Language of document : ECLI:EU:T:2005:318

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

13 de Setembro de 2005(*)

«Funcionários – Remuneração – Subsídio de expatriação – Artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Anexo VII do Estatuto – Conceito de ‘serviços prestados a um outro Estado’»

No processo T‑72/04,

Sonja Hosman-Chevalier, funcionária da Comissão das Comunidades Europeias, residente em Bruxelas, representada por J.‑R. García‑Gallardo Gil‑Fournier, E. Wouters e A. Sayagués Torres, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por J. Currall e M. Velardo, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão de 29 de Outubro de 2003, que recusa à recorrente o subsídio de expatriação previsto no artigo 4.° do Anexo VII do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias, bem como dos subsídios que lhe estão associados,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),

composto por: J. D. Cooke, presidente, R. García‑Valdecasas e V. Trstenjak, juízes,

secretário: I. Natsinas, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de Abril de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 69.° do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias, na redacção aplicável no caso em apreço (a seguir «Estatuto») dispõe que o subsídio de expatriação é igual a 16% do total do vencimento base e do abono de lar, bem como do abono por filho a cargo aos quais o funcionário tem direito.

2        O artigo 4.°, n.° 1, do Anexo VII do Estatuto prevê que o subsídio de expatriação igual a 16% do montante total do vencimento base, assim como o abono de lar e o abono por filho a cargo pagos ao funcionário é concedido:

«a)      ao funcionário:

–        que não tenha e não tiver tido nunca a nacionalidade do Estado em cujo território está situado o local da sua afectação,

e

–        que não tenha, habitualmente, durante um período de cinco anos expirando seis meses antes do início de funções, residido ou exercido a sua actividade profissional principal no território europeu do referido Estado. Não serão tomadas em consideração, para efeitos desta disposição, as situações resultantes de serviços prestados a um outro Estado ou a uma organização internacional;

[…]»

3        O artigo 5.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Anexo VII do Estatuto prevê que ao funcionário titular que preencher as condições para beneficiar do subsídio de expatriação ou que prove ter tido de mudar de residência para cumprir as obrigações previstas no artigo 20.° do Estatuto, é devido um subsídio de instalação igual a dois meses de vencimento base, se se tratar de um funcionário que tenha direito ao abono de lar ou igual a um mês de vencimento base se se tratar de um funcionário que não tenha direito a esse abono. Por último, nos termos do artigo 10.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Anexo VII do Estatuto, o funcionário que prove ter sido obrigado a mudar de residência para cumprir as obrigações previstas no artigo 20.° do Estatuto tem direito, relativamente a um período determinado, a um subsídio diário.

 Factos na origem do recurso

4        A recorrente, de nacionalidade austríaca, estudou e trabalhou na Áustria até 14 de Maio de 1995. De 15 de Maio de 1995 a 17 de Março de 1996, trabalhou na Bélgica para o Verbindungsbüro des Landes Tirol, gabinete do Land do Tirol, sito em Bruxelas.

5        De 18 de Março de 1996 a 15 de Novembro de 2002, a recorrente integrou o pessoal da Representação Permanente da República da Áustria junto da União Europeia em Bruxelas. Nessa qualidade, exerceu a sua actividade, inicialmente para a Verbindungstelle der Bundesländer (a seguir «VB»), o gabinete de ligação dos Länder e, posteriormente, para o Österreichischer Gewerkschaftsbund (a seguir «OGB»), a federação dos sindicatos austríacos.

6        Em 16 de Novembro de 2002, a recorrente entrou em funções na Comissão na qualidade de funcionária. O período de cinco anos mencionado no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), segundo travessão, do Anexo VII do Estatuto, para efeitos do subsídio de expatriação, denominado «período de referência», foi fixado entre 16 de Maio de 1997 e 15 de Maio de 2002.

7        Por nota de 8 de Abril de 2003, a recorrente foi informada pela Direcção‑Geral (DG) do Pessoal e da Administração da Comissão de que o subsídio de expatriação não lhe podia ser concedido.

