso. Pelo contrário, a SGL Carbon indicou na referida resposta que não detinha documentos do tipo dos pedidos.

25      Daí deduz a Comissão que os elementos em causa no pedido de informações de 31 de Março de 1999 não podem conduzir a uma redução da coima mais importante do que a já concedida. Com efeito, ela tomou em conta a circunstância de a SGL Carbon, não tendo embora apresentado os documentos pedidos, se ter esforçado por contribuir para a elucidação dos factos. Os únicos elementos que não tomou em consideração para a determinação da redução foram os que constavam da resposta da SGL Carbon ao pedido formal de informações. Em contrapartida, teve em linha de conta as informações que iam além do que foi pedido ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 para reduzir em 30% o montante da coima aplicada.

26      Ora, segundo a Comissão, o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente, no n.° 409 do acórdão recorrido, que a SGL Carbon tinha satisfeito o pedido de informações que versava sobre os referidos elementos enquanto tais e que a Comissão não teve em conta esta contribuição.

27      A Comissão acrescenta que o acórdão recorrido também enferma de falta de fundamentação. Com efeito, os n.os 408 e 409 do referido acórdão estão manifestamente em contradição com os n.os 403, 406 e 407 do mesmo acórdão, nos quais o Tribunal de Primeira Instância retomou os critérios enunciados na jurisprudência do Tribunal de Justiça. Ao que acresce que o Tribunal de Primeira Instância não expôs como lhe foi possível, tendo em conta, por um lado, o teor da resposta da SGL Carbon de 8 de Junho de 1999 e, por outro, a decisão controvertida, chegar à conclusão de que esta empresa tinha prestado uma contribuição para o inquérito da Comissão que esta última não teve em conta.

28      A SGL Carbon expõe que a integralidade dos elementos que figuram no seu memorando de 8 de Junho de 1999, bem como as suas respostas ao pedido de informações de 30 de Junho de 1997, deviam ser consideradas contribuições sinónimas de cooperação, uma vez que não se pode introduzir uma distinção entre a confissão explícita da infracção e dos factos e a apresentação de documentos constitutivos da prova da infracção.

29      A SGL Carbon alega que as primeira a quinta questões e a sétima questão, segundo travessão, do pedido de informações de 31 de Março de 1999 não só tinham por objectivo forçá‑la a confessar a existência da infracção, mas destinavam‑se ainda a incitá‑la a comunicar elementos que provavam a sua própria infracção. Ora, ela não podia, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ser obrigada a responder a estas questões. Nestas condições, o facto de ter espontaneamente comunicado as informações e os elementos pedidos devia ser considerado uma contribuição que justificava uma redução da coima.

30      A título subsidiário, isto é, para o caso de o Tribunal de Justiça não admitir a existência de um direito absoluto de guardar silêncio, a SGL Carbon entende que o acórdão do Tribunal de Primeira Instância não é contrário à jurisprudência do Tribunal de Justiça nesta matéria. Com efeito, uma empresa não pode ser obrigada a fornecer respostas que consistem em confessar a existência de uma infracção cuja prova cabe à Comissão. De acordo com o sentido desta jurisprudência, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância é correcto, pois entendeu como um elemento conducente à redução da coima, em aplicação do exame que se impõe à luz das regras de mérito, o facto de a SGL Carbon ter respondido ao pedido de informações de 31 de Março de 1999 para além do que estava obrigada a fazer.

31      A SGL Carbon conclui que, se uma empresa interrogada apresentar – sem a tal estar obrigada – documentos comprovativos no domínio em questão, trata‑se, no sentido da comunicação sobre a cooperação, de uma iniciativa que deve ser reconhecida como tal, como correctamente julgou o Tribunal de Primeira Instância no n.° 409 do acórdão recorrido. Com efeito, foi de forma juridicamente correcta que o Tribunal de Primeira Instância pôs em evidência que a apreciação da cooperação consiste em identificar o valor acrescentado substantivo que é facultado de modo espontâneo.

32      A SGL Carbon esclarece ainda que pouco importa, neste contexto, saber se terá havido anteriormente um pedido de informações. Com efeito, há que questionar se, e em que medida, o elemento substantivo facultado devia ou não ser revelado. Na medida em que tal não era o caso, mesmo uma resposta a um pedido de informações podia ser espontânea e, portanto, relevante do ponto de vista da cooperação da empresa em causa.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

33      A primeira parte do fundamento suscita, no essencial, a questão de saber se a SGL Carbon estava obrigada a fornecer todos os documentos pedidos pela Comissão no seu pedido de informações de 31 de Março de 1999 e, por conseguinte, se as apreciações tecidas pelo Tribunal de Primeira Instância sobre esta questão, nos n.os 408 e 409 do acórdão recorrido, são juridicamente correctas.

