Language of document : ECLI:EU:C:2006:328

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

18 de Maio de 2006 (*)

«Recurso – Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado da lisina sintética – Coimas – Orientações para o cálculo do montante das coimas – Não retroactividade – Princípio non bis in idem – Igualdade de tratamento – Volume de negócios que pode ser tomado em consideração»

No processo C‑397/03 P,

que tem por objecto um recurso nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 19 de Setembro de 2003,

Archer Daniels Midland Co., com sede em Decatur (Estados Unidos),

Archer Daniels Midland Ingredients Ltd, com sede em Erith (Reino Unido),

representadas por C. O. Lenz, Rechtsanwalt, E. Batchelor, e por L. Martin Alegi e M. Garcia, solicitors, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrentes,

sendo a outra parte no processo:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. Lyal, na qualidade de agente, assistido por J. Flynn, QC, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, K. Schiemann, N. Colneric (relatora), E. Juhász e E. Levits, juízes,

advogado‑geral: A. Tizzano,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 18 de Novembro de 2004,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de Junho de 2005,

profere o presente

Acórdão

1        No seu recurso, a Archer Daniels Midland Co. (a seguir «ADM Company») e a sua filial europeia, a Archer Daniels Midland Ingredients Ltd (a seguir «ADM Ingredients») pedem a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 9 de Julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão (T‑224/00, Colect., p. II‑2597, a seguir, «acórdão recorrido»), na medida em que negou provimento ao seu recurso destinado a obter a anulação parcial da Decisão 2001/418/CE da Comissão, de 7 de Junho de 2000, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do acordo EEE (processo COMP/36.545/F3 – Aminoácidos) (JO 2001, L 152, p. 24, a seguir «decisão impugnada»).

2        No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância, nomeadamente, reduziu a coima aplicada, solidariamente, à ADM Company e à ADM Ingredients e, no essencial, negou provimento aos recursos de anulação interpostos contra a decisão impugnada.

 Quadro jurídico

3        O artigo 7.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), que tem por epígrafe «Princípio da legalidade», prevê, no seu n.° 1:

«Ninguém pode ser condenado por uma acção ou uma omissão que, no momento em que foi cometida, não constituía infracção, segundo o direito nacional ou internacional. Igualmente não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infracção foi cometida.»

4        Nos termos do artigo 4.° do protocolo n.° 7 da CEDH, intitulado «Direito a não ser julgado ou punido mais de uma vez»:

«Ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por motivo de uma infracção pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal desse Estado.

[…]

3. Não é permitida qualquer derrogação ao presente artigo com fundamento no artigo 15.° da Convenção.»

5        O artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), prevê:

«A Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de empresas multas de mil unidades de conta, no mínimo, a um milhão de unidades de conta, podendo este montante ser superior desde que não exceda dez por centro do volume de negócios realizado, durante o exercício social anterior, por cada uma das empresas que tenha participado na infracção sempre que, deliberada ou negligentemente:

a)      Cometam uma infracção ao disposto no n.° 1 do artigo [81.°] ou no artigo [82.°] do Tratado, […]

[…]

Para determinar o montante da multa, deve tomar‑se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma.»

6        A comunicação da Comissão que tem por epígrafe «Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA» (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações»), enuncia, nomeadamente:

«Os princípios enunciados nas [...] orientações deverão permitir assegurar a transparência e o carácter objectivo das decisões da Comissão, quer em relação às empresas, quer em relação ao Tribunal de Justiça, reafirmando, simultaneamente, a margem de discricionariedade deixada pelo legislador à Comissão em matéria de fixação de coimas, no limite de 10% do volume de negócios global das empresas. Esta margem de discricionariedade deverá, contudo, ser exercida segundo uma linha de política coerente e não discriminatória, adaptada aos objectivos prosseguidos pela repressão das infracções às regras de concorrência.

A nova metodologia aplicável ao montante das coimas pautar‑se‑á doravante pelo esquema a seguir apresentado que se baseia na fixação de um montante de base ajustado através de majorações, para ter em conta circunstâncias agravantes, e de diminuições, para ter em conta circunstâncias atenuantes.»

7        Nos termos do ponto 1 A, quarto e sexto parágrafo, das orientações:

«Será, por outro lado, necessário tomar em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores, e determinar um montante que assegure que a coima apresenta um carácter suficientemente dissuasivo.

[…]

No caso de infracções em que participem várias empresas (tipo cartel), poderá ser conveniente ponderar, em certos casos, os montantes determinados no interior de cada uma das categorias acima referidas, a fim de ter em conta o peso específico e, portanto, o impacto real do comportamento ilícito de cada empresa na concorrência, nomeadamente se existir uma disparidade considerável em termos de dimensão das empresas que cometeram uma infracção da mesma natureza.»

 Factos na origem do litígio

8        Os factos que estão na origem do recurso interposto no Tribunal de Primeira Instância são, no acórdão recorrido, expostos nos seguintes termos:

«1      As recorrentes, [ADM Company] e a sua filial europeia [ADM Ingredients] operam no sector da transformação de cereais e oleaginosas. Implantaram‑se no mercado da lisina em 1991.

2      A lisina é o principal aminoácido utilizado na alimentação animal para efeitos nutricionais. A lisina sintética é utilizada como aditivo nos alimentos que não contêm lisina natural suficiente, como, por exemplo, os cereais, a fim de permitir aos nutricionistas a composição de dietas à base de proteínas que respondam às necessidades alimentares dos animais. Os alimentos aos quais é adicionada lisina podem também substituir aqueles que contêm naturalmente lisina suficiente, como, por exemplo, a soja.

3      Em 1995, na sequência de um inquérito secreto levado a cabo pelo Federal Bureau of Investigation (FBI), foram efectuadas buscas nos Estados Unidos, nas instalações de várias empresas com actividade no mercado da lisina. Em Agosto e Outubro de 1996, a ADM Company e as sociedades Kyowa Hakko Kogyo Co. Ltd (a seguir ‘Kyowa’), Sewon Corp. Ltd, Cheil Jedang Corp. (a seguir ‘Cheil’) e Ajinomoto Co. Inc. foram acusadas pelas autoridades norte‑americanas de participarem num acordo que consistia na fixação dos preços da lisina e na repartição dos volumes de vendas deste produto, entre Junho de 1992 e Junho de 1995. Na sequência de acordos celebrados com o ministério da Justiça americano, o juiz a quem tinha sido atribuído o processo aplicou multas a estas empresas, a saber, uma multa de 10 milhões de dólares dos Estados Unidos (USD) à Kyowa Hakko Kogyo e à Ajinomoto, uma multa de 70 milhões de USD à ADM Company e uma multa de 1,25 milhões de USD à Cheil. O montante da multa aplicada à Sewon Corp., segundo esta afirma, foi de 328 000 USD. Além disso, três dirigentes da ADM Company foram condenados em penas de prisão e em multas pelo seu papel no acordo.