8        Em 7 de Julho de 2003, a recorrente apresentou uma reclamação, nos termos do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto, contra a referida nota de 8 de Abril de 2003. Por correio electrónico de 14 de Agosto de 2003 e por fax de 11 de Setembro de 2003, transmitiu dois aditamentos a essa reclamação.

9        Por nota de 29 de Outubro de 2003, da qual a recorrente tomou conhecimento em 3 de Novembro de 2003, a autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN») rejeitou a reclamação da recorrente.

10      Resulta dessa decisão que o subsídio de expatriação e os subsídios que lhe estão associados foram recusados à recorrente pelo motivo principal de as actividades profissionais que tinha exercido em Bruxelas durante o período de referência não poderem ser consideradas «serviços prestados a um outro Estado» na acepção da excepção prevista no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Anexo VII do Estatuto. A AIPN considerou que, embora fosse verdade que a VB estava instalada nos espaços da Representação Permanente da República da Áustria, esta constituía, no entanto, uma entidade autónoma distinta, que emanava dos Länder e incumbida de defender os seus interesses e não os do Bund (Estado Federal). Quanto ao OGB, os documentos transmitidos pela recorrente, designadamente, o seu contrato de trabalho, não fazem referência a nenhum vínculo com a República da Áustria, razão pela qual o trabalho realizado para o OGB também não podia ser equiparado a serviços prestados a esse Estado.

 Tramitação processual e pedidos das partes

11      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal em 20 de Fevereiro de 2004, a recorrente interpôs o presente recurso.

12      Em 10 de Junho de 2004, o Tribunal decidiu, ao abrigo do artigo 47.°, n.° 1, do seu Regulamento de Processo, que não era necessária segunda troca de articulados porque o conteúdo dos autos era suficientemente completo para permitir às partes desenvolver os respectivos fundamentos e argumentos na fase oral, não tendo a recorrente apresentado qualquer observação a este respeito.

13      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Primeira Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo. No âmbito das medidas de organização do processo, o Tribunal convidou as partes a apresentar determinados documentos. A recorrente cumpriu esse pedido no prazo fixado.

14      Foram ouvidas as alegações e as respostas das partes às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 5 de Abril de 2005. Nessa audiência e a título de medidas de organização do processo, o Tribunal decidiu juntar aos autos do processo a resposta e a tréplica apresentadas pela Comissão no processo T‑83/03, Salazar Brier/Comissão. As partes foram ouvidas a propósito desses documentos.

15      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão de 29 de Outubro de 2003 que lhe recusa o subsídio de expatriação e os subsídios que lhe estão associados;

–        condenar a Comissão nas despesas.

16      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso por falta de fundamento;

–        condenar a recorrente no pagamento das suas próprias despesas.

 Quanto ao objecto do litígio

17      Embora os pedidos da recorrente tenham por objecto a anulação da decisão da Comissão de 29 de Outubro de 2003 que rejeita a reclamação apresentada em 7 de Julho de 2003, ao abrigo do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto, contra a decisão de 8 de Abril de 2003, o presente recurso tem por efeito, de acordo com jurisprudência assente, submeter à apreciação do Tribunal o acto lesivo contra o qual foi apresentada a reclamação (acórdãos do Tribunal de 9 de Julho de 1997, Echauz Brigaldi e o./Comissão, T‑156/95, RecFP p. I‑A‑171 e II‑509, n.° 23, e de 15 de Dezembro de 1999, Latino/Comissão, T‑300/97, RecFP p. I‑A‑259 e II‑1263, n.° 30). Daí resulta que o presente recurso se destina igualmente a obter a anulação da decisão da Comissão de 8 de Abril de 2003 que recusou à recorrente o subsídio de expatriação e os subsídios que lhe estão associados.

 Questão de direito

18      A recorrente invoca três fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo a um erro de apreciação da matéria de facto. O segundo fundamento é relativo à violação do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Anexo VII do Estatuto. Por último, o terceiro fundamento é relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento.

19      Em primeiro lugar, cumpre examinar o segundo fundamento relativo à violação do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Anexo VII do Estatuto.