34      Há, pois, que determinar se a resposta dada pela SGL Carbon a este pedido da Comissão deve ser analisada como uma cooperação voluntária ou como a execução de uma obrigação.

35      Quanto ao conteúdo do pedido antes referido, há que salientar que a Comissão tinha solicitado, designadamente, os documentos relativos ao objecto e ao desenrolar de várias reuniões em que a SGL tinha participado, bem como os registos escritos respeitantes aos resultados ou às conclusões dessas reuniões. Estes documentos foram descritos pela Comissão como tratando‑se de cópias das convocatórias, da agenda, de listas de participantes, de notas manuscritas, de documentos de trabalho, de documentos de preparação e de documentos de execução relativos aos aumentos de preços.

36      O Tribunal de Primeira Instância julgou, no n.° 408 do acórdão recorrido, que, no que respeita ao direito de a empresa recusar a apresentação de documentos que possam comportar o reconhecimento da infracção, o «mesmo sucede com os pedidos destinados a obter os protocolos das referidas reuniões, os documentos de trabalho e os respectivos documentos de preparação, as notas manuscritas que se lhes referem, as notas e as conclusões relativas a essas reuniões, os documentos de planificação e de discussão bem como os projectos de execução relativos aos aumentos de preços efectuados entre 1992 e 1998».

37      O Tribunal de Primeira Instância, no n.° 409 do acórdão recorrido, considerou a este respeito que a SGL Carbon não estava «obrigada a responder a este tipo de questões». O Tribunal de Primeira Instância entendeu, por conseguinte, que, na medida em que a Comissão a não podia obrigar a apresentar os documentos solicitados, a resposta fornecida pela empresa devia ser considerada uma «colaboração voluntária».

38      Estas apreciações do Tribunal de Primeira Instância enfermam de erros de direito.

39      Em primeiro lugar, há que recordar que, em conformidade com o disposto no artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17, no cumprimento das missões de que está incumbida nesta matéria, a Comissão pode colher todas as informações necessárias junto dos Governos e das autoridades competentes dos Estados‑Membros, bem como das empresas e das associações de empresas. Nos termos do n.° 4 do referido artigo, são obrigados a fornecer as informações pedidas os titulares das empresas ou seus representantes e, no caso de pessoas colectivas, de sociedades ou de associações sem personalidade jurídica, as pessoas encarregadas de as representar, segundo a lei ou os estatutos.

40      Quanto aos poderes da Comissão para formular estes pedidos, há que recordar que, no n.° 27 do acórdão Orkem/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça salientou que o Regulamento n.° 17 não reconhece à empresa que seja objecto de uma medida de investigação ao abrigo do referido regulamento qualquer direito de se furtar à execução dessa medida e que a empresa em questão está, pelo contrário, sujeita a uma obrigação de colaboração activa, que implica que ponha à disposição da Comissão todos os elementos de informação relativos ao objecto do inquérito.

41      No que respeita à questão de saber se esta obrigação também se aplica aos pedidos de informações susceptíveis de serem utilizados para provar, contra a empresa que os forneça, a existência de uma infracção às regras da concorrência, o Tribunal de Justiça julgou, no n.° 34 do referido acórdão, que, para salvaguardar o efeito útil do poder de investigação que lhe é conferido pelo artigo 11.°, n.os 2 e 5, do Regulamento n.° 17, a Comissão tem o direito de obrigar a empresa a prestar todas as informações necessárias respeitantes a factos de que pode ter conhecimento e a comunicar‑lhe, se necessário, os documentos correspondentes que a referida empresa possua, ainda que estes possam servir para comprovar, contra ela ou contra outra empresa, um comportamento anticoncorrencial.

42      Em contrapartida, completamente diversa é a situação na qual a Comissão procura obter respostas por parte de uma empresa objecto de inquérito através das quais seja levada a admitir a existência da infracção, cuja prova cabe à Comissão (v. acórdão Orkem/Comissão, já referido, n.° 35).

43      Há que acrescentar que o Tribunal de Justiça, nos n.os 274 a 276 do acórdão Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, já referido, observou que, a seguir ao acórdão Orkem/Comissão, já referido, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que o tribunal comunitário deve ter em conta para a sua interpretação dos direitos fundamentais, conheceu novos desenvolvimentos. Todavia, o Tribunal de Justiça indicou a este respeito que estes desenvolvimentos não eram de natureza a pôr em causa os princípios enunciados no referido acórdão Orkem/Comissão.

