Language of document : ECLI:EU:T:2005:331

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção alargada)

21 de Setembro de 2005 (*)

«Política externa e de segurança comum – Medidas restritivas contra pessoas ou entidades ligadas a Oussama ben Laden, à rede Al‑Qaida e aos Talibãs – Competência da Comunidade – Congelamento de fundos – Direitos fundamentais – Jus cogens – Fiscalização jurisdicional – Recurso de anulação»

No processo T‑306/01,

Ahmed Ali Yusuf, residente em Spånga (Suécia),

Al Barakaat International Foundation, estabelecida em Spånga,

representados por L. Silbersky e T. Olsson, advogados,

recorrentes,

contra

Conselho da União Europeia, representado por M. Vitsentzatos, I. Rådestad, E. Karlsson e M. Bishop, na qualidade de agentes,

e

Comissão das Comunidades Europeias, representada por A. Van Solinge, J. Enegren e C. Brown, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorridos,

apoiados por

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado inicialmente por J. E. Collins e, em seguida, por R. Caudwell, na qualidade de agentes, esta última assistida por S. Moore, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

que tem por objecto, inicialmente, um pedido de anulação, por um lado, do Regulamento (CE) n.° 467/2001 do Conselho, de 6 de Março de 2001, que proíbe a exportação de certas mercadorias e de certos serviços para o Afeganistão, reforça a proibição de voos, prorroga o congelamento de fundos e de outros recursos financeiros aplicável aos Taliban do Afeganistão e revoga o Regulamento (CE) n.° 337/2000 (JO L 67, p. 1), e, por outro, do Regulamento (CE) n.° 2199/2001 da Comissão, de 12 de Novembro de 2001, que altera, pela quarta vez, o Regulamento n.° 467/2001 (JO L 295, p. 16), e, seguidamente, um pedido de anulação do Regulamento (CE) n.° 881/2002 do Conselho, de 27 de Maio de 2002, que institui certas medidas restritivas específicas contra determinadas pessoas e entidades associadas a Osama Bin Laden, à rede Al‑Qaida e aos talibã, e que revoga o Regulamento n.° 467/2001 (JO L 139, p. 9),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção alargada),

composto por: N. J. Forwood, presidente, J. Pirrung, P. Mengozzi, A. W. H. Meij e M. Vilaras, juízes,

secretário: H. Jung,

vistos os autos e após a audiência de 14 de Outubro de 2003,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        Nos termos do artigo 24.°, n.° 1, da Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco (Estados Unidos), em 26 de Junho de 1945, os membros da Organização das Nações Unidas (ONU) «conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que no cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade o Conselho de Segurança aja em nome deles».

2        Nos termos do artigo 25.° da Carta das Nações Unidas, «[o]s membros [da ONU] concordam em aceitar e aplicar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta».

3        Por força do artigo 48.°, n.° 2, da Carta das Nações Unidas, as decisões do Conselho de Segurança para a manutenção da paz e da segurança internacionais «serão executadas pelos membros das Nações Unidas directamente e, mediante a sua acção, nos organismos internacionais apropriados de que façam parte».

4        Segundo o artigo 103.° da Carta das Nações Unidas, «[n]o caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta».

5        Nos termos do artigo 11.°, n.° 1, UE:

«A União definirá e executará uma política externa e de segurança comum extensiva a todos os domínios da política externa e de segurança, que terá por objectivos:

–        a salvaguarda dos valores comuns, dos interesses fundamentais, da independência e da integridade da União, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas;

–        o reforço da segurança da União, sob todas as formas;

–        a manutenção da paz e o reforço da segurança internacional, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas […]»

6        Nos termos do artigo 301.° CE:

«Sempre que uma posição comum ou uma acção comum adoptada nos termos das disposições do Tratado da União Europeia relativas à política externa e de segurança comum prevejam uma acção da Comunidade para interromper ou reduzir, total ou parcialmente, as relações económicas com um ou mais países terceiros, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão, toma as medidas urgentes necessárias.»

7        O artigo 60.°, n.° 1, CE dispõe:

«Se, no caso previsto no artigo 301.°, for considerada necessária uma acção da Comunidade, o Conselho, de acordo com o procedimento previsto no artigo 301.°, pode tomar, relativamente aos países terceiros em causa, as medidas urgentes necessárias em matéria de movimentos de capitais e de pagamentos.»

8        Nos termos do artigo 307.°, primeiro parágrafo, CE:

«As disposições do presente Tratado não prejudicam os direitos e obrigações decorrentes de convenções concluídas antes de 1 de Janeiro de 1958 ou, em relação aos Estados que aderem à Comunidade, anteriormente à data da respectiva adesão, entre um ou mais Estados Membros, por um lado, e um ou mais Estados terceiros, por outro.»

9        Por último, o artigo 308.° CE dispõe:

«Se uma acção da Comunidade for considerada necessária para atingir, no curso de funcionamento do mercado comum, um dos objectivos da Comunidade, sem que o presente Tratado tenha previsto os poderes de acção necessários para o efeito, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, e após consulta do Parlamento Europeu, adoptará as disposições adequadas.»

 Antecedentes do litígio

10      Em 15 de Outubro de 1999, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (a seguir «Conselho de Segurança») adoptou a Resolução 1267 (1999), através da qual, designadamente, condenou o facto de continuar a ser dado acolhimento e treino a terroristas e de serem preparados actos terroristas em território afegão, reafirmou a sua convicção de que a repressão do terrorismo internacional é essencial para a manutenção da paz e da segurança internacionais e deplorou que os talibãs continuassem a dar refúgio a Usama bin Laden (Oussama ben Laden, na maior parte das versões francesas dos documentos adoptados pelas instituições comunitárias) e a permitir que ele, bem como os seus associados, dirigissem uma rede de campos de treino de terroristas em território por eles controlado e utilizassem o Afeganistão como base para patrocinar operações terroristas internacionais. No n.° 2 dessa resolução, o Conselho de Segurança exigiu que os talibãs entregassem sem demora o nomeado Oussama ben Laden às autoridades competentes. A fim de assegurar o respeito dessa obrigação, o n.° 4, alínea b), da Resolução 1267 (1999) dispõe que todos os Estados deverão, designadamente, «[c]ongelar os fundos e outros recursos financeiros, incluindo fundos provenientes ou obtidos a partir de bens que sejam propriedade dos talibãs ou controlados, directa ou indirectamente, por eles ou por qualquer empresa de que os talibãs sejam proprietários ou que esteja sob o seu controlo, tal como designados pelo comité instituído em aplicação do n.° 6, infra, e assegurar que nem os referidos fundos nem quaisquer outros fundos ou recursos financeiros desta forma designados sejam postos, pelos seus nacionais ou por qualquer pessoa que se encontrem no seu território, à disposição dos talibãs ou de qualquer outra empresa propriedade dos talibãs ou controlada, directa ou indirectamente, por eles, salvo autorização contrária dada, pelo Comité, caso a caso, por razões humanitárias.»

11      No n.° 6 da Resolução 1267 (1999), o Conselho de Segurança decidiu criar, em conformidade com o artigo 28.° do seu regulamento interno provisório, um Comité do Conselho de Segurança composto por todos os seus membros (a seguir «comité de sanções»), encarregado, designadamente, de velar pela execução, pelos Estados, das medidas impostas pelo n.° 4, identificar os fundos ou outros recursos financeiros visados no referido n.° 4 e examinar os pedidos de derrogação às medidas impostas por esse mesmo n.° 4.

12      Considerando que era necessária uma acção da Comunidade a fim dar execução a essa resolução, o Conselho adoptou, em 15 de Novembro de 1999, a Posição Comum 1999/727/PESC, relativa a medidas restritivas contra os Taliban (JO L 294, p. 1). O artigo 2.° dessa posição comum impõe o congelamento dos fundos e outros recursos financeiros detidos no estrangeiro pelos talibãs, nas condições definidas na Resolução 1267 (1999) do Conselho de Segurança.

13      Em 14 de Fevereiro de 2000, o Conselho adoptou, com base nos artigos 60.° CE e 301.° CE, o Regulamento (CE) n.° 337/2000, relativo a uma proibição de voos e a um congelamento de fundos e outros recursos financeiros aplicável aos Taliban do Afeganistão (JO L 43, p. 1).

14      Em 19 de Dezembro de 2000, o Conselho de Segurança adoptou a Resolução 1333 (2000), que exige, designadamente, que os talibãs dêem cumprimento à Resolução 1267 (1999), em particular, deixando de dar refúgio e treino aos terroristas internacionais e às suas organizações e entregando Oussama ben Laden às autoridades competentes, para que este seja julgado. O Conselho de Segurança decidiu, em particular, reforçar a proibição dos voos e o congelamento dos fundos impostos pela Resolução 1267 (1999). Assim, o n.° 8, alínea c), da Resolução 1333 (2000) dispõe que todos os Estados devem, designadamente, «[c]ongelar sem demora os fundos e outros activos financeiros de Usama bin Laden e das pessoas e entidades a ele associadas, tal como designadas pelo [comité de sanções], incluindo os da organização Al‑Qaida e os fundos provenientes ou obtidos a partir de bens que sejam propriedade de Usama bin Laden ou controlados, directa ou indirectamente, por ele e por pessoas e entidades a ele associadas, e assegurar que nem os referidos fundos nem quaisquer outros fundos ou recursos financeiros sejam postos, pelos seus nacionais ou por qualquer pessoa que se encontrem no seu território, à disposição, directa ou indirectamente de Usama bin Laden, dos seus associados ou de qualquer entidade que seja propriedade ou que seja controlada, directa ou indirectamente, por Usama bin Laden ou por pessoas e entidades a ele associadas, incluindo os da organização Al‑Qaida».

15      Nessa mesma disposição, o Conselho de Segurança encarregou o comité de sanções de manter, com base nas informações comunicadas pelos Estados e pelos organismos regionais, uma lista actualizada dos indivíduos e entidades que o referido comité identificou como estando associados a Oussama ben Laden, incluindo a organização Al‑Qaida.

16      No n.° 23 da Resolução 1333 (2000), o Conselho de Segurança decidiu que as medidas impostas, designadamente, ao abrigo do n.° 8, seriam aplicadas durante doze meses e que, no fim desse período, determinaria se deviam ser prorrogadas por um novo período, nas mesmas condições.

17      Considerando que era necessária uma acção da Comunidade a fim de dar execução a essa resolução, o Conselho adoptou, em 26 de Fevereiro de 2001, a Posição Comum 2001/154/PESC, que impõe medidas restritivas adicionais contra os Taliban e que altera a Posição Comum 96/746/PESC (JO L 57, p. 1). O artigo 4.° dessa posição comum dispõe:

«São congelados os fundos e outros activos financeiros de Usama bin Laden e das pessoas e entidades a ele associadas, conforme designadas pelo [comité de sanções], e não serão disponibilizados fundos ou outros recursos financeiros a Usama bin Laden e às pessoas e entidades a ele associadas, tal como designadas pelo [comité de sanções], nas condições definidas na [Resolução 1333 (2000)].»

18      Em 6 de Março de 2001, o Conselho adoptou, com base nos artigos 60.° CE e 301.° CE, o Regulamento (CE) n.° 467/2001, que proíbe a exportação de certas mercadorias e de certos serviços para o Afeganistão, reforça a proibição de voos, prorroga o congelamento de fundos e de outros recursos financeiros aplicável aos Taliban do Afeganistão e revoga o Regulamento (CE) n.° 337/2000 (JO L 67, p. 1).

19      Nos termos do considerando 3 deste regulamento, as medidas previstas pela Resolução 1333 (2000) «são abrangidas pelo âmbito do Tratado e, tendo especialmente em vista evitar a distorção da concorrência, torna‑se necessário adoptar legislação comunitária destinada a aplicar as decisões pertinentes do Conselho de Segurança no que respeita ao território da Comunidade».

20      O artigo 1.° do Regulamento n.° 467/2001 define o que deve ser entendido por «fundos» e por «congelamento de fundos».

21      Nos termos do artigo 2.° do Regulamento n.° 467/2001:

«1.      São congelados todos os fundos e outros recursos financeiros pertencentes a qualquer pessoa singular ou colectiva, entidade ou organismo designado pelo Comité de Sanções […] e constante da lista do Anexo I.

2.      Os fundos ou outros recursos financeiros não devem ser, directa ou indirectamente, colocados à disposição nem utilizados em benefício das pessoas, entidades ou organismos designados pelo Comité de Sanções [contra os] Taliban e constantes da lista do Anexo I.