4      Em Julho de 1996, a Ajinomoto, com base na comunicação da Comissão 96/C 207/04 sobre a não aplicação de coimas ou a redução do seu montante nos processos (JO C 207, p. 4, a seguir ‘comunicação sobre a cooperação’), propôs‑se cooperar com a Comissão para demonstrar a existência de um cartel no mercado da lisina e os seus efeitos no Espaço Económico Europeu (EEE).

5      Em 11 e 12 de Junho de 1997, a Comissão, nos termos do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 […], procedeu a investigações nas instalações europeias da ADM Company e da Kyowa Hakko Europe GmbH. Na sequência dessas investigações, a Kyowa Hakko Kogyo e a Kyowa Hakko Europe manifestaram o seu desejo de cooperar com a Comissão e forneceram‑lhe determinadas informações relativas, nomeadamente, à cronologia das reuniões entre os produtores de lisina.

6      Em 28 de Julho de 1997, a Comissão, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, enviou à ADM Company, à ADM Ingredients, à Sewon Corp. e à sua filial europeia Sewon Europe GmbH (a seguir, em conjunto, ‘Sewon’), bem como à Cheil, pedidos de informação sobre o seu comportamento no mercado dos aminoácidos e sobre as reuniões do cartel identificadas nesses pedidos. Depois de uma carta da Comissão, de 14 de Outubro de 1997, que lhes lembrava que não tinham respondido aos seus pedidos, a ADM Ingredients respondeu ao pedido da Comissão relativo ao mercado da lisina. A ADM Company não deu qualquer resposta.

7      Em 30 de Outubro de 1998, com base em informações que lhe tinham sido transmitidas, a Comissão dirigiu uma comunicação de acusações à ADM Company e à ADM Ingredients (a seguir, em conjunto, ‘ADM’) e às outras empresas em causa, isto é, a Ajinomoto e a sua filial europeia Eurolisina SA (a seguir, em conjunto, ‘Ajinomoto’), a Kyowa Hakko Kogyo e a sua filial europeia Kyowa Hakko Europe (a seguir, em conjunto, ‘Kyowa’), a Daesang Corp. (anteriormente Sewon Corp.) e a sua filial europeia Sewon Europe, e a Cheil, por violação do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (a seguir ‘acordo EEE’). Na comunicação de acusações, a Comissão imputava a essas empresas a fixação dos preços da lisina no EEE e de quotas de venda nesse mercado e a troca de informações sobre os seus volumes de venda, desde Setembro de 1990 (Ajinomoto, Kyowa e Sewon), Março de 1991 (Cheil) e Junho de 1992 (ADM) até Junho de 1995. Após receberem essa comunicação de acusações, as recorrentes informaram a Comissão de que não contestavam a materialidade dos factos.

8      Na sequência da audição das empresas em causa, em 1 de Março de 1999, a Comissão dirigiu‑lhes, em 17 de Agosto de 1999, uma comunicação de acusações complementar, relativa à duração do acordo, na qual concluía que a Ajinomoto, a Kyowa e a Sewon tinham participado nesse acordo pelo menos desde Junho de 1990, a Cheil pelo menos desde o início de 1991 e as recorrentes desde 23 de Junho de 1992. As recorrentes responderam a essa comunicação de acusações complementar em 6 de Outubro de 1999, confirmando que não contestavam a materialidade dos factos imputados.

9      No final do processo, a Comissão adoptou a Decisão [impugnada]. [Esta] foi notificada às recorrentes por carta de 16 de Junho de 2000.

10      A [decisão impugnada] contém as seguintes disposições:

Artigo 1.°

         A [ADM Company] e a sua filial europeia [ADM Ingredients], a Ajinomoto Company, Incorporated e a sua filial europeia Eurolisina SA, a Kyowa Hakko Kogyo Company Limited e a sua filial europeia Kyowa Hakko Europe GmbH, a Daesang Corporation e a sua filial europeia Sewon Europe GmbH, bem como a [Cheil] cometeram uma infracção ao n.° 1 do artigo 81.° do Tratado CE e ao n.° 1 do artigo 53.° do Acordo EEE ao participarem em acordos sobre preços, volumes de vendas e intercâmbio de informações individuais relativas aos volumes de vendas de lisina sintética, que abrangeram todo o EEE.

A duração da infracção foi a seguinte:

a)      No caso da [ADM Company] e da [ADM Ingredients], entre 23 de Junho de 1992 e 27 de Junho de 1995;

b)      No caso da Ajinomoto Company, Incorporated e da Eurolisina SA, entre pelo menos Julho de 1990 e 27 de Junho de 1995;

[…]

Artigo 2.°

São aplicadas as seguintes coimas às empresas referidas no artigo 1.°, relativamente às infracções verificadas:

a)      [ADM Company] e

         [ADM Ingredients]

         (responsáveis solidariamente) 47 300 000 euros

b)      Ajinomoto Company, Incorporated

         e Eurolisina SA

         (responsáveis solidariamente) 28 300 000 euros

[...]’

11      Para efeitos do cálculo do montante das coimas, a Comissão aplicou, na [decisão impugnada], a metodologia descrita nas Orientações […] e a comunicação sobre a cooperação.

12      Em primeiro lugar, o montante de base da coima, determinado em função da gravidade e da duração da infracção, foi fixado em 39 milhões de euros no que se refere à ADM. Quanto à Ajinomoto, à Kyowa, à Cheil e à Sewon, o montante de base da coima foi fixado, respectivamente, em 42, 21, 19,5 e 21 milhões de euros (considerando 314 da [decisão impugnada]).

13      Para a fixação do ponto de partida do montante das coimas, determinado em função da gravidade da infracção, a Comissão considerou de início que as empresas em causa tinham cometido uma infracção muito grave, tendo em conta a sua natureza e o seu impacto efectivo sobre o mercado da lisina no EEE e a dimensão do mercado geográfico em causa. Em seguida, considerando, com base nos respectivos volumes de negócios totais realizados no último ano do período da infracção, que existia uma disparidade considerável na dimensão das empresas autoras da infracção, a Comissão procedeu a um tratamento diferenciado. Em consequência, o ponto de partida do montante das coimas foi fixado em 30 milhões de euros para a ADM e para a Ajinomoto e 15 milhões de euros para a Kyowa, a Cheil e a Sewon (considerando 305 da [decisão impugnada]).

14      A fim de se ter em conta a duração da infracção cometida por cada empresa e de se determinar o montante de base da respectiva coima, o ponto de partida dessa forma determinado foi aumentado em 10% por ano, isto é, uma majoração de 30% para a ADM e a Cheil e de 40% para a Ajinomoto, Kyowa e Sewon (considerando 313 da [decisão impugnada]).

15      Em segundo lugar, a título de circunstâncias agravantes, os montantes de base das coimas aplicadas à ADM e à Ajinomoto foram aumentados em 50% cada, ou seja, no que se refere à ADM 19,50 milhões de euros e, no que se refere à Ajinomoto, 21 milhões de euros, pelo facto de estas empresas terem desempenhado um papel de líderes na prática da infracção (considerando 356 da [decisão impugnada]).