44      Não decorre desta jurisprudência que os poderes de inquérito da Comissão tenham sido limitados no que respeita à apresentação de documentos que se encontrem na posse de uma empresa objecto de um inquérito. A empresa em causa deve, portanto, se a Comissão o pedir, fornecer‑lhe os referidos documentos relacionados com o objecto do inquérito, mesmo podendo estes elementos ser utilizados pela Comissão a fim de estabelecer a existência de uma infracção.

45      Há ainda que recordar que o próprio Tribunal de Primeira Instância, no n.° 405 do acórdão recorrido, remeteu explicitamente para os princípios enunciados no acórdão Orkem/Comissão, já referido, e para o facto de o Tribunal de Justiça não ter alterado a sua jurisprudência na matéria.

46      Porém, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no passo seguinte do seu raciocínio, que o pedido de informações da Comissão de 31 de Março de 1999 tinha por natureza obrigar a SGL Carbon a confessar a sua participação relativamente às infracções às regras comunitárias da concorrência.

47      Ora, esta apreciação do Tribunal de Primeira Instância é contrária ao alcance do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, como interpretado pelo Tribunal de Justiça, e, por conseguinte, enfraquece o princípio da cooperação a cujo respeito estão obrigadas as empresas objecto de um inquérito da Comissão.

48      Com efeito, este dever de cooperação não permite que a empresa se furte aos pedidos de apresentação de documentos, invocando que, se lhes anuísse, se veria coagida a testemunhar contra si própria.

49      Além disso, e como correctamente salientou o advogado‑geral no n.° 67 das suas conclusões, sendo evidente que devem ser respeitados os direitos de defesa, a empresa em causa não deixa de poder, quer no quadro do procedimento administrativo quer no de um processo perante os órgãos jurisdicionais comunitários, sustentar que os documentos apresentados têm um significado diferente daquele que lhes deu a Comissão.

50      Assim sendo, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito quando concluiu que estavam preenchidas as condições para uma redução da coima ao abrigo da comunicação sobre a cooperação.

51      Portanto, a primeira parte do fundamento é procedente.

 Segunda parte: o pedido de informações de 30 de Junho de 1997

–       Argumentos das partes

52      A Comissão alega que o n.° 412 do acórdão recorrido enferma de vários erros de direito. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância atribuiu à Comissão um ponto de vista que esta não sustentou e não examinou os argumentos que esta desenvolveu nas suas alegações, o que constitui uma deficiência da fundamentação.

53      A Comissão salienta que nunca afirmou ter limitado o abatimento concedido à SGL Carbon nos termos da comunicação sobre a cooperação devido a esta empresa não ter citado todas as empresas às quais tinha avisado da iminência de um controlo. Pelo contrário, a Comissão não concedeu uma majoração da redução da coima por considerar que a resposta efectivamente dada pela SGL Carbon não ia além do seu dever de cooperação, como previsto no artigo 11.° do Regulamento n.° 17.

54      A Comissão sustenta que a questão que colocou não exorbitava dos seus poderes de inquérito e que, portanto, a resposta dada não foi para além do que é exigido nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17. Não havia, por conseguinte, qualquer razão para reduzir a coima ao abrigo da comunicação sobre a cooperação. Ao que acresce que o facto de a resposta da SGL Carbon ser incompleta e falaciosa constituía uma razão suplementar para não conceder uma redução da coima em aplicação da referida comunicação.

55      No entender da Comissão, o Tribunal de Primeira Instância também não se pronunciou sobre o argumento subsidiário nos termos do qual a SGL Carbon terá ocultado, na sua resposta ao pedido de informações de 30 de Junho de 1997, os elementos mais importantes que conduziram a uma majoração da coima devido à existência de uma circunstância agravante. Como o próprio Tribunal de Primeira Instância reconheceu, só as contribuições efectivas para o inquérito da Comissão podiam conduzir a uma redução da coima.

56      A Comissão salienta ainda que uma redução por uma «não contribuição desculpável» seria, se o Tribunal de Primeira Instância a tivesse encarado, sempre incompatível com o artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e com a comunicação sobre a cooperação. Com efeito, segundo os princípios que regem a aplicação das respectivas disposições, só se justificaria uma redução se o comportamento da empresa tivesse permitido à Comissão verificar mais facilmente a existência de uma infracção e, eventualmente, pôr‑lhe cobro.