3.      O n.os 1 e 2 não são aplicáveis aos fundos e recursos financeiros isentados pelo Comité de Sanções [contra os] Taliban. As isenções são obtidas através das autoridades competentes dos Estados‑Membros enumeradas no Anexo II.»

22      O Anexo I do Regulamento n.° 467/2001 contém a lista das pessoas, entidades e organismos visados pelo congelamento de fundos imposto pelo artigo 2.° Nos termos do n.° 1 do artigo 10.° do Regulamento n.° 467/2001, a Comissão está habilitada a alterar ou a completar o referido Anexo I, com base nas decisões do Conselho de Segurança ou do comité de sanções.

23      Em 8 de Março de 2001, o comité de sanções publicou uma primeira lista consolidada das entidades e das pessoas que devem ser sujeitas ao congelamento de fundos por força das Resoluções 1267 (1999) e 1333 (2000) do Conselho de Segurança. Essa lista foi, desde então, alterada e completada em diversas ocasiões. Assim, a Comissão adoptou diversos regulamentos ao abrigo do artigo 10.° do Regulamento n.° 467/2001, através dos quais alterou ou completou o Anexo I do referido regulamento.

24      Em 9 de Novembro de 2001, o comité de sanções publicou uma nova adenda à sua lista de 8 de Março de 2001, que inclui, designadamente, os nomes da entidade e das três pessoas seguintes:

–        «Barakaat International Foundation, Box 4036, Spånga, Stockholm, Sweden; Rinkebytorget 1, 04 Spånga, Sweden»;

–        «Aden, Abdirisak; Akaftingebacken 8, 16367 Spånga, Sweden; DOB 01 June 1968»;

–        «Ali, Abdi Abdulaziz, Drabantvagen 21, 17750 Spånga, Sweden; DOB 01 January 1955»;

–        «Ali, Yusaf Ahmed, Hallbybybacken 15, 70 Spånga, Sweden; DOB 20 November 1974».

25      Através do Regulamento (CE) n.° 2199/2001 da Comissão, de 12 de Novembro de 2001, que altera, pela quarta vez, o Regulamento n.° 467/2001 (JO L 295, p. 16), os nomes da entidade e das três pessoas singulares em questão foram acrescentados, juntamente com outros, ao Anexo I do referido regulamento.

26      Em 16 de Janeiro de 2002, o Conselho de Segurança adoptou a Resolução 1390 (2002), que fixa as medidas a impor relativamente a Oussama ben Laden, aos membros da organização Al‑Qaida, bem como aos talibãs e a outras pessoas, grupos, empresas e entidades associadas. Esta resolução prevê, no essencial, nos n.os 1 e 2, a manutenção das medidas, designadamente o congelamento de fundos, impostas pelo n.° 4, alínea b), da Resolução 1267 (1999) e pelo n.° 8, alínea c), da Resolução 1333 (2000). Em conformidade com o n.° 3 da Resolução 1390 (2002), estas medidas serão reexaminadas pelo Conselho de Segurança, doze meses depois da sua adopção, prazo findo o qual as manterá ou decidirá melhorá‑las.

27      Considerando que era necessária uma acção da Comunidade a fim de dar execução a essa resolução, o Conselho adoptou, em 27 de Maio de 2002, a Posição Comum 2002/402/PESC, relativa a medidas restritivas contra Osama bin Laden, os membros da organização Al‑Qaida e os Talibã, bem como contra outros indivíduos, grupos, empresas e entidades a eles associados e que revoga as Posições Comuns 96/746/PESC, 1999/727/PESC, 2001/154/PESC e 2001/771/PESC (JO L 139, p. 4). O artigo 3.° desta posição comum prescreve, designadamente, o prosseguimento do congelamento dos fundos e dos outros haveres financeiros ou recursos económicos dos indivíduos, grupos, empresas e entidades referidos na lista elaborada pelo comité de sanções em conformidade com as Resoluções 1267 (1999) e 1333 (2000) do Conselho de Segurança.

28      Em 27 de Maio de 2002, o Conselho adoptou, com base nos artigos 60.° CE, 301.° CE e 308.° CE, o Regulamento (CE) n.° 881/2002, que institui certas medidas restritivas específicas contra determinadas pessoas e entidades associadas a Osama Bin Laden, à rede Al‑Qaida e aos talibã, e que revoga o Regulamento (CE) n.° 467/2001 (JO L 139, p. 9).

29      Nos termos do considerando 4 deste regulamento, as medidas previstas, designadamente, na Resolução 1390 (2002) do Conselho de Segurança «estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do Tratado, pelo que se torna necessário, especialmente para evitar distorções de concorrência, aprovar legislação comunitária que permita a aplicação, no território da Comunidade, das decisões pertinentes do Conselho de Segurança».

30      O artigo 1.° do Regulamento n.° 881/2002 define os «fundos» e o «congelamento de fundos» em termos, no essencial, idênticos aos do artigo 1.° do Regulamento n.° 467/2001.

31      Nos termos do artigo 2.° do Regulamento n.° 881/2002:

«1.      São congelados todos os fundos e recursos económicos que sejam propriedade das pessoas singulares ou colectivas, grupos ou entidades designados pelo Comité de Sanções e enumerados no Anexo I, ou que por eles sejam possuídos ou detidos.

2.      Os fundos não devem ser, directa ou indirectamente, colocados à disposição nem utilizados em benefício de pessoas singulares ou colectivas, grupos ou entidades designados pelo Comité de Sanções e enumerados no Anexo I.

3.      Os recursos económicos não devem ser, directa ou indirectamente, colocados à disposição nem utilizados em benefício de pessoas singulares ou colectivas, grupos ou entidades designados pelo comité de sanções e enumerados no Anexo I, de forma a que essas pessoas, grupos ou entidades possam vir a beneficiar de fundos, bens ou serviços.»

32      O Anexo I do Regulamento n.° 881/2002 contém a lista das pessoas, entidades e grupos visados pelo congelamento de fundos imposto pelo artigo 2.° Esta lista inclui, designadamente, o nome da entidade e das três pessoas seguintes:

–        «Barakaat International Foundation, Box 4036, Spånga, Estocolmo, Suécia; Rinkebytorget 1, 04, Spånga, Suécia»;

–        «Aden, Adirisak, Skaftingebacken 8, 16367 Spånga, Suécia, data de nascimento: 1 de Junho de 1968»;

–        «Ali, Abdi Abdulaziz, Drabantvagen 21, 17750 Spånga, Suécia; data de nascimento: 1 de Janeiro de 1955»;

–        «Ali, Yusaf Ahmed, Hallbybybacken 15, 70 Spånga, Suécia, data de nascimento: 20 de Novembro de 1974».

33      Em 26 de Agosto de 2002, o comité de sanções decidiu excluir os denominados «Abdi Abdulaziz Ali» e «Abdirisak Aden» da lista das pessoas, grupos e entidades às quais se deve aplicar o congelamento de fundos e outros recursos económicos.

34      Consequentemente, a Comissão adoptou, em 4 de Setembro de 2002, o Regulamento (CE) n.° 1580/2002 da Comissão, que altera pela segunda vez o Regulamento n.° 881/2002 (JO L 237, p. 3).

35      Nos termos do artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1580/2002, são retiradas, entre outras, as seguintes pessoas da lista do Anexo I do Regulamento n.° 881/2002:

–        «Ali, Abdi Abdulaziz, Drabantvägen 21, 17750 Spånga, Suécia; data de nascimento: 1 de Janeiro de 1955»;

–        «Aden, Adirisak, Skäftingebacken 8, 16367 Spånga, Suécia, data de nascimento: 1 de Junho de 1968».

36      Em 20 de Dezembro de 2002, o Conselho de Segurança adoptou a Resolução 1452 (2002), destinada a facilitar o respeito das obrigações em matéria de luta antiterrorista. O n.° 1 dessa resolução prevê um determinado número de derrogações e de excepções ao congelamento dos fundos e dos recursos económicos imposto pelas Resoluções 1267 (1999), 1333 (2000) e 1390 (2002), que poderão ser concedidas por motivos humanitários pelos Estados, sob reserva de aprovação pelo comité de sanções.

37      Em 17 de Janeiro de 2003, o Conselho de Segurança adoptou a Resolução 1455 (2003), que se destina a melhorar a execução das medidas impostas no n.° 4, alínea b), da Resolução 1267 (1999), no n.° 8, alínea c), da Resolução 1333 (2000) e nos n.os 1 e 2 da Resolução 1390 (2002). Em conformidade com o n.° 2 da Resolução 1455 (2003), essas medidas serão de novo melhoradas dentro de doze meses ou mais cedo, se necessário.

38      Considerando que era necessária uma acção da Comunidade a fim de dar execução à Resolução 1452 (2002) do Conselho de Segurança, o Conselho adoptou, em 27 de Fevereiro de 2003, a Posição Comum 2003/140/PESC, relativa às derrogações às medidas restritivas impostas pela Posição Comum 2002/402/PESC (JO L 53, p. 62). O artigo 1.° desta posição comum prevê que, ao dar execução às medidas a que se refere o artigo 3.° da Posição Comum 2002/402, a Comunidade Europeia terá em conta as excepções permitidas pela Resolução 1452 (2002) do Conselho de Segurança.

39      Em 27 de Março de 2003, o Conselho adoptou o Regulamento (CE) n.° 561/2003, que altera, no referente às excepções ao congelamento de fundos e de recursos económicos, o Regulamento n.° 881/2002 (JO L 82, p. 1). No considerando 4 desse regulamento, o Conselho indica que, tendo em conta a Resolução 1452 (2002) do Conselho de Segurança, torna‑se necessário ajustar as medidas impostas pela Comunidade.

40      Nos termos do artigo 1.° do Regulamento n.° 561/2003:

«No Regulamento […] n.° 881/2002 é inserido o seguinte artigo:

‘Artigo 2.°‑A

1.      O disposto no artigo 2.° não se aplica aos fundos ou recursos económicos quando:

a)      Qualquer uma das autoridades competentes dos Estados Membros referidas no Anexo II determinar, a pedido de uma pessoa singular ou colectiva interessada, que esses fundos ou recursos económicos:

i)      são necessários para cobrir despesas de base, incluindo os pagamentos de comida, rendas ou empréstimos hipotecários, medicamentos e tratamentos médicos, impostos, apólices de seguro e serviços públicos;

ii)      se destinam exclusivamente ao pagamento de honorários profissionais razoáveis e ao reembolso de despesas associadas com a prestação de serviços jurídicos;

iii)      se destinam exclusivamente ao pagamento de encargos ou taxas de serviço correspondentes à manutenção ou gestão normal de fundos ou de recursos económicos congelados, ou

iv)      são necessários para cobrir despesas extraordinárias; e

b)      Essa determinação tiver sido notificada ao Comité de Sanções e:

c)      i)     no caso de uma determinação ao abrigo da subalínea i), ii) ou iii) da alínea a), o Comité de Sanções não tiver, no prazo de 48 horas após a notificação, emitido objecções à determinação, ou

ii)      no caso de uma determinação ao abrigo da subalínea iv) da alínea a), o Comité de Sanções tiver aprovado a determinação.

2.      Quem pretenda beneficiar do disposto no n.° 1 deve apresentar um requerimento à autoridade competente do Estado‑Membro referida no Anexo II.

A autoridade competente referida no Anexo II deve notificar rapidamente por escrito o requerente, bem como quaisquer outras pessoas, organismos ou entidades reconhecidos como directamente interessados, de que o requerimento foi ou não deferido.

A autoridade competente deve também informar os restantes Estados Membros de que o requerimento de isenção foi ou não deferido.

3.      Os fundos descongelados e transferidos no interior da Comunidade para fazer face a despesas ou reconhecidos ao abrigo do presente artigo não ficarão sujeitos a outras medidas restritivas nos termos do artigo 2.°

[…]’»

41      Em 19 de Maio de 2003, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 866/2003, que altera pela décima oitava vez o Regulamento n.° 881/2002 (JO L 124, p. 19). Nos termos do artigo 1.° e do n.° 1 do anexo deste regulamento, o Anexo I do Regulamento n.° 881/2002 é modificado de forma a que a menção «Ali, Yusaf Ahmed, Hallbybybacken 15, 70 Spanga, Suécia, data de nascimento: 20 de Novembro de 1974», sob a epígrafe «Pessoas singulares», seja substituída pelo seguinte texto:

«Ali Ahmed YUSAF (aliás, Ali Galoul), Krälingegränd 33, S‑16362 Spånga, Suécia; data de nascimento: 20 de Novembro de 1974; local de nascimento: Garbaharey, Somália; nacionalidade: sueca; passaporte: passaporte sueco número 1041635; número de identificação nacional: 741120‑1093».