16      Em terceiro lugar, por circunstâncias atenuantes, a Comissão reduziu em 20% a majoração aplicada pela duração da infracção à coima da Sewon pelo facto de esta empresa ter desempenhado um papel passivo no acordo desde o início de 1995 (considerando 365 da [decisão impugnada]). Além disso, a Comissão reduziu em 10% os montantes de base das coimas de cada uma das empresas em causa, pelo facto de todas terem posto fim à infracção logo a seguir às primeiras intervenções de uma autoridade pública (considerando 384 da [decisão impugnada]).

17      Em quarto lugar, a Comissão procedeu a uma «redução significativa» do montante das coimas, na acepção do Título D da comunicação sobre a cooperação. Com base nisso, a Comissão concedeu à Ajinomoto e à Sewon uma redução de 50% do montante da coima que lhes teria sido aplicada se não tivessem cooperado, à Kyowa e à Cheil, uma redução de 30% e, por último, à ADM, uma redução de 10% (considerandos 431, 432 e 435 da [decisão impugnada]).»

 Recurso no Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido

9        Em 25 de Agosto de 2000, as recorrentes interpuseram recurso da decisão impugnada no Tribunal de Primeira Instância.

10      No seu recurso, concluem pedindo a anulação dessa decisão, que lhes aplicou uma coima, ou a redução da coima aplicada.

11      No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância:

–        fixou o montante da coima solidariamente aplicada às recorrentes em 43 875 000 euros.

–        negou provimento ao recurso no restante.

–        condenou as recorrentes nas suas próprias despesas, bem como em três quartos das despesas da Comissão das Comunidades Europeias e condenou esta a suportar um quarto das suas próprias despesas.

 Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

12      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o acórdão recorrido na medida em que o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso interposto da decisão impugnada;

–        anular o artigo 2.° da decisão impugnada na parte em que diz respeito à ADM;

–        a título subsidiário, no que diz respeito ao pedido referido no segundo travessão, alterar o artigo 2.° da decisão impugnada, reduzindo ou anulando a coima aplicada à ADM;

–        a título subsidiário, no que diz respeito aos pedidos referidos nos segundo e terceiro travessões, remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância para este decidir em conformidade com a decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça quanto ao direito aplicável;

–        em qualquer dos casos, condenar a Comissão a suportar as suas próprias despesas e as despesas da ADM efectuadas no processo no Tribunal de Primeira Instância e no Tribunal de Justiça.

13      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

 Fundamentos invocados

14      Em apoio do seu recurso, as recorrentes invocam os seguintes fundamentos:

–        violação do princípio da não retroactividade ao permitir a aplicação retroactiva das orientações pela Comissão;

–        violação do princípio da igualdade:

–        ao permitir a discriminação efectuada pela Comissão relativamente ao método de cálculo das coimas aplicado a infracções simultâneas ao direito da concorrência, consoante essa instituição comunitária adopte a sua decisão antes ou depois da publicação das orientações;

–        ao permitir a utilização do mesmo montante de base para as coimas aplicadas à ADM e à Ajinomoto, apesar de a quota de mercado desta última no EEE representar quase o dobro da quota da ADM;

–        violação do princípio non bis in idem ao considerar que a Comissão não está obrigada a compensar ou ter em conta multas pagas pela ADM a outras autoridades quanto aos mesmos factos;

–        violação do dever de fundamentação:

–        ao considerar que a Comissão não está obrigada a ter em conta as multas pagas pela ADM em Estados terceiros, apesar de a coima aplicada pela mesma se basear, nomeadamente, no volume de negócios global da ADM e que, por conseguinte, esta é condenada em relação ao volume de negócios nos Estados em que já tinha condenada no pagamento de multas;

–        ao considerar que a coima é razoável, embora a Comissão não tenha cumprido o seu dever de ter em conta as vendas de lisina da ADM no EEE;

–        desvirtuação dos elementos de prova, ao considerar que a Comissão tinha provado a existência de um impacto económico, quando esses elementos de prova não analisam os níveis dos preços no caso de inexistência de conluios, não podendo, por isso, demonstrar que os preços eram mais elevados do que seriam nessa diferente situação;

–        violação do princípio segundo o qual a Comissão deve cumprir as regras que ela adoptou, ao permitir que a Comissão viole as orientações;

–        violação do princípio da proporcionalidade, como é interpretado pelo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Primeira Instância, nos termos do qual deve existir um certo nexo entre as coimas e o volume de negócios relevante.

 Quanto ao recurso

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do princípio da não retroactividade

15      No primeiro fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal de Primeira Instância de, nos n.os 39 a 61 do acórdão recorrido, ter violado o princípio da não retroactividade, ao permitir a aplicação retroactiva pela Comissão das orientações.

16      Alegam que a coima teria sido de montante inferior ao da coima aplicada de acordo com as orientações se tivesse sido seguida a prática anterior.

17      No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento a esse fundamento com base num raciocínio cujo teor é idêntico ao que consta dos acórdãos desse mesmo Tribunal que estiveram na origem do acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425).

18      Nos n.os 202 a 206 desse último acórdão, o Tribunal de Justiça resumiu a argumentação do Tribunal de Primeira Instância do seguinte modo.

«202      O Tribunal de Primeira Instância referiu, antes de mais e correctamente, que o princípio da não retroactividade das leis penais, consagrado no artigo 7.° da CEDH como direito fundamental, constitui um princípio geral de direito comunitário cujo respeito se impõe quando são aplicadas coimas por infracção às regras da concorrência, e que este princípio exige que as sanções proferidas correspondam às que tinham sido fixadas à época em que a infracção foi cometida.

203      O Tribunal de Primeira Instância considerou, seguidamente, que as orientações se mantêm no quadro jurídico que rege a determinação do montante das coimas, como definido, anteriormente às infracções, no artigo 15.° do Regulamento n.° 17.

204      Com efeito, o método de cálculo das coimas previsto nas orientações continua a assentar nos princípios que esta disposição prescreve, ao passo que o cálculo é sempre efectuado com base na gravidade e na duração da infracção e que a coima não pode ultrapassar o montante máximo de 10% do volume de negócios global.

205      As orientações não alteram, portanto, o quadro jurídico das sanções, sendo este unicamente definido pelo Regulamento n.° 17. A prática decisória anterior da Comissão não faz parte desse quadro jurídico.