 Quanto ao segundo fundamento relativo à violação do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Anexo VII do Estatuto

 Argumentos das partes

20      A recorrente afirma que a Comissão cometeu um erro de direito ao afirmar que os trabalhos que esta tinha realizado para a VB e para o OGB na Representação Permanente da República da Áustria junto da União Europeia não podiam ser qualificados como «serviços prestados a um outro Estado», na acepção da excepção referida no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Anexo VII do Estatuto.

21      Em primeiro lugar, a recorrente alega que a Comissão efectuou uma interpretação errada do conceito de Estado contido na excepção referida no artigo 4.°, do Anexo VII do Estatuto. Ela trabalhou para a República da Áustria, e isso independentemente do órgão com o qual manteve uma relação contratual. A recorrente recorda que o Estatuto estabelece, como excepção para ter em conta no período de referência, as situações resultantes de «serviços prestados a um outro Estado». É, assim, irrelevante que este serviço seja prestado a um ministério ou a outro órgão da administração, na medida em que o elemento decisivo é que o serviço seja prestado a um outro Estado. Segundo a recorrente, uma vez que tanto a República da Áustria como o Reino da Bélgica reconheceram que fazia parte dos serviços técnicos e administrativos da Representação Permanente da República da Áustria junto da União Europeia, a Comissão não pode adoptar uma decisão divergente.

22      Em segundo lugar, a recorrente sustenta que a tese da Comissão segundo a qual a Representação Permanente da República da Áustria se limitava a acolher organismos – a VB e o OGB – que são, de facto, completamente autónomos em relação a esse Estado está em contradição com a posição que a própria Comissão manteve até à presente data a propósito dos serviços prestados a uma Representação Permanente. Todo o pessoal da VB e do OGB está acreditado junto dos serviços de protocolo belgas pela Representação Permanente da República da Áustria. A VB desempenha as funções que lhe foram delegadas pela República da Áustria ao abrigo da sua Constituição. O OGB faz parte dos parceiros sociais austríacos e participa na legislação do Estado dando o seu parecer sobre propostas legislativas ou outros projectos políticos, razão pela qual o seu pessoal está integrado na Representação Permanente e está subordinado ao embaixador austríaco. A recorrente conclui assim que os serviços prestados à VB e ao OGB no seio da Representação Permanente da República da Áustria deveriam ter sido considerados «serviços prestados a um outro Estado» na acepção do artigo 4.° do Anexo VII do Estatuto.

23      A Comissão sustenta que o fundamento deve ser rejeitado, uma vez que os períodos de trabalho cumpridos ao serviço da VB e do OGB não podem ser considerados «serviços prestados a um outro Estado» para efeitos da excepção prevista no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Anexo VII do Estatuto.

24      A Comissão afirma que a expressão «serviços prestados a um outro Estado» deve ser interpretada de forma autónoma em relação aos diferentes direitos nacionais a fim de evitar divergências, como o Tribunal de Justiça afirmou no acórdão 31 de Maio de 2001, D e Suède/Conselho (C‑122/99 P e C‑125/99 P, Colect., p. I‑4319, n.° 11). Esta abordagem impõe‑se com vista, designadamente, a evitar as diferenças de tratamento que podem surgir entre pessoas ao serviço da mesma instituição caso se devesse entender essa referência como uma remissão para os diferentes direitos nacionais. A interpretação estrita que a recorrida propõe é conforme com a ratio legis do artigo 4.° do Anexo VII do Estatuto. Pelo contrário, a interpretação da recorrente leva a considerar Estados todas as entidades públicas ou privadas para as quais o governo central tenha transferido competências internas, o que não é a intenção do legislador comunitário. O legislador referiu‑se ao conceito de «Estado», embora nessa época já existissem Estados com estrutura federal, o que significa que se este tivesse querido alargar esse conceito e incluir as subdivisões políticas ou as colectividades regionais na disposição em questão, tê‑lo‑ia feito expressamente.