 Tramitação processual e pedidos das partes

42      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 10 de Dezembro de 2001, registada sob o número T‑306/01, Abdirisak Aden, Abdulaziz Ali e Ahmed Yusuf, bem como Al Barakaat International Foundation (a seguir «Al Barakaat»), interpuseram, contra o Conselho e a Comissão, um recurso nos termos do artigo 230.° CE, no qual concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o Regulamento n.° 2199/2001;

–        anular o Regulamento n.° 467/2001 e, a título subsidiário, declará‑lo inaplicável por força do artigo 241.° CE;

–        decidir quanto às despesas, cujo montante será determinado posteriormente.

43      No mesmo acto, os recorrentes pediram, ao abrigo do artigo 243.° CE, a suspensão da execução do Regulamento n.° 2199/2001.

44      Por requerimento separado, entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 10 de Dezembro de 2001, os recorrentes pediram que o processo fosse julgado seguindo uma tramitação acelerada, em conformidade com o artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Ouvidos os recorridos, o Tribunal (Primeira Secção) indeferiu este pedido por decisão de 22 de Janeiro de 2002, devido à natureza complexa e delicada das questões de direito que o processo levanta.

45      Por carta da Secretaria do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Janeiro de 2002, os recorrentes foram informados de que não havia que conhecer do pedido de suspensão da execução do Regulamento n.° 2199/2001, uma vez que este não tinha sido apresentado por requerimento separado, em conformidade com as disposições do Regulamento de Processo. Foi, no entanto, observado, nessa mesma carta, que a apresentação ulterior de um pedido de medidas provisórias era sempre possível, sendo respeitadas as disposições do referido regulamento.

46      Nas suas respostas, entradas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Fevereiro de 2002, o Conselho e a Comissão concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

47      Por articulado apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 8 de Março de 2002, os recorrentes apresentaram um pedido de medidas provisórias destinado a obter a suspensão da execução dos Regulamentos n.° 467/2001 e n.° 2199/2001, na medida em que estes lhes digam respeito, até que seja proferida decisão no processo principal.

48      O presidente do Tribunal de Primeira Instância ouviu as partes em 22 de Março de 2002, na presença do Reino da Suécia, representado na audição.

49      Por despacho de 7 de Maio de 2002 (Aden e o./Conselho e Comissão, T‑306/01 R, Colect., p. II‑2387), o presidente do Tribunal de Primeira Instância indeferiu o pedido de medidas provisórias pelo facto de a condição relativa à urgência não estar preenchida, reservando para final a decisão quanto às despesas.

50      Por carta da Secretaria do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Junho de 2002, as partes foram convidadas a apresentar as suas observações sobre as consequências da revogação do Regulamento n.° 467/2001 e da sua substituição pelo Regulamento n.° 881/2002.

51      Nas suas observações, entradas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 29 de Julho de 2002, os recorrentes declaram adaptar os seus pedidos, fundamentos e argumentos no sentido de que passam a visar a anulação do Regulamento n.° 881/2002 (a seguir «regulamento impugnado»), adoptado à luz da Resolução 1390 (2002) do Conselho de Segurança, que mantém as sanções contra eles decididas. Observam que se deve considerar que o recurso inicial dirigido contra o Regulamento n.° 467/2001 ficou sem objecto devido à sua revogação pelo regulamento impugnado.

52      Nas suas observações, entradas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 12 de Julho de 2002, o Conselho reconhece que os recorrentes têm o direito de ampliar ou de adaptar os pedidos iniciais do seu recurso, de maneira a que passem a visar a anulação do regulamento impugnado.

53      Nas suas observações, entradas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 10 de Julho de 2002, a Comissão, atendendo à circunstância de que os efeitos jurídicos do Regulamento n.° 2199/2001 continuam a produzir‑se no regulamento impugnado, declara não ver objecções a que os recorrentes alterem os seus pedidos a fim de visarem este último regulamento.

54      Por outro lado, a Comissão solicita ao Tribunal de Primeira Instância que declare, em conformidade com o artigo 113.° do seu Regulamento de Processo, que o recurso ficou sem objecto na parte que visa o Regulamento n.° 2199/2001 e que não há lugar ao conhecimento do mérito da causa no que lhe diz respeito.

55      Além disso, a Comissão pede, ao abrigo do artigo 115.°, n.° 1, e do artigo 116.°, n.° 6, do Regulamento de Processo, que lhe seja concedido o estatuto de interveniente em apoio dos pedidos do Conselho. Declara, contudo, manter o seu pedido de condenação dos recorrentes nas despesas que ela efectuou durante o período no decurso do qual estes contestaram o Regulamento n.° 2199/2001.

56      Por despacho do presidente da Primeira Secção do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2002, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte foi admitido a intervir em apoio dos pedidos dos recorridos.

57      Por carta da Secretaria do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Setembro de 2002, os recorrentes foram convidados a apresentar as suas observações sobre as consequências eventuais a retirar, no que diz respeito ao prosseguimento do recurso, da adopção do Regulamento n.° 1580/2002.

58      Tendo a composição das secções do Tribunal de Primeira Instância sido modificada a partir do novo ano judicial, que teve início em 1 de Outubro de 2002, o juiz‑relator foi afecto à Segunda Secção, à qual o presente processo foi, por conseguinte, atribuído.

59      Nas suas observações sobre as consequências da adopção do Regulamento n.° 1580/2002, entradas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 11 de Novembro de 2002, os recorrentes expõem, por um lado, que o seu recurso já não se dirige contra a Comissão e, por outro, que Abdirisak Aden e Abdulaziz Ali já não têm um interesse particular ou individual em prosseguir o seu recurso, salvo no que diz respeito ao encargo das despesas.

60      Por decisão de 20 de Novembro de 2002, a Secretaria do Tribunal de Primeira Instância recusou juntar aos autos os comentários expressos pelos recorrentes, nessas mesmas observações, sobre as réplicas do Conselho e da Comissão, pelo facto de esses comentários não estarem previstos no Regulamento de Processo.

61      Nas suas alegações de intervenção, entradas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 27 de Fevereiro de 2003, o Reino Unido conclui pedindo que o Tribunal negue provimento ao recurso.

62      Por carta da Secretaria do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Junho de 2003, A. Yusuf foi convidado a apresentar as suas observações sobre as consequências, para o prosseguimento do processo, da adopção do Regulamento n.° 866/2003.

63      Nas suas observações, entradas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 7 de Julho de 2003, A. Yusuf indicou, no essencial, que as alterações introduzidas pelo Regulamento n.° 866/2003 eram puramente de redacção e que não deviam ter nenhuma incidência no prosseguimento do processo.

64      Ouvidas as partes, o Tribunal de Primeira Instância remeteu o processo, em conformidade com o artigo 51.° do Regulamento de Processo, a uma secção composta por cinco juízes.

65      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção alargada) decidiu iniciar a fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, colocou por escrito determinadas questões ao Conselho e à Comissão, que responderam no prazo fixado.

66      Por despacho do presidente da Segunda Secção alargada do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 2003, o presente processo e o processo T‑315/01, Kadi/Conselho e Comissão, foram apensos para efeitos da fase oral, em conformidade com o artigo 50.° do Regulamento de Processo.

67      Por carta de 8 de Outubro de 2003, a Comissão pediu ao Tribunal de Primeira Instância que juntasse aos autos as «directrizes que regulam a condução dos trabalhos do [comité de sanções]», conforme adoptadas por este comité em 7 de Novembro de 2002 e rectificadas em 10 de Abril de 2003. Este pedido foi deferido por decisão do presidente da Segunda Secção alargada do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Outubro de 2003.

68      Tendo A. Aden e A. Ali informado o Tribunal de Primeira Instância, em conformidade com o artigo 99.° do Regulamento de Processo, que desistiam do seu recurso e que tinham chegado a acordo com os recorridos quanto às despesas, o presidente da Segunda Secção alargada do Tribunal de Primeira Instância ordenou, por despacho de 9 de Outubro de 2003, a exclusão do nome destes dois recorrentes do registo do processo T‑306/01 e decidiu quanto às despesas em conformidade com o acordo das partes.

69      Por requerimentos separados entrados na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 13 de Outubro de 2003, A. Yusuf e a Al Barakaat apresentaram um pedido de assistência judiciária. Estes pedidos foram indeferidos por dois despachos do presidente da Segunda Secção alargada do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Maio de 2004.

70      Foram ouvidas as alegações e as respostas das partes às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância na audiência de 14 de Outubro de 2003.

 Quanto às consequências processuais decorrentes da adopção do regulamento impugnado

71      As partes principais no litígio estão de acordo em reconhecer que os recorrentes têm o direito de adaptar os seus pedidos e fundamentos de modo a visar a anulação do regulamento impugnado, que revoga e substitui o Regulamento n.° 467/2001, conforme alterado pelo Regulamento n.° 2199/2001. Nas suas observações entradas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 29 de Julho de 2002, os recorrentes declararam efectivamente adaptar nesse sentido os pedidos, fundamentos e argumentos do seu recurso.

72      A este respeito, deve recordar‑se que quando uma decisão é substituída, já com o processo em curso, por uma decisão com o mesmo objecto, esta deve ser considerada um elemento novo que permite ao recorrente adaptar os seus pedidos e fundamentos. Seria, de facto, contrário a uma boa administração da justiça e às exigências de economia processual obrigar o recorrente a interpor novo recurso. Além disso, seria injusto que a instituição em causa pudesse, para fazer face às críticas contidas numa petição apresentada ao tribunal comunitário contra uma decisão, adaptar a decisão impugnada ou substituí‑la por outra e, no decurso da instância, invocar essa alteração ou substituição para privar a outra parte da possibilidade de tornar os seus pedidos e fundamentos iniciais extensivos à decisão ulterior ou de apresentar pedidos e fundamentos suplementares contra esta (acórdãos do Tribunal de Justiça de 3 de Março de 1982, Alpha Steel/Comissão, 14/81, Recueil, p. 749, n.° 8; de 29 de Setembro de 1987, Fabrique de fer de Charleroi e Dillinger Hüttenwerke/Comissão, 351/85 e 360/85, Colect., p. 3639, n.° 11; e de 14 de Julho de 1988, Stahlwerke Peine‑Salzgitter/Comissão, 103/85, Colect., p. 4131, n.os 11 e 12; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Fevereiro de 2000, CCRE/Comissão, T‑46/98 e T‑151/98, Colect., p. II‑167, n.° 33).

73      Esta jurisprudência é transponível para a hipótese em que um regulamento, que diz directa e individualmente respeito a um particular, é substituído, já com o processo em curso, por um regulamento com o mesmo objecto.

74      Correspondendo esta hipótese, em todos os aspectos, à do presente caso, há que deferir o pedido dos recorrentes, considerar que o seu recurso tem por objecto a anulação do regulamento impugnado, na parte que este lhes diz respeito, e permitir às partes reformular os seus pedidos, fundamentos e argumentos à luz deste elemento novo.

75      Por outro lado, os recorrentes alegam que se deve considerar que o seu pedido de anulação do Regulamento n.° 467/2001 ficou sem objecto devido à derrogação deste regulamento pelo regulamento impugnado (v. n.° 51, supra). Nestas condições, já não há que conhecer deste pedido nem, consequentemente, do pedido de anulação do Regulamento n.° 2199/2001, uma vez que este ficou igualmente sem objecto.

76      Resulta do que antecede que já não há que conhecer do recurso, na parte que visa a Comissão. Nas circunstâncias do presente caso, contudo, o princípio da boa administração da justiça e as exigências de economia processual, em que se apoia a jurisprudência referida no n.° 72, supra, justificam igualmente que se tenham em conta os pedidos, os fundamentos de defesa e os argumentos da Comissão, reformulados conforme referido no n.° 74, supra, sem que seja novamente necessário admitir formalmente esta instituição no processo, nos termos do artigo 115.°, n.° 1, e do artigo 116.°, n.° 6, do Regulamento de Processo, enquanto interveniente em apoio dos pedidos do Conselho.

77      Tendo em conta o que antecede, deve considerar‑se que o presente recurso passa a visar apenas o Conselho, apoiado pela Comissão e pelo Reino Unido, e que tem por único objecto um pedido de anulação do regulamento impugnado, na parte que este diz respeito a A. Yusuf e à Al Barakaat.

 Quanto ao mérito

78      Em apoio dos seus pedidos, os recorrentes invocam três fundamentos de anulação relativos, o primeiro, à incompetência do Conselho para adoptar o regulamento impugnado, o segundo, à violação do artigo 249.° CE, e o terceiro, à violação dos seus direitos fundamentais.