206      Por fim, segundo o Tribunal de Primeira Instância, não há agravamento retroactivo das coimas, embora as orientações possam, em determinados casos, provocar um aumento destas. Isto decorre da margem de apreciação devolvida à Comissão na fixação do montante das coimas, em conformidade com o Regulamento n.° 17. Esta instituição pode, assim, em qualquer momento, aumentar o nível das coimas segundo as necessidades da sua política de concorrência, desde que se mantenha dentro dos limites indicados no Regulamento n.° 17 […]»

19      Como o Tribunal de Justiça declarou nos n.os 207 e 208 do acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, a premissa do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual as orientações não fazem parte do quadro jurídico que determina o montante das coimas, uma vez que esse quadro é constituído exclusivamente pelo artigo 15.° do Regulamento n.° 17, pelo que a aplicação das orientações a infracções cometidas antes da sua adopção não pode entrar em conflito com o princípio da não retroactividade, não é correcta.

20      Com efeito, a modificação de uma política repressiva, no caso, a política geral de concorrência da Comissão em matéria de coimas, em especial se for levada a cabo mediante a adopção de regras de conduta como as orientações, pode ter efeitos no que respeita ao princípio da não retroactividade (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 222).

21      No entanto, a aplicação eficaz das regras comunitárias da concorrência exige que a Comissão possa, em qualquer momento, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política (acórdãos de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Colect., p. 1825, n.° 109, e Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 227).

22      Daí decorre que as empresas implicadas num procedimento administrativo que possa dar lugar a uma coima não podem fundar uma confiança legítima no facto de que a Comissão não ultrapassará o nível das coimas praticado anteriormente, nem num método de cálculo destas últimas (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 228).

23      Por conseguinte, as referidas empresas devem contar com a possibilidade de, a todo o momento, a Comissão poder decidir aumentar o nível do montante das coimas em relação ao aplicado no passado (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 229).

24      Isto é válido não só quando a Comissão procede a um aumento do nível do montante das coimas, fixando coimas em decisões individuais, mas também se este aumento for operado pela aplicação, a casos concretos, de regras de conduta que tenham um alcance geral, como é o caso das orientações (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 230).

25      Como no processo Dansk Rørindustri e o./Comissão, daí deve concluir‑se que as orientações e, em especial, o novo método de cálculo das coimas que as mesmas comportam, admitindo que tenha tido um efeito agravante quanto ao nível das coimas infligidas, eram razoavelmente previsíveis para empresas como as recorrentes, à época em que foram cometidas as infracções em causa e que, ao aplicar as orientações, na decisão impugnada, a infracções cometidas antes da adopção dessas orientações, a Comissão não violou o princípio da não retroactividade (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.os 231 e 232).

26      Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu um erro de direito ao negar provimento ao fundamento de anulação relativo à violação do princípio da não retroactividade.

27      Tendo em conta as considerações precedentes, há que negar provimento ao primeiro fundamento do recurso.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade

28      O segundo fundamento invocado pelas recorrentes divide‑se em duas partes. A ADM acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter violado o princípio da igualdade, por um lado, ao permitir a discriminação efectuada pela Comissão quanto ao método de cálculo de coimas aplicadas a infracções simultâneas ao direito da concorrência consoante aquela adopte a sua decisão antes ou depois da publicação das orientações (n.os 69 a 75 do acórdão recorrido) e, por outro, ao confirmar um montante de base igual para as coimas aplicadas à ADM e à Ajinomoto, apesar de a quota de mercado desta última no EEE representar quase o dobro da quota da ADM (n.os 207 e 211 a 214 do acórdão recorrido).

29      A primeira parte do segundo fundamento está estritamente ligada com o primeiro fundamento, na medida em que o tratamento alegadamente discriminatório decorre do facto de as orientações terem sido aplicadas a partir de uma determinada data.

30      Como foi referido no n.° 21 do presente acórdão, a Comissão pode decidir em qualquer momento aumentar o montante das coimas em relação ao aplicado no passado.

31      Por essa razão, o Tribunal de Justiça, no n.° 110 do acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido, negou provimento a um fundamento assente, nomeadamente, no argumento segundo o qual o método aplicado pela Comissão era discriminatório porque os factos desse processo tinham ocorrido simultaneamente com os de outros processos em que a Comissão tinha tomado uma decisão antes daquele caso, aplicando coimas de montante nitidamente inferior.

32      Assim, a primeira parte do segundo fundamento não pode proceder.

33      No que diz respeito à segunda parte do mesmo fundamento, a argumentação das recorrentes assenta na premissa segundo a qual, quando várias empresas participaram na mesma infracção, os montantes de base da coima só podem ser diferenciados com base no volume de negócios resultante das vendas do produto em causa no EEE. Essa premissa é errada.

34      Como resulta dos n.os 243 e 312 do acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, é permitida uma diferenciação, no que diz respeito aos montantes de base da coima, com base em critérios diferentes do volume de negócios relevante.

35      O Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao declarar, no n.° 212 do acórdão recorrido, com base na especificação que lhe compete, que o volume de negócios global da ADM, que continua a ser uma indicação da dimensão e do poder económico de uma empresa, revela claramente que a ADM é duas vezes mais importante do que a Ajinomoto, o que, simultaneamente, é susceptível de compensar o facto de exercer uma influência inferior à da Ajinomoto no mercado da lisina no EEE e explica que o montante de base da coima seja fixado num nível suficientemente dissuasivo.

36      Por conseguinte, há que negar provimento à segunda parte do segundo fundamento e, assim, há que negar provimento na íntegra a esse fundamento.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação de um corolário do princípio non bis in idem

 Argumentos das partes

37      No terceiro fundamento, como foi especificado na audiência, as recorrentes invocam a violação de um corolário do princípio non bis in idem, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância declarou, nos n.os 85 a 104 do acórdão recorrido, que a Comissão não estava obrigada a compensar ou a ter em conta multas pagas a outras autoridades destinadas a punir as mesmas actuações.

38      Este fundamento divide‑se em duas partes.

39      Em primeiro lugar, as recorrentes alegam que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao interpretar de modo demasiado restritivo o princípio non bis in idem e o acórdão de 14 de Dezembro de 1972, Boehringer Mannheim/Comissão (7/72, Colect., p. 447). Sustentam que, dentre os princípios elementares, existe um corolário do princípio non bis in idem que exige que sejam tidas em conta sanções concorrentes relativas aos mesmos factos. Trata‑se de um princípio fundamental de direito comunitário que existe independentemente da sua consagração em qualquer convenção. As recorrentes sustentam que, no acórdão Boehringer Mannheim/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça apreciou uma questão relacionada com um Estado terceiro e declarou que os princípios elementares da justiça se aplicam em processos dessa natureza. Os princípios da boa administração da justiça e da proporcionalidade exigem que as sanções aplicadas em último lugar tenham em conta as que já foram infligidas por um tribunal, seja ele qual for, relativamente aos mesmos factos. Proceder de outro modo poderia penalizar excessivamente as empresas em causa e consistiria em infligir‑lhes uma coima desproporcionada relativamente à necessidade de dissuasão e/ou à justiça repressiva.