57      A Comissão sustenta que, se o Tribunal de Primeira Instância considerou que a resposta efectivamente dada pela SGL Carbon, a saber, que tinha avisado outra empresa das verificações iminentes, deveria ter conduzido a uma redução da coima, cometeu uma violação do artigo 15.°, em conjugação com o artigo 11.°, do Regulamento n.° 17 e da comunicação sobre a cooperação. Com efeito, a Comissão não está obrigada a conceder uma redução da coima unicamente pelo facto de uma empresa ter atendido um pedido de informações, quando este respeite os limites fixados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Ora, assim aconteceu no caso em apreço, pois o pedido de 30 de Junho de 1997 destinava‑se à recolha de informações sobre os factos e não conduziu a que a SGL Carbon admitisse a existência da infracção.

58      A Comissão reconhece que o facto de avisar outra empresa não constitui uma infracção ao artigo 81.° CE e indica que o próprio Tribunal de Primeira Instância julgou que estes avisos não constituíam uma violação desta disposição. Porém, o Tribunal de Primeira Instância considerou que as informações em causa podiam agravar a coima que a Comissão iria aplicar à SGL Carbon. Daí concluiu, no n.° 412 do acórdão recorrido, que esta empresa não estava obrigada a informar a Comissão de que tinha avisado outras empresas da iminência de uma verificação. Ora, ao fazê‑lo, o Tribunal de Primeira Instância afastou‑se do sentido da jurisprudência nesta matéria.

59      Para a Comissão, a questão determinante consiste em saber se a resposta pedida antecipa por si só a conclusão de que existe uma infracção, expondo a empresa à aplicação de uma coima pelo simples facto de dar essa resposta. Ora, pelo único facto de avisar outro operador económico da iminência de uma verificação a empresa não fica sujeita a que lhe seja imputada uma infracção ou lhe sejam aplicadas coimas. O que não é de forma alguma alterado pela circunstância, salientada pelo Tribunal de Primeira Instância, de a Comissão ter considerado este aviso um factor agravante. Com efeito, para chegar a esta conclusão, a Comissão estava desde logo obrigada a fazer a prova da infracção e a informação respeitante ao aviso não era de molde a suprir esta prova.

60      A Comissão sustenta ainda que o facto de ter concluído pela existência de uma circunstância agravante não se insere na verificação dos factos constitutivos da infracção, mas sim no exercício do seu poder discricionário para a determinação do montante da coima. Ao que acresce que a circunstância de a informação fornecida ter podido contribuir para a constituição da prova da infracção enquanto elemento de facto não assume relevância.

61      A Comissão conclui que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar que a resposta fornecida pela SGL Carbon, de que tinha avisado outra empresa da verificação iminente, deveria ter conduzido a uma redução da coima. Esta interpretação é contrária ao artigo 15.°, em conjugação com o artigo 11.°, do Regulamento n.° 17 e à comunicação sobre a cooperação. Ao que acresce que o acórdão recorrido é contraditório a este respeito, como também o é no que se refere à apresentação dos documentos existentes. Com efeito, procurando fundamentar‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça, o Tribunal de Primeira Instância recordou os critérios relevantes nos n.os 402 a 406 do acórdão recorrido, mas não os aplicou.

62      A SGL Carbon considera que o Tribunal de Primeira Instância julgou com acerto, no n.° 412 do acórdão recorrido, que o pedido de informações de 30 de Junho de 1997 da Comissão não era lícito. Com efeito, a SGL Carbon admitiu espontaneamente ter avisado certas empresas das verificações iminentes e a Comissão deveria ter tomado esta confissão em consideração no quadro da apreciação da sua cooperação.

63      Esta empresa sustenta que a argumentação da Comissão deve ser julgada inadmissível, na medida em que nem esta nem o Tribunal de Primeira Instância concluíram pela existência de um acordo com vista à destruição de documentos. A Comissão não pode, no quadro de um recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância, alegar novos elementos de facto.

64      A SGL Carbon alega que o referido pedido de informações não tinha qualquer base jurídica, pois os avisos a outras empresas não se enquadram nos comportamentos anticoncorrenciais proibidos pelo artigo 81.° CE. Com efeito, os direitos que o artigo 11.° do Regulamento n.° 17 confere à Comissão não a habilitam a colocar questões sobre elementos de facto não visados por esta disposição. Todavia, supondo que estes avisos podiam constituir circunstâncias agravantes, o facto de os ter reconhecido deveria ter sido qualificado como elemento de cooperação.