25      Em relação ao trabalho realizado para a VB, a Comissão sublinha que, embora os Länder austríacos possuam amplas competências próprias que lhes foram directamente transferidas pela Constituição, isso não significa que os Länder sejam Estados na acepção da excepção prevista no artigo 4.°, do Anexo VII do Estatuto. Segundo a Comissão, apenas os serviços prestados por um organismo cuja actividade produz efeitos em todo o território de um Estado podem ser considerados serviços prestados a um outro Estado. Esse não é o caso dos Länder, cuja missão é exercer os seus poderes dentro do seu território e, em todo o caso, no interesse unicamente do seu território. Além disso, a recorrente não pode inferir do facto de que gozava de estatuto diplomático durante o seu serviço junto da VB o carácter de Estado desse organismo. A recorrente não gozava de um verdadeiro estatuto diplomático, mas de um estatuto de pessoal administrativo e técnico e, além disso, não afirma sequer ter gozado de um estatuto diplomático nos termos da Convenção de Viena de 18 de Abril de 1961 sobre as relações diplomáticas, mas apenas de determinadas vantagens ligadas a esse estatuto.

26      Quanto ao trabalho efectuado ao serviço do OGB, a Comissão considera que este organismo representa interesses exclusivamente privados.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

27      Segundo jurisprudência assente, a razão de ser do subsídio de expatriação é compensar os encargos e desvantagens paticulares que resultam do exercício permanente de funções num país com o qual o funcionário não estabeleceu vínculos duradouros antes da sua entrada em funções (acórdãos do Tribunal de 30 de Março de 1993, Vardakas/Comissão, T‑4/92, Colect., p. II‑357, n.° 39; de 14 de Dezembro de 1995, Diamantaras/Comissão, T‑72/94, RecFP p. I‑A‑285 e II‑865, n.° 48, e de 28 de Setembro de 1999, J/Comissão, T‑28/98, RecFP p.  I‑A‑185 e II‑973, n.° 32). Para que esses vínculos duradouros se estabeleçam e, para que, deste modo, o funcionário perca o subsídio de expatriação, o legislador exige que o funcionário tenha tido a sua residência habitual ou tenha exercido a sua actividade profissional principal durante um período de cinco anos no país do seu local de afectação (acórdão Diamantaras/Comissão, já referido, n.° 48).

28      Importa igualmente recordar que está prevista uma excepção no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), segundo travessão, do Anexo VII do Estatuto para os funcionários que tenham prestado serviços para outro Estado ou para uma organização internacional durante o período de referência de cinco anos que expira seis meses antes da sua entrada em funções. Esta excepção encontra a sua razão de ser no facto de que, em tais condições, não se pode considerar que estes funcionários tenham estabelecido vínculos duradouros com o país de afectação devido ao carácter temporário do seu destacamento nesse país (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 Janeiro de 1981, Vutera/Comissão, 1322/79, Recueil p. 127, n.° 8, e de 2 de Maio de 1985, De Angelis/Comissão, 246/83, Recueil p. 1253, n.° 13).

29      A questão que se coloca consiste em determinar se os serviços que a recorrente prestou no seio da Representação Permanente da República da Áustria junto da União Europeia em Bruxelas durante o período de referência devem ser considerados, como afirma a recorrente, serviços prestados a um outro Estado na acepção do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Anexo VII do Estatuto. O conceito de Estado previsto neste artigo apenas visa o Estado enquanto pessoa jurídica e sujeito unitário de direito internacional e os seus órgãos de governo.

30      Não se contesta que os serviços prestados a organismos, como a Representação Permanente de um Estado‑Membro junto da União Europeia ou as embaixadas de um Estado sejam considerados serviços prestados a um outro Estado na acepção do artigo 4.°, do Anexo VII do Estatuto.

31      No caso em apreço, resulta dos autos que a recorrente trabalhou no seio da Representação Permanente da República da Áustria junto da União Europeia em Bruxelas, como membro do pessoal desta Representação, durante o período de referência, ou seja, de 16 de Maio a 15 de Maio de 2002.