40      Em seguida, as recorrentes alegam que a conclusão formulada nos n.os 101 e 102 do acórdão recorrido, segundo a qual elas não demonstraram que os factos constitutivos da infracção punida pela Comissão e pelos Estados terceiros são idênticos, constitui uma desvirtuação dos elementos de prova, uma violação do artigo 36.° do Estatuto do Tribunal de Justiça por incumprimento do dever de fundamentação e um atentado ao seu direito de defesa.

41      Por último, as recorrentes alegam que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro ao declarar, no n.° 103 do acórdão recorrido que, mesmo que os factos fossem idênticos, não existiria qualquer direito à compensação, uma vez que a ADM não demonstrou que as sanções aplicadas nos Estados terceiros diziam respeito à aplicação ou aos efeitos do cartel no EEE, e ao declarar que essas sanções foram calculadas em função do volume de negócios da ADM nos Estados Unidos e no Canadá. Apenas é necessário fazer prova dos actos concretos punidos pela Comissão e pelas autoridades dos Estados terceiros. A ADM demonstrou que os seus actos e o cartel objecto das sanções aplicadas pela Comissão e pelas autoridades dos Estados terceiros respeitavam precisamente ao mesmo cartel mundial.

42      Quanto à primeira parte do terceiro fundamento invocado pelas recorrentes, a Comissão sustenta que, no acórdão Boehringer Mannheim/Comissão, já referido, não foi decidida a questão de saber se essa instituição é obrigada a ter em conta uma sanção aplicada pelas autoridades de um Estado terceiro no caso de os factos imputados a uma empresa por essa instituição e pelas referidas autoridades serem idênticos. Considera que há boas razões para considerar que o princípio de direito natural invocado nos acórdãos de 13 de Fevereiro de 1969, Wilhelm e o. (14/68, Colect. 1969‑1970, p. 1), e Boehringer Mannheim/Comissão, já referido, só é aplicável na União Europeia. Todos os órgãos jurisdicionais da União deveriam, pelo menos no que diz respeito ao direito da concorrência, conformar‑se com a jurisprudência preponderante do Tribunal de Justiça, e as competências desses Estados e as das instituições comunitárias sobrepõem‑se. Não existe uma ligação nem uma sobreposição desse tipo entre os Estados Unidos da América e a Comunidade Europeia.

43      Relativamente à segunda parte do terceiro fundamento invocado pelas recorrentes, a Comissão sustenta que o Tribunal de Primeira Instância declarou, fazendo referência ao acórdão Boehringer Mannheim/Comissão, já referido, que as autoridades comunitárias e americanas se interessavam pelo comportamento adoptado pelos membros do cartel nos respectivos territórios. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça fez uma distinção entre os acordos que deram origem a um cartel e a aplicação deste em diferentes territórios.

44      No que diz respeito à terceira parte do terceiro fundamento, a Comissão alega que a ADM fez uma leitura errada do n.° 103 do acórdão recorrido. O Tribunal de Primeira Instância abordou efectivamente a questão de saber se as condenações nos Estados Unidos e no Canadá eram relativas aos mesmos factos que os punidos pela Comissão na decisão impugnada.

45      A Comissão considera que, a menos que os factos imputados pelas autoridades comunitárias e americanas se caracterizem por um mesmo objecto e pela mesma localização territorial, não são considerados idênticos. Os factos imputados pela Comissão e pelas autoridades americanas não são idênticos e nada autoriza a ADM a afirmar que estas últimas tinham a intenção de a punir pela criação de cartéis no EEE.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

–       Quanto à primeira parte do terceiro fundamento

46      Como deixaram claro na audiência, as recorrentes não invocam o princípio non bis in idem enquanto tal. Assim, não alegam que a Comissão não devia ter dado início ao procedimento ou que não tem o poder de aplicar uma coima. As recorrentes alegam antes que existe, entre os princípios elementares da justiça, um corolário do princípio non bis in idem, segundo o qual devem ser tidas em conta sanções concomitantes respeitantes aos mesmos factos.

47      A este respeito, há que recordar, a título preliminar que, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, a fiscalização do Tribunal de Justiça tem por objecto, por um lado, examinar em que medida o Tribunal de Primeira Instância tomou em consideração, de modo juridicamente correcto, todos os factores essenciais para apreciar a gravidade de um determinado comportamento à luz dos artigos 81.° CE e 15.° do Regulamento n.° 17 e, por outro, verificar se o Tribunal de Primeira Instância respondeu de modo juridicamente satisfatório a todos os argumentos invocados pelo recorrente, tendentes à supressão ou à redução da coima (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 244, e jurisprudência aí referida).

48      No caso em apreço, o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 98 do acórdão recorrido, declarou que resulta da redacção do n.° 3 do acórdão Boehringer Mannheim/Comissão, já referido, que o Tribunal de Justiça não decidiu a questão de saber se a Comissão deve ter em conta uma sanção aplicada pelas autoridades de um Estado terceiro no caso de os factos atribuídos a uma empresa por essa instituição e pelas referidas autoridades serem idênticos, antes considerou a que a identidade dos factos imputados pela Comissão e pelas autoridades de um Estado terceiro era uma condição prévia à questão acima referida.

49      A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito. Com efeito, no acórdão Boehringer Mannheim/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça não decidiu essa questão, uma vez que não estava demonstrado que os factos imputados pela Comissão à recorrente, por um lado, e pelas autoridades americanas, por outro, eram idênticos.

50      Em seguida, remetendo para o n.° 11 do acórdão Wilhelm e o., já referido, o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 99 do acórdão recorrido, considerou que foi tendo em consideração a situação particular que resulta, por um lado, da estreita interdependência dos mercados nacionais dos Estados‑Membros e do mercado comum e, por outro, do sistema particular de repartição de competências entre a Comunidade e os Estados‑Membros em matéria de acordos num mesmo território, o do mercado comum, que o Tribunal de Justiça, admitindo a possibilidade de um duplo julgamento e face à eventual dupla sanção daí decorrente, considerou necessário que se tomasse em conta a primeira decisão punitiva de acordo com uma exigência de equidade.

51      No n.° 100 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância declarou que era manifesto que tal situação não se verificava no caso concreto e, portanto, na falta de invocação de uma disposição convencional expressa que previsse o dever de a Comissão, na fixação do montante de uma coima, ter em conta sanções já aplicadas à mesma empresa, pelo mesmo facto, pelas autoridades ou tribunais de um Estado terceiro, como os Estados Unidos ou o Canadá, as recorrentes não podem validamente criticar a Comissão por ter ignorado, no caso presente, esse alegado dever.

52      Mesmo partindo do princípio de que esse raciocínio seja errado e que a sanção aplicada pelas autoridades de um Estado terceiro seja um elemento susceptível de entrar na apreciação das circunstâncias do caso concreto a fim de determinar o montante da coima, o fundamento relativo ao facto de a Comissão não ter em conta multas já aplicadas em Estados terceiros só seria procedente se os factos imputados à ADM pela Comissão, por um lado, e pelas autoridades dos Estados Unidos e do Canadá, por outro, fossem idênticos.