65      A SGL Carbon considera que, em todo o caso, foi com acerto que o Tribunal de Primeira Instância concluiu que ela não estava obrigada a revelar à Comissão ter avisado outras empresas da existência de verificações iminentes.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

66      A título liminar, há que recordar que, no seu pedido de informações de 30 de Junho de 1997, a Comissão tinha solicitado à SGL Carbon que lhe indicasse, designadamente, o nome das empresas da indústria dos eléctrodos de grafite que tivesse avisado da possibilidade de serem objecto de medidas de inquérito por parte da Comissão.

67      Há que notar que o Tribunal de Primeira Instância observou, no n.° 412 do acórdão recorrido, que esta empresa não estava obrigada a informar a Comissão, na sequência deste pedido, de que tinha avisado outras empresas e que a Comissão não teria podido obrigar a SGL Carbon a responder‑lhe. O Tribunal de Primeira Instância concluiu, no mesmo número do acórdão recorrido, que a Comissão ignorou o comportamento da SGL Carbon, censurando‑a por ter fornecido uma resposta incompleta.

68      Para apreciar o acerto deste raciocínio do Tribunal de Primeira Instância, há que recordar que decorre da jurisprudência recente do Tribunal de Justiça que uma redução com base na comunicação sobre a cooperação apenas é justificável nos casos em que a informação prestada e, de um modo mais geral, a conduta da empresa possam ser consideradas uma forma de cooperação genuína por parte desta última (v. acórdão de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.os 388 a 403, em especial, n.° 395).

69      Ora, como salientou o advogado‑geral no n.° 78 das suas conclusões, embora a SGL Carbon não estivesse obrigada a responder à questão colocada pela Comissão, respondeu‑lhe de forma incompleta e falaciosa. Portanto, este comportamento da SGL Carbon não pode ser considerado como revelador de um espírito de cooperação na acepção do acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido.

70      Portanto, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao julgar que a SGL Carbon preenchia, devido ao seu comportamento, as condições para uma eventual redução da coima ao abrigo da comunicação sobre a cooperação. Por conseguinte, o n.° 412 do acórdão do Tribunal de Primeira Instância enferma, também ele, de erro de direito. Donde se conclui que a segunda parte do fundamento é procedente.

 Quanto às consequências da anulação do acórdão recorrido

71      Em conformidade com o artigo 61.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, quando é dado provimento ao recurso, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal de Primeira Instância. Pode então decidir ele próprio definitivamente o litígio, quando este estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância para que este decida.

72      O Tribunal de Justiça considera que, no presente caso concreto, estão preenchidas as condições para que possa decidir definitivamente.

73      Há que recordar que o Tribunal de Primeira Instância concedeu à SGL Carbon uma redução suplementar de 10% nos termos do ponto D, n.° 2, da comunicação sobre a cooperação, mas que seguidamente a reduziu a 8%, devido ao comportamento da referida empresa. Esta redução de 8% destinava‑se a recompensar a SGL Carbon pelas respostas fornecidas à questão colocada pela Comissão, que foi considerada como exorbitando da competência desta última, e que foram qualificadas pelo Tribunal de Primeira Instância como correspondendo a um comportamento que se inseria no âmbito de aplicação da comunicação sobre a cooperação.

74      Ora, como referiu o advogado‑geral nos n.os 69 e 82 das suas conclusões, apenas um elemento de pequena importância das perguntas feitas pela Comissão, a saber, o relativo ao objecto e ao resultado das reuniões entre a SGL Carbon e outras empresas, excedia aquilo que ela podia obrigar esta empresa a responder.

75      O Tribunal de Justiça assinala que este elemento equivale a um quinto das informações reclamadas pela Comissão.

76      Nestas condições, o Tribunal de Justiça considera que se justifica uma redução suplementar total de 4% a acrescer à de 30% concedida pela Comissão.

77      Há, portanto, que fixar a coima em 75,7 milhões de EUR.

 Quanto às despesas

78      Por força do disposto no artigo 122.°, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas. Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do seu artigo 118.°, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da SGL Carbon e tendo esta sido vencida no essencial dos seus fundamentos no âmbito do recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância, há que condená‑la nas despesas da presente instância.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      O n.° 2, primeiro travessão, da parte decisória do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 29 de Abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão (T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01), é anulado.

2)      O montante da coima aplicada à sociedade SGL Carbon AG pelo artigo 3.° da Decisão 2002/271/CE da Comissão, de 18 de Julho de 2001, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do acordo EEE – Processo COMP/E‑1/36.490 – Eléctrodos de grafite, é fixado em 75,7 milhões de EUR.

3)      A SGL Carbon AG é condenada nas despesas da presente instância.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.