Language of document : ECLI:EU:C:2006:594

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

21 de Setembro de 2006 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Acordos, decisões e práticas concertadas – Artigo 81.° CE – Acordos de distribuição – Práticas concertadas – Notificação – Formulário A/B – Pedido de isenção – Indeferimento – Duração do exame do procedimento de notificação – Direitos de defesa – Presunção de inocência – Denúncia – Infracção – Proibição geral das vendas passivas – Limitação das fontes de abastecimento – Fundamentos e argumentos novos – Coimas – Orientações – Gravidade da infracção – Duração – Circunstâncias atenuantes – Recurso subordinado – Circunstâncias agravantes»

No processo C‑167/04 P,

que tem por objecto um recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 5 de Abril de 2004,

JCB Service, representada por E. Morgan de Rivery e E. Friedel, avocats,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por A. Whelan, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C.W. A. Timmermans, presidente de secção, J. Makarczyk, R. Silva de Lapuerta, P. Kūris e G. Arestis (relator), juízes,

advogado‑geral: F. G. Jacobs,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 19 de Outubro de 2005,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 15 de Dezembro de 2005,

profere o presente

Acórdão

1        Através do seu recurso, a sociedade JCB Service pede a anulação total ou parcial do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 13 de Janeiro de 2004, JCB Service/Comissão (T‑67/01, Colect., p. II‑49, a seguir «acórdão recorrido»), que deu parcialmente provimento ao seu recurso de anulação da Decisão 2002/190/CE da Comissão, de 21 de Dezembro de 2000, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE (processo COMP.F.1/35.918 – JCB) (JO 2002, L 69, p. 1, a seguir «decisão controvertida»).

 Quadro jurídico

2        O artigo 2.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22, a seguir «Regulamento n.° 17»), prevê que a Comissão das Comunidades Europeias pode declarar verificado, a pedido das empresas e associações de empresas interessadas, que, face aos elementos ao seu dispor, não há razão para intervir, nos termos do n.° 1 do artigo 81.° CE ou do artigo 82.° CE, relativamente a um acordo, a uma decisão ou a uma prática.

3        Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, do mesmo regulamento, se a Comissão verificar, a pedido ou oficiosamente, uma infracção ao disposto no artigo 81.° CE ou no artigo 82.° CE, pode, através de decisão, obrigar as empresas e associações de empresas em causa a pôr termo a essa infracção.

4        O artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17 prevê que os acordos, decisões e práticas concertadas referidos no primeiro período do n.° 1 do artigo 81.° CE, ocorridos após a entrada em vigor deste regulamento e em relação aos quais os interessados desejem beneficiar do disposto no n.° 3 do artigo 81.° CE, devem ser notificados à Comissão.

5        Nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 27 da Comissão, de 3 de Maio de 1962, Primeiro Regulamento de execução do Regulamento n.° 17 do Conselho de 6 de Fevereiro de 1962 (Forma, conteúdo e outras regras relativas aos pedidos e notificações) (JO 1962, 35, p. 1118; EE 08 F1 p. 31), alterado pelo Regulamento (CEE) n.° 1133/68 da Comissão, de 26 de Julho de 1968, (JO L 189, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 27»), os pedidos previstos no artigo 2.° do Regulamento n.° 17 e respeitantes à aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, bem como as notificações previstas no artigo 4.° deste último regulamento, devem ser apresentados por meio de um formulário A/B e devem conter as informações pedidas neste formulário.

6        O artigo 15.° do Regulamento n.° 17, relativo às coimas, prevê:

«[...]

2.      A Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de empresas multas de mil unidades de conta, no mínimo, a um milhão de unidades de conta, podendo este montante ser superior desde que não exceda dez por centro do volume de negócios realizado, durante o exercício social anterior, por cada uma das empresas que tenha participado na infracção sempre que, deliberada ou negligentemente:

a)      Cometam uma infracção ao disposto no n.° 1 do artigo [81.°] ou no artigo [82.°] do Tratado, ou

b)      não cumpram uma obrigação imposta por força do n.° 1 do artigo 8.°

Para determinar o montante da multa, deve tomar‑se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma.

[...]

5.      As multas previstas na alínea a) do n.° 2 não podem ser aplicadas em relação a comportamentos:

a)      posteriores à notificação à Comissão e anteriores à decisão pela qual ela conceda ou recuse a aplicação do n.° 3 do artigo [81.°] do Tratado, desde que se mantenham dentro dos limites da actividade descrita na notificação [...]»

7        A comunicação da Comissão, de 14 de Janeiro de 1998, intitulada «Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 65.°, n.° 5, do Tratado CECA» (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações»), enuncia nomeadamente:

«Os princípios enunciados nas [...] orientações deverão permitir assegurar a transparência e o carácter objectivo das decisões da Comissão, quer em relação às empresas, quer em relação ao Tribunal de Justiça, reafirmando, simultaneamente, a margem de discricionariedade deixada pelo legislador à Comissão em matéria de fixação de coimas, no limite de 10% do volume de negócios global das empresas. Esta margem de discricionariedade deverá, contudo, ser exercida segundo uma linha de política coerente e não discriminatória, adaptada aos objectivos prosseguidos pela repressão das infracções às regras de concorrência.

A nova metodologia aplicável ao montante das coimas pautar‑se‑á doravante pelo esquema a seguir apresentado que se baseia na fixação de um montante de base ajustado através de majorações, para ter em conta circunstâncias agravantes, e de diminuições, para ter em conta circunstâncias atenuantes.»

8        Nos termos do ponto 1 das orientações, o montante de base da coima é determinado em função da gravidade e da duração da infracção, que constituem os únicos critérios referidos no n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17.

9        No tocante à avaliação do nível de gravidade da infracção, segundo estas mesmas orientações, deve ter‑se em consideração o carácter da própria infracção, o seu impacto concreto no mercado quando for quantificável e a dimensão do mercado geográfico de referência.

10      A este respeito, o ponto 1, A, das referidas orientações divide as infracções em infracções pouco graves, infracções graves e infracções muito graves. Relativamente às infracções muito graves, o mesmo ponto esclarece que se trata, essencialmente, de restrições horizontais de tipo «cartel de preços» e quotas de repartição dos mercados, ou de outras práticas que afectam o bom funcionamento do mercado interno, tais como as destinadas a compartimentar os mercados nacionais, ou ainda de abusos qualificados de posição dominante por parte de empresas em situação de quase monopólio.

11      No respeitante à duração da infracção, no ponto 1, B, das orientações, é introduzida uma distinção entre as infracções de curta duração – em geral inferiores a um ano – que não determinam a aplicação de qualquer montante adicional à coima de base, as infracções de média duração – em geral de 1 a 5 anos – e as de longa duração – em geral mais de 5 anos – para as quais o montante da coima pode ser fixado relativamente a cada ano, em 10% do montante considerado para a gravidade da infracção.

12      O ponto 2 dessas orientações prevê o aumento do montante de base em função de circunstâncias agravantes, como, nomeadamente, as medidas de retaliação em relação a outras empresas para fazer «respeitar» as decisões ou as práticas ilícitas. A diminuição do montante de base em função de circunstâncias atenuantes específicas está igualmente prevista no ponto 3 das referidas orientações.

 Factos na origem do litígio

13      A JCB Service é uma sociedade de direito inglês, detida pela sociedade Transmissions and Engineering Services Netherlands BV. Possui e controla, directa ou indirectamente, as sociedades do grupo JCB, que conta 28 sociedades, entre as quais figuram, designadamente, a JC Bamford Excavators, a JCB Sales, a JCB SA, a JCB Germany e a JCB Spain. O grupo JCB produz e comercializa equipamento de construção, máquinas de movimentação de terras e de construção, bem como máquinas agrícolas e respectivas peças sobressalentes.

14      A rede de distribuição da JCB está estruturada numa base nacional, através de uma filial por Estado‑Membro (Reino da Bélgica, República Federal da Alemanha, Reino de Espanha, República Francesa, República Italiana e Reino dos Países Baixos) ou de um importador exclusivo.

15      Duas sociedades do grupo JCB (a JC Bamford Excavators e a JCB Sales) notificaram à Comissão, em Junho de 1973, através do formulário A/B elaborado nos termos do Regulamento n.° 27, vários acordos‑tipo de distribuição, a celebrar com os distribuidores ou os principais concessionários ligados ao grupo. Estes acordos respeitavam aos Estados‑Membros do mercado comum, com excepção da República Francesa. Sociedades do grupo JCB também notificaram acordos aplicáveis noutros Estados que, posteriormente, passaram a ser Estados‑Membros da União Europeia, a saber, o Reino da Suécia, a República da Finlândia, o Reino de Espanha, a República Portuguesa, a República da Áustria e a República Helénica, ou do Espaço Económico Europeu (EEE), a saber, a República da Islândia e o Reino da Noruega.

16      Os acordos em questão foram registados pelos serviços da Comissão em 30 de Junho de 1973.

17      Por ofício de 27 de Outubro de 1975, a Direcção‑Geral (DG) «Concorrência» da Comissão indicou à JCB Sales que os acordos notificados incluíam várias restrições que constituíam infracção às disposições do artigo 81.° CE e pediu a sua modificação. A Comissão centrou a sua atenção nos acordos respeitantes ao mercado comum, indicando, relativamente aos outros, que não eram susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados‑Membros.

18      Durante uma reunião, realizada em 18 de Dezembro de 1975, entre os membros da DG «Concorrência» e a JCB Service, esta última tinha apresentou versões modificadas dos acordos respeitantes ao Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e outros Estados‑Membros do mercado comum à época dos factos, com excepção da República Francesa.

19      Por ofício de 13 de Janeiro de 1976, a Comissão acusou a recepção dessas novas versões e indicou à JCB Sales que algumas incompatibilidades anteriormente assinaladas tinham sido resolvidas, ao passo que outras se mantinham. Pediu igualmente explicações sobre várias cláusulas desses acordos.

20      A JCB Sales respondeu a este pedido por carta de 11 de Março de 1976 e forneceu explicações pormenorizadas no que toca às pretensas incompatibilidades residuais identificadas pela Comissão no seu ofício de 13 de Janeiro de 1976.

21      Além disso, durante uma reunião havida em 18 de Março de 1976, a JCB Service comunicou à Comissão alguns elementos de informação complementares sem, todavia, fornecer uma nova versão dos acordos em questão.

22      Na mesma data, a JCB Service também comunicou uma cópia de um acordo que tinha celebrado com a sua filial francesa JCB SA e que era similar aos acordos já notificados.

23      O processo de notificações do grupo JCB não conheceu qualquer evolução até 6 de Março de 1980, data na qual a JCB Sales enviou à Comissão um acordo‑tipo celebrado com os distribuidores estabelecidos no Reino Unido, que sucedia aos acordos notificado em 1973 e 1975, cujo prazo de validade tinha terminado, e que comportava, segundo essa sociedade, modificações de pormenor.

24      Por carta de 29 de Dezembro de 1995, a JCB Sales enviou à Comissão outro acordo‑tipo celebrado com os distribuidores do Reino Unido, destinado a substituir o acordo notificado em 1980.

25      Os dois acordos supramencionados não foram notificados à Comissão por meio do formulário A/B e esta não reagiu ao envio desses acordos.

26      Uma sentença do tribunal de commerce de Paris (França), de 11 de Dezembro de 1995, julgou parcialmente improcedente a acção de concorrência desleal que a filial da JCB Service em França, a JCB SA, que se declarava importador exclusivo dos produtos do grupo JCB em França, tinha intentado, em 28 de Novembro de 1990, contra a sociedade Central Parts SA (a seguir «Central Parts»), a qual se abastecia no Reino Unido de peças sobressalentes desse grupo para revenda em França. A JCB SA tinha acusado a Central Parts de utilizar, sem autorização, a marca «JCB» e a menção «distribuidor autorizado». Esta sentença foi posteriormente anulada por um acórdão de 8 de Abril de 1998 da cour d’appel de Paris (França), com o fundamento que a Central Parts tinha cometido actos de concorrência desleal relativamente à JCB SA.

27      Em 15 de Fevereiro de 1996, a Central Parts apresentou uma denúncia à Comissão sobre as práticas comerciais da sociedade JCB Grande Bretagne, a respeito da distribuição dos seus produtos.

28      De forma a verificar e complementar as informações de que dispunha, a Comissão realizou uma inspecção, nos termos do n.° 3 do artigo 14.° do Regulamento n.° 17, nas instalações da JCB Service, da sua filial francesa, a saber, a JCB SA, e ainda de dois dos seus concessionários no Reino Unido, a saber, a Gunn JCB Ltd, com sede em Altrincham, e a Watling JCB Ltd, com sede em Leicester.

29      Em 24 de Março de 1998, a Comissão enviou à JC Bamford Excavators uma primeira comunicação de acusações, que não tinha em conta a notificação efectuada em 1973, o que a interessada salientou, em 6 de Julho de 1998, nas suas observações escritas em resposta à comunicação das acusações e, seguidamente, quando foi ouvida pelos serviços da Comissão, em 16 de Outubro de 1998.

30      Uma segunda comunicação de acusações, que tomava em conta a referida notificação de 1973, foi dirigida à JCB Service em 30 de Julho de 1999, à qual a JC Bamford Excavators respondeu por escrito, em 13 de Dezembro de 1999, após o que foi ouvida em Janeiro de 2000.

 Decisão controvertida e tramitação processual no Tribunal de Primeira Instância

31      Em 21 de Janeiro de 1998, a Comissão adoptou a decisão controvertida. Após ter recordado o quadro factual relevante no caso em apreço, a Comissão pronunciou‑se, em primeiro lugar, sobre a violação pela JCB Service e as suas filiais do artigo 81.°, n.° 1, CE (considerandos cento e trinta e sete a cento e noventa e seis da decisão controvertida).

32      A este respeito, a Comissão examinou se os acordos controvertidos tinham por objecto ou por efeito restringir ou falsear a concorrência. Após ter apreciado o objecto e o efeito restritivo dos acordos e das práticas em causa na sua globalidade, a Comissão considerou que existia no caso em apreço uma repartição dos mercados nacionais e uma protecção territorial absoluta. Tendo em conta a posição da JCB Service e das suas filiais nos mercados em causa e a própria natureza das restrições que envolvem a repartição dos mercados entre diversos Estados‑Membros através de uma protecção territorial absoluta e da fixação de preços, a Comissão esclareceu que a restrição da concorrência e os efectivos prováveis sobre o comércio entre Estados‑Membros são sensíveis.