32      Por conseguinte, o atestado da Representação Permanente da República da Áustria junto da União Europeia de 7 de Agosto de 2002 certifica que a recorrente «fez parte do pessoal administrativo e técnico da Representação Permanente da [República da] Áustria junto da União Europeia a partir de 18 de Março de 1996», isto é, durante todo o período de referência.

33      A carta da Representação Permanente da República da Áustria dirigida ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, do Comércio e da Cooperação para o desenvolvimento do Reino da Bélgica, de 9 de Março de 1996, atesta que esta Representação pediu um documento de identificação especial às autoridades belgas em nome da recorrente em razão do início do seu trabalho nessa Representação em 18 de Março de 1996. Do mesmo modo, a carta de 26 de Abril de 1996 do Ministério dos Negócios Estrangeiros belga demonstra que as autoridades belgas enviaram para a Representação Permanente da República da Áustria o documento de identificação especial emitido com o nome da recorrente. Esta carta é acompanhada de uma cópia do documento de identificação em questão, entregue em 16 de Abril de 1996 e com validade até 16 de Abril de 2000, no qual figura textualmente que a recorrente é membro do pessoal administrativo e técnico da Representação Permanente da República da Áustria. Além disso, os documentos de identificação especiais concedidos posteriormente à recorrente pelas autoridades belgas mostram que a validade do referido documento foi prorrogada até 16 de Abril de 2003.

34      A carta da Representação Permanente da República da Áustria enviada às autoridades belgas em 21 de Janeiro de 2003 comprova que esta representação indicou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros belga que [a recorrente], «membro do pessoal administrativo e técnico na Representação [tinha] deixado a Representação definitivamente» e que, portanto, o documento de identificação especial era restituído.

35      Por último, a recorrente apresentou um pedido de isenção do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) às autoridades belgas em 7 de Agosto de 1997, enquanto membro do pessoal administrativo e técnico da Representação Permanente da República da Áustria relativamente à compra de determinados bens e serviços destinados ao seu uso pessoal. Do mesmo modo, a carta da Administração das Finanças do Ministério da Região de Bruxelas‑Capital refere que a recorrente foi isenta dos impostos regionais sobre os imóveis relativamente a 1997, na medida em que a Convenção de Viena de 18 de Abril de 1961 sobre as relações diplomáticas lhe era aplicável.

36      Resulta, pois, inequivocamente, de todos estes elementos que a recorrente era membro do pessoal da Representação Permanente da República da Áustria, que estava sujeita à autoridade hierárquica do embaixador, representante permanente da República da Áustria junto da União Europeia e que o seu estatuto era o mesmo dos outros funcionários afectados à referida Representação. Por conseguinte, os serviços que a recorrente prestou à Representação Permanente da República da Áustria durante todo o período de referência devem ser considerados serviços prestados a esse Estado.

37      Esta conclusão não é infirmada pelos argumentos da Comissão segundo os quais a recorrente apesar de trabalhar no seio dessa Representação Permanente, não o fez para a República da Áustria, uma vez que prestou serviços à VB e ao OBG, que são organismos que têm por missão a defesa dos interesses dos Länder e dos sindicatos e não os do Estado.

38      Em apoio da sua tese, a Comissão desenvolve uma série de argumentos fundados nos efeitos e na extensão das competências dos Länder austríacos, da VB e do OBG, e nas suas relações com o Estado com base no direito interno austríaco.