1.     Quanto ao primeiro fundamento, relativo à incompetência do Conselho para adoptar o regulamento impugnado

79      Este fundamento divide‑se em três partes.

 Quanto à primeira parte

 Argumentos das partes

80      No seu recurso dirigido inicialmente contra o Regulamento n.° 467/2001, os recorrentes alegam que os artigos 60.° CE e 301.° CE, com base nos quais este regulamento tinha sido adoptado, apenas autorizam o Conselho a adoptar medidas contra países terceiros e não, como é o caso no presente processo, contra cidadãos de um Estado‑Membro que residem nesse Estado‑Membro.

81      A este respeito, os recorrentes refutavam a alegação segundo a qual eles foram sancionados devido à sua associação com o regime dos talibãs do Afeganistão. Segundo os recorrentes, as sanções adoptadas contra eles não eram, de modo algum, motivadas pela existência de uma ligação a esse regime, mas pela vontade do Conselho de Segurança de lutar contra o terrorismo internacional, considerado uma ameaça para a paz e a segurança internacionais. Os recorrentes sublinhavam assim que a lista referida no n.° 8, alínea c), da Resolução 1333 (2000) do Conselho de Segurança, na qual eles tinham sido incluídos por decisão do comité de sanções de 9 de Novembro de 2001 (v. n.° 24, supra), mais do que os talibãs, visava Oussama ben Laden e os indivíduos e entidades a ele associados.

82      Devendo as sanções adoptadas pelas instituições comunitárias corresponder, em todos os aspectos, às adoptadas pelo Conselho de Segurança, os recorrentes concluíam que o Regulamento n.° 467/2001 também não visava um país terceiro, mas sim indivíduos, com o objectivo de lutar contra o terrorismo internacional. Essas medidas, segundo os recorrentes, não estavam abrangidas pela competência da Comunidade, diversamente das medidas de embargo comercial contra o Iraque, examinadas pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão de 28 de Abril de 1998, Dorsch Consult/Conselho e Comissão (T‑184/95, Colect., p. II‑667).

83      Os recorrentes sustentavam igualmente que uma interpretação dos artigos 60.° CE e 301.° CE, que leva a que se tratem cidadãos comunitários como países terceiros, é contrária ao princípio da legalidade, conforme este vem expresso nos artigos 5.° CE e 7.° CE, bem como ao princípio segundo o qual a legislação comunitária deve ser certa e a sua aplicação previsível para os particulares (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1987, Dinamarca/Comissão, 348/85, Colect., p. 5225).

84      Nas suas observações sobre as consequências da revogação do Regulamento n.° 467/2001 e da sua substituição pelo regulamento impugnado, adoptado com base nos artigos 60.° CE, 301.° CE e 308.° CE, os recorrentes acrescentam que o artigo 308.° CE, considerado isolada ou juntamente com os artigos 60.° CE e 301.° CE, também não confere ao Conselho o poder de fixar sanções, directas ou indirectas, contra cidadãos da União. Com efeito, esse poder não pode ser considerado implícito ou necessário para realizar um dos objectivos da Comunidade, na acepção do artigo 308.° CE. Em particular, o congelamento dos haveres dos recorrentes não tem qualquer relação com o objectivo de «especialmente [...] evitar distorções de concorrência», referido no considerando 4 do regulamento impugnado.

85      Nas suas respostas e alegações de intervenção, as instituições e o Reino Unido sustentaram, por um lado, que, no texto dos artigos 60.° CE e 301.° CE, nada permite excluir a adopção de sanções económicas relativamente a indivíduos ou a organizações estabelecidos na Comunidade, quando essas medidas se destinem a interromper ou a reduzir, no todo ou em parte, as relações económicas com um ou vários países terceiros. Deve reconhecer‑se, com efeito, que os cidadãos dos Estados‑Membros podem, individual ou colectivamente, fornecer fundos ou outros recursos a países terceiros, ou a facções no interior destes, de modo que as medidas que visam controlar os recursos económicos desses cidadãos terão por efeito interromper ou reduzir as relações económicas com esses países terceiros. De resto, os órgãos jurisdicionais comunitários reconheceram implicitamente a legalidade desta prática [despacho do presidente da Segunda Secção do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Agosto de 2000, «Invest» Import und Export e Invest Commerce/Comissão, T‑189/00 R, Colect., p. II‑2993, n.° 34, confirmada em sede de recurso por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 2000, «Invest» Import und Export e Invest Commerce/Comissão, C‑317/00 P(R), Colect., p. I‑9541, n.os 26 e 27].

86      Por outro lado, estas partes refutaram a tese dos recorrentes segundo a qual não existia ligação entre as medidas previstas pelo Regulamento n.° 467/2001 e o Afeganistão, sublinhando as ligações que existiam na época entre Oussama ben Laden, a Al‑Qaida e o regime dos talibãs.

87      Na sua tréplica, bem como nas suas observações sobre as consequências da revogação do Regulamento n.° 467/2001 e da sua substituição pelo regulamento impugnado, o Conselho observou contudo que este último regulamento se aplicava aos terroristas e aos grupos terroristas em geral, sem estabelecer mais nenhuma ligação com um país ou um território em concreto. Nisso, o regulamento reflectiu a diferença entre a Resolução 1333 (2000) do Conselho de Segurança, que visava os talibãs e os indivíduos e entidades a eles associados, e a Resolução 1390 (2002), que, devido ao desaparecimento do «Emirato Islâmico do Afeganistão», já não associa as sanções que prevê a um país ou a um território específico, mas visa, também ela, os grupos e os indivíduos terroristas de uma maneira geral.

88      No primeiro caso, o Conselho considerou que o Regulamento n.° 467/2001 estava efectivamente abrangido pelos artigos 60.° CE e 301.° CE, visto que existia uma ligação evidente com o Afeganistão. Uma vez que no âmbito do regulamento impugnado essa ligação já não existia, o Conselho considerou que havia que completar a base jurídica do mesmo, acrescentando‑lhe o artigo 308.° CE. O Conselho alegou que essa modificação da base jurídica do novo regulamento tornava inoperante a primeira parte do primeiro fundamento.

89      Convidado, através de uma pergunta escrita do Tribunal de Primeira Instância, a tomar posição, à luz do parecer 2/94 do Tribunal de Justiça, de 28 de Março de 1996 (Colect., p. I‑1759, n.os 29 e 30), sobre a tese dos recorrentes exposta no n.° 84, supra, e, mais particularmente, a indicar quais são os objectivos da Comunidade fixados pelo Tratado CE que se propõe atingir mediante as disposições previstas no regulamento impugnado, o Conselho respondeu, no essencial, que estas disposições prosseguem um objectivo de coerção económica e financeira que constitui, em seu entender, um objectivo do Tratado CE.

90      A este respeito, o Conselho alega que os objectivos da Comunidade não são unicamente os definidos no artigo 3.° CE, podendo também resultar de disposições mais específicas.

91      Depois da revisão resultante do Tratado de Maastricht, os artigos 60.° CE e 301.° CE definem as missões e as acções da Comunidade em matéria de sanções económicas e financeiras e oferecem uma base legal para uma transferência expressa de competências para a Comunidade com vista ao seu cumprimento. Essas competências estão expressamente ligadas e, de facto, subordinadas à adopção de um acto ao abrigo das disposições do Tratado UE relativas à política estrangeira e de segurança comum (PESC). Ora, um dos objectivos da PESC é, nos termos do artigo 11.°, n.° 1, terceiro travessão, UE, «a manutenção da paz e o reforço da segurança internacional, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas».

92      Há, assim, que admitir que a coerção económica e financeira por razões políticas, a fortiori, no âmbito da execução de uma decisão vinculativa do Conselho de Segurança, constitui um objectivo expresso e legítimo do Tratado CE, mesmo que esse objectivo seja marginal, ligado de maneira indirecta aos objectivos principais deste Tratado, designadamente os relativos à livre circulação de capitais [artigo 3.°, n.°, alínea c), CE] e ao estabelecimento de um regime de concorrência não falseada [artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE], e ligado ao Tratado UE.

93      No presente caso, o artigo 308.° CE foi incluído, enquanto base jurídica do regulamento impugnado, a fim de completar a base fornecida pelos artigos 60.° CE e 301.° CE, de forma a permitir a adopção de medidas não apenas relativamente a países terceiros mas também contra indivíduos e entidades não estatais que não tenham necessariamente ligações com o governo ou o regime desses países, num caso em que o Tratado CE não prevê os poderes de acção exigidos para esse efeito.

94      Ao proceder desta forma, a Comunidade pôde adaptar‑se à evolução da prática internacional, que consiste, de ora em diante, em adoptar «sanções inteligentes» contra indivíduos que constituem uma ameaça para a segurança internacional, e não contra populações inocentes.

95      O Conselho sustenta que as condições em que recorreu, no presente caso, ao artigo 308.° CE não são diferentes daquelas em que esta disposição foi utilizada, no passado, para realizar, no funcionamento do mercado comum, um dos objectivos do Tratado CE, sem que o referido Tratado tenha previsto os poderes de acção exigidos para esse efeito. Invoca, nesse sentido:

–        No domínio da política social, as diversas directivas que, com base no artigo 235.° do Tratado CE (actual artigo 308.° CE), completado por vezes pelo artigo 100.° do Tratado CE (actual artigo 94.° CE), alargaram o princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos, conforme previsto pelo artigo 119.° do Tratado CE (os artigos 117.° a 120.° do Tratado CE foram substituídos pelos artigos 136.° CE a 143.° CE), a fim de o erigir a princípio geral de igualdade de tratamento em todos os domínios onde pudessem subsistir discriminações potenciais e para dele beneficiarem os trabalhadores independentes, incluindo do sector agrícola, designadamente, a Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70), a Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (JO 1979, L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174), a Directiva 86/378/CEE do Conselho, de 24 de Julho de 1986, relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres aos regimes profissionais de segurança social (JO L 225, p. 40), e a Directiva 86/613/CEE do Conselho, de 11 de Dezembro de 1986, relativa à aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres que exerçam uma actividade independente incluindo a actividade agrícola, bem como à protecção da maternidade (JO L 359, p. 56);

–        No domínio da livre circulação de pessoas, os diversos actos que, com base no artigo 235.° do Tratado CE e do artigo 51.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 42.° CE), tornaram extensivos aos trabalhadores independentes, aos membros da sua família e aos estudantes os direitos reconhecidos aos trabalhadores assalariados que se deslocam no interior da Comunidade, designadamente, o Regulamento (CEE) n.° 1390/81 do Conselho, de 12 de Maio de 1981, que torna extensivo aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família o Regulamento (CEE) n.° 1408/71, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 143, p. 1);

–        Mais recentemente, o Regulamento (CE) n.° 1035/97 do Conselho, de 2 de Junho de 1997, que cria um Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia (JO L 151, p. 1), adoptado com base no artigo 213.° do Tratado CE (actual artigo 284.° CE) e no artigo 235.° do Tratado CE.

96      O próprio Tribunal de Justiça reconheceu a legalidade desta prática (acórdão de 5 de Dezembro de 1989, Delbar, C‑114/88, Colect., p. 4067).

97      Mais do que isso, o legislador comunitário já recorreu, no passado, à base legal do artigo 235.° do Tratado CE no domínio das sanções. A este respeito, o Conselho expõe que, antes da introdução, no Tratado CE, dos artigos 301.° CE e 60.° CE, diversos regulamentos do Conselho que impunham sanções comerciais tiveram por base o artigo 113.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 133.° CE) [v., por exemplo, o Regulamento (CEE) n.° 596/82 do Conselho, de 15 de Março de 1982, que modifica o regime de importação de determinados produtos originários da União Soviética (JO L 72, p. 15), o Regulamento (CEE) n.° 877/82 do Conselho, de 16 de Abril de 1982, que suspende a importação de quaisquer produtos originários da Argentina (JO L 102, p. 1), e o Regulamento (CEE) n.° 3302/86 do Conselho, de 27 de Outubro de 1986, que suspende a importação de moedas de ouro da República da África do Sul (JO L 305, p. 11)]. Contudo, quando essas medidas excedessem o âmbito de aplicação da política comercial comum ou dissessem respeito a pessoas singulares ou colectivas estabelecidas na Comunidade, tiveram igualmente por base o artigo 235.° do Tratado CE. Foi esse o caso, em particular, do Regulamento (CEE) n.° 3541/92 do Conselho, de 7 de Dezembro de 1992, que proíbe que sejam satisfeitos os pedidos do Iraque no que se refere aos contratos e transacções cuja realização foi afectada pela Resolução 661 (1990) do Conselho de Segurança das Nações Unidas e pelas resoluções conexas (JO L 361, p. 1), cujo artigo 2.° dispõe que «[é] proibido satisfazer, ou tomar quaisquer disposições no sentido de satisfazer, pedidos apresentados por […] [q]ualquer pessoa singular ou colectiva no Iraque ou que actue por intermédio de uma pessoa singular ou colectiva no Iraque».