53      O Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 101 a 103 do acórdão recorrido, analisou, a título subsidiário, se as recorrentes tinham provado essa identidade. Assim, há que examinar as outras partes do terceiro fundamento, que se refere a esses números.

54      No que diz respeito ao princípio da boa administração, igualmente invocado pelas recorrentes no âmbito da primeira parte do terceiro fundamento, o mesmo não é pertinente no contexto em causa.

–       Quanto à segunda parte do terceiro fundamento

55      No que diz respeito à declaração do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual não foi provado que os factos imputados à ADM pela Comissão e pelas autoridades dos Estados Unidos e do Canadá são idênticos, as recorrentes invocam, em primeiro lugar, uma desvirtuação dos elementos de prova. Alegam que o facto de as infracções respeitantes à lisina e ao ácido cítrico se distinguirem uma da outra resulta com evidência dos documentos relativos ao acordo judiciário tanto nos Estados Unidos como no Canadá, Estados em que as infracções são penalmente qualificadas de modo distinto no âmbito da acusação da ADM. Nem esses documentos nem nenhum outro elemento levam a crer que os acordos distintos em causa se inserem num «conjunto mais amplo de acordos e de práticas concertadas».

56      Todavia, o Tribunal de Primeira Instância não considerou que as infracções relativas, respectivamente, à lisina e ao ácido cítrico não se distinguiam uma da outra. No início do n.° 103 do acórdão recorrido, na verdade, manifestou dúvidas quanto à questão de saber se a condenação relativa ao cartel da lisina pode ser considerada distinta da relativa ao cartel do ácido cítrico. No entanto, partiu do princípio de que era esse o caso.

57      Pelo facto de o Tribunal de Primeira Instância ter considerado que as condenações nos Estados Unidos e no Canadá tinham em vista um conjunto mais amplo de acordos e práticas concertadas, não pode alegar‑se que esse órgão jurisdicional desvirtuou os elementos de prova. A referência às «condenações nos Estados Unidos e no Canadá [que] tinham em vista um conjunto mais amplo de acordos e práticas concertadas» que consta do n.° 102 do acórdão recorrido deve ser interpretada à luz do n.° 5 do acórdão Boehringer Mannheim/Comissão, já referido, em que é visado «um conjunto mais amplo» a que o Tribunal de Primeira Instância se referiu no número precedente. Por conseguinte, essa referência deve ser interpretada no sentido de que as referidas condenações dizem igualmente respeito às actuações relativas ao ácido cítrico, que não estão em causa na decisão impugnada.

58      Consequentemente, o fundamento relativo à desvirtuação dos elementos de prova deve ser julgado improcedente.

59      As recorrentes alegam, em seguida, que o Tribunal de Primeira Instância afastou, sem fundamentação, as provas suplementares por elas apresentadas quanto à identidade dos processos, violando assim o artigo 36.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

60      A este respeito, há que recordar que o dever de fundamentar os acórdãos que incumbe ao Tribunal de Primeira Instância por força dos artigos 36.° e 53.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça não impõe ao Tribunal de Primeira Instância uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio. A fundamentação pode, portanto, ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões por que as medidas em questão foram tomadas e ao órgão jurisdicional competente dispor dos elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (v., neste sentido, acórdão de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 372).

61      Relativamente às provas suplementares apresentadas pela ADM, o Tribunal de Primeira Instância não violou o dever de fundamentação que lhe incumbe. A sua fundamentação assenta na premissa segundo a qual, para provar a identidade dos factos que lhes foram imputados, as recorrentes deviam ter demonstrado que as condenações proferidas nos Estados Unidos e no Canadá tinham por objecto aplicações ou efeitos do cartel diferentes dos que ocorreram nesses Estados e, em particular, no EEE. Ao declarar que isso não foi provado, o Tribunal de Primeira Instância qualificou implicitamente os elementos de prova suplementares apresentados pelas recorrentes a este respeito de insuficientes.

62      Daqui decorre que o fundamento relativo à violação do artigo 36.° do Estatuto do Tribunal de Justiça não pode ser acolhido.

63      Por último, as recorrentes alegam que, dado que, nos seus articulados e na decisão impugnada, a Comissão reconheceu evidentemente que os factos punidos no âmbito de processos instaurados em Estados terceiros eram precisamente os mesmos que os que foram expostos perante o Tribunal de Primeira Instância, este deveria dar‑lhes a possibilidade de se pronunciarem antes de concluir em sentido contrário.

64      A este respeito, há que observar que, na verdade, a Comissão referiu que a infracção cometida no EEE resultava da existência de um cartel mundial. No entanto, a Comissão não reconheceu a identidade dos factos por ela imputados às recorrentes, por um lado, e pelas autoridades dos Estados Unidos e do Canadá, por outro.

65      Com efeito, resulta do n.° 183 dos fundamentos da decisão impugnada que a Comissão acusa a ADM e outras empresas objecto da decisão de terem infringido os artigos 81.° CE e 53.° do acordo EEE uma vez que, no EEE e no âmbito de um acordo, fixaram os preços da lisina, controlaram os fornecimentos e repartiram os volumes de vendas entre si, e trocaram informações relativamente aos seus volumes de vendas por forma a controlar o cumprimento das quotas de vendas que tinham acordado. No n.° 311 dos fundamentos da mesma decisão, a Comissão observou que, de acordo com as informações prestadas pelas autoridades dos Estados Unidos e do Canadá, as multas aplicadas às empresas destinatárias dessa decisão apenas tomaram em consideração os efeitos anticoncorrenciais que o cartel em análise na referida decisão produziu na área das respectivas jurisdições.

66      Daqui decorre que, para a Comissão, tratava‑se da aplicação de um cartel em territórios diferentes. Por conseguinte, as conclusões da Comissão permitiram às recorrentes defender de modo útil o seu ponto de vista a este respeito.

67      Consequentemente, o fundamento relativo à violação do direito de ser ouvido é improcedente.

–       Quanto à terceira parte do terceiro fundamento

68      O n.° 103 do acórdão recorrido insere‑se na análise do Tribunal de Primeira Instância relativa à identidade dos factos imputados.

69      A este respeito, há que referir que, quando a sanção aplicada no Estado terceiro apenas tem em vista as aplicações ou os efeitos do cartel no mercado desse Estado e a sanção comunitária as suas aplicações ou efeitos no mercado comunitário, não há identidade dos factos.

70      Embora o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 103 do acórdão recorrido, tenha salientado que as coimas em causa foram calculadas em função dos volumes de negócios realizados, respectivamente, nos Estados Unidos e no Canadá, foi para apoiar a sua conclusão segundo a qual as coimas se destinavam a punir a aplicação do acordo nesses territórios, e não no do EEE.

71      Segundo o Tribunal de Primeira Instância, a ADM não demonstrou que, para além das aplicações ou dos efeitos do cartel em causa nos Estados Unidos e no Canadá, as sanções aplicadas nesses Estados se destinavam a punir as aplicações ou efeitos desse cartel no EEE.