39      A tese da Comissão não pode ser acolhida.

40      Esta tese baseia‑se, com efeito, como foi referido, em elementos relativos ao direito interno austríaco e, por essa razão, é contrária às exigências da aplicação uniforme do direito comunitário e do princípio da igualdade, dos quais decorre que os termos de uma disposição de direito comunitário que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros, para determinar o seu sentido e alcance, devem normalmente ser objecto, em toda a Comunidade, de uma interpretação autónoma e uniforme, que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objectivo prosseguido pela regulamentação em causa. Na falta de remissão expressa, a aplicação do direito comunitário pode, no entanto, implicar, se for caso disso, a referência ao direito dos Estados‑Membros quando o juiz comunitário não pode descortinar no direito comunitário ou nos princípios gerais do direito comunitário elementos que lhe permitam esclarecer o respectivo contéudo e alcance através de uma interpretação autónoma (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 1984, Ekro, 327/82, Recueil p. 107, n.° 11; acórdãos do Tribunal de 18 de Dezembro de 1992, Díaz García/Parlamento, T‑43/90, Colect., p. II‑2619, n.° 36; de 28 de Janeiro de 1999, D/Conselho, T‑264/97, RecFP p. I‑A‑1 e II‑1, n.os 26 e 27, confirmado pelo acórdão D e Suécia/Conselho, já referido). No caso em apreço, o reenvio para o direito austríaco não é necessário uma vez que, não se contesta que a Representação Permanente junto da União Europeia de um Estado‑Membro faz parte dos órgãos do Estado na acepção do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Anexo VII do Estatuto.

41      Além disso, esta tese da Comissão está em contradição com a sua própria posição no presente processo, ou seja, que a expressão «serviços prestados a um outro Estado» deve ser interpretada de forma autónoma em relação aos diferentes direitos nacionais para evitar divergências, como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão D e Suécia/Conselho, já referido (n.° 11). Por outro lado, a referida tese opõe‑se frontalmente à posição que esta expressou, no mesmo momento, noutros processos intentados no Tribunal, relativamente à mesma questão que se coloca no presente processo. Assim, no processo T‑83/03, Salazar Brier/Comissão, a Comissão defendeu firmemente na sua tréplica, apresentada em 30 de Setembro de 2003, que organismos como as representações permanentes junto da União Europeia se incluíam no termo «Estado» do artigo 4.°, do Anexo VII do Estatuto e que estas considerações eram válidas independentemente das funções particulares exercidas por uma pessoa no seio desses organismos. Com efeito, a recorrida alegava que não era necessário analisar as funções particulares e específicas asseguradas por um funcionário que trabalhava para uma Representação Permanente, uma vez que o facto de esse funcionário exercer a sua actividade para o referido organismo e de este estar incluído no conceito de «Estado» na acepção da excepção prevista no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), segundo travessão, do Anexo VII do Estatuto era suficiente para tornar esta disposição aplicável.

42      Por conseguinte, basta que uma pessoa exerça a sua actividade profissional para um organismo que faz parte do Estado na acepção referida, como é o caso de uma representação permanente, para que seja plenamente abrangida pela excepção prevista no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Anexo VII do Estatuto, independentemente das funções particulares e específicas exercidas por esta no seio do referido organismo. Caso assim não fosse, seria necessário proceder a uma análise detalhada das missões e das funções exercidas do ponto de vista do direito interno, o que seria contrário às exigências referidas supra. E isso tanto mais que incumbe exclusivamente a cada Estado‑Membro organizar os seus serviços como considerar mais conveniente e determinar assim os objectivos e as funções que atribui aos seus funcionários e empregados.

43      Resulta das considerações precedentes, e sem que seja necessário examinar os argumentos da Comissão baseados nas disposições de direito interno austríaco, que os serviços que a recorrente prestou à Representação Permanente da República da Áustria durante o período de referência devem ser considerados serviços prestados ao Estado na acepção do artigo 4.°, do Anexo VII do Estatuto, Consequentemente, estes anos devem ser neutralizados e não ser tomados em consideração, em conformidade com esta disposição. Por conseguinte, atendendo ao facto de que a recorrente trabalhou no seio da Representação Permanente da República da Áustria a partir de 18 de Março de 1996 e durante todo o período de referência, o período de cinco anos atrás referido deve situar‑se entre 18 de Março de 1991 e 17 de Março de 1996.

44      Ora, basta constatar a este respeito que a recorrente não residiu nem exerceu a mínima actividade profissional na Bélgica antes de 15 de Maio de 1995, data na qual se deslocou para Bruxelas para trabalhar ao serviço do gabinete do Land do Tirol. Consequentemente, uma vez que a recorrente não residiu de forma habitual em Bruxelas durante o período de cinco anos previsto no referido artigo 4.°, do Anexo VII do Estatuto, a mesma preenche as condições estabelecidas por esta disposição para beneficiar do subsídio de expatriação.