98      Em resposta à mesma pergunta escrita do Tribunal de Primeira Instância, a Comissão alega que a execução de sanções impostas pelo Conselho de Segurança podia estar, no todo ou em parte, abrangida pelo âmbito de aplicação do Tratado CE, quer ao abrigo da política comercial comum quer ao abrigo do mercado interno.

99      No presente caso, a Comissão sustenta, remetendo para o considerando 4 do regulamento impugnado, que as medidas em causa eram necessárias para garantir uma aplicação e uma interpretação uniformes das restrições aos movimentos de capitais postas em prática em conformidade com as resoluções em causa do Conselho de Segurança, de forma a preservar a livre circulação de capitais na Comunidade e a evitar distorções de concorrência.

100    Por outro lado, a Comissão entende que a defesa da segurança internacional, tanto no exterior como no interior da União, se deve considerar inscrita no quadro geral das disposições do Tratado CE. A este respeito, a Comissão remete, por um lado, para os artigos 3.° UE e 11.° UE e, por outro, para o preâmbulo do Tratado CE, no qual as partes contratantes confirmaram «a solidariedade que liga a Europa e os países ultramarinos, […] em conformidade com os princípios da Carta das Nações Unidas», e se declararam determinadas a «consolidar […] a defesa da paz e da liberdade». Daqui a Comissão infere um «objectivo geral fixado à Comunidade de defender a paz e a segurança», do qual emanam especificamente os artigos 60.° CE e 301.° CE, ao mesmo tempo que são manifestações específicas da competência comunitária na regulação dos movimentos de capitais internos e externos.

101    Não conferindo as disposições do título III, capítulo 4, do Tratado CE, relativas aos movimentos de capitais, nenhum poder particular à Comunidade, o artigo 308.° CE foi considerado, no presente caso, base jurídica complementar para garantir que a Comunidade possa impor as restrições em causa, designadamente em relação aos particulares, em conformidade com a posição comum adoptada pelo Conselho.

102    Na audiência, o Reino Unido descreveu o objectivo comunitário prosseguido pela adopção do regulamento impugnado como sendo a aplicação uniforme, no interior da Comunidade, de obrigações relativas a restrições aos movimentos de capitais, impostas aos Estados‑Membros pelo Conselho de Segurança.

103    O Reino Unido salienta que a criação de um mercado interno no domínio dos movimentos de capitais é um dos objectivos da Comunidade enunciados no artigo 3.° CE. Considera que a aplicação uniforme de todas as restrições à livre circulação de capitais no mercado constitui um aspecto essencial da criação de um mercado interno.

104    Se, pelo contrário, a execução das resoluções em causa do Conselho de Segurança não tivesse sido objecto de medidas adoptadas a nível comunitário, isso teria criado, segundo o Reino Unido, um risco de divergências na aplicação do congelamento dos haveres entre Estados‑Membros. Se os Estados‑Membros tivessem executado essas resoluções individualmente, teriam inevitavelmente surgido diferentes interpretações sobre o alcance das obrigações que lhes incumbem, que teriam criado disparidades no domínio da livre circulação de capitais entre os Estados‑Membros, o que teria provocado um risco de distorção da concorrência.

105    Além disso, o Reino Unido sustenta que não se pode considerar que as medidas destinadas a congelar os fundos dos particulares, com o objectivo de interromper as relações económicas com organizações terroristas internacionais, em vez de com países terceiros, alargam o «âmbito de competências da Comunidade para além do quadro geral resultante do conjunto das disposições do Tratado», segundo os termos do parecer 2/94, n.° 64, supra. Em conformidade com o quadro do Tratado, a Comunidade é competente para adoptar medidas que se destinam a regulamentar os movimentos de capitais, designadamente, tomando medidas contra os particulares. Consequentemente, se é verdade que as medidas destinadas a regulamentar os movimentos de capitais de particulares, com o objectivo de interromper as relações económicas com organizações terroristas internacionais, estão abrangidas por um domínio para o qual o Tratado CE não conferiu poderes específicos às instituições, e se é igualmente verdade que essas medidas exigem o recurso ao artigo 308.° CE, não se pode considerar que estas vão além do quadro geral do Tratado.

106    O Reino Unido sustenta que o recurso ao artigo 308.° CE nas circunstâncias do presente caso não é diferente da utilização que foi feita dessa disposição em situações, designadamente no domínio da política social, em que esse artigo serviu para alcançar outros objectivos da Comunidade quando o Tratado não fornecia uma base jurídica precisa (v. n.° 95, supra).

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

107    O Regulamento n.° 467/2001 e o regulamento impugnado foram adoptados com bases legais parcialmente diferentes: os artigos 60.° CE e 301.° CE, no caso do primeiro, e os artigos 60.° CE, 301.° CE e 308.° CE, no caso do segundo. Se bem que os argumentos iniciais dos recorrentes, relativos à falta de base legal do Regulamento n.° 467/2001, tenham ficado sem objecto devido à sua revogação pelo regulamento impugnado, o Tribunal de Primeira Instância considera apropriado expor, em primeiro lugar, os motivos por que considera esses argumentos, em todo o caso, infundados, uma vez que esses motivos constituem uma das premissas do seu raciocínio aplicado ao exame da base legal do regulamento impugnado.

–       Quanto à base legal do Regulamento n.° 467/2001

108    O Regulamento n.° 467/2001 foi adoptado com base nos artigos 60.° CE e 301.° CE, disposições que habilitam o Conselho a tomar as medidas urgentes necessárias, designadamente no que respeita aos movimentos de capitais e aos pagamentos, quando uma posição comum ou uma acção comum adoptadas ao abrigo das disposições do Tratado UE relativas à PESC prevêem uma acção da Comunidade que se destine a interromper ou a reduzir, no todo ou em parte, as relações económicas com um ou vários países terceiros.

109    Ora, conforme resulta do seu preâmbulo, o Regulamento n.° 467/2001 organizava a acção da Comunidade prevista pela Posição Comum 2001/154, que tinha sido adoptada no âmbito da PESC e que reflectia a vontade da União e dos seus Estados‑Membros de recorrerem a um instrumento comunitário a fim de dar execução, na Comunidade, a determinados aspectos das sanções adoptadas pelo Conselho de Segurança contra os talibãs do Afeganistão.

110    Os recorrentes sustentavam, no entanto, em primeiro lugar, que as medidas ora em causa afectavam particulares, que, além do mais, eram nacionais de um Estado‑Membro, quando os artigos 60.° CE e 301.° CE apenas autorizam o Conselho a adoptar medidas relativamente a países terceiros; em segundo lugar, que as medidas em causa não se destinavam a interromper ou a reduzir as relações económicas com um país terceiro, mas a lutar contra o terrorismo internacional e, mais particularmente, contra Oussama ben Laden; e, em terceiro lugar, que as referidas medidas eram, em todo o caso, desproporcionadas em relação ao objectivo visado nos artigos 60.° CE e 301.° CE.

111    Nenhum destes argumentos teria podido proceder.

112    No que diz respeito, em primeiro lugar, ao tipo de medidas que o Conselho está habilitado a adoptar ao abrigo dos artigos 60.° CE e 301.° CE, o Tribunal considera que, na redacção destas disposições, nada permite excluir a adopção de medidas restritivas que afectem directamente indivíduos ou organizações, quer estes estejam estabelecidos ou não na Comunidade, quando essas medidas visem efectivamente interromper ou reduzir, total ou parcialmente, as relações económicas com um ou vários países terceiros.

113    Como o Conselho salientou com razão, as medidas ora em causa estavam abrangidas pelo que se convencionou chamar «sanções inteligentes» (smart sanctions), que surgiram na prática da ONU durante os anos 90. Essas sanções substituem as medidas clássicas de embargo comercial geral, dirigidas contra um país, por medidas mais específicas e selectivas, tais como as sanções económicas ou financeiras, as proibições de viajar, os embargos sobre as armas ou sobre produtos específicos, de modo a reduzir os sofrimentos infligidos à população civil do país em causa, ao mesmo tempo que impõem verdadeiras sanções ao regime visado e aos seus dirigentes.

114    A prática das instituições comunitárias evoluiu no mesmo sentido, tendo o Conselho considerado, sucessivamente, que os artigos 60.° CE e 301.° CE lhe permitiam tomar medidas restritivas contra entidades ou pessoas que controlam fisicamente uma parte do território de um país terceiro [v., por exemplo, o Regulamento (CE) n.° 1705/98 do Conselho, de 28 de Julho de 1998, relativo à interrupção de certas relações económicas com Angola para induzir a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) a cumprir as suas obrigações no processo de paz e que revoga o Regulamento (CE) n.° 2229/97 (JO L 215, p. 1)] e contra entidades ou pessoas que controlam efectivamente o aparelho governamental de um país terceiro, bem como contra pessoas e entidades associadas a estes últimos e que lhes dão apoio económico [v., por exemplo, o Regulamento (CE) n.° 1294/1999 do Conselho, de 15 de Junho de 1999, relativo ao congelamento de fundos e à proibição de investimentos na República Federativa da Jugoslávia (RFJ) e que revoga os Regulamentos (CE) n.° 1295/98 e (CE) n.° 1607/98 (JO L 153, p. 63), e o Regulamento (CE) n.° 2488/2000 do Conselho, de 10 de Novembro de 2000, relativo à manutenção do congelamento de fundos em relação a Slobodan Milosevic e às pessoas que lhe estão associadas e que revoga os Regulamentos (CE) n.° 1294/1999 e (CE) n.° 607/2000, bem como o artigo 2.° do Regulamento (CE) n.° 926/98 (JO L 287, p. 19)]. Esta evolução é plenamente compatível com as medidas previstas nos artigos 60.° CE e 301.° CE.

115    Com efeito, do mesmo modo que as sanções económicas ou financeiras podem, legitimamente, afectar de maneira específica os dirigentes de um país terceiro, em vez desse país enquanto tal, elas devem igualmente poder visar, independentemente do lugar onde se encontrem, os indivíduos e entidades associados a esses dirigentes ou que sejam directa ou indirectamente controlados por eles. Conforme a Comissão observou com razão, os artigos 60.° CE e 301.° CE não forneceriam um meio de pressão eficaz sobre os dirigentes que exercem influência na política de um país terceiro se a Comunidade não pudesse, com base nesses artigos, adoptar medidas contra particulares que, embora não estando domiciliados no país terceiro em questão, estão suficientemente ligados ao regime contra o qual são dirigidas as sanções. Por outro lado, como o Conselho sublinhou, o facto de alguns desses particulares assim visados serem nacionais de um Estado‑Membro não é pertinente porque, para serem eficazes num contexto de livre circulação de capitais, as sanções financeiras não se podem limitar unicamente aos nacionais do país terceiro em causa.

116    Esta interpretação, que não é contrária à letra dos artigos 60.° CE e 301.° CE, é justificada tanto por considerações de eficácia como por preocupações de ordem humanitária.

117    No que respeita, em segundo lugar, ao objectivo prosseguido pelo Regulamento n.° 467/2001, o Conselho alegou, remetendo para as Resoluções 1267 (1999) e 1333 (2000) do Conselho de Segurança, para a Posição Comum 2001/154, bem como para os considerandos 1 e 2 desse regulamento e para o seu próprio título, que as medidas em causa visavam essencialmente o regime dos talibãs que, na altura, controlava efectivamente 80% do território afegão e se autodesignava «Emirato Islâmico do Afeganistão», e, acessoriamente, visava pessoas e entidades que, através de transacções económicas ou financeiras, ajudavam o referido regime a dar refúgio e treino a terroristas internacionais e às suas organizações, agindo, assim, de facto, como agentes desse regime ou mantendo com esse regime ligações estreitas.