33      Mais especificamente, no que respeita à questão de saber se os acordos controvertidos têm por objecto ou por efeito restringir ou falsear a concorrência, a Comissão concluiu, no considerando cento e quarenta da decisão controvertida, que a JCB Service e os seus concessionários aplicaram diversos acordos ou práticas concertadas que têm por objecto ou efeito individual a restrição da concorrência em diversos Estados‑Membros, na acepção do artigo 81.° CE. Trata‑se de elementos de um acordo mais amplo restritivo da concorrência, na acepção desse artigo, que regula a distribuição das máquinas e peças sobresselentes da JCB na Comunidade Europeia.

34      Esses elementos, que segundo a Comissão não necessitam de ser definidos mais precisamente como acordos ou práticas concertadas na medida em que estão abrangidos pelo artigo 81.°, n.° 1, CE, são os seguintes:

–        proibição ou restrição, impostas aos concessionários do grupo JCB, de efectuarem vendas fora dos territórios atribuídos, nomeadamente noutros Estados‑Membros, abrangendo as vendas activas e passivas, a utilizadores finais e a concessionários, autorizados e não autorizados;

–        aplicação de uma comissão de serviço pós‑venda sobre as vendas efectuadas pelos concessionários fora dos territórios que lhes foram atribuídos, nomeadamente noutros Estados‑Membros,

–        aplicação, pelo menos no Reino Unido, do sistema de remuneração denominado «apoio comercial às transacções múltiplas», que faz depender as reduções concedidas aos concessionários do destino das vendas e que as limita às vendas aos utilizadores finais,

–        determinação dos preços ou descontos de revenda ou a retalho para os produtos adquiridos ao grupo JCB tendo em vista a respectiva revenda por concessionários deste grupo, e

–        obrigação, para os concessionários, de efectuarem todas as suas aquisições de máquinas e peças sobressalentes para revenda exclusivamente junto do grupo JCB, impedindo, em especial, as aquisições junto de concessionários de outros Estados‑Membros.

35      Quanto ao objecto e efeitos restritivos dos vários elementos dos acordos na sua globalidade, a Comissão concluiu, no considerando cento e oitenta da decisão controvertida, que o contexto das diferenças de preços e de lucros entre os Estados‑Membros, no que se refere às máquinas e peças do grupo JCB, evidencia o seu interesse e de alguns dos seus concessionários em repartir os mercados nacionais e em fixar os preços de revenda ou os descontos no mercado comum, por forma a impedir que os adquirentes tirem partido dos grandes diferenciais de preços na Comunidade.

36      No considerando cento e oitenta e um desta decisão, a Comissão esclareceu que a combinação das restrições instituídas pelo acordo entre o grupo JCB e os seus concessionários tem repetidamente por objecto a repartição dos mercados nacionais dentro do mercado comum, tendo em vista assegurar uma protecção territorial absoluta.

37      No considerando cento e oitenta e dois da decisão controvertida, a Comissão concluiu que, pelas características que lhes são próprias, os acordos relativos aos descontos a aplicar, bem como o objectivo de maximizar as margens brutas acordado pelo grupo JCB e pelos seus concessionários britânicos, provocam distorções e harmonizam os preços de mercado em todos os territórios. Segundo ela, o mesmo acontece no que se refere ao apoio financeiro especial concedido em França pelo grupo JCB aos concessionários que concorriam com revendedores paralelos.

38      Por outro lado, a Comissão referiu, no considerando cento e oitenta e cinco da decisão controvertida, que a disponibilidade de um território como condição prévia e, portanto, como restrição, para uma empresa ser concessionária do grupo JCB não está directamente relacionada com a qualidade dos serviços a prestar. Um distribuidor localizado numa área em que um concessionário do grupo JCB desenvolve a sua actividade, satisfazendo‑o inteiramente, não tem qualquer hipótese de vir a ser concessionário deste grupo, independentemente do seu potencial ou méritos efectivos. Na sequência desta limitação, o número de concessionários e a concorrência deles decorrente estão quantitativamente limitados pela condição de lhes ser atribuído um território. Esta limitação prevista pelo sistema de distribuição selectiva do grupo JCB, que não é nem de natureza qualitativa nem fixado uniformemente para todos os revendedores potenciais, poderá ser abrangida pelo n.° 1 do artigo 81.° CE.

39      Acresce que, segundo o considerando cento e oitenta e sete da decisão controvertida, os concessionários britânicos, que estão impedidos de vender máquinas novas a revendedores não autorizados, devem também pagar uma comissão de serviço pós‑venda relativamente às vendas efectuadas fora do seu território. Essa comissão destina‑se a manter o nível da qualidade do serviço pós‑venda do grupo JCB, constituindo simultaneamente uma compensação pelo custo, para o concessionário local, da prestação desses serviços relativamente a uma máquina que não vendeu.

40      Nestas condições, nos termos do considerando cento e oitenta e oito da decisão controvertida, a proibição de vender directa ou indirectamente máquinas a revendedores não autorizados noutros Estados‑Membros ultrapassa o objectivo de garantir elevados padrões de qualidade do serviço pós‑venda e tem por objectivo ou por efeito restringir a concorrência.

41      Segundo se refere no considerando cento e oitenta e nove da decisão controvertida, os efeitos de repartição do mercado decorrentes da combinação da exclusividade territorial que restringe as vendas transfronteiras com as cláusulas selectivas são ainda reforçados por três outras restrições, a saber, em primeiro lugar, a proibição ou a restrição de fornecimentos cruzados no âmbito da rede oficial, em segundo lugar, a comissão de serviço pós‑venda aplicada às vendas efectuadas fora do território atribuído e, em terceiro lugar, no Reino Unido, o sistema do apoio comercial às transacções múltiplas.

42      Neste contexto, a Comissão concluiu, em primeiro lugar, no considerando cento e noventa e um da decisão controvertida, que os objectos e os efeitos restritivos dos diversos elementos do acordo se reforçam entre si para impedir ou restringir as importações ou exportações dentro e fora da rede de distribuição do grupo JCB, com o objectivo de garantir uma protecção territorial absoluta. A combinação da distribuição selectiva (a proibição de vendas a revendedores não autorizados) prevista nos acordos de distribuição do grupo JCB com, desde logo, as três categorias de restrições supramencionadas, seguidamente, as outras restrições que harmonizam artificialmente os preços e os descontos em diferentes territórios e, por último, a protecção territorial que restringe as vendas passivas tem claramente o objectivo anticoncorrencial de repartir os mercados nacionais na Comunidade e, consequentemente, está abrangida pelo n.° 1 do artigo 81.° CE.

43      Em segundo lugar, a Comissão a examinou se as condições impostas pelo artigo 81.°, n.° 3, CE estavam preenchidas e concluiu que tal não se verificava no caso em apreço (considerandos cento e noventa e sete a duzentos e vinte e dois da decisão controvertida).

44      Em terceiro lugar, após ter considerado que não dispõe de quaisquer elementos que provem que tenha sido posto termo à infracção às disposições do artigo 81.° CE e após ter apontado que o grupo JCB nega a existência dessa infracção, a Comissão concluiu, em conformidade com o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17, no considerando duzentos e vinte e quatro da decisão controvertida, que era necessário obrigar o grupo JCB a pôr termo à referida infracção.

45      Por último, a Comissão pronunciou‑se sobre a coima a aplicar. A esse respeito, e antes de sobre ela se pronunciar, a Comissão concluiu, no considerando duzentos e vinte e oito da decisão controvertida, que apenas os acordos notificados em 30 de Junho de 1973 através do formulário A/B tinham sido devidamente notificados. Portanto, em seu entender, os outros acordos comunicados à Comissão sem fazer uso desse formulário não podem ser tomados em consideração no quadro da aplicação do artigo 15.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17.

46      No que respeita ao montante da coima a aplicar, a Comissão recordou, no considerando duzentos e quarenta e sete da decisão controvertida, que, além da gravidade da infracção e da duração da mesma, devem também tomar em atenção, sendo caso disso, as circunstâncias agravantes e atenuantes.

47      A esse respeito, no tocante, em primeiro lugar, à gravidade da infracção, a Comissão concluiu, no considerando duzentos e cinquenta e um da decisão controvertida, que as infracções cometidas eram «muito graves» e, por essa razão, fixou a coima em 25 milhões de euros.

48      Seguidamente, no tocante à duração da infracção, a Comissão indicou, no considerando duzentos e cinquenta e dois dessa decisão, que os elementos de prova revelam que os diversos elementos das infracções foram aplicados entre 1988 e 1998.

49      Nestas condições, a Comissão esclareceu, no considerando duzentos e cinquenta e três da decisão controvertida, que o período de onze anos em que pelo menos um elemento desses acordos e práticas esteve em vigor deve ser considerado um período de longa duração. Seguidamente, concluiu, no considerando duzentos e cinquenta e quatro da mesma decisão, que o montante de base resultante da gravidade e da duração da infracção devia ser fixado em 38 750 000 euros.

50      Por último, tomando em conta uma circunstância agravante, a saber, a sanção pecuniária aplicada a um distribuidor a título de retaliação pelas vendas realizadas fora do território atribuído, a Comissão aumentou de 864 000 euros a coima aplicada, esclarecendo, no considerando duzentos e cinquenta e sete, que não existem circunstâncias atenuantes susceptíveis de ser tomadas em consideração. Assim, o montante total da coima aplicada pela Comissão, nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, elevava‑se a 39 614 000 euros.

51      Recordado isto, a decisão controvertida compreende nomeadamente as seguintes disposições:

«Artigo 1.°

A JCB Service e suas filiais cometeram uma infracção ao artigo 81.° do Tratado ao celebrarem acordos ou efectuarem práticas concertadas com distribuidores autorizados, cujo objecto consiste em restringir a concorrência no mercado comum por forma a repartir os mercados nacionais e proporcionar uma protecção absoluta nos territórios exclusivos, fora dos quais os distribuidores autorizados são impedidos de efectuarem vendas activas, e que incluem os seguintes aspectos:

a)      Restrições sobre as vendas passivas por parte de distribuidores autorizados no Reino Unido, Irlanda, França e Itália, que incluem vendas a distribuidores não autorizados, utilizadores finais ou distribuidores autorizados localizados fora dos territórios exclusivos e, em especial, noutros Estados‑Membros;

b)      Restrições sobre as fontes de fornecimento, no que se refere às aquisições de produtos contratuais por distribuidores autorizados localizados em França e na Itália, o que impede o fornecimento cruzado entre distribuidores;

c)      Fixação de descontos ou de preços de revenda aplicáveis pelos distribuidores autorizados no Reino Unido e em França;

d)      Imposição de encargos de apoio ao serviço sobre as vendas a outros Estados‑Membros, efectuadas por distribuidores autorizados fora dos territórios exclusivos no Reino Unido, por iniciativa da JC Bamford Excavators Ltd ou outras filiais da JCB Service, ou segundo escalas fixas por elas estabelecidas, fazendo assim com que a remuneração dos distribuidores dependesse do destino geográfico das vendas; e

e)      Supressão dos subsídios em função do facto de as vendas no Reino Unido serem efectuadas dentro ou fora dos territórios exclusivos e de os distribuidores autorizados, em cujos territórios os produtos contratuais são utilizados, chegarem a um acordo com os distribuidores autorizados que procedem à venda, fazendo assim com que a remuneração dos distribuidores dependesse do destino geográfico das vendas.

Artigo 2.°

O pedido de isenção apresentado pela JC Bamford Excavators Ltd em 30 de Junho de 1973 é consequentemente recusado.

Artigo 3.°

A JCB Service e suas filiais deverão pôr termo às infracções referidas no artigo 1.° a partir da notificação da presente decisão. A JCB Service ou suas filiais, em especial a JC Bamford Excavators Ltd, devem, no prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão:

a)       Informar os seus distribuidores autorizados na Comunidade de que podem efectuar vendas passivas a utilizadores finais e a distribuidores autorizados;

b)       Alterar os acordos que celebraram com os seus distribuidores autorizados, quer permitindo as vendas passivas a distribuidores não autorizados dentro dos territórios exclusivos de outros distribuidores autorizados e vendas activas e passivas a distribuidores não autorizados dentro dos seus próprios territórios, quer autorizando vendas activas e passivas por distribuidores autorizados a outros distribuidores autorizados, utilizadores finais ou seus agentes devidamente designados, fora dos respectivos territórios exclusivos;

c)       Alterar os acordos que celebraram com os seus distribuidores autorizados na Itália e em França permitindo aquisições de produtos contratuais junto de outros distribuidores autorizados na Comunidade e informar em conformidade todos os distribuidores autorizados na Comunidade;

d)       Informar os seus distribuidores autorizados na Comunidade de que os pedidos provenientes das suas filiais, procurando obter encargos de apoio ao serviço junto de distribuidores autorizados, sem qualquer indício de desacordo prévio entre os distribuidores implicados, são nulos devendo ser ignorados;

e)       Informar os seus distribuidores autorizados no Reino Unido que os subsídios concedidos ao abrigo do ‘Apoio Comercial às Transacções Múltiplas’ são concedidos independentemente de as vendas serem efectuadas, respectivamente, dentro ou fora do território dos distribuidores, ou de ter sido celebrado um acordo com outros distribuidores fora do território; e

f)       Enviar à Comissão cópias da correspondência supra e dos acordos alterados.

Artigo 4.°

É aplicada à JCB Service uma coima de 39 614 000 euros, no que se refere às infracções referidas no artigo 1.°, excepto no que se refere às restrições às vendas a distribuidores não autorizados no Reino Unido, relativamente às quais não é aplicada qualquer coima.»

52      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 22 de Março de 2001 (processo T‑67/01), a JCB Service apresentou, nos termos do artigo 230.° CE, a título principal, um pedido de anulação da decisão controvertida e, a título subsidiário, um pedido de anulação parcial da mesma decisão e da consequente redução do montante da coima que lhe foi aplicada.

53      No ponto 1 do dispositivo do acórdão recorrido, o Tribunal anulou os artigos 1.°, alíneas c) a e), e 3.°, alíneas d) e e), da decisão controvertida. Além disso, nos termos do ponto 2 do dispositivo do acórdão recorrido, o montante da coima aplicada à JCB Service no artigo 4.° dessa decisão foi reduzido para 30 milhões de euros. Por último, nos termos do ponto 4 do referido dispositivo, foi, quanto ao mais, negado provimento ao recurso da JCB Service.

 Pedidos das partes e tramitação processual no Tribunal de Justiça

54      No seu recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância, a JCB Service conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular, na íntegra, o acórdão recorrido, por infringir o direito comunitário ao violar os direitos de defesa da JCB Service;

–        anular o acórdão recorrido, na medida em que, por um lado, condena uma alegada restrição geral das vendas passivas pelos concessionários autorizados estabelecidos no Reino Unido, na Irlanda, em França e em Itália, bem como uma alegada restrição das fontes de abastecimento dos distribuidores localizados em França e Itália, que impediam os fornecimentos cruzados entre distribuidores e, por outro, aplica à JCB Service uma coima pelas alegadas infracções;

–        proferir acórdão definitivo no processo T‑67/01 nos termos do artigo 61.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e, em conformidade, anular, no todo ou em parte, a decisão controvertida e, no uso da sua plena jurisdição, anular ou reduzir a coima de 30 milhões de euros aplicada à JCB Service pelo acórdão recorrido do Tribunal de Primeira Instância;

–        condenar a Comissão, nos termos do artigo 69.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a suportar a totalidade das despesas incorridas no Tribunal de Primeira Instância e no Tribunal de Justiça;

–        a título subsidiário, no caso de o Tribunal de Justiça não decidir do processo, reservar para final a decisão quanto às despesas e remeter os autos ao Tribunal de Primeira Instância para reexame nos termos do acórdão do Tribunal de Justiça.

55      Na sua resposta apresentada em 23 de Junho de 2004, em aplicação do artigo 115.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, na qual também interpôs recurso subordinado do acórdão recorrido, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar integralmente provimento ao recurso da decisão do Tribunal de Primeira Instância;

–        anular o acórdão recorrido, na medida em que reduziu o montante da coima aplicada para ter em conta a circunstância agravante (864 000 euros) e, a este respeito, aumentar no correspondente montante a coima fixada pelo acórdão recorrido;

–        condenar a JCB Service nas despesas da instância.

56      Por carta de 26 de Julho de 2004, a JCB Service pediu, em conformidade com o artigo 117.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, autorização para apresentar réplica.

57      Por decisão de 5 de Agosto de 2004, o presidente do Tribunal de Justiça autorizou a apresentação da réplica, na qual a JCB Service manteve os pedidos respeitantes ao recurso principal e pediu que o Tribunal negue provimento ao recurso subordinado.

 Quanto ao recurso principal

58      A JCB Service invoca três fundamentos para os seus pedidos de anulação do acórdão recorrido. O primeiro baseia‑se na violação dos direitos de defesa, o segundo na violação do artigo 81.° CE e o terceiro na violação do artigo 15.° do Regulamento n.° 17.

 Quanto ao primeiro fundamento

59      Este primeiro fundamento divide‑se em duas partes. A JCB Service invoca, por um lado, a duração excessiva do procedimento conduzido pela Comissão que atentou contra os direitos de defesa e, por outro, a não tomada em consideração, pelo Tribunal de Primeira Instância, do direito que lhe assiste à presunção de inocência. Cada uma destas duas partes comporta, ela própria, diversas alegações distintas.

 Quanto à primeira parte

60      Há que referir que o Tribunal de Primeira Instância começou por recordar, no n.° 36 do acórdão recorrido, a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça nos termos da qual a observância de um prazo razoável na condução dos procedimentos administrativos em matéria de concorrência constitui um princípio geral do direito comunitário cujo respeito é assegurado pelos tribunais comunitários (v. acórdão de 15 de Outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect., p. I‑8375, n.os 167 a 171).

61      Seguidamente e antes de tomar posição sobre os argumentos avançados pela JCB Service, o Tribunal de Primeira Instância procedeu, no n.° 37 do acórdão recorrido, a uma distinção entre os dois procedimentos administrativos em questão, a saber, por um lado, o exame dos acordos notificados em 1973, ao qual pôs termo o artigo 2.° da decisão controvertida que indeferiu o pedido de isenção, e, por outro, a instrução da denúncia apresentada em 1996, cujas conclusões são baseadas, pelos outros artigos, no dispositivo da decisão controvertida, referentes à infracção.

62      No que respeita ao procedimento tramitado na sequência da notificação de 1973, o Tribunal de Primeira Instância referiu, no n.° 38 do acórdão recorrido, que a Comissão arquivou em 1992 os acordos notificados, sem tomar uma decisão, e que apenas a resposta da JC Bamford Excavators à primeira comunicação de acusações levou a recorrida a reexaminar esses acordos no âmbito da instrução da denúncia.

63      No mesmo número do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância observou que «a duração de 27 anos desse procedimento constitui violação da obrigação imposta à administração de tomar posição e de encerrar um procedimento aberto dentro de um prazo razoável», esclarecendo contudo que, «por condenável que seja esta violação, não pôde ter incidência nem sobre a legalidade do indeferimento do pedido de isenção nem sobre a regularidade do procedimento de verificação da infracção».

64      Nestas condições, aquele Tribunal indicou, no n.° 40 do acórdão recorrido, que a violação do princípio do respeito de um prazo razoável, admitindo‑a provada, não justificaria a anulação da decisão tomada no termo de um procedimento administrativo em matéria de concorrência, a não ser que se verificasse também uma violação dos direitos de defesa da empresa em causa. Com efeito, quando não se prove que o decurso excessivo do tempo tenha afectado a capacidade de as empresas em questão se defenderem efectivamente, o desrespeito do princípio de um prazo razoável não tem incidência sobre a validade do procedimento administrativo.

65      No n.° 42 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou ainda que a JCB Service não sustentou que o facto de o prazo ter sido muito longo tenha tido por consequência ter sido cometida uma irregularidade processual específica, tendo‑se limitado a alegar que o comportamento da Comissão revelava má gestão do processo. Portanto, segundo aquele Tribunal, não se podia retirar qualquer outra consequência, para efeitos do exame dos pedidos de anulação, do prazo decorrido após as notificações efectuadas em 1973.

66      No que toca à instrução da denúncia apresentada à Comissão em 15 de Fevereiro de 1996, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 43 do acórdão recorrido, que a duração total do procedimento, de quatro anos, 10 meses e 6 dias, não se mostrava excessiva, tendo em conta a complexidade do processo, que diz respeito a vários Estados‑Membros e a cinco acusações de infracção, bem como a necessidade de redigir uma segunda comunicação de acusações.

67      O Tribunal de Primeira Instância salientou, no n.° 45 do acórdão recorrido, que a JCB Service não sustentou que o alegado desrespeito, pela Comissão, de um prazo razoável para a instrução da denúncia tenha conduzido, no caso em apreço, à violação dos direitos de defesa. Acrescentou: «[c]omo foi confirmado na audiência, a JCB Service limita‑se a sustentar que a longa duração do procedimento revela a parcialidade e a má gestão do processo por parte da Comissão e demonstra, por essa razão, a ilegalidade da decisão impugnada. Nestas condições, e sem que seja necessário pronunciar‑se sobre o carácter alegadamente excessivo do prazo de instrução da denúncia, é forçoso concluir que o fundamento, tal como foi formulado, não pode conduzir à anulação total ou parcial do dispositivo da decisão impugnada.»

68      Por último, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 46 do acórdão recorrido, que o fundamento invocado pela JCB Service não pode pôr em causa a legalidade da decisão controvertida, tanto no que respeita ao pedido de isenção como no que respeita à infracção, e que é inoperante e, como tal, improcedente.

69      Em primeiro lugar, a JCB Service critica o Tribunal de Primeira Instância por não ter acolhido o primeiro fundamento, invocado em apoio do recurso interposto da decisão controvertida e baseado no desrespeito, pela Comissão, da sua obrigação de actuar dentro de um prazo razoável, sem se ter pronunciado sobre a violação dos seus direitos de defesa, que, contudo, tinha expressamente invocado. Alega ainda que aquele Tribunal cometeu um erro de direito ao não tomar em conta uma violação objectiva dos direitos de defesa que, em seu entender, resulta da simples verificação da duração manifestamente excessiva do procedimento no seu conjunto.

70      A este respeito, há que recordar, como decorre dos n.os 32 e 33 do acórdão recorrido, que a JCB Service sustentou perante o Tribunal de Primeira Instância que a Comissão não cumpriu a sua obrigação de actuar dentro de um prazo razoável que decorre tanto de um princípio geral do direito comunitário como do artigo 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»). Segundo a JCB Service, os acordos referentes ao seu sistema de distribuição foram notificados em 30 de Junho de 1973 e a Comissão encerrou esse processo 27 anos mais tarde, indeferindo o pedido de isenção. Além disso, segundo esta mesma sociedade, que o processo por infracção desencadeado na sequência da denúncia da Central Parts durou perto de cinco anos, o que também constitui um prazo desrazoável.

71      Há que referir que, contrariamente à tese sustentada pela JCB Service, esta invocou perante o Tribunal de Primeira Instância, de um modo muito geral, uma violação dos seus direitos de defesa relacionada com a duração alegadamente excessiva dos dois procedimentos administrativos (notificação e infracção), sem todavia esclarecer in concreto de que forma a capacidade para defender a sua posição, em cada fase, tinha sido afectada num ou noutro procedimento.

72      Mais especificamente, no que respeita ao procedimento de notificação, a JCB Service limitou‑se a denunciar a duração excessivamente longa do mesmo. O Tribunal de Primeira Instância teve razão ao considerar, no n.° 39 do acórdão recorrido, que o simples facto de ter sido adoptada estando excedido um prazo razoável não pode determinar a ilegalidade de uma decisão tomada pela Comissão na sequência da notificação de um acordo.

73      Por outro lado, esse simples atraso não foi prejudicial aos interesses da JCB Service. Com efeito, após a notificação dos acordos em 1973 e durante todo o período decorrido até à adopção da decisão controvertida, a JCB Service beneficiava das disposições do artigo 15.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17.

74      Quanto à parte da decisão controvertida que declara verificada a infracção ao artigo 81.°, n.° 1, CE e aplica uma coima à JCB Service, há que recordar que o Tribunal de Primeira Instância salientou o facto de a JCB Service se ter limitado a defender a tese segundo a qual a longa duração do procedimento revelava a parcialidade e a má gestão do processo por parte da Comissão e, portanto, bastava para demonstrar a ilegalidade da decisão controvertida.

75      É forçoso concluir que o Tribunal de Primeira Instância pôde fundamentar o seu raciocínio sem desrespeitar o direito comunitário e sem desvirtuar os argumentos da JCB Service.

76      A JCB Service sustenta, porém, ter sido privada do seu direito de reclamar a punição da passividade da Comissão, no âmbito de uma acção por omissão ao abrigo do artigo 232.° CE e, em todo o caso, de defender a sua posição contra todos os pontos de vista errados da Comissão, no quadro do diálogo processual aberto entre a empresa que procede à notificação e a Comissão e no do procedimento por infracção.

77      Admitindo que a JCB Service possa invocar os argumentos acima mencionados no Tribunal de Justiça, há que esclarecer que o exercício dos seus direitos de defesa não pode ter sido afectado pelo longo período de tempo decorrido entre a notificação dos acordos em 1973 e a adopção da decisão controvertida. Com efeito, durante esse período, a JCB Service podia, por um lado, intentar uma acção por omissão contra a Comissão, a fim de que esta última tomasse posição sobre o pedido de isenção controvertido e, por outro, notificar à Comissão, através do formulário A/B, os acordos ou as práticas em que estava implicada. Ora, tal não se verificou no caso em apreço.

78      Donde se conclui que a JCB Service não pode, em caso algum, alegar a violação dos seus direitos de defesa no âmbito do procedimento de notificação.

79      Quanto ao procedimento por infracção, há que salientar que a JCB Service não avançou qualquer argumento concreto para demonstrar a violação dos seus direitos de defesa no contexto do tratamento da denúncia da Central Parts pelos serviços da Comissão. Além disso, a JCB Service não contestou no Tribunal de Justiça as razões que levaram o Tribunal de Primeira Instância a não acolher a sua crítica baseada no desrespeito, pela Comissão, do seu direito de acesso aos documentos juntos ao processo que fossem úteis à sua defesa.

80      Portanto, este argumento não colhe e há que julgar improcedente a primeira censura formulada pela JCB.

81      Em segundo lugar, a JCB Service critica o Tribunal de Primeira Instância por ter cometido um erro de apreciação ao não punir a distinção operada pela Comissão, na decisão controvertida, entre o procedimento de notificação e o procedimento por infracção. Semelhante distinção é desprovida de fundamento e destina‑se a negar o impacto negativo que a duração excessiva do processo decisório teve sobre todo o processo em causa.

82      Há que referir que, apesar de a decisão controvertida não introduzir formalmente uma distinção entre o procedimento de notificação e o procedimento por infracção, resulta claramente dessa decisão que a apreciação da Comissão versa separadamente sobre o pedido de isenção e sobre o procedimento por infracção.

83      Em primeiro lugar, no que respeita à parte da decisão controvertida referente ao indeferimento do pedido de isenção de 1973, decorre claramente dos considerandos cento e noventa e sete a duzentos e vinte e dois dessa decisão que, antes de indeferir o pedido de isenção, a Comissão examinou se esse pedido podia ser deferido ao abrigo do artigo 81.°, n.° 3, CE ou nos termos dos regimes instituídos pelos regulamentos que deram execução a este artigo, a saber, o Regulamento (CEE) n.° 1983/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983, relativo à aplicação do artigo [81.°], n.° 3, do Tratado a certas categorias de acordos de distribuição exclusiva (JO L 173, p. 1), o Regulamento (CE) n.° 1475/95 da Comissão, de 28 de Junho de 1995, relativo à aplicação do artigo [81.°], n.° 3, do Tratado a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós‑venda de veículos automóveis (JO L 145, p. 25, a seguir «Regulamento n.° 1475/95») e o Regulamento (CE) n.° 2790/1999 da Comissão, de 22 de Dezembro de 1999, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 81.° do Tratado CE a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas (JO L 336, p. 21).

84      Seguidamente, o mesmo se pode dizer no tocante à parte da decisão controvertida que declara verificada a infracção. Com efeito, como decorre dos considerandos cento e quarenta a cento e setenta da decisão controvertida, a apreciação da Comissão assentou sem ambiguidade nos acordos da JCB Service ou nas cláusulas destes que não foram objecto de uma notificação regular, a saber, uma notificação através do formulário A/B previsto pelo Regulamento n.° 27. Resulta ainda da decisão controvertida que a Comissão tomou em consideração comportamentos da JCB Service que não se relacionavam com os acordos notificados em 1973.

85      Quanto a este ponto, a JCB Service sustentou, porém, no Tribunal de Primeira Instância e no âmbito do presente processo que, apesar de comunicadas à Comissão sem o formulário A/B, as alterações posteriormente introduzidas aos acordos notificados em 1973 deveriam ter sido tomadas em consideração e beneficiar do disposto no artigo 15.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço.

86      Semelhante alegação não pode colher em caso algum. Com efeito, há que recordar que a utilização do formulário A/B supramencionado é obrigatória e constitui uma condição prévia indispensável à validade da notificação (v. acórdão de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil., p. 3125, n.os 61 e 62).

87      Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância concluiu correctamente, no n.° 41 do acórdão recorrido, que, relativamente à decisão que declara a existência de uma infracção, a mesma revela o cuidado de não assentar em elementos objecto de uma notificação, assim como a preocupação de provar que as práticas censuradas à JCB Service se afastam das estipulações dos acordos notificados. O Tribnal concluiu também correctamente que o facto de a notificação dos acordos ser antiga não pode pôr em causa a regularidade do procedimento por infracção, que assenta em elementos diversos dos que foram notificados.

88      Por último, no que respeita à coima aplicada pela Comissão à JCB Service, decorre sem qualquer ambiguidade dessa decisão, designadamente dos seus considerandos duzentos e vinte e sete e duzentos e vinte e oito, que os acordos de 1973, notificados em conformidade com os requisitos formais do Regulamento n.° 27, foram excluídos da apreciação a que procedeu a Comissão para avaliar o montante da coima a aplicar.

89      Resulta das precedentes considerações que a segunda censura formulada pela JCB Service não colhe e, por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do presente fundamento.

 Quanto à segunda parte

90      Há que esclarecer que o Tribunal de Primeira Instância recordou, no n.° 50 do acórdão recorrido, que o princípio da presunção da inocência faz parte da ordem jurídica comunitária e se aplica aos processos atinentes a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas susceptíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (acórdãos de 8 de Julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, Colect., p. I‑4287, n.os 149 e 150, e Montecatini/Comissão, C‑235/92 P, Colect., p. I‑4539, n.os 175 e 176).

91      À luz dessa jurisprudência, Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 53 do acórdão recorrido, que o simples facto de a Comissão ter adoptado duas comunicações de acusações sucessivas não basta para demonstrar a violação do princípio da presunção de inocência.

92      No mesmo número, o Tribunal de Primeira Instância acrescentou que uma presunção geral da culpabilidade da empresa em questão só poderia eventualmente ser imputada à Comissão se as comprovações de facto por esta efectuadas na decisão controvertida não estivessem confortadas pelos elementos de prova que apresentou.

93      Ora, tendo em conta a existência de uma nota de 16 de Maio de 1995 do director do serviço de vendas, enviada aos dirigentes das sociedades do grupo JCB, que indica que a proibição das importações paralelas seria contrária às decisões da Comissão e à jurisprudência do Tribunal de Justiça, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 54 do acórdão recorrido, que a JCB Service não pode afirmar que ignorava os requisitos do direito comunitário da concorrência, o que, de resto, é demonstrado pela notificação dos seus acordos logo após a entrada do Reino Unido na Comunidade.

94      No mesmo contexto, a propósito de uma carta de 13 de Abril de 1995 enviada pela Berkeley JCB à JCB Sales, o Tribunal de Primeira Instância entendeu, no n.° 55 do acórdão recorrido, que essa correspondência se refere às solicitações que este distribuidor poderia receber tanto dos utilizadores finais como dos agentes, acrescentando que, mesmo supondo que a Comissão tenha dado uma errada interpretação a esta parte da frase, indicando, na decisão impugnada, que eram designados utilizadores finais estrangeiros e seus agentes devidamente mandatados, esta eventual inexactidão não demonstraria, por si só, uma atitude parcial, revelando, quando muito, uma má compreensão do documento.

95      Além disso, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 56 do acórdão recorrido, a respeito de um acórdão da cour d’appel de Paris de 8 de Abril de 1998 e de um acórdão do tribunal de commerce de Nîmes (França) de 22 de Junho de 1999, que o facto de o autor da denúncia num procedimento de aplicação do Regulamento n.° 17 poder ter tido, eventualmente, um comportamento repreensível, pelo qual foi condenado por decisão judicial, não tem qualquer incidência sobre a realidade das infracções consideradas verificadas no que respeita à JCB Service e que, além do mais, dela são distintas.

96      Por último, a respeito da gravação de uma entrevista realizada em 6 de Novembro de 1996 no estabelecimento do distribuidor autorizado Watling JCB, entre agentes da DG «Concorrência» e responsáveis deste distribuidor, este Tribunal considerou, no n.° 58 do acórdão recorrido, que da descrição, fornecida pela entrevista, das relações existentes entre o grupo JCB e um dos seus distribuidores autorizados, nenhum elemento pode ser claramente isolado, como constituindo a prova, negativa ou positiva, da natureza de infracção das práticas da rede de distribuição. Segundo o Tribunal de Primeira Instância, não parece ser possível afirmar que foi para suprimir uma prova a seu favor que a Comissão rejeitou esse documento no exame dos elementos da infracção a que procedeu.

97      Segundo a JCB Service, o acórdão recorrido atenta contra o princípio da presunção de inocência, que pressupõe que todas as dúvidas razoáveis suscitadas pelos elementos de prova aproveitem à pessoa acusada. A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância cometeu erros manifestos de apreciação por não ter cumprido o seu dever de tomar em conta certos elementos de prova que a JCB Service tinha apresentado e de os examinar, no contexto de outros elementos de prova, de modo a se basear num feixe de indícios sólidos, precisos e coerentes. Por outro lado, o mesmo Tribunal foi levado a rejeitar ou a ignorar indevidamente elementos de prova que confirmam, no entender da JCB Service, a violação do princípio da presunção de inocência pela Comissão.

98      Mais especificamente, a JCB Service sustenta, em primeiro lugar, que o tratamento dado ao processo no presente caso através da elaboração das duas comunicações de acusações é revelador da parcialidade da Comissão e, portanto, está demonstrada a violação do princípio da presunção de inocência. Nestas condições, a JCB Service alega, essencialmente, que o Tribunal de Primeira Instância concluiu erradamente, no n.° 53 do acórdão recorrido, que o simples facto de a Comissão ter feito duas comunicações de acusações sucessivas não basta para demonstrar que o princípio em causa não foi respeitado.

99      A este respeito, há que salientar que a elaboração de uma comunicação das acusações pela Comissão não pode em caso algum ser considerada uma prova da presunção da culpabilidade da empresa em questão. Caso contrário, a abertura de qualquer procedimento nesta matéria seria potencialmente susceptível de atentar contra o princípio da presunção de inocência.

100    Há ainda que recordar que a primeira comunicação das acusações não tinha em conta a notificação efectuada em 1973, o que a JCB Service salientou, em 6 de Julho de 1998, nas suas observações escritas em resposta a essa comunicação e, seguidamente, na sua audição pelos serviços da Comissão, em 16 de Outubro de 1998. Foi, pois, neste contexto e a fim de corrigir as omissões da primeira comunicação que a Comissão adoptou, na sequência das observações da JCB Service, a segunda comunicação das acusações.

101    Donde se conclui que, contrariamente ao alegado pela JCB Service no caso em apreço, a elaboração das duas comunicações de acusações sucessivas no contexto mencionado no número anterior não pode em caso algum constituir um elemento que demonstre a violação do princípio da presunção de inocência.

102    Há, portanto, que julgar improcedente a primeira censura feita pela JCB Service.

103    Em segundo lugar, a JCB Service censura ao Tribunal de Primeira Instância o facto de não ter criticado as apreciações da Comissão que se baseiam em documentos internos provenientes da JCB Service, como a a carta de 13 de Abril de 1995 enviada pela Berkeley JCB à JCB Sales, a nota de 16 de Maio de 1995 e a acta da entrevista com a Watling JCB, realizada em 6 de Novembro de 1996. Segundo a JCB Service, a Comissão examinou estes documentos com parcialidade, negligenciando os elementos que a ilibavam e presumindo a sua culpabilidade.

104    Neste contexto, a JCB Service sustenta igualmente que foi erradamente que o Tribunal de Primeira Instância, tal como a Comissão, rejeitou ou não tomou em conta certas decisões de órgãos jurisdicionais ou de autoridades nacionais que eram reveladoras da validade dos acordos que a JCB Service tinha celebrado, bem como da respectiva execução, a saber, as decisões da cour d’appel de Paris de 8 de Abril de 1998, do tribunal de commerce de Nîmes de 22 de Junho de 1999, do conseil français de la concurrence de 20 de Julho de 2001 e da autoridade irlandesa da concorrência de 22 de Setembro de 1994.

105    Há desde logo que referir que, embora invoque formalmente erros de apreciação ou de fundamentação, a JCB Service procura, essencialmente, pôr em causa a apreciação dos factos efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância, nomeadamente, contestar o valor probatório de alguns factos e documentos que levaram este último a concluir que a Comissão não se tinha mostrado parcial a seu respeito.

106    A este respeito, há que recordar que, nos termos de jurisprudência constante, resulta dos artigos 225.° CE e 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça que o Tribunal de Primeira Instância é o único competente para, por um lado, apurar a matéria de facto, excepto em casos nos quais a inexactidão material das suas conclusões resulte dos documentos dos autos que lhe foram apresentados, e, por outro, para apreciar esses factos. Quando o Tribunal de Primeira Instância tenha apurado ou apreciado os factos, o Tribunal de Justiça é competente, por força do artigo 225.° CE, para exercer a fiscalização da qualificação jurídica desses factos e das consequências jurídicas daí retiradas pelo Tribunal de Primeira Instância (v. acórdãos de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, Colect., p. I‑8417, n.° 23, e de 6 de Abril de 2006, General Motors/Comissão, C‑551/03 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 51).

107    Resulta ainda da jurisprudência que o Tribunal de Justiça não tem competência para apurar os factos nem, em princípio, para examinar as provas que o Tribunal de Primeira Instância considerou determinantes no apuramento desses factos. Com efeito, quando estas provas tiverem sido obtidas regularmente e tendo sido respeitados os princípios gerais de direito e as regras processuais aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova, é da competência exclusiva do Tribunal de Primeira Instância apreciar o valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos. Essa apreciação não constitui, portanto, excepto em caso de desvirtuação desses elementos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (v. acórdãos Baustahlgewebe/Comissão, já referido, n.° 24, de 14 de Julho de 2005, Rica Foods/Comissão, C‑40/03 P, Colect., p. I‑6811, n.° 60, General Motors/Comissão, já referido, n.° 52, e de 18 de Maio de 2006, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, C‑397/03 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 85).

108    Há também que recordar que esse desvirtuamento deve resultar de forma manifesta dos elementos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (acórdão General Motors/Comissão, já referido, n.° 54).

109    É forçoso concluir que a apreciação do Tribunal de Primeira Instância que figura nos n.os 54 a 59 do acórdão recorrido constitui uma apreciação dos factos que não pode ser posta em causa no quadro de um recurso para o Tribunal de Justiça, uma vez que a JCB Service não demonstrou que o Tribunal de Primeira Instância tenha desvirtuado o conteúdo dos documentos dos autos que lhe foram apresentados. Com efeito, aquele Tribunal limitou‑se a examinar se o tratamento dado pela Comissão a essas provas podia ser qualificado de parcial, para concluir que tal não se verificava no caso em apreço.

110    Por conseguinte, estes primeiros argumentos avançados pela JCB Service no âmbito da segunda censura devem ser julgados inadmissíveis.

111    A JCB Service invoca, também no âmbito desta censura, uma decisão do conseil français de la concurrence de 20 de Julho de 2001 e uma decisão da autoridade irlandesa da concorrência de 22 de Setembro de 1994, que lhe serão favoráveis.

112    No que respeita à primeira das decisões mencionadas no número anterior, admitindo que possa ser invocada no caso em apreço, impõe‑se concluir que é posterior à decisão controvertida. Portanto, não pode, por si só, pôr em causa a legalidade do acórdão recorrido ou da decisão controvertida.

113    Quanto à decisão da autoridade da concorrência irlandesa já referida, há que salientar que não foi invocada perante o Tribunal de Primeira Instância no contexto de uma violação do princípio da presunção de inocência.

114    Nestas condições, permitir a uma parte invocar no Tribunal de Justiça, pela primeira vez, um fundamento e argumentos que não invocou no Tribunal de Primeira Instância equivaleria a permitir‑lhe apresentar ao Tribunal de Justiça, cuja competência para julgar recursos em segunda instância é limitada, um litígio com um objecto mais lato do que o submetido ao Tribunal de Primeira Instância. No âmbito de um recurso em segunda instância, a competência do Tribunal de Justiça encontra‑se limitada à apreciação da solução legal dada aos fundamentos e argumentos debatidos em primeira instância (v. acórdão de 30 de Março de 2000, VBA/VGB e o., C‑266/97 P, Colect., p. I‑2135, n.° 79).

115    Por conseguinte, as alegações da JCB Service baseadas na decisão da autoridade irlandesa da concorrência também devem ser julgadas inadmissíveis.

116    Resulta das precedentes considerações que há que julgar inadmissível a segunda censura feita pela JCB Service.

117    Por último, a JCB Service sustenta que o Tribunal de Primeira Instância ignorou indevidamente, no acórdão recorrido, certos elementos de prova que demonstravam a violação do princípio da presunção de inocência, a saber, uma telecópia de 2 de Junho de 1997 e um memorando de 26 de Janeiro de 1996 proveniente do director do marketing da JCB Sales.

118    No que respeita ao memorando de 26 de Janeiro de 1996, há que referir que, tal como a decisão da autoridade irlandesa da concorrência, também não foi invocado perante o Tribunal de Primeira Instância no contexto de uma violação do princípio da presunção de inocência e, portanto, como decorre do n.° 114 do presente acórdão, o argumento que assenta neste memorando deve ser julgado inadmissível.

119    Quanto à telecópia de 2 de Junho de 1997, enviada por um funcionário da DG «Concorrência» a um representante da Central Parts, que revelava a alegada intenção dos serviços da Comissão de colher elementos desfavoráveis à JCB Service, há que referir que, em todo o caso, as alegações baseadas nessa telecópia não são de natureza a demonstrar que o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou as provas que lhe foram apresentadas.

120    A este respeito, há que observar que a referida telecópia foi enviada a um representante da denunciante, a Central Parts, em 2 de Junho de 1997, portanto, mais de seis meses após a inspecção realizada pelos serviços da Comissão, em 5 de Novembro de 1996, nas instalações das sociedades do grupo JCB e das suas concessionárias no Reino Unido. Nestas circunstâncias, o facto de um funcionário da Comissão, que participou, segundo afirma a JCB Service, na instrução da denúncia da Central Parts, poder ter uma opinião quanto ao arquivamento dessa denúncia ou a abertura do procedimento por infracção não pode permitir que se conclua ter havido um tratamento parcial do processo em causa por parte dos serviços da Comissão e, por conseguinte, pela violação do princípio da presunção de inocência.

121    Decorre de todas as precedentes considerações que o Tribunal de Primeira Instância concluiu correctamente, no n.° 60 do acórdão recorrido, que não resulta da condução do procedimento administrativo que a Comissão tenha interpretado os documentos e os factos de forma tendenciosa ou de través, nem revelado um comportamento parcial relativamente à recorrente nos presentes autos.

122    Donde se conclui que não colhe a última censura feita pela JCB Service e a segunda parte do presente fundamento, pelo que há que julgar o primeiro fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente no seu conjunto.

 Quanto ao segundo fundamento

123    Este segundo fundamento divide‑se em duas partes. A JCB Service sustenta que o Tribunal violou, por um lado, o artigo 81.°, n.° 1, CE e, por outro, o artigo 81.°, n.° 3, CE, ao não ter anulado a decisão controvertida na medida em que esta indeferiu o pedido de isenção apresentado pela JCB Service em 1973. Cada uma destas duas partes comporta, também ela, censuras distintas.

 Quanto à primeira parte

124    A JCB Service acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter cometido erros de direito no que respeita, por um lado, ao primeiro elemento da infracção enunciado no artigo 1.°, alínea a), da decisão controvertida e referente às restrições das vendas passivas impostas pelos concessionários do grupo JCB estabelecidos no Reino Unido, na Irlanda e em França aos distribuidores não autorizados, aos utilizadores finais e aos distribuidores estabelecidos fora dos territórios exclusivos, nomeadamente, noutros Estados‑Membros, e, por outro lado, ao segundo elemento da infracção enunciado no mesmo artigo, alínea b), dessa decisão e referente às restrições das fontes de abastecimento impostas aos concessionários estabelecidos em França e Itália e que proíbem os fornecimentos cruzados entre estes.

–       Quanto ao primeiro elemento da infracção referente às restrições das vendas passivas impostas pelos concessionários estabelecidos no Reino Unido, na Irlanda e em França

125    Em primeiro lugar, no que toca ao Reino Unido, o Tribunal de Primeira Instância salientou, no n.° 86 do acórdão recorrido, que os acordos notificados que respeitam aos distribuidores e aos concessionários principais do Estado‑Membro em questão contêm, na respectiva redacção modificada em 1975, uma cláusula 4. Essa cláusula, que prevê uma proibição de venda a agentes não autorizados, não comportava uma proibição geral de venda a concessionários finais nem a agentes autorizados fora do território concedido. Todavia, foi interpretada pela Comissão como instituindo uma proibição geral das vendas para fora do território.

126    A este respeito, após ter examinado no n.° 88 do acórdão recorrido diversos documentos, a saber, uma carta enviada em 26 de Outubro de 1992 pela Watling JCB ao secretário do Queen’s Award Office, uma carta dirigida em 3 de Abril de 1995 pela Berkeley JCB à JCB Sales, uma carta de 21 de Novembro de 1995 da TC Harrison JCB e uma carta da Gunn JCB à JCB Sales, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que os documentos em causa comprovam, de forma concordante, que os distribuidores consideravam que o respectivo contrato com o grupo JCB os obrigava a práticas comerciais restritivas e consequentemente adoptaram o correspondente comportamento. O Tribunal de Primeira Instância esclareceu ainda que, para além da proibição de venda a agentes não autorizados constante da cláusula 4, os distribuidores em causa se comportaram como se estivessem sujeitos a uma proibição mais geral de venda para fora do respectivo território, designadamente para exportação.

127    À luz destas considerações, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 89 do acórdão recorrido, que, no Reino Unido, foram instituídas práticas restritivas distintas do conteúdo dos acordos notificados e que, por conseguinte, o primeiro elemento da infracção respeitante às restrições das vendas passivas estava demonstrado.

128    A JCB Service sustenta que, na sequência de uma análise dos factos manifestamente errada, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao punir a obrigação imposta a um distribuidor de não vender produtos por grosso tendo em vista a sua revenda a distribuidores não autorizados, obrigação que constava da cláusula 4 do acordo em questão.

129    Há desde logo que referir que, com a sua censura, a JCB Service se limita a contestar globalmente a apreciação dos factos e dos elementos de prova efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 88 do acórdão recorrido, bem como a conclusão que figura no n.° 89 do mesmo acórdão, sustentando, essencialmente, que este Tribunal deveria ter chegado à conclusão oposta, tendo em conta os factos do caso em apreço. Porém, a JCB Service não invoca qualquer argumento sério que permita concluir que o Tribunal de Primeira Instância tenha desvirtuado o conteúdo dos documentos dos autos que lhe foram apresentados ou cometido um erro de direito.

130    Nestas condições, em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 106 a 108 do presente acórdão, há que julgar inadmissível o primeiro argumento avançado no âmbito da primeira censura.

131    Em segundo lugar, no que respeita à Irlanda, o Tribunal de Primeira Instância salientou, no n.° 90 do acórdão recorrido, que os acordos‑tipo notificados não comportavam uma cláusula que proibisse as vendas por grosso a agentes não autorizados da mesma natureza que as examinadas no que respeita ao Reino Unido, mas sim que o acordo celebrado pela JCB Sales em 1992 com a Earthmover Commercial Industrial (ECI) JCB, seu distribuidor para a Irlanda, continha uma cláusula 4, referente às vendas por grosso, análoga às cláusulas 4 dos acordos respeitantes aos distribuidores e aos concessionários principais do Reino Unido. Nos termos do mesmo número do acórdão recorrido, o acordo em questão não foi notificado.

132    A este respeito, após ter examinado diversos documentos nos quais a Comissão baseou a sua decisão, a saber, uma telecópia enviada pela JCB Sales à JCB SA, de 31 de Janeiro de 1995, e duas outras telecópias enviadas pela ECI JCB à JCB Sales, de 31 de Janeiro e 30 de Março de 1995, o Tribunal considerou, no n.° 92 do acórdão recorrido que, no contexto de estipulações contratuais idênticas, no caso em apreço, às do Reino Unido, mas não notificadas, os elementos de facto que lhe foram apresentados, corroborados pelo comportamento geral de limitação das vendas para fora do território na parte restante da rede de distribuição do grupo JCB, são de natureza a comprovar o elemento da infracção, ou seja, as restrições impostas às vendas passivas para fora do território.

133    A JCB Service sustenta que, contrariamente ao que resulta dos n.os 90 e 91 do acórdão recorrido, a cláusula 4 do acordo de distribuição respeitante à Irlanda não infringe o artigo 81.° CE. A este respeito, alega que a proibição de vendas constante do acordo celebrado em 1992 com os distribuidores e os concessionários na Irlanda está redigida em termos idênticos aos da cláusula 4 das versões dos acordos respeitantes ao Reino Unido. Tendo em conta o facto de o Tribunal de Primeira Instância ter considerado, no n.° 86 do acórdão recorrido, que essa cláusula respeitante aos acordos aplicáveis no Reino Unido não infringe o artigo 81.° CE, é irrelevante que o acordo relativo à Irlanda, que contém a mesma cláusula, não tenha sido notificado à Comissão. A JCB Service sustenta ainda que os documentos mencionados no n.° 92 do acórdão recorrido foram analisados de modo manifestamente errado pelo Tribunal.

134    Por um lado, há que referir que, contrariamente ao alegado pela JCB Service, o Tribunal de Primeira Instância não considerou, no n.° 86 do acórdão recorrido, que a cláusula 4 das versões dos acordos com os distribuidores e concessionários do Reino Unido não suscitava qualquer problema à luz do disposto no artigo 81.°, n.° 1, CE. Com efeito, o mesmo Tribunal salientou que, apesar de o acordo aplicável no Reino Unido não comportar uma proibição geral de venda, a cláusula em questão foi interpretada pelos distribuidores como constituindo uma proibição geral das vendas para fora do território.

135    Por outro lado, tendo em conta a jurisprudência referida no n.° 86 do presente acórdão, há que recordar que, para que a notificação de um acordo seja válida à luz do artigo 81.° CE, deve ser efectuada através do formulário A/B. No caso em apreço, está assente que o acordo celebrado em 1992 pela JCB Service e aplicável na Irlanda nunca foi notificado à Comissão.

136    Resulta das precedentes considerações que o segundo argumento da primeira censura avançada pela JCB Service é desprovido de fundamento e, portanto, não colhe.

137    Quanto à alegada apreciação errada dos documentos examinados pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 92 do acórdão recorrido, há que concluir que, com a sua censura, a JCB Service contesta a apreciação dos factos e dos elementos de prova a que procedeu aquele Tribunal, sem invocar argumentos que permitam concluir que o mesmo desvirtuou o conteúdo dos documentos dos autos que lhe foram apresentados ou cometeu um erro de direito.

138    Nestas condições e em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 106 a 108 do presente acórdão, também há que julgar inadmissível este argumento.

139    Em terceiro lugar, no que respeita a França, o Tribunal de Primeira Instância referiu, no n.° 96 do acórdão recorrido, que o contrato‑tipo de concessão de 1991 comporta, no seu artigo 2.°, uma cláusula de exclusividade recíproca que, designadamente, proíbe ao concessionário vender, difundir ou promover directa ou indirectamente os produtos e as peças sobressalentes do grupo JCB fora do território atribuído. Nos termos deste mesmo número do acórdão recorrido, esse acordo não notificado proíbe as vendas activas e, pela sua própria redacção, comporta também uma proibição das vendas passivas para fora do território atribuído.

140    Após ter examinado os documentos em que a Comissão se baseou, na decisão controvertida, para demonstrar a existência das restrições incriminadas, a saber, uma telecópia de 21 de Junho de 1988 da JCB SA a um concessionário autorizado, uma carta de 10 de Janeiro de 1995 da JCB SA à sociedade Philippe MPT e uma carta de 31 de Janeiro de 1996 enviada à JCB SA pela Pinault Équipement, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 98 do acórdão recorrido, que os referidos documentos confirmam, em grande medida, as práticas restritivas e de repartição do mercado que estão inscritas no acordo‑tipo de concessão.

141    A este respeito, a JCB Service sustenta que o Tribunal de Primeira Instância concordou com uma análise manifestamente errada do artigo 2.° do acordo respeitante a França, indicando que este «proíbe as vendas activas e, pela sua própria redacção, comporta também uma proibição das vendas passivas para fora do território atribuído». Além disso, segundo a JCB Service, aquele Tribunal invocou elementos de prova manifestamente destituídos de pertinência a fim de provar a alegada restrição.

142     Há que referir que a decisão controvertida não assenta numa alegada proibição expressa que figure no próprio acordo de concessão, mas sim na aplicação efectiva que lhe é dada. Esta conclusão decorre dos considerandos cento e onze a cento e catorze da decisão controvertida e, mais especificamente, do considerando cento e quarenta e seis dessa decisão, no qual a Comissão concluiu que «o [acordo] entre [o grupo] JCB e os seus distribuidores oficiais, tal como foi efectivamente aplicado, impede ou restringe a possibilidade de tais distribuidores venderem fora dos territórios que lhes foram atribuídos».

143     Nestas condições, a validade da decisão controvertida em nada pode ser afectada por esse motivo. Donde se conclui que o argumento avançado no caso em apreço pela JCB Service é inoperante e, portanto, não colhe.

144    Quanto aos argumentos da JCB Service nos termos dos quais o Tribunal de Primeira Instância terá invocado provas manifestamente destituídas de pertinência para comprovar a existência da infracção, a saber, uma telecópia de 21 de Junho de 1988 da JCB SA a um concessionário autorizado e uma carta de 31 de Janeiro de 1996 enviada à JCB SA pela Pinault Équipement, há que concluir que a JCB Service contesta uma vez mais as apreciações dos factos pelo Tribunal de Primeira Instância no tocante à existência das práticas proibidas sem demonstrar a mínima desvirtuação das provas.

145    A idêntica conclusão se chega no tocante às exportações paralelas no conjunto do mercado geográfico em causa e no que respeita ao argumento segundo o qual o Tribunal de Primeira Instância apreciou de modo errado, nos n.os 106 e 107 do acórdão recorrido, os documentos que examinou, a saber, uma carta de 2 de Junho de 1992, que a JCB Sales enviou à Watling JCB, e duas telecópias, de 11 e 15 de Maio de 1995, da filial alemã JCB Germany.

146    Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância considerou soberanamente, no n.° 107 do acórdão recorrido, sem cometer qualquer desvirtuação, por um lado, que os documentos em questão provam que a JCB Service tem uma política de repartição dos territórios dos seus distribuidores e dos mercados nacionais que a conduz a proibir, de forma geral, qualquer venda para fora do território, quer se trate ou não de exportações paralelas, à margem da sua rede de distribuição, e, por outro, que o comportamento em questão vem reforçar as restrições impostas às vendas passivas.

147    Decorre das precedentes considerações que não colhe o conjunto dos argumentos avançados pela JCB Service destinados a contestar o primeiro elemento da infracção.

–       Quanto ao segundo elemento da infracção referente às restrições das fontes de abastecimento impostas aos concessionários estabelecidos em França e em Itália e que proíbem os fornecimentos cruzados entre estes

148    O Tribunal de Primeira Instância salientou, no n.° 112 do acórdão recorrido, que, no que respeita a França, o artigo 2.° do contrato‑tipo de concessão impõe, a título de condição essencial do contrato, o abastecimento em produtos e em peças do grupo JCB exclusivamente na filial francesa, a JCB SA, e na JCB Service.

149    Nos termos deste mesmo número, em Itália, o artigo 4.° do acordo de distribuição proíbe aos distribuidores venderem ou implicarem‑se, directa ou indirectamente, na venda de produtos diversos dos produtos do grupo JCB e o artigo 6.° desse acordo de distribuição impõe‑lhes o abastecimento em peças sobressalentes e noutros produtos subsidiários utilizados para a reparação dos produtos do grupo JCB exclusivamente na JCB SpA, salvo acordo prévio por escrito da JCB Service, nos casos a que se referem esses dois artigos.

150    Após ter considerado que as cláusulas dos referidos acordos têm um objectivo restritivo, o Tribunal de Primeira Instância examinou, no n.° 115 do acórdão recorrido, os documentos em que a Comissão se apoia para concluir pela existência da infracção em França, a saber, uma carta de 21 de Junho de 1996, dirigida pela JCB SA à Sem‑Cedima, um dos seus concessionários, e uma outra carta, de 10 de Fevereiro de 1999, de um concessionário autorizado em França. Segundo esse mesmo número do acórdão recorrido, os referidos documentos confirmam a aplicação dos acordos e a existência em França de restrições quanto às fontes de abastecimento dos agentes oficiais do grupo JCB.

151    No que respeita a Itália, o Tribunal de Primeira Instância referiu, no n.° 116 do acórdão recorrido, que a Comissão não se apoia, para considerar comprovado o segundo elemento da infracção, noutras provas para além das próprias estipulações do contrato e que, a este respeito, a JCB Service alegou que a Comissão a não podia punir por cláusulas que não foram interpretadas e aplicadas rigorosamente, sem investigar e demonstrar que foram efectivamente aplicadas.

152    Uma vez feita essa apreciação, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 117 do acórdão recorrido, que a circunstância de as cláusulas que restringem a concorrência não terem sido interpretadas e aplicadas rigorosamente é indiferente no que respeita à questão da prova ou não da infracção alegada. No mesmo número, remetendo para a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o Tribunal de Primeira Instância acrescentou que a ausência, na decisão controvertida, de qualquer análise dos efeitos do acordo não constitui, por si só, um vício dessa decisão, tendo sido esclarecido que o objecto ou o efeito anticoncorrencial de um acordo são tomados em consideração de forma alternativa e não cumulativa.

153    Nestas condições, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 118 do acórdão recorrido, que foi de forma juridicamente correcta que a Comissão considerou estar provado o elemento de infracção referente às restrições às fontes de abastecimento respeitantes às aquisições de produtos contratuais pelos concessionários que exercem a sua actividade em França e Itália.

154    A este respeito, a JCB Service alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito em violação da regulamentação comunitária aplicável, concretamente, o Regulamento n.° 1983/83 e o Regulamento n.° 67/67/CEE da Comissão, de 22 de Março de 1967, relativo à aplicação do artigo [81.°], n.° 3, do Tratado a certas categorias de acordos de exclusividade (JO 57, p. 849; EE 08 F1 p. 94). Com efeito, podia ser concedida uma isenção por categoria nos termos do Regulamento n.° 67/67 e do Regulamento n.° 1983/83.

155    Há que recordar que a JCB Service sustentou perante o Tribunal de Primeira Instância que a acusação segundo a qual os acordos estabelecem restrições respeitantes às fontes de abastecimento dos distribuidores autorizados em França e Itália, obrigando‑os a abastecer‑se unicamente junto da filial nacional da JCB Service e proibindo‑os de realizar fornecimentos cruzados entre distribuidores autorizados, decorre de uma interpretação errada dos acordos pela Comissão, uma vez que as cláusulas controvertidas têm unicamente por objectivo garantir que os distribuidores só comercializarão produtos do grupo JCB. A JCB Service sustentou ainda que a Comissão não examinou se as cláusulas criticadas eram efectivamente aplicadas.

156    Portanto, é forçoso concluir que os argumentos avançados pela JCB Service em apoio do seu fundamento invocado perante o Tribunal de Justiça são novos e, por conseguinte, inadmissíveis. Com efeito, há que recordar, como foi já indicado no n.° 114 do presente acórdão, que no âmbito de um recurso em segunda instância a competência do Tribunal de Justiça se encontra limitada à apreciação da solução legal dada aos fundamentos e argumentos debatidos em primeira instância.

157    Decorre do conjunto das precedentes considerações que não colhem os argumentos da JCB Service destinados a contestar o segundo elemento da infracção e, por conseguinte, há que julgar a primeira parte do segundo fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

 Quanto à segunda parte

158    O Tribunal de Primeira Instância começou por referir, no n.° 160 do acórdão recorrido, que resulta da decisão controvertida que a Comissão indeferiu o pedido de isenção apresentado em 1973 em virtude de o exame desse pedido ter exigido uma compreensão global do sistema de distribuição do grupo JCB, que foi impossível, tendo em conta o carácter parcial das notificações, e visto os acordos e as práticas do grupo JCB comportarem restrições à concorrência e não preencherem as condições cumulativas previstas no artigo 81.°, n.° 3, CE para poderem beneficiar de isenção. Segundo aquele Tribunal, esse pedido apenas visava o acordo‑tipo respeitante à Irlanda, à Suécia e às Ilhas Anglo‑Normandas e provinha da JCB Sales.

159    Esclarecido isto, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 161 do acórdão recorrido, que as partes debateram, perante ele, a questão geral de saber se o sistema de distribuição do grupo JCB podia ser objecto de uma decisão nos termos do artigo 81.°, n.° 3, CE e que essa questão foi tratada nos considerandos duzentos e um a duzentos e vinte e dois da decisão controvertida.

160    Acrescentou que, todavia, em qualquer dos casos, uma isenção só poderia ser concedida a um acordo regularmente notificado para o qual tivesse sido pedida e que, a esse respeito, o pedido da JCB Service se destinava a obter a anulação do artigo 2.° da decisão controvertida, que indefere o pedido formulado em 1973. Segundo o Tribunal de Primeira Instância, o mérito do pedido de isenção deve ser apreciado tendo unicamente em conta o acordo mencionado no n.° 160 do acórdão recorrido sem que, para aquele Tribunal, se deva examinar se essa isenção poderia ter sido concedida a todos os acordos comunicados pelo grupo JCB à Comissão.

161    Em segundo lugar, após ter concluído, no n.° 164 do acórdão recorrido, que o acordo em causa não podia ser abrangido pelo regime de isenção por categoria previsto pelo Regulamento (CEE) n.° 123/85 da Comissão, de 12 de Dezembro de 1984, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [81.°] do Tratado a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós‑venda de veículos automóveis (JO 1985, L 15, p. 16; EE 08 F2 p. 150), substituído pelo Regulamento n.° 1475/95, o Tribunal de Primeira Instância examinou se o mesmo acordo podia ser objecto de uma isenção individual em aplicação do artigo 81.°, n.° 3, CE.

162    A esse respeito, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 165 do acórdão recorrido, que essa possibilidade estava prevista para os casos em que os acordos ou as práticas em questão contribuíssem para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou económico, contanto que se reservasse aos utilizadores uma parte equitativa do lucro daí resultante e sem impor às empresas interessadas quaisquer restrições que não fossem indispensáveis à prossecução desses objectivos, nem dar às empresas a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa. Esclareceu ainda no mesmo número do acórdão recorrido que, na decisão controvertida, a Comissão considerou que a conjugação da selectividade e da exclusividade que é própria do sistema de distribuição do grupo JCB implicava um cúmulo de restrições não indispensáveis, sem que estas limitações fossem contrabalançadas por efeitos benéficos, designadamente, para os consumidores.

163    Ora, nos termos do n.° 166 do acórdão recorrido, a JCB Service limitou‑se a afirmar, de um modo geral, que os acordos de distribuição preenchiam as condições exigidas para a concessão de isenção, sem indicar quais as vantagens precisas que o acordo em questão comportava para poder ser objecto de semelhante decisão. Além disso, segundo o mesmo número do acórdão recorrido, a JCB Service limitou‑se a alegar que o referido acordo não é desfavorável para os consumidores e que a Comissão não demonstrou que dele não resultariam vantagens, mas não indicou, em momento algum, quais as vantagens e as justificações das restrições criadas.

164    Em último lugar, no tocante às decisões da Comissão que concederam isenções individuais nos casos de sistemas de distribuição que combinam exclusividade e selectividade e que são invocadas pela JCB Service em apoio do seu fundamento, a saber, a Decisão 75/73/CEE da Comissão, de 13 de Dezembro de 1974, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.°] do Tratado CEE (IV/14.650 – Bayerische Motoren Werke AG) (JO 1975, L 29, p. 1; a seguir «decisão BMW»), e a Decisão 85/559/CEE da Comissão, de 27 de Novembro de 1985, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.°] do Tratado CEE (IV/30.846 – Ivoclar) (JO L 379, p. 1; a seguir «decisão Ivoclar»), bem como a Comunicação 93/C 275/03 da Comissão, nos termos do artigo 19.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 – Processo n.° IV/34.084 – Sony España SA (JO 1993, C 275, p. 3) o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 167 do acórdão recorrido, que as soluções dadas a esses processos não se revelavam transponíveis para o sistema de distribuição do grupo JCB.

165    Com efeito, nos termos do mesmo número do acórdão recorrido, no caso da decisão BMW, nem as vendas activas para fora do território estavam proibidas nem, a fortiori, as vendas passivas e os abastecimentos no seio da rede. Por outro lado, no tocante ao sistema de distribuição da Ivoclar, foi posteriormente pedido à interessada que optasse entre o modelo exclusivo e o modelo selectivo. Por último, a Sony España SA tinha um único elemento restritivo em comum com o sistema do grupo JCB.

166    À luz das precedentes considerações, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 168 do acórdão recorrido, que a JCB Service não demonstrou que o seu acordo poderia ser abrangido pelo regime de isenção por categoria previsto pelo Regulamento n.° 123/85, substituído pelo Regulamento n.° 1475/95, assim como também não demonstrou que o mesmo podia ser objecto de uma decisão de isenção individual nos termos do artigo 81.°, n.° 3, CE.

167    A JCB Service sustenta, em primeiro lugar, que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro manifesto de apreciação do âmbito da isenção individual pedida, ao limitar, como decorre do n.° 161 do acórdão recorrido, o exame do pedido de isenção a um único dos acordos notificados.

168    Há que salientar que, após ter esclarecido, nos considerandos cento e noventa e sete a duzentos, que não podia ser concedida qualquer isenção por categoria nos termos do Regulamento n.° 1983/83, do Regulamento n.° 1475/95 e do Regulamento n.° 2790/1999, a Comissão examinou seguidamente se, ao abrigo do artigo 4.°, n.°1, do Regulamento n.° 17, pode conceder uma isenção individual nos termos do artigo 81.°, n.° 3, CE.

169    Após ter recordado, no considerando duzentos e dois da decisão controvertida, que não podia ser tomada qualquer decisão nos termos do artigo 81.°, n.° 3, CE a respeito de acordos ou práticas concertadas restritivos que não tenham sido validamente notificados, a Comissão examinou nos considerandos duzentos e sete a duzentos e vinte desta decisão se as condições cumulativas do artigo antes referido estavam preenchidas no tocante aos efectivos acordos ou às práticas concertadas.

170    Tendo declarado, no considerando duzentos e vinte e um da decisão controvertida, que tal não se verificava no caso em apreço, a Comissão concluiu no considerando seguinte que não teria podido ser concedida qualquer isenção mesmo no caso de a JCB Service ter notificado os seus acordos tal como os aplicou.

171    Decorre das precedentes considerações que a Comissão examinou, a propósito da aplicação do artigo 81.°, n.° 3, CE, todos os acordos e práticas concertadas efectivos. O Tribunal de Primeira Instância não pôs em causa a apreciação da Comissão a esse respeito. Nestas condições, o argumento baseado na menção, nos n.os 160 e 161 do acórdão recorrido, unicamente do acordo respeitante à Irlanda, à Suécia e às Ilhas Anglo‑Normandas não colhe.

172    Resulta das considerações precedentes que a primeira censura feita pela JCB Service não colhe.

173    A JCB Service assinala, em segundo lugar, uma contradição no acórdão recorrido no tocante ao indeferimento do seu pedido de isenção.

174    Com efeito, por um lado, o Tribunal de Primeira Instância considerou, respectivamente nos n.os 133, 145 e 154 do acórdão recorrido, que as três infracções seguintes não estavam demonstradas:

–        fixação de descontos ou de preços de revenda aplicáveis pelos concessionários estabelecidos no Reino Unido e em França;

–        aplicação de comissões de serviço pós‑venda sobre as vendas efectuadas por distribuidores estabelecidos no Reino Unido com destino a outros Estados‑Membros, nos termos das tabelas fixadas pela JCB, e

–        supressão do apoio comercial às transacções múltiplas aos agentes do Reino Unido em caso de vendas para o exterior, tornando a remuneração dos concessionários tributária do destino geográfico das vendas.

175    Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância avalizou, além disso, o indeferimento do pedido de isenção, baseando‑se, no acórdão recorrido, nos considerandos duzentos e um a duzentos e vinte e dois da decisão controvertida, considerandos que, segundo a JCB Service, respeitam a esses três elementos de infracção.

176    Há que referir que o Tribunal de Primeira Instância examinou, sem o pôr em causa, o mérito da análise da Comissão a respeito do indeferimento do pedido de isenção individual apresentado pela JCB Service, nos n.os 160 a 169 do acórdão recorrido.

177    A esse respeito, há que começar por salientar que, no considerando duzentos e nove da decisão controvertida, a Comissão referiu o facto de a combinação da exclusividade territorial e da proibição de venda a distribuidores não autorizados susceptíveis de concorrer com os concessionários, bem como a aquisição exclusiva de peças por parte dos concessionários, impede ou restringe o desenvolvimento do mercado da manutenção, reparação e fornecimento de peças sobressalentes em condições de segurança óptimas, que é distinto do mercado das vendas de máquinas novas. No mesmo considerando, acrescentou que, tendo em conta o poder no mercado local que um concessionário detém em matéria de abastecimento em prazos muito curtos, essa combinação ultrapassa os benefícios previstos para o consumidor, em especial, tomando em consideração a importante quota de mercado detida pela JCB Service no que se refere às retroescavadoras.

178    Nos considerandos duzentos e catorze e duzentos e quinze da decisão controvertida, a Comissão entendeu seguidamente que, no âmbito de um sistema de distribuição exclusiva, as vendas passivas deverão ser autorizadas por forma a evitar que as desvantagens para a concorrência ultrapassem os benefícios e que, no mercado comum, a combinação da exclusividade territorial, da restrição das vendas passivas e activas bem como da distribuição selectiva na rede do grupo JCB não pode ser considerada indispensável à melhoria da distribuição das máquinas de construção e de movimentação de terras, relativamente às quais o grupo JCB detém uma quota de mercado a nível comunitário de 45%, no que se refere às retroescavadoras. Em especial, a Comissão esclareceu que, contrariamente aos veículos automóveis, essas máquinas são, na maior parte dos casos, utilizadas em áreas geográficas limitadas e não percorrem longas distâncias nem se deslocam para locais variáveis.

179    Por último, no considerando duzentos e dezanove, a Comissão entendeu que, para a melhoria da distribuição e para que os utilizadores beneficiem de elevados níveis de segurança, não é indispensável limitar o fornecimento de máquinas e peças sobresselentes do grupo JCB aos distribuidores autorizados ou aos utilizadores finais, nem atribuir territórios exclusivos fora dos quais as vendas activas e, a fortiori, as vendas passivas não são possíveis.

180    Resulta do que acaba de ser exposto que, no exame das condições cumulativas do artigo 81.°, n.° 3, CE, a Comissão se referiu, em todo o caso, aos elementos constitutivos dos dois primeiros elementos da infracção dada como verificada no artigo 1.° da decisão controvertida. Nestas condições, não é possível invocar qualquer contradição para pôr em causa o indeferimento do pedido de isenção.

181    Por conseguinte, a segunda censura feita pela JCB Service também não colhe.

182    A JCB Service sustenta, em terceiro lugar, que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de apreciação quando afirmou, no n.° 166 do acórdão recorrido, que ela não tinha indicado as vantagens precisas oferecidas pelos seus acordos de distribuição. A esse título, alega que as vantagens em questão já foram analisadas nos considerandos duzentos e sete e duzentos e oito da decisão controvertida e que aquele Tribunal não teve manifestamente em conta esse elemento.

183    Há desde logo que salientar que a conclusão a que o Tribunal de Primeira Instância chegou, no n.° 166 do acórdão recorrido, segundo a qual a JCB Service não indicou quais as vantagens precisas que o acordo em questão comportava para poder ser objecto de uma decisão de isenção, está errada.

184    Com efeito, como decorre do considerando duzentos e sete da decisão controvertida, a Comissão reconhece que alguns dos benefícios comuns a certas categorias de acordos de distribuição, como a distribuição exclusiva e a compra e a distribuição exclusivas de veículos automóveis, podem ser encontrados nos acordos de distribuição do grupo JCB, que, na realidade, combinam disposições presentes nessas três categorias.

185    Além disso, no considerando duzentos e oito da decisão controvertida, a Comissão indicou designadamente que é justo que os consumidores obtenham uma parte equitativa dos benefícios objectivos expostos e a selecção dos distribuidores em função da sua capacidade de fornecer elevados níveis de serviço aos compradores dos produtos do grupo JCB era uma preocupação legítima.

186    Todavia, recorde‑se nos termos da jurisprudência que, embora os fundamentos de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância contenham uma violação do direito comunitário, se a sua parte decisória se mostrar fundada por outras razões jurídicas, deve ser negado provimento ao recurso dele interposto (acórdão de 2 de Dezembro de 2004, José Martí Peix/Comissão, C‑226/03 P, Colect., p. I‑11421, n.° 29).

187    A este respeito, há que recordar que, nos termos da jurisprudência, para que um pedido de isenção individual seja deferido ao abrigo do disposto no artigo 81.°, n.° 3, CE, as condições enunciadas pelo artigo em questão devem estar cumulativamente preenchidas (v. despacho de 25 de Março de 1996, SPO e o./Comissão, C‑137/95 P, Colect., p. I‑1611, n.° 34).

188    Ora, independentemente do mérito da alegação da JCB Service no caso em apreço, esta não demonstra através dos seus outros argumentos que a conclusão que figura no considerando duzentos e vinte e um da decisão controvertida, nos termos do qual as condições cumulativas para a aplicação do artigo 81.°, n.° 3, CE não estão preenchidas no presente caso, esteja errada e que, portanto, ao avalizar a posição da Comissão a esse respeito, o Tribunal tenha cometido um erro de direito.

189    Donde se conclui que a terceira censura feita pela recorrente também não colhe.

190    A JCB Service alega, em quarto lugar, que o Tribunal de Primeira Instância interpretou de forma errada, no n.° 167 do acórdão recorrido, as regras referentes às isenções. Com efeito, não existe uma restrição às vendas passivas, pelo que os princípios enunciados nos processos que conduziram às decisões BMW e Ivoclar deveriam ter sido aplicados por analogia no caso em apreço e, por conseguinte, deveriam ter bastado para que fosse deferido o pedido de isenção.

191    Há que concluir que, através desta censura, a JCB Service se limita a contestar a apreciação dos factos a que procedeu aquele Tribunal, sustentando que, à luz das decisões BMW e Ivoclar já referidas, este último deveria ter chegado à conclusão oposta à que figura no n.° 167 do acórdão recorrido. Porém, a este respeito, a JCB Service não invoca qualquer argumento que permita concluir que o Tribunal tenha procedido a uma qualquer desvirtuação dos factos ou cometido um erro de direito.

192    Nestas condições, em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 106 a 108 do presente acórdão, há que julgar inadmissível a quarta censura feita pela JCB Service.

193    Resulta das precedentes considerações que também não colhe a segunda parte do segundo fundamento, pelo que há que julgá‑lo parcialmente improcedente, no seu conjunto.

 Quanto ao terceiro fundamento

194    Este terceiro fundamento divide‑se em duas partes. Cada uma dessas duas partes comporta, também ela, diversas censuras. A JCB Service sustenta que o Tribunal de Primeira Instância não aplicou correctamente o artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e, a esse respeito, invoca, por um lado, a violação de certos princípios fundamentais e, por outro, a das regras referentes à determinação do montante da coima aplicada.

 Quanto à primeira parte

195    Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância indicou, no n.° 176 do acórdão recorrido, que a Comissão não podia, sem violar o disposto no artigo 15.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento n.° 17, aplicar uma coima à JCB Service em virtude dos acordos notificados em 1973 e em 1975. Segundo ele, a legalidade da decisão controvertida a esse respeito devia ser examinada apenas relativamente aos elementos da infracção referidos na notificação e que o Tribunal considere provados. Trata‑se, por um lado, do primeiro elemento da infracção, relativo às restrições impostas às vendas passivas, referidas no artigo 1.°, alínea a), da decisão controvertida, que estão relacionadas com os acordos notificados para o Reino Unido e resultante da cláusula 4 dos referidos acordos, e, por outro, do segundo elemento da infracção, referente às restrições das fontes de abastecimento, a que se refere o artigo 1.°, alínea b), da decisão controvertida e ao qual, segundo o Tribunal, a notificação não diz respeito.

196    Nestas condições, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 177 do acórdão recorrido, que a cláusula 4 foi aplicada de forma diversa dos seus próprios termos, tendo o seu alcance sido alargado de forma a abranger uma proibição geral aos distribuidores de venda para fora do respectivo território, designadamente para exportação. Esclareceu ainda que, na medida em que as práticas que conduziram à aplicação de uma coima não se mantêm dentro do limite das estipulações dos acordos notificados, não são violadas as disposições do artigo 15.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento n.° 17.

197    A esse respeito, a JCB Service sustenta que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito, na medida em que, ao examinar a questão da coima, não teve devidamente em conta a violação, por um lado, do princípio da boa administração, tendo em conta o dever que incumbia à Comissão de tomar uma decisão dentro de um prazo razoável, e, por outro, da confiança legítima da JCB Service. Com efeito, o ofício de 13 de Janeiro de 1976 da Comissão e as decisões das autoridades e dos órgãos jurisdicionais nacionais induziram a JCB Service a crer na existência de uma possibilidade séria de os acordos controvertidos beneficiarem da isenção pedida e, portanto, que escaparia à eventual aplicação de uma coima.

198    No que respeita, por um lado, à violação do princípio da boa administração, tendo em conta o dever que incumbia à Comissão de tomar uma decisão dentro de um prazo razoável, há que concluir que, com esta censura, a JCB Service critica essencialmente o Tribunal de Primeira Instância por não ter reprovado o facto de a Comissão ter aplicado uma coima no caso em apreço, sem ter tomado em conta o facto de que a adopção da decisão controvertida se verificou uma vez excedido um prazo razoável.

199    Ora, como foi indicado nos n.os 77 a 79 do presente acórdão, a JCB Service não pode, em todo o caso, pretender a anulação da decisão controvertida em razão da sua adopção excedido um prazo razoável, uma vez que os seus direitos de defesa não foram violados. Portanto, esta primeira censura não colhe.

200    No que concerne, por outro lado, a violação do princípio da confiança legítima, há que esclarecer que, com a sua censura, a JCB Service pretende essencialmente beneficiar do disposto no artigo 15.°, n.° 5, alínea a), do Regulamento n.° 17. Ora, semelhante alegação deve ser julgada manifestamente improcedente no que respeita aos acordos que não foram regularmente notificados.

201    Em segundo lugar, em resposta ao argumento da JCB Service segundo o qual a coima aplicada é desproporcionada, designadamente em comparação com as coimas aplicadas segundo o mesmo procedimento a empresas como a Volkswagen AG e a Opel Nederland BV [Decisão 98/273/CE da Comissão, de 28 de Janeiro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.°] do Tratado CE (IV/35.733 – VW) (JO L 124, p. 60), e Decisão 2001/146/CE da Comissão, de 20 de Setembro de 2000, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo COMP/36.653 – Opel) (JO 2001, L 59, p. 1)], o Tribunal de Primeira Instância esclareceu, no n.° 187 do acórdão recorrido, que, independentemente das comparações que a Comissão entendeu útil fazer para determinar o montante da coima aplicada à JCB Service, esses elementos só podem ter carácter indicativo, pois os dados circunstanciais dos processos, como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa, não são idênticos.

202    Concluiu, por conseguinte, no n.° 189 do mesmo acórdão, que a circunstância de o montante das coimas aplicadas à Volkswagen, à Opel Nederland BV e à JCB Service corresponder a percentagens diferentes dos respectivos volumes de negócios, não é, no caso em apreço, reveladora de tratamento discriminatório em detrimento da ora recorrente.

203    A esse respeito, a JCB Service sustenta, porém, que o Tribunal de Primeira Instância violou o princípio da igualdade de tratamento, ao não responder ao seu argumento de que a coima era desproporcionada em comparação com as coimas aplicadas em circunstâncias comparáveis nas decisões Volkswagen AG e Opel Nederland BV.

204    Há que concluir desde logo que, contrariamente ao que sustenta a JCB Service no caso em apreço, o Tribunal de Primeira Instância respondeu claramente às suas alegações nos n.os 187 e 189 do acórdão recorrido.

205    Há ainda há que referir que, com os seus argumentos, a JCB Service não pretende pôr em causa a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça nos termos da qual a prática decisória anterior da Comissão não serve de quadro jurídico às coimas aplicadas em matéria de concorrência e que as decisões referentes a outros processos têm carácter indicativo no que respeita à existência de discriminações.

206    Decorre das precedentes considerações que não colhem as censuras feitas em segundo lugar pela JCB Service e, por conseguinte, a primeira parte do presente fundamento é improcedente.

 Quanto à segunda parte

207    A título preliminar, há que recordar que, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, embora as orientações não possam ser qualificadas de norma jurídica que, de qualquer forma, a Administração está sempre obrigada a observar, enunciam, porém, uma norma de conduta indicativa da prática a seguir, à qual a Administração não se pode furtar, num caso específico, sem apresentar razões compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento (v. acórdão de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 209).

208    Ao adoptar tais regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a instituição em causa autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode renunciar a essas regras sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação dos princípios gerais do direito, tais como os da igualdade de tratamento ou da protecção da confiança legítima (acórdão Dansk Rørindustri e. o./Comissão, já referido, n.° 211).

209    Há ainda que recordar que, nos termos da mesma jurisprudência, as orientações determinam, de maneira geral e abstracta, a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas aplicadas ao abrigo do artigo 15.° do Regulamento n.° 17. Essas orientações, para cuja redacção a Comissão recorreu, nomeadamente, aos critérios enunciados pelo Tribunal de Justiça, asseguram, por conseguinte, a segurança jurídica das empresas (v., neste sentido, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 213).

210    É à luz dessa jurisprudência que há que examinar os argumentos avançados pela JCB Service e que se destinam a demonstrar que foi erradamente que o Tribunal de Primeira Instância não reprovou a alegada violação das orientações pela Comissão.

211    No que respeita, em primeiro lugar, à gravidade da infracção, há que esclarecer que em todas as versões linguísticas do acórdão recorrido, com excepção da versão inglesa, que utiliza o termo «graves» para as infracções em questão, o seu n.° 182 refere que as referidas infracções podem ser consideradas «muito graves» em razão das ofensas que representam para o bom funcionamento do mercado interno, em especial pela repartição dos mercados nacionais que tiveram por objecto e efeito realizar e, por conseguinte, justificam, por si sós, uma coima elevada. Nos termos do número seguinte do mesmo acórdão, a JCB Service é uma empresa relativamente importante na Comunidade Europeia e no sector em questão e, portanto, a Comissão não cometeu qualquer erro na sua apreciação do impacto da infracção nos mercados nacionais em questão para determinar o montante da coima.

212    Seguidamente, no que respeita à duração da infracção, resulta do n.° 184 do acórdão recorrido que a mesma correspondeu a um período de dez anos. A este propósito, o Tribunal esclareceu, no n.° 185 do acórdão recorrido, que «[o]s dois elementos da infracção verificaram‑se simultaneamente no decurso de metade deste período. A JCB Service salientou que foi apenas durante um período de cinco anos que todos os elementos da infracção – reduzidos ao número de dois – se encontraram reunidos. Todavia, as restrições impostas às exportações, constitutivas do primeiro elemento da infracção, que estão no cerne do sistema de distribuição [do grupo] JCB, revestem‑se de uma importância preponderante e é delas que logicamente decorrem as restrições às fontes de fornecimento, constitutivas do segundo elemento de infracção. [… D]ado o carácter principal do primeiro elemento da infracção, que respeita a um elemento central do sistema de distribuição [do grupo] JCB, não se pode considerar que a duração da infracção deva ser reduzida a menos de dez anos».

213    Por último, no que respeita ao facto de a Comissão se ter recusado a tomar em conta circunstâncias atenuantes específicas, nos termos do n.° 190 do acórdão recorrido, a JCB Service não podia validamente sustentar que a falta de posição formal tomada pela Comissão sobre os seus acordos tinha o valor de «aprovação tácita», uma vez que semelhante entendimento é estranho ao direito comunitário da concorrência.

214    Além disso, nos termos do mesmo número do acórdão recorrido, a JCB Service também não pode argumentar com a decisão favorável da autoridade irlandesa da concorrência nem com o acórdão proferido pela cour d’appel de Paris, já referidos. De igual modo, segundo o Tribunal de Primeira Instância, tendo sido julgado fundado o indeferimento do seu pedido de isenção, não pode ser reconhecida, no caso em apreço, qualquer circunstância atenuante baseada na pretensa compatibilidade do sistema de distribuição do grupo JCB com as regras comunitárias em matéria da concorrência.

215    Em primeiro lugar, a JCB Service sustenta, no essencial, que o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente, no n.° 182 do acórdão recorrido, que as duas formas de práticas anticoncorrenciais julgadas provadas no caso em apreço justificam, por si sós, uma coima elevada como infracções «muito graves». Com efeito, independentemente da respectiva qualificação formal na decisão controvertida, as práticas em questão não podem ser qualificadas de infracções «muito graves» em razão da sua natureza e da sua incidência efectiva no mercado.