45      Resulta das considerações precedentes que foi incorrectamente que a Comissão recusou neutralizar o período durante o qual a recorrente trabalhou no seio da Representação Permanente da República da Áustria e considerou, consequentemente, que esta não reunia as condições para lhe ser concedido o subsídio de expatriação previsto no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Anexo VII do Estatuto.

46      Deve, por conseguinte, ser julgado procedente o segundo fundamento relativo à violação do artigo 4.°, do Anexo VII do Estatuto.

47      Consequentemente, sem que seja necessário decidir sobre os outros fundamentos apresentados pelo recorrente, há que dar provimento ao presente recurso e anular as decisões controvertidas, na medida em que recusam à recorrente o subsídio de expatriação.

 Quanto aos subsídios associados ao subsídio de expatriação

 Argumentos das partes

48      A recorrente afirma que, no caso se lhe ser reconhecido o direito ao subsídio de expatriação, pede a aplicação da jurisprudência decorrente do acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1998, Comissão/Lozano Palacios (C‑62/97 P, Colect., p. I‑3273), por força da qual lhe são automaticamente devidos o subsídio diário e o subsídio de instalação.

49      A Comissão considera que esta jurisprudência não é aplicável no caso em apreço, uma vez que a recorrente não tem direito a receber o subsídio de expatriação.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

50      O Tribunal refere que o artigo 5.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Anexo VII do Estatuto prevê que ao funcionário titular que preencher uma das duas condições alternativas seguintes, ou seja preencher as condições para beneficiar do subsídio de expatriação ou que prove ter tido de mudar de residência para cumprir as obrigações previstas no artigo 20.° do Estatuto, é devido um subsídio de instalação igual a dois meses de vencimento base, se se tratar de um funcionário que tenha direito ao abono de lar ou igual a um mês de vencimento base se se tratar de um funcionário que não tenha direito a esse abono (acórdão do Tribunal de 12 de Dezembro de 1996, Lozano Palacios/Comissão, T‑33/95, RecFP p. I‑A‑575 e II‑1535, n.os 57 e 58, confirmado pelo Tribunal de Justiça, em sede de recurso, pelo acórdão Comissão/Lozano Palacios, já referido, n.os 20 a 22).

51      Por conseguinte, uma vez que o subsídio de instalação instituído pelo artigo 5.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Anexo VII do Estatuto é devido ao funcionário que preenche as condições para beneficiar do subsídio de expatriação, há que considerar que a recorrente tem direito ao subsídio de instalação.

52      Quanto ao subsídio diário, importa observar que este subsídio não está ligado ao subsídio de expatriação e que apenas é concedido, em conformidade com o artigo 10.°, n.° 1, do Anexo VII do Estatuto, ao funcionário que prove ter sido obrigado a mudar de residência para cumprir as obrigações do artigo 20.° do Estatuto. Uma vez que a recorrente não pediu para beneficiar desse subsídio quando apresentou a sua reclamação administrativa, há que declarar inadmissível o pedido de concessão do referido subsídio.

53      Resulta do exposto precedente que as decisões controvertidas devem ser igualmente anuladas, na medida em que recusam à recorrente o subsídio de instalação.

 Quanto às despesas

54      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la a suportar todas as despesas, em conformidade com o pedido da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

decide:

1)      As decisões de 8 de Abril e de 29 de Outubro de 2003 são anuladas na medida em que recusam conceder à recorrente o subsídio de expatriação previsto no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), do Anexo VII do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias, bem como, o subsídio de instalação previsto no artigo 5.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do mesmo anexo.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      A Comissão suportará as todas as despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de Setembro de 2005.



Cooke

García-Valdecasas

Trstenjak


O secretário

 

       O presidente



H. Jung

 

      J. D. Cooke 


* Língua do processo: francês.