118    No que respeita às críticas que os recorrentes teceram a respeito do facto de o Regulamento n.° 467/2001 ter visado Oussama ben Laden, e não o regime dos talibãs, o Conselho acrescentou que Oussama ben Laden era, na realidade, o chefe e a «eminência parda» do regime dos talibãs e que dispunha do poder real no Afeganistão. Os seus títulos temporais e religiosos, de «Sheikh» (chefe) e de «Emir» (príncipe, líder, dirigente), e a posição que ocupava ao lado dos outros dignitários religiosos talibãs, deixavam poucas dúvidas a esse respeito. Por outro lado, mesmo antes do 11 de Setembro de 2001, Oussama ben Laden prestou juramento de fidelidade (Bay’a), estabelecendo um vínculo religioso formal entre ele e a direcção teocrática talibã. Esteve, assim, numa situação comparável à de Milosevic e dos membros do Governo jugoslavo, no tempo das sanções económicas e financeiras adoptadas pelo Conselho contra a República Federal da Jugoslávia (v. n.° 114, supra). Quanto à Al‑Qaida, o Conselho observou que era público e notório que a referida organização dispunha de numerosos campos de treino militar no Afeganistão e que milhares dos seus membros combateram ao lado dos talibãs, entre Outubro de 2001 e Janeiro de 2002, durante a intervenção da coligação internacional.

119    Não deve ser posta em causa a justeza destas considerações, sobre as quais existe, no seio da comunidade internacional, um amplo consenso que se reflecte, designadamente, nas diversas resoluções adoptadas por unanimidade pelo Conselho de Segurança e que os recorrentes não refutaram especificamente, nem sequer contestaram.

120    Mais particularmente, as sanções ora em causa tinham por objectivo principal impedir que o regime dos talibãs obtivesse apoio financeiro, fosse de que origem fosse, como resulta do n.° 4, alínea b), da Resolução 1267 (1999). Essas sanções poderiam ter sido contornadas se os particulares suspeitos de apoiar esse regime não tivessem sido visados por elas. Quanto às relações entre o antigo regime dos talibãs e Oussama ben Laden, o Conselho de Segurança considerou que, no período em causa, este recebia desse regime ajuda de tal forma determinante que se podia considerar que fazia parte do mesmo. Assim, no décimo considerando da Resolução 1333 (2000), o Conselho de Segurança deplorou que os talibãs continuassem a dar refúgio a Oussama ben Laden e a permitir‑lhe, bem como aos seus associados, dirigir uma rede de campos de treino a partir do território controlado por eles e servir‑se do Afeganistão como base para levar a cabo operações terroristas internacionais. Por outro lado, no sétimo considerando da sua Resolução 1333 (2000), o Conselho de Segurança reafirmou a sua convicção de que a repressão do terrorismo internacional era essencial para a manutenção da paz e da segurança internacionais.

121    Assim, contrariamente ao que os recorrentes sustentavam, as medidas em causa visavam efectivamente interromper ou reduzir as relações económicas com um país terceiro, no âmbito do combate levado a cabo pela comunidade internacional contra o terrorismo internacional e, mais particularmente, contra Oussama ben Laden e a rede Al‑Qaida.

122    No que respeita, em terceiro lugar, à proporcionalidade das medidas em questão, esta deve ser apreciada à luz da finalidade do Regulamento n.° 467/2001. Tal como foi exposto supra, a imposição de sanções «inteligentes» visa, precisamente, exercer uma pressão eficaz sobre os dirigentes do país em causa, limitando ao mesmo tempo, tanto quanto possível, o impacto das medidas em causa na população desse país, designadamente pela restrição do seu campo de aplicação pessoal a um número determinado de indivíduos designados pelo nome. Ora, no presente caso, o Regulamento n.° 467/2001 destinava‑se a aumentar a pressão exercida sobre o regime dos talibãs, nomeadamente, através do congelamento de fundos e de outros activos financeiros de Oussama ben Laden e dos indivíduos e entidades a ele associados, conforme identificados pelo comité de sanções. Essas medidas são conformes com o princípio da proporcionalidade, que exige que as sanções não ultrapassem os limites do que é apropriado e necessário à realização do objectivo prosseguido pela regulamentação comunitária que as instaura.

123    O facto de as medidas em causa visarem igualmente transacções que não têm nenhum elemento transfronteiriço não é, pelo contrário, pertinente. Embora o objectivo legítimo dessas medidas fosse esgotar as fontes de financiamento dos talibãs e do terrorismo internacional que operavam a partir do Afeganistão, tais medidas deviam visar necessariamente tanto as transacções internacionais como as transacções puramente internas, uma vez que estas últimas podiam alimentar, tanto quanto as primeiras, esse financiamento, tendo em conta, designadamente, a livre circulação de pessoas e de capitais e a opacidade dos circuitos financeiros internacionais.

124    Resulta do que antecede que, contrariamente ao que os recorrentes sustentavam, o Conselho tinha realmente competência para adoptar o Regulamento n.° 467/2001 com fundamento nos artigos 60.° CE e 301.° CE.

–       Quanto à base legal do regulamento impugnado

125    Diversamente do Regulamento n.° 467/2001, o regulamento impugnando tem como base jurídica não apenas os artigos 60.° CE e 301.° CE mas igualmente o artigo 308.° CE. Nisso, ele reflecte a evolução da situação internacional no âmbito da qual se inscreveram, sucessivamente, as sanções decretadas pelo Conselho de Segurança e executadas pela Comunidade.

126    Adoptada no âmbito das acções empreendidas para fins de repressão do terrorismo internacional, considerada essencial para a manutenção da paz e da segurança internacionais (v. sétimo considerando), a Resolução 1333 (2000) do Conselho de Segurança não deixava, não obstante, de visar especificamente o regime dos talibãs que, na época, controlava a maior parte do território afegão e dava refúgio e apoio a Oussama ben Laden, bem como aos seus associados.

127    Tal como já foi exposto supra, é precisamente essa ligação expressamente estabelecida com o território e o regime dirigente de um país terceiro que permitiu ao Conselho basear o Regulamento n.° 467/2001 nos artigos 60.° CE e 301.° CE.

128    Pelo contrário, a Resolução 1390 (2002) do Conselho de Segurança foi adoptada, em 16 de Janeiro de 2002, depois da queda do regime dos talibãs, consecutiva à intervenção armada da coligação internacional no Afeganistão, desencadeada em Outubro de 2001. Consequentemente, embora ainda vise expressamente os talibãs, já não visa o seu regime destituído, mas sim directamente Oussama ben Laden, a rede Al‑Qaida e as pessoas e entidades a ele associadas.

129    A inexistência de qualquer ligação entre as sanções a adoptar ao abrigo dessa resolução e o território ou o regime dirigente de um país terceiro, já indicada no ponto 2 da exposição de motivos da proposta de regulamento do Conselho apresentada pela Comissão em 6 de Março de 2002, que está na origem do regulamento impugnado [documento COM (2002) 117 final], foi expressamente admitida pelo Conselho nos n.os 4 e 5 da sua tréplica.

130    Na falta dessa ligação, o Conselho e a Comissão consideraram que os artigos 60.° CE e 301.° CE não constituíam, por si sós, uma base jurídica suficiente para permitir a adopção do regulamento impugnado. Estas considerações devem ser aprovadas.

131    Com efeito, o artigo 60.°, n.° 1, CE dispõe que o Conselho, em conformidade com o procedimento previsto no artigo 301.° CE, pode tomar, «relativamente aos países terceiros em causa», as medidas urgentes necessárias em matéria de movimentos de capitais e de pagamentos. O artigo 301.° CE prevê expressamente a possibilidade de uma acção da Comunidade que vise interromper ou reduzir, total ou parcialmente, as relações económicas «com um ou mais países terceiros».

132    Por outro lado, o facto de essas disposições autorizarem a adopção de «sanções inteligentes» contra indivíduos ou entidades associados aos dirigentes de um país terceiro ou controlados directa ou indirectamente por eles (v. n.os 115 e 116, supra) não permite considerar que esses indivíduos e entidades possam ainda ser visados quando o regime dirigente do país terceiro em causa tenha desaparecido. Nestas circunstâncias, com efeito, já não existe ligação suficiente entre esses indivíduos ou entidades e um país terceiro.

133    Daqui resulta que, de qualquer forma, os artigos 60.° CE e 301.° CE não constituem, por si só, uma base jurídica suficiente para servir de fundamento ao regulamento impugnado.

134    Por outro lado, contrariamente à posição expressa pela Comissão na proposta de regulamento do Conselho que está na origem do regulamento impugnado (v. n.° 129, supra), o Conselho considerou que o artigo 308.° CE também não constituía, por si só, uma base jurídica adequada para permitir a adopção do referido regulamento. Estas considerações devem igualmente ser aprovadas.

135    A este respeito, deve recordar‑se que, segundo a jurisprudência (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Março de 1987, Comissão/Conselho, 45/86, Colect., p. 1493, n.° 13), resulta dos próprios termos do artigo 308.° CE que o recurso a este artigo como base jurídica de um acto só se justifica se nenhuma outra disposição do Tratado conferir às instituições comunitárias a competência necessária para adoptar esse acto. Nessa situação, o artigo 308.° CE permite às instituições agir com vista a realizar um dos objectivos da Comunidade, não obstante a falta de uma disposição que lhes confira a competência necessária para o fazer.

136    Quanto à primeira condição de aplicabilidade do artigo 308.° CE, é pacífico que nenhuma disposição do Tratado CE prevê a adopção de medidas, do tipo das previstas pelo regulamento impugnado, que visam o combate ao terrorismo internacional e, mais particularmente, a imposição de sanções económicas e financeiras, como o congelamento de fundos, contra indivíduos e entidades suspeitos de contribuírem para o seu financiamento, sem estabelecer qualquer ligação com o território ou o regime dirigente de um país terceiro. Esta primeira condição está, portanto, preenchida no caso vertente.

137    Quanto à segunda condição de aplicabilidade do artigo 308.° CE, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 135, supra, é necessário, para que esteja preenchida, que a luta contra o terrorismo internacional e, mais particularmente, a imposição de sanções económicas e financeiras, como o congelamento de fundos, contra indivíduos e entidades suspeitos de contribuírem para o seu financiamento, possam estar ligadas a um dos objectivos atribuídos pelo Tratado à Comunidade.

138    No caso vertente, o preâmbulo do regulamento impugnado é particularmente lacónico sobre esta questão. Quando muito, o Conselho, no considerando 4 deste regulamento, afirmou que as medidas necessárias nos termos da Resolução 1390 (2002) e da Posição Comum 2002/402 estavam «abrangidas pelo âmbito de aplicação do Tratado» e que era necessário adoptar legislação comunitária «especialmente para evitar distorções de concorrência».

139    Quanto à petição de princípio segundo a qual as medidas em causa estão «abrangidas pelo Tratado», impõe‑se, pelo contrário, concluir de imediato que nenhum dos objectivos do Tratado, tal como são explicitamente enunciados nos artigos 2.° CE e 3.° CE, parece susceptível de ser realizado pelas medidas em causa.

140    Em particular, diversamente das medidas previstas contra determinadas pessoas singulares ou colectivas estabelecidas na Comunidade pelo Regulamento n.° 3541/92, invocado pelo Conselho em apoio da sua tese (v. n.° 97, supra), as medidas previstas pelo regulamento impugnado não podiam basear‑se no objectivo que visa o estabelecimento de uma política comercial comum [artigo 3.°, n.° 1, alínea b), CE], no âmbito do qual foi declarado que a Comunidade podia adoptar medidas de embargo comercial ao abrigo do artigo 133.° CE, uma vez que as relações comerciais da Comunidade com um país terceiro não estão em causa no presente caso.

141    Quanto ao objectivo que visa o estabelecimento de um regime que assegure que a concorrência não seja falseada no mercado interno [artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE], a afirmação de um risco de distorção da concorrência, que o regulamento impugnado, segundo o seu preâmbulo, tinha por objectivo prevenir, não é convincente.

142    As regras de concorrência do Tratado CE destinam‑se às empresas e aos Estados‑Membros quando estes violem a igualdade concorrencial entre as empresas (v., quanto ao artigo 87.° CE, acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, Colect., p. 357, n.° 26, e, quanto ao artigo 81.° CE, acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1984, Hydrotherm, 170/83, Recueil, p. 2999, n.° 11).

143    Ora, no presente caso, por um lado, não se pretende que os indivíduos ou as entidades visadas pelo regulamento impugnado o sejam enquanto empresas na acepção das regras da concorrência do Tratado CE.

144    Por outro lado, não é adiantada nenhuma explicação que permita compreender como é que a concorrência entre as empresas poderia ser afectada pela execução, a nível da Comunidade ou dos seus Estados‑Membros, de medidas restritivas específicas impostas contra determinadas pessoas e entidades pela Resolução 1390 (2002) do Conselho de Segurança.

145    As considerações que antecedem não são postas em causa pela ligação estabelecida pela Comissão e pelo Reino Unido, nos seus articulados, entre o objectivo referido no artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE e o objectivo que visa o estabelecimento de um mercado interno caracterizado, designadamente, pela supressão, entre os Estados‑Membros, dos obstáculos à livre circulação de capitais [artigo 3.°, n.° 1, alínea c), CE] (v., designadamente, n.os 99 e 102 a 104, supra).

146    A este respeito, deve recordar‑se que a Comunidade não tem nenhuma competência explícita para impor restrições aos movimentos de capitais e aos pagamentos. Em contrapartida, o artigo 58.° CE admite que os Estados‑Membros tomem medidas que tenham esse efeito quando tal seja e continue a ser justificado para alcançar os objectivos previstos por esse artigo, designadamente por motivos ligados à ordem pública ou à segurança pública (v., por analogia com o artigo 30.° CE, acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 1991, Richardt, C‑367/89, Colect., p. I‑4621, n.° 19 e jurisprudência referida). Englobando o conceito de segurança pública tanto a segurança interna como a segurança externa do Estado, os Estados‑Membros podem, assim, em princípio, adoptar, ao abrigo do artigo 58.°, n.° 1, alínea b), CE, medidas do tipo das previstas no regulamento impugnado. Desde que essas medidas sejam conformes com o artigo 58.°, n.° 3, CE e que não ultrapassem o que é necessário para alcançar o objectivo referido, elas são compatíveis com o regime da livre circulação de capitais e de pagamentos e com o regime da livre concorrência instaurados pelo Tratado CE.

147    Deve acrescentar‑se que se a simples constatação de um risco de disparidades entre as regulamentações nacionais assim como do risco abstracto de entraves à livre circulação de capitais ou de distorções da concorrência susceptíveis de daí resultar fosse suficiente para justificar a escolha do artigo 308.° CE, conjugado com o artigo 3.°, n.° 1, alíneas c) e g), CE, como base jurídica de um regulamento, não só as disposições do capítulo 3 do título VI do Tratado CE, relativas à aproximação das legislações, ficariam privadas de efeito útil mas também a fiscalização jurisdicional do respeito da base jurídica poderia ficar privada de qualquer eficácia. O tribunal comunitário ficaria então impedido de exercer a função, que lhe incumbe por força do artigo 220.° CE, de garantir o respeito do direito na interpretação e na aplicação do Tratado (v., neste sentido, a propósito do artigo 100.°‑A do Tratado CE, que passou, após alteração, a artigo 95.° CE, acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 2000, Alemanha/Parlamento e Conselho, C‑376/98, Colect., p. I‑8419, n.os 84, 85 e 106 a 108 e jurisprudência referida).

148    De qualquer forma, os elementos de apreciação submetidos ao Tribunal não permitem considerar que o regulamento impugnado contribui efectivamente para prevenir um risco de entraves à livre circulação de capitais ou de distorções sensíveis da concorrência.

149    O Tribunal considera, em particular, que, contrariamente ao que a Comissão e o Reino Unido sustentam, a execução, pelos Estados‑Membros, das resoluções em causa do Conselho de Segurança, em vez de pela Comunidade, não é susceptível de provocar um risco plausível e sério de divergências na aplicação do congelamento de fundos entre os Estados‑Membros. Por um lado, com efeito, essas resoluções contêm definições e prescrições claras, precisas e detalhadas, que não deixam praticamente espaço a interpretação. Por outro lado, a importância das medidas que reclamam, para a sua execução, não é de tal ordem que se deva recear esse risco.

150    Nestas circunstâncias, as medidas em causa no caso certente não podem basear‑se no objectivo referido no artigo 3.°, n.° 1, alíneas c) e g), CE

151    Além disso, os diversos exemplos de recurso à base jurídica complementar do artigo 308.° CE, invocados pelo Conselho (v. n.os 95 e 97, supra), não se revelam pertinentes no presente caso. Por um lado, com efeito, não resulta desses exemplos que as condições de aplicação do artigo 308.° CE, em particular a relativa à realização de um objectivo da Comunidade, não estavam preenchidas nos casos específicos em questão. Por outro lado, os actos jurídicos em causa nesses exemplos não foram objecto de contestação, a este respeito, no Tribunal de Justiça, designadamente no processo que deu lugar ao acórdão Delbar, referido no n.° 96, supra. Em qualquer hipótese, segundo jurisprudência assente, uma simples prática do Conselho não é susceptível de derrogar normas do Tratado e não pode, portanto, criar um precedente que vincule as instituições da Comunidade quanto à escolha da base jurídica correcta (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 1988, Reino Unido/Conselho, 68/86, Colect., p. 855, n.° 24, e parecer 1/94 do Tribunal de Justiça, de 15 de Novembro de 1994, Colect., p. I‑5267, n.° 52).

152    Resulta do exposto que o combate ao terrorismo internacional, e, mais particularmente, a imposição de sanções económicas e financeiras, como o congelamento de fundos, contra indivíduos e entidades suspeitos de contribuírem para o seu financiamento, não pode ser ligado a nenhum dos objectivos explicitamente atribuídos à Comunidade pelos artigos 2.° CE e 3.° CE.

153    Além dos objectivos do Tratado explicitamente enunciados nos artigos 2.° CE e 3.° CE, a Comissão invocou igualmente, nos seus articulados, um objectivo da Comunidade de ordem mais geral, que teria justificado, no presente caso, o recurso à base jurídica do artigo 308.° CE. Assim, a Comissão infere do preâmbulo do Tratado CE um «objectivo geral fixado à Comunidade de defender a paz e a segurança» internacionais (v. n.° 100, supra). Esta tese não pode ser acolhida.

154    Contrariamente ao que sustenta a Comissão, com efeito, não resulta de forma alguma do preâmbulo do Tratado CE que este prossiga um objectivo mais vasto de defesa da paz e da segurança internacionais. Se o referido Tratado tem incontestavelmente por finalidade primeira pôr fim aos conflitos do passado entre os povos europeus, através do estabelecimento de uma «união cada vez mais estreita» entre eles, é sem qualquer referência à execução de uma política externa de segurança comum. Esta figura exclusivamente entre os objectivos do Tratado UE que, como o seu preâmbulo sublinha, visa transpor uma «nova fase no processo de integração europeia iniciado com a instituição das Comunidades Europeias».

155    Embora se possa afirmar que esse objectivo da União deve inspirar a acção da Comunidade no domínio das suas competências próprias, como a política comercial comum, ele não basta, pelo contrário, para servir de base à adopção de medidas ao abrigo do artigo 308.° CE, sobretudo nos domínios em que as competências comunitárias são marginais e taxativamente enumeradas pelo Tratado.

156    Por último, não se afigura possível interpretar o artigo 308.° CE no sentido de autorizar de forma geral as instituições a basearem‑se nesta disposição para realizar um dos objectivos do Tratado UE. Em particular, o Tribunal de Primeira Instância considera que a coexistência da União e da Comunidade, enquanto ordens jurídicas integradas mas distintas, bem como a arquitectura constitucional dos pilares, pretendidas pelos autores dos Tratados actualmente em vigor, não autorizam nem as instituições nem os Estados‑Membros a basearem‑se na «cláusula de flexibilidade» do artigo 308.° CE para obviarem à inexistência de uma competência da Comunidade necessária à realização de um objectivo da União. Decidir de outra forma equivaleria, em última instância, a possibilitar a aplicação dessa disposição a todas as medidas abrangidas pela PESC e pela cooperação policial e judiciária em matéria penal (JAI), pelo que a Comunidade poderia sempre agir para alcançar os objectivos dessas políticas. Esse resultado privaria numerosas disposições do Tratado UE do seu âmbito de aplicação e seria incoerente com a instituição de instrumentos próprios da PESC (estratégias comuns, acções comuns, posições comuns) e da JAI (posições comuns, decisões, decisões‑quadro).

157    Há, portanto, que concluir que, tal como os artigos 60.° CE e 301.° CE, considerados isoladamente, o artigo 308.° CE não constitui, por si só, uma base jurídica suficiente para servir de fundamento ao regulamento impugnado.

158    Tanto nos considerandos do regulamento impugnado como nos seus articulados o Conselho alega, contudo, que o artigo 308.° CE, utilizado em conjugação com os artigos 60.° CE e 301.° CE, lhe confere o poder para adoptar um regulamento comunitário que visa a luta contra o financiamento do terrorismo internacional, empreendida pela União e pelos seus Estados‑Membros ao abrigo da PESC, e que impõe, para esse fim, sanções económicas e financeiras contra particulares, sem estabelecer qualquer ligação com o território ou com o regime dirigente de um país terceiro. Estas considerações merecem ser aprovadas.

159    Neste contexto, com efeito, há que ter em conta a ponte especificamente estabelecida, quando da revisão resultante do Tratado de Maastricht, entre as acções da Comunidade que estabeleçam sanções económicas ao abrigo dos artigos 60.° CE e 301.° CE e os objectivos do Tratado UE em matéria de relações externas.

160    Efectivamente, há que concluir que os artigos 60.° CE e 301.° CE são disposições inteiramente particulares do Tratado CE, na medida em que prevêem expressamente que uma acção da Comunidade possa ser necessária para realizar não um dos objectivos da Comunidade, tal como são fixados pelo Tratado CE, mas um dos objectivos especificamente atribuídos à União pelo artigo 2.° UE, isto é, a execução de uma política externa e de segurança comum.

161    No âmbito dos artigos 60.° CE e 301.° CE, a acção da Comunidade é, assim, na realidade, uma acção da União realizada com base no pilar comunitário, após adopção pelo Conselho de uma posição comum ou de uma acção comum ao abrigo da PESC.

162    Deve observar‑se, a esse respeito, que, nos termos do artigo 3.° UE, a União dispõe de um quadro institucional único que assegura a coerência e a continuidade das acções com vista a alcançar os seus objectivos, respeitando e desenvolvendo simultaneamente o acervo comunitário. A União assegura, em especial, a coerência global da sua acção externa no âmbito das políticas em matéria de relações externas, de segurança, de economia e de desenvolvimento. O Conselho e a Comissão têm a responsabilidade de assegurar essa coerência, cooperando para esse efeito. Asseguram, cada um de acordo com as suas competências, a execução dessas políticas.

163    Ora, da mesma maneira que os poderes de acção previstos pelo Tratado CE se podem revelar insuficientes para permitir às instituições agir para realizar, no funcionamento do mercado comum, um dos objectivos da Comunidade, também os poderes de sanções económicas e financeiras previstos pelos artigos 60.° CE e 301.° CE, isto é, a interrupção ou a redução das relações económicas com um ou vários países terceiros, designadamente no que diz respeito aos movimentos de capitais e aos pagamentos, se podem revelar insuficientes para permitir às instituições realizar o objectivo da PESC, incluído no Tratado UE, em vista do qual essas disposições foram especificamente inseridas no Tratado CE.

164    Há, assim, que admitir que, no contexto particular considerado pelos artigos 60.° CE e 301.° CE, o recurso à base jurídica complementar do artigo 308.° CE se justifica, em nome da exigência de coerência enunciada no artigo 3.° UE, quando essas disposições não conferem às instituições comunitárias a competência necessária, em matéria de sanções económicas e financeiras, para agir com vista a realizar o objectivo prosseguido pela União e pelos seus Estados‑Membros no âmbito da PESC.

165    Assim, pode acontecer que uma posição comum ou uma acção comum adoptadas ao abrigo da PESC requeiram da Comunidade medidas de sanções económicas e financeiras que vão além das explicitamente previstas pelos artigos 60.° CE e 301.° CE, que consistem na interrupção ou na redução das relações económicas com um ou vários países terceiros, designadamente no que diz respeito aos movimentos de capitais e aos pagamentos.

166    Em tal hipótese, o recurso à base jurídica cumulativa dos artigos 60.° CE, 301.° CE e 308.° CE permite realizar, em matéria de sanções económicas e financeiras, o objectivo prosseguido no âmbito da PESC pela União e pelos seus Estados‑Membros, tal como vem expresso numa posição comum ou numa acção comum, não obstante a falta de atribuição expressa à Comunidade dos poderes de sanções económicas e financeiras que visem indivíduos ou entidades que não apresentam uma ligação suficiente com um país terceiro determinado.

167    No caso vertente, a luta contra o terrorismo internacional e o seu financiamento faz incontestavelmente parte dos objectivos da União ao abrigo da PESC, tal como são definidos no artigo 11.° UE, mesmo quando ela não visa especificamente os países terceiros ou os seus dirigentes.

168    Além disso, é pacífico que a Posição Comum 2002/402 foi adoptada pelo Conselho, por unanimidade, no âmbito dessa luta e que ela prescreve a imposição, pela Comunidade, de sanções económicas e financeiras contra particulares sob suspeita de contribuírem para o financiamento do terrorismo internacional, sem estabelecer qualquer ligação com o território ou com o regime dirigente de um país terceiro.

169    Neste contexto, o recurso ao artigo 308.° CE, a fim de completar os poderes de sanções económicas e financeiras conferidos à Comunidade pelos artigos 60.° CE e 301.° CE, justifica‑se pela consideração de que, no mundo actual, os Estados já não podem ser considerados a única fonte de ameaça para a paz e para a segurança internacionais. Tal como a comunidade internacional, a União e o seu pilar comunitário não podem ser impedidos de se adaptarem a estas novas ameaças pela imposição de sanções económicas e financeiras não apenas contra países terceiros mas também contra pessoas, grupos, empresas ou entidades associadas que desenvolvam uma actividade terrorista internacional ou que atentem de outra forma contra a paz e a segurança internacionais.

170    É, portanto, com razão que as instituições e o Reino Unido sustentam que o Conselho era competente para adoptar o regulamento impugnado, que aplica na Comunidade as sanções económicas e financeiras previstas pela Posição Comum 2002/402, com o fundamento resultante da conjugação dos artigos 60.° CE, 301.° CE e 308.° CE.

171    Por conseguinte, a primeira parte do primeiro fundamento é improcedente.

 Quanto à segunda parte

 Argumentos das partes

172    Na segunda parte do primeiro fundamento, os recorrentes alegam que a habilitação dada à Comissão, em primeiro lugar, ao abrigo do artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 467/2001 e, depois, ao abrigo do artigo 7.°, n.° 1, do regulamento impugnado, tem um alcance muito mais vasto do que o de uma simples competência de execução de um regulamento do Conselho e que essa habilitação viola, consequentemente, o artigo 202.° CE. Segundo os recorrentes, com efeito, uma decisão da Comissão de inscrever uma pessoa no Anexo I do regulamento impugnado equivale, de facto, a modificar o seu artigo 2.°

173    O Conselho e a Comissão sustentam que a delegação de competências de execução conferida à Comissão no presente caso é conforme com o artigo 202.° CE.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

174    A segunda parte do primeiro fundamento tornou‑se inoperante na sequência da revogação do Regulamento n.° 467/2001 e da sua substituição pelo regulamento impugnado. Com efeito, se é verdade que os recorrentes tinham sido inicialmente incluídos no Anexo I do Regulamento n.° 467/2001 pelo Regulamento n.° 2199/2001 da Comissão, adoptado com base na habilitação do Conselho ao abrigo do artigo 10.°, n.° 1, do primeiro desses regulamentos, doravante, a inclusão dos recorrentes no Anexo I do regulamento resulta deste mesmo regulamento, tal como foi adoptado pelo Conselho, sem nova intervenção da Comissão.

175    Quanto às alterações introduzidas pelo Regulamento n.° 866/2003 (n.° 41, supra), estas são de mera redacção, tal como A. Yusuf reconheceu (n.° 63, supra), pelo que se deve considerar que estão abrangidas pelo exercício de uma simples competência de execução, cuja delegação à Comissão é conforme com o artigo 202.° CE.

176    Daqui resulta que há que declarar improcedente a segunda parte do fundamento.

 Quanto à terceira parte

 Argumentos das partes

177    No âmbito da terceira parte do primeiro fundamento, os recorrentes alegam que não era da competência do Conselho delegar num órgão exterior à Comunidade – no presente caso, o comité de sanções – um poder de decisão em matéria de direitos civis e económicos dos Estados‑Membros e dos seus cidadãos.

178    O Reino Unido responde que, no presente caso, não há delegação de competências comunitárias nos órgãos das Nações Unidas. Pelo contrário, as instituições agiram exclusivamente com vista a assegurar o respeito, pelos Estados‑Membros da Comunidade, das suas obrigações decorrentes da Carta das Nações Unidas, que prevalecem sobre qualquer outra obrigação, em conformidade com o artigo 103.° da Carta.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

179    No presente caso, as decisões foram adoptadas pelo comité de sanções contra os recorrentes, por delegação do Conselho de Segurança, mediante a utilização das informações recolhidas sob a sua própria responsabilidade. Por outro lado, as resoluções em causa do Conselho de Segurança não constituem o exercício de poderes delegados pela Comunidade, mas o exercício, pelo Conselho de Segurança, dos seus próprios poderes, nos termos da Carta das Nações Unidas. A circunstância de as instituições comunitárias, na sequência da adopção da Posição Comum 2002/402, se considerarem obrigadas a cumprir essas decisões e resoluções, no exercício das suas competências próprias, carece, a este respeito, de pertinência.

180    Assim, a terceira parte do fundamento assenta numa premissa errada, pelo que há que a declarar improcedente.

2.     Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 249.° CE

 Argumentos das partes

181    Os recorrentes sustentam que na medida em que o regulamento impugnado viola directamente os direitos dos particulares e impõe a aplicação de sanções individuais, não é de alcance geral e infringe, assim, o artigo 249.° CE. A condição relativa ao alcance geral, prevista nesta disposição, opõe‑se, de facto, a que, como sucede no presente caso, sejam regulados situações particulares através de um regulamento. Esta condição decorre do princípio geral da igualdade perante a lei e é uma condição sine qua non para que o direito comunitário não entre em conflito com as leis constitucionais dos Estados‑Membros ou com os princípios gerais relativos aos direitos do Homem e às liberdades fundamentais. O método que consiste em instituir uma norma através de uma lista é igualmente contrário ao princípio da legalidade e da segurança jurídica.

182    Na sua réplica, os recorrentes salientam que os indivíduos e entidades visados no regulamento impugnado não provêm de um qualquer círculo de pessoas designadas de maneira abstracta, mas correspondem, nome por nome, às pessoas que figuram na lista do comité de sanções. Também não existe uma situação determinada objectivamente, descrita através de condições formuladas de uma maneira geral, que poderia explicar por que razão os nomes dos recorrentes figuram precisamente no Anexo I do regulamento impugnado. Nestas condições, o acto impugnado não deve ser analisado como um regulamento, mas como um conjunto de decisões individuais, na acepção do acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Maio de 1971, International Fruit e o./Comissão (41/70 a 44/70, Colect., p. 131).

183    As instituições e o Reino Unido alegam que o regulamento impugnado tem, efectivamente, alcance geral.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

184    Nos termos do artigo 249.°, segundo parágrafo, CE, o regulamento tem carácter geral e é directamente aplicável em todos os Estados‑Membros, enquanto uma decisão apenas é obrigatória para os destinatários que designa.

185    Segundo jurisprudência assente, o critério de distinção entre o regulamento e a decisão deve ser procurado no alcance geral ou não do acto em questão. Os traços essenciais da decisão resultam da limitação dos destinatários a que se dirige, enquanto o regulamento, de carácter essencialmente normativo, é aplicável a situações objectivamente consideradas, produzindo efeitos jurídicos relativamente a categorias de pessoas consideradas de maneira geral e abstracta. Por outro lado, a possibilidade de se determinar com maior ou menor precisão o número ou mesmo a identidade dos sujeitos de direito a que um acto se aplica num dado momento não põe em causa a natureza regulamentar desse acto, sempre que esteja assente que essa aplicação é feita por força de uma situação objectiva de direito ou de facto definida pelo acto e relacionada com a finalidade deste último (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1962, Fédération nationale de la boucherie en gros e o./Conselho, 19/62 a 22/62, Recueil, p. 943, n.° 2, Colect. 1962‑1964, p. 191; de 11 de Julho de 1968, Zuckerfabrik Watenstedt/Conselho, 6/68, Colect. 1965‑1968, pp. 873, 876; de 30 de Setembro de 1982, Roquette Frères/Conselho, 242/81, Recueil, p. 3213, n.os 6 e 7; de 29 de Junho de 1993, Gibraltar/Conselho, C‑298/89, Colect., p. I‑3605, n.° 17; e de 31 de Maio de 2001, Sadam Zuccherifici e o./Conselho, C‑41/99 P, Colect., p. I‑4239, n.° 24; despacho do Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 1996, CNPAAP/Conselho, C‑87/95 P, Colect., p. I‑2003, n.° 33; despacho do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Maio de 2003, DOW AgroSciences/Parlamento e Conselho, T‑45/02, Colect., p. II‑1973, n.° 31).

186    No caso em apreço, o regulamento impugnado tem incontestavelmente alcance geral, pois proíbe, a quem quer que seja, colocar fundos ou recursos económicos à disposição de determinadas pessoas. A circunstância de essas pessoas serem designadas pelo nome no Anexo I desse regulamento, de modo que este lhes diz directa e individualmente respeito na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, em nada afecta o carácter genérico dessa proibição, que é válida erga omnes, conforme resulta, em particular, do artigo 11.°, nos termos do qual o regulamento impugnado se aplica:

–        no território da Comunidade, incluindo o seu espaço aéreo,

–        a bordo de qualquer aeronave ou de qualquer navio pertencente à jurisdição de um Estado‑Membro,

–        a qualquer cidadão de um Estado‑Membro, seja qual for o sítio onde se encontre,

–        a qualquer pessoa colectiva, a qualquer entidade ou a qualquer grupo que esteja estabelecido ou constituído segundo a legislação de um Estado‑Membro,

–        e a qualquer pessoa colectiva, qualquer grupo ou qualquer entidade que mantenha relações comerciais na Comunidade.

187    A argumentação dos recorrentes procede, na realidade, de uma confusão entre o conceito de destinatário de um acto e o de objecto desse acto. O artigo 249.° CE só tem em vista o primeiro desses conceitos, na medida em que dispõe que o regulamento tem carácter geral, enquanto a decisão só é obrigatória para os destinatários que designa. Em contrapartida, o objecto não é um critério pertinente para a qualificação de um acto como regulamentar ou como decisório.

188    Assim, um acto que tem por objecto o congelamento de fundos de autores de actos terroristas, considerados enquanto categoria geral e abstracta, seria uma decisão se tivesse por destinatários uma ou mais pessoas designadas pelo nome. Inversamente, um acto que tem por objecto o congelamento de fundos de uma ou de várias pessoas designadas pelo nome é efectivamente um regulamento se se dirigir, de modo geral e abstracto, a todas as pessoas susceptíveis de deter materialmente os fundos em questão. Esse é precisamente o presente caso.

189    O segundo fundamento deve, por isso, ser julgado improcedente.

3.     Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação dos direitos fundamentais dos recorrentes

 Argumentos das partes

190    Os recorrentes, que remetem tanto para o artigo 6.°, n.° 2, UE como para a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos de 12 de Novembro de 1969, Stauder, 29/69, Colect. 1969‑1970, p. 157; de 17 de Dezembro de 1970, Internationale Handelsgesellschaft, 11/70, Colect. 1969‑1970, p. 625; e de 14 de Maio de 1974, Nold/Comissão, 4/73, Colect., p. 283, n.° 13), sustentam que o regulamento impugnado viola os seus direitos fundamentais, designadamente, o direito de dispor dos seus bens e os direitos de defesa, tal como são garantidos pelo artigo 6.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), na medida em que esse regulamento lhes impõe sanções graves, de carácter simultaneamente civil e penal, sem que os mesmos tenham sido previamente ouvidos, ou tenham podido defender‑se, e sem que o referido acto tenha sido submetido a qualquer fiscalização jurisdicional.

191    Tratando‑se, mais particularmente, da alegada violação dos direitos de defesa, os recorrentes salientam que não foram informados das razões pelas quais as sanções lhes foram infligidas, que não lhes foram comunicados os meios de prova e as circunstâncias contra eles invocados e que também não tiveram ocasião de se explicar (acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 1974, Transocean Marine Paint/Comissão, 17/74, Recueil, p. 1063, Colect., p. 463; de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 14; de 10 de Julho de 1986, Bélgica/Comissão, 40/85, Colect., p. 2321; e de 27 de Junho de 1991, Al‑Jubail Fertilizer e Saudi Arabian Fertilizer/Conselho, C‑49/88, Colect., p. I‑3187). A inscrição dos recorrentes na lista do Anexo I do regulamento impugnado foi exclusivamente motivada pelo facto de figurarem na lista elaborada pelo comité de sanções, com base nas informações comunicadas pelos Estados e pelas organizações internacionais ou regionais. Nem o Conselho nem a Comissão examinaram os motivos pelos quais o referido comité os inscreveu nessa lista. A origem das informações recebidas pelo comité é particularmente obscura e não foram indicadas as razões pelas quais determinados particulares foram inscritos na lista, sem terem