72      O principal fundamento invocado pelas recorrentes no âmbito da terceira parte do terceiro fundamento é, consequentemente, improcedente.

73      A título subsidiário, as recorrentes alegam que a Comissão é obrigada a ter em conta as multas pagas a outras autoridades e calculadas em função do volume de negócios nos Estados Unidos e no Canadá, quando, como no caso em apreço, a Comissão tem em conta o volume de negócios mundial das recorrentes relativo à lisina para calcular a coima a aplicar. Ao fazê‑lo, essa instituição calculou a referida coima em função do volume de negócios das recorrentes nos Estados em que estas já pagaram uma multa, acrescentando‑o ao seu volume de negócios no mercado do EEE.

74      Todavia, na decisão impugnada, o volume de negócios mundial só foi utilizado para comparar a dimensão relativa das empresas em causa a fim de ter em consideração a capacidade efectiva das referidas empresas causarem um prejuízo significativo ao mercado da lisina no EEE.

75      Por conseguinte, este fundamento não deve ser acolhido.

76      Dado que todos os fundamentos invocados pelas recorrentes relativamente à conclusão do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual elas não provaram a identidade dos factos imputados não devem ser acolhidos, há que negar provimento ao terceiro fundamento.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

77      O quarto fundamento divide‑se em duas partes.

78      Na primeira parte desse fundamento, que tem por objecto os n.os 85 a 94 do acórdão recorrido, as recorrentes alegam que o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 36.° do Estatuto do Tribunal de Justiça ao considerar que a Comissão não estava obrigada a ter em conta as multas por elas pagas em Estados terceiros, apesar de a coima aplicada pela Comissão depender, nomeadamente, do seu volume de negócios mundial e, por conseguinte, de as recorrentes terem sido punidas em função do seu volume de negócios em Estados onde já foram condenadas em multas.

79      Na segunda parte do quarto fundamento, que tem por objecto os n.os 198 a 206 do acórdão recorrido, as recorrentes acusam o Tribunal de Primeira Instância de ter violado o artigo 36.° do Estatuto do Tribunal de Justiça ao declarar que a coima é razoável, não obstante o facto de a Comissão não ter cumprido o seu dever de ter em conta o volume de negócios das recorrentes relativamente à lisina no EEE.

80      No que diz respeito às exigências inerentes ao dever de fundamentação que incumbe ao Tribunal de Primeira Instância, há que remeter para o n.° 60 do presente acórdão.

81      No caso em apreço, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância está, no que respeita aos dois aspectos em causa, suficientemente fundamentado. Por uma lado, o Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 85 a 103 do acórdão recorrido, fundamentou de modo circunstanciado a sua conclusão segundo a qual a Comissão não era obrigada a ter em conta as multas pagas pela ADM nos Estados terceiros. Por outro, nos n.os 198 a 206 do acórdão recorrido, expôs as razões pelas quais rejeitou a argumentação das recorrentes segundo a qual a coima era desproporcionada em relação ao volume de negócios por elas realizado no mercado da lisina no EEE.

82      Por conseguinte, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à desvirtuação dos elementos de prova

83      No seu quinto fundamento, que tem por objecto os n.os 142 a 171 do acórdão recorrido, as recorrentes alegam que o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou os elementos de prova ao declarar que a Comissão tinha provado a existência de efeitos económicos.

84      Mais especificamente, as recorrentes acusam o Tribunal de Primeira Instância de ter desvirtuado os elementos de prova ao concluir que a Comissão fez prova suficiente de que os preços eram superiores ao que seriam se não houvesse colusão. Os elementos de prova apresentados pela Comissão, cuja existência o Tribunal de Primeira Instância teve em consideração nos n.os 154 a 160 do acórdão recorrido, apenas demonstram níveis de preços efectivos, sem analisar os níveis de preços prováveis não havendo um cartel.

85      A este respeito, há que recordar que a apreciação dos factos não constitui, excepto em caso de desvirtuação dos elementos de prova apresentados ao Tribunal de Primeira Instância, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, acórdão de 21 de Junho de 2001, Moccia Irme e o./Comissão, C‑280/99 P a C‑282/99 P, Colect., p. I‑4717, n.° 78).

86      Ora, as recorrentes não demonstraram que tenham sido desvirtuados elementos de prova. A crítica por elas dirigida contra a fundamentação seguida pelo Tribunal de Primeira Instância não tem fundamento. Assim, como o advogado‑geral referiu no n.° 124 das suas conclusões, resulta da leitura da decisão impugnada e do acórdão recorrido que a Comissão forneceu uma série de elementos de prova sobre o aumento dos preços provocado pelo cartel e que estes elementos foram exaustivamente examinados pelo Tribunal de Primeira Instância. Ao rejeitar os argumentos das recorrentes destinados a demonstrar que não foi provado que os preços aplicados eram superiores aos que seriam praticados no âmbito de um oligopólio na inexistência de infracção, o Tribunal de Primeira Instância não deduziu dos elementos de prova o que estes manifestamente não demonstram.

87      Por conseguinte, há que negar provimento ao quinto fundamento.

 Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do princípio por força do qual a Comissão deve observar as regras que ela própria adoptou

88      No seu sexto fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal de Primeira Instância de, nos n.os 191 a 206 do acórdão recorrido, ter violado o princípio segundo o qual a Comissão deve observar as regras que ela própria adoptou.

89      O Tribunal de Primeira Instância declarou que a Comissão só teve em conta o volume de negócios total das recorrentes relativo a todos os produtos e o volume de negócios mundial relativamente à lisina ao fixar o montante de base e que, por conseguinte, não tinha cumprido a sua obrigação de levar em conta o volume de negócios que deve ser considerado. Não obstante a não observância, pela Comissão, das suas próprias orientações, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a coima era legal porque não violava o princípio da proporcionalidade. O Tribunal de Primeira Instância não pode, pelo menos sem fundamentar essa decisão, permitir que a Comissão viole as orientações. Permitir que a Comissão viole as orientações tendo apenas como limite as exigências da proporcionalidade constitui uma infracção aos princípios da segurança jurídica e da boa administração e uma discriminação entre as recorrentes e outras empresas às quais as orientações são devidamente aplicadas.

90      Por estas razões, o Tribunal de Primeira Instância deveria ter utilizado o método exposto nas orientações relativas às coimas, tendo em conta o volume de negócios da ADM que deve ser considerado, a fim de fixar o nível correcto das coimas. Ao não cumprir o seu dever neste sentido, violou o princípio segundo o qual a Comissão deve observar as regras que ela própria adoptou.

91      A este respeito, há que recordar que, embora as regras de conduta destinadas a produzir efeitos externos, como é o caso das orientações destinadas a operadores económicos, não possam ser qualificadas de norma jurídica que, de qualquer forma, a Administração está obrigada a observar, enunciam, no entanto, uma norma de conduta indicativa da prática a seguir, à qual a Administração não se pode furtar, num caso específico, sem apresentar razões compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento (v., neste sentido, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.os 209 e 210).

92      Não se pode criticar o Tribunal de Primeira Instância por ter autorizado a Comissão a aplicar as orientações de modo errado. Com efeito, depois de ter declarado, no n.° 197 do acórdão recorrido que, ao basear‑se nos volumes de negócios mundiais da ADM sem ter em consideração o seu volume de negócios no mercado da lisina no EEE, a Comissão violou o ponto 1 A, quarto e sexto parágrafos, das orientações, o Tribunal de Primeira Instância apreciou ele próprio o carácter adequado do montante da coima.

93      Todavia, quando, numa situação em que um elemento de avaliação da infracção em causa não tenha sido devidamente tomado em consideração pela Comissão e o Tribunal de Primeira Instância declara uma violação das orientações e julga o processo no uso da sua competência de plena jurisdição, os princípios da igualdade e da segurança jurídica impõem a este último a obrigação de verificar, em primeiro lugar, se, no caso de o referido elemento ser tomado em consideração, a coima se mantém, apesar disso, no quadro das referidas orientações. O princípio da proporcionalidade só se aplica depois dessa avaliação.

94      Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao aplicar apenas o critério da proporcionalidade.

95      Ora, decorre implicitamente da apreciação feita nos n.os 203 a 205 do acórdão recorrido, relativa ao volume de negócios da ADM proveniente das vendas de lisina no EEE que, se a Comissão tivesse aplicado correctamente as orientações tendo em conta esse volume de negócios, o resultado da determinação da coima não seria diferente.

96      O sexto fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

 Quanto ao sétimo fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

 Argumentação das recorrentes

97      No seu sétimo fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal de Primeira Instância de ter violado o princípio da proporcionalidade tal como é interpretado pelo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Primeira Instância. Com efeito, nos n.os 199 a 202 do acórdão recorrido, rejeitou, erradamente, o argumento segundo o qual o princípio da proporcionalidade pressupõe a existência de um certo nexo entre a coima e o volume de negócios que deve ser considerado, e do qual resulta que uma coima de 115% do referido volume de negócios, como acontece no presente processo, é desproporcionada. As recorrentes baseiam o seu cálculo no volume de negócios por elas realizado no mercado da lisina no EEE durante o último ano da infracção.

98      Consideram que, diferentemente do que o Tribunal de Primeira Instância declarou no n.° 200 do acórdão recorrido, o acórdão de 16 de Novembro de 2000, KNP BT/Comissão (C‑248/98 P, Colect., p. I‑9641), contém um princípio de aplicação geral, concretamente, o princípio segundo o qual a sanção deve ser proporcional à importância da empresa no mercado dos produtos objecto da infracção.

99      As recorrentes sustentam que os factos do presente processo são idênticos aos do processo em que foi proferido o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1994, Parker Pen/Comissão (T‑77/92, Colect., p. II‑549), em que este reduziu a coima pelo facto de a Comissão não ter tido suficientemente em conta o volume de negócios que deve ser considerado. O facto de, no processo Parker Pen/Comissão, já referido, ter sido reduzida a coima definitiva, e não o montante de base calculado em razão da gravidade, é irrelevante. Não foi feito um cálculo distinto do montante de base no referido processo. Além disso, a coima aplicada às recorrentes era desproporcionada em relação ao volume de negócios que deve ser considerado, independentemente de ser tida em conta a coima definitiva ou o montante de base em função da gravidade.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

100    De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, é permitido, com vista à determinação da coima, atender quer ao volume de negócios global da empresa, que constitui uma indicação, ainda que aproximativa e imperfeita, da dimensão desta e do seu poder económico, quer à parte desse volume que provém das mercadorias objecto da infracção e que, portanto, pode dar uma indicação da amplitude desta. Não se pode atribuir nem a um nem a outro desses volumes uma importância desproporcionada relativamente aos outros elementos de apreciação e, por conseguinte, a fixação de uma coima adequada não pode ser o resultado de um simples cálculo baseado no volume de negócios global. É particularmente assim quando as mercadorias em causa representam apenas uma pequena fracção desse volume (acórdãos já referidos Musique Diffusion française e o./Comissão, n.° 121, e Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 243).

101    Em contrapartida, o direito comunitário não inclui qualquer princípio de aplicação geral segundo o qual a sanção deve ser proporcional à importância da empresa no mercado dos produtos objecto da infracção.

102    No n.° 200 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou a argumentação das recorrentes nos seguintes termos:

«[…] Com efeito, resulta da jurisprudência que o limite instituído pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, por referência ao volume de negócios global da empresa, tem em vista evitar que as coimas sejam desproporcionadas relativamente à sua importância (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido, n.° 119). Na medida em que o montante final da coima não excede 10% do volume de negócios global da ADM no último ano da infracção, não pode ser considerada desproporcionada apenas pelo facto de ultrapassar o volume de negócios realizado no mercado em causa. Há que observar que as recorrentes referem [o acórdão KNP BT/Comissão, já referido, n.° 61], onde o Tribunal de Justiça refere incidentalmente que ‘o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 [...] tem em vista garantir que a sanção seja proporcional à importância da empresa no mercado dos produtos objecto da infracção’. Para além do facto de, no n.° 61 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça ter expressamente em vista, a título de referência, o n.° 119 do acórdão Musique [D]iffusion française e o./Comissão, já referido, há que salientar que a formulação em causa, não retomada na jurisprudência posterior, se inscreve no contexto particular do processo que deu origem ao acórdão KNP BT/Comissão, já referido. Nesse caso, a recorrente contestava o facto de a Comissão ter tido em conta o valor das vendas internas do grupo para efeitos de determinação das suas quotas de mercado, o que, não obstante, foi considerado válido pelo Tribunal de Justiça, pela razão acima referida. Daí não se pode, portanto, concluir que a sanção aplicada à ADM é desproporcionada.»

103    Essa fundamentação não está ferida de um erro de direito.

104    No que diz respeito ao acórdão Parker Pen/Comissão, já referido, decorre do seu n.° 94 que o Tribunal de Primeira Instância apenas aplicou as regras enunciadas no n.° 121 do acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido, e recordadas no n.° 100 do presente acórdão.

105    Além disso, não compete ao Tribunal de Justiça, quando se pronuncia sobre questões de direito no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, por motivos de equidade, substituir pela sua própria apreciação a apreciação efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância, que se pronunciou, no exercício da sua plena jurisdição, sobre o montante das coimas aplicadas a empresas, devido à violação, por estas, do direito comunitário (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 245, e jurisprudência aí referida).

106    Por conseguinte, há que julgar o sétimo fundamento improcedente.

107    Decorre das considerações precedentes que deve ser negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

108    Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.°, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da ADM Company e da ADM Ingredients e tendo estas sido vencidas, há que condená‑las nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Archer Daniels Midland Co. e a Archer Daniels Midland Ingredients Ltd são condenadas nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.