216    Contrariamente ao que sustenta a JCB Service no caso em apreço, as infracções identificadas inserem‑se manifestamente nas infracções qualificadas de «muito graves» na acepção do ponto 1, A, das orientações e, portanto, pode‑lhes ser aplicada a coima prevista para esse tipo de infracção.

217    A este respeito, há que recordar que, nos termos do considerando duzentos e quarenta e oito da decisão controvertida, os acordos de distribuição que, tal como os da JCB Service, têm por objecto a repartição dos mercados nacionais no mercado comum, através de diversas restrições reforçadas da concorrência, prejudicam o funcionamento correcto do mercado único, impedem a realização de um dos principais objectivos da Comunidade e têm sido, desde há décadas, considerados infracções ao artigo 81.° CE.

218    Nos considerandos duzentos e quarenta e nove e duzentos e cinquenta da decisão controvertida, a Comissão concluiu que a aplicação destas restrições é visível, sem equívoco, no que se refere aos concessionários, pelo menos em diversos Estados‑Membros, que constituem uma parte substancial do mercado comum, que a JCB Service é uma empresa de grandes dimensões com um poder considerável nalguns dos mercados do produto e geográficos afectados, que tem uma capacidade efectiva para, através do seu comportamento, prejudicar seriamente outros operadores a jusante e que possui as infra‑estruturas necessárias que deveriam ter‑lhe permitido concluir que o seu comportamento constitui uma infracção ao artigo 81.° CE.

219    Foi nestas condições que a Comissão concluiu, no considerando duzentos e cinquenta e um da decisão controvertida, que as infracções cometidas pela JCB Service são «muito graves» e devem ser objecto de uma coima no montante de 25 000 000 euros, devido à sua gravidade.

220    Resulta do que acaba de ser exposto que foi correctamente que o Tribunal de Primeira Instância não reprovou à Comissão ter aplicado às infracções em causa uma coima correspondente às infracções qualificadas de «muito graves».

221    Quanto ao facto de, no n.° 182 da versão inglesa do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância se referir a infracções «graves» em vez de «muito graves», há que esclarecer que se trata de um mero erro de escrita. Com efeito, para além do termo «muito graves» figurar em todas as outras versões linguísticas do acórdão recorrido, há que salientar que a utilização do termo «grave» não reveste importância no caso em apreço, na medida em que decorre sem qualquer ambiguidade do n.° 182 do acórdão recorrido que se trata de infracções «muito graves» na acepção do ponto 1, A, das orientações, que justificam a aplicação de uma coima elevada.

222    Em segundo lugar, a JCB Service sustenta que, ao fixar em dez anos a duração da infracção, o Tribunal de Primeira Instância procedeu, tal como a Comissão, a uma incorrecta avaliação dessa duração. Com efeito, seria necessário avaliar a duração da prática ilícita em causa tendo em conta a falta da Comissão, que levou a JCB Service a crer legitimamente que a sua rede de distribuição não constituía uma violação das regras da concorrência. Neste contexto, tendo em conta que a duração da prática ilícita é um factor que justifica o aumento do montante da coima, a duração das práticas contestadas não devia ter sido considerada um factor a utilizar tendo em vista o aumento do montante daquilo que não deixa de ser uma coima injustificada.

223    Este argumento é totalmente irrelevante. Há que salientar que a apreciação da Comissão relativa à duração da infracção comprovada respeita aos acordos e às práticas não notificados. Nestas condições, a JCB Service não pode, em todo o caso, procurar assentar as suas alegações em acordos não notificados nos termos das formalidades exigidas pela jurisprudência para vir contestar o mérito da apreciação da Comissão a respeito da duração da infracção à luz das orientações.

224    Nesta matéria, a JCB Service sustenta que não existe, porém, qualquer elemento de prova que possa servir de apoio à conclusão de que as alegadas infracções foram cometidas durante um período de dez anos. Com efeito, tendo em conta os documentos examinados que respeitam aos dois elementos da infracção considerados provados no acórdão recorrido e que remontam a 1992, o Tribunal de Primeira Instância não podia considerar que o período de infracção se tinha iniciado em 1988 nem enunciar, no n.° 184 do acórdão recorrido, que «a Comissão referiu factos relacionados com os dois elementos da infracção que estão provados» e que «constam do processo elementos de prova, que foram anteriormente examinados, no que respeita ao período global considerado», sem realmente examinar os elementos de prova.

225    Há que concluir que a JCB Service se limita essencialmente a criticar o Tribunal de Primeira Instância por não ter retomado nem citado todos os elementos de prova susceptíveis de comprovar a duração da infracção. Todavia, não demonstrou que aquele Tribunal tenha cometido um erro de direito no n.° 184 do acórdão recorrido ao avalizar as conclusões da Comissão a respeito da duração da infracção. Com efeito, a JCB não avançou qualquer argumento para demonstrar que a apreciação da Comissão nessa matéria se tenha afastado do ponto 1, B, das orientações. Portanto, este argumento não colhe.

226    Em último lugar, a JCB Service sustenta que o Tribunal de Primeira Instância não reprovou o facto de a Comissão não ter reconhecido no caso em apreço a existência de circunstâncias atenuantes na acepção do ponto 3 das orientações. Antes de mais, o recurso às práticas alegadamente ilícitas não foi uma opção deliberada da JCB Service mas o resultado da negligência e da má administração da Comissão. Seguidamente, a JCB Service não recorreu em Itália à prática ilícita que lhe é imputada. Por fim, a nota de 16 de Maio de 1995, já referida no n.° 93 do presente acórdão, constitui uma circunstância atenuante específica e não uma circunstância agravante.

227    Quanto à primeira censura antes referida, há que salientar que a JCB Service assenta o seu raciocínio no facto de a actuação tardia da Comissão no tocante ao seu pedido de isenção ter tido repercussões no procedimento por infracção por esta aberto a respeito dos acordos e das práticas não notificados. Por conseguinte, em seu entender, este elemento deveria ser considerado uma circunstância atenuante específica para a determinação do montante final da coima.

228    É forçoso constatar que a JCB Service tenta novamente estabelecer um nexo processual entre os acordos notificados e os acordos não notificados a fim de contestar o mérito da decisão da Comissão a respeito do montante da coima aplicada. Ora, é manifesto que semelhante nexo não existe e que, portanto, não pode em caso algum justificar a existência de uma circunstância atenuante na acepção do ponto 3 das orientações.

229    No que respeita à segunda censura antes referida, há que recordar que o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 103 do acórdão recorrido, para o qual também remete o n.° 117 do mesmo acórdão, que, «em todo o caso e seja qual for a aplicação prática dos acordos, o artigo 81.°, n.° 1, CE proíbe a própria existência, nos contratos de distribuição, de cláusulas que tenham por objecto ou efeito restringir as vendas. Estas constituem uma limitação da concorrência que pode ser punida nos termos do artigo 81.°, n.° 1, CE quando possam afectar o comércio entre os Estados‑Membros. O facto de uma cláusula de um acordo que tem por objectivo restringir a concorrência não ter sido aplicada pelos co‑contratantes não basta para a subtrair à proibição do artigo 81.°, n.° 1, CE».

230    Resulta do que acaba de ser exposto que, contrariamente ao que sustenta a JCB Service, o Tribunal de Primeira Instância não considerou de forma alguma no seu acórdão que esta não tinha recorrido, em Itália, à prática que lhe é imputada. Pelo contrário, limitou‑se a mencionar as alegações da JCB Service para delas retirar uma conclusão diferente. Nestas condições, também não colhe a segunda censura feita pela JCB Service.

231    Quanto à terceira censura antes referida, há que recordar que a nota de 16 de Maio de 1995 indica que uma proibição das importações paralelas seria contrária às decisões da Comissão e à jurisprudência do Tribunal de Justiça. Trata‑se, por conseguinte, de um elemento que demonstra que a JCB Service estava ciente do facto de que o seu comportamento era contrário ao artigo 81.° CE e, portanto, não pode ser considerado uma circunstância atenuante específica.

232    Decorre do conjunto das precedentes considerações que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu qualquer erro de direito ou de apreciação no n.° 190 do acórdão recorrido, ao avalizar a posição da Comissão nos termos da qual, para o cálculo da coima, não há que tomar em conta circunstâncias atenuantes específicas.

233    Há, pois, que julgar improcedente a segunda parte do terceiro fundamento e este último, na íntegra, e, por conseguinte, julgar improcedentes os pedidos de anulação do acórdão recorrido, uma vez que nenhum dos fundamentos invocados foi acolhido.

234    Tendo os demais pedidos do presente recurso sido apresentados para o caso de o Tribunal de Justiça anular o acórdão recorrido, há que negar provimento ao recurso principal, na íntegra.

 Quanto ao recurso subordinado

235    A Comissão alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito no que respeita à interpretação do artigo 15.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17, ao afastar, no cálculo da coima, a circunstância agravante descrita na decisão controvertida, a saber, as medidas de represália tomadas pela JCB Service contra um distribuidor que tinha violado o artigo 4.° do acordo de distribuição no Reino Unido (proibição das vendas a revendedores não autorizados). Mais especificamente, a Comissão entende que se tratava de uma circunstância agravante, não com fundamento na cláusula 4 notificada, mas porque o carácter restritivo deste artigo era reforçado pela aplicação de sanções pecuniárias.

236    A este respeito, há que recordar que o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 191 do acórdão recorrido, que a Comissão teve em conta circunstâncias agravantes, tendo considerado como tal a sanção pecuniária aplicada pela JCB Service à Gunn JCB por violação da cláusula 4, qualificada de «medida de represália», e que consequentemente, aumentou o montante da coima aplicada em 864 000 euros. Referiu ainda que não foi contestado que a Gunn JCB teve um comportamento contrário aos seus compromissos contratuais e que recebeu indevidamente apoio comercial para transacções múltiplas e, por último, que a JCB Service aplicou uma penalidade pela violação de uma estipulação contratual. Porém, o Tribunal de Primeira Instância esclareceu que uma cláusula, quer seja legal ou ilegal, a partir do momento em que figura num acordo notificado, deve beneficiar da isenção da coima que resulta do artigo 15.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17.

237    Nestas condições, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 192 do acórdão recorrido, que a Comissão não podia legalmente aplicar uma coima por um comportamento qualificado de circunstância agravante, mas que se prende com a aplicação de uma cláusula de um acordo regularmente notificado. Portanto, a Comissão não podia aumentar o montante da coima para tomar em conta as alegadas circunstâncias agravantes.

238    A JCB Service sustenta que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu qualquer erro de direito. Antes de mais, a reparação reclamada pela JCB Service a um dos seus distribuidores correspondeu a uma penalidade aplicada em execução da referida cláusula e não em aplicação de uma disposição não notificada. Seguidamente, o pedido de reparação foi igualmente necessário para assegurar a validade do acordo de distribuição selectiva e para evitar uma discriminação ilegal entre os distribuidores. Por último, o pedido em questão foi erradamente qualificado pela Comissão de «medida de represália» que constitui uma circunstância agravante, porquanto, nos termos das orientações para o cálculo das coimas, constituem «medidas de retaliação» as medidas tomadas em relação «a outras empresas para fazer ‘respeitar’ as decisões ou práticas ilícitas».

239    Há que recordar que a Comissão indicou no considerando quarenta da decisão controvertida que «nos dois formulários A/B preenchidos para o Reino Unido, foi solicitado que a JCB fornecesse informações relativamente ao conteúdo do acordo ou prática concertada e mais especificamente, nos termos do ponto II (3) (f), relativamente às [...] 'sanções susceptíveis de serem tomadas contra as empresas participantes (cláusula penal, expulsão, suspensão de fornecimentos, etc.)'. Em ambos os formulários a resposta dada foi ‘Não’. Esta resposta não foi fornecida de forma negligente ou mecânica. No formulário A/B que acompanhava o acordo notificado relativamente à Dinamarca, também em 30 de Junho de 1973, foi inscrita uma sanção de 250 libras ou correspondente a 3 vezes os preços das peças sobressalentes adquiridas junto de outras fontes que não a JCB».

240    As constatações que acabam de ser referidas não foram contestadas pela JCB Service no âmbito dos presentes autos nem foram postas em causa perante o Tribunal de Primeira Instância. Nestas condições, há que considerar que, tendo em conta a resposta «não» no ponto II (3) (f) do formulário A/B relativamente às sanções susceptíveis de serem tomadas contra as empresas participantes no cartel no tocante ao Reino Unido, a JCB Service tinha notificado à Comissão a sua intenção de não prever semelhantes sanções.

241    Portanto, a resposta «não» no ponto antes referido do formulário A/B implica que as penalidades impostas ao distribuidor estabelecido no Reino Unido exorbitavam os limites da actividade descrita na notificação e, portanto, contrariamente ao indicado no n.° 191 do acórdão recorrido, as penalidades em questão não podem beneficiar de imunidade à aplicação de uma coima prevista no artigo 15.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17.

242    Conclui‑se, pois, que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito nos n.os 191 e 192 do acórdão recorrido ao considerar que a Comissão não podia aplicar uma coima de 864 000 euros por um comportamento qualificado de circunstância agravante e que não podia aumentar o montante da coima para tomar em conta as alegadas circunstâncias agravantes.

243    Decorre das precedentes considerações que há que dar provimento ao recurso subordinado no tocante aos n.os 191 e 192 e ao n.° 2 do acórdão recorrido, bem como ao ponto 2 do seu dispositivo.

244    Por força do artigo 61.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal de Primeira Instância. Pode, neste caso, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância, para julgamento. Estando os presentes autos em condições de ser julgados, há que decidir definitivamente da coima a aplicar à JCB Service e fixar esta última em 30 864 000 euros.

 Quanto às despesas

245    Segundo o artigo 122.°, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente, ou for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas. Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, aplicável ao recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do seu artigo 118.°, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

246    Tendo a Comissão pedido a condenação da JCB Service e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas referentes ao recurso principal. Tendo a Comissão pedido a condenação da JCB Service no quadro do recurso subordinado e tendo esta última sido vencida, há igualmente que condenar a JCB Service nas despesas referentes ao recurso subordinado.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O recurso subordinado interposto pela Comissão das Comunidades Europeias é julgado procedente.

3)      O n.° 2 do dispositivo do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 13 de Janeiro de 2004, JCB Service/Comissão (T‑67/01), é anulado.

4)      O montante da coima aplicada à JCB Service em aplicação do artigo 4.° da Decisão 2002/190/CE da Comissão, de 21 de Dezembro de 2000, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE (processo COMP.F.1/35.918 ‑ JCB), é fixado em 30 864 000 euros.

5)      A JCB Service é condenada na totalidade das despesas da presente instância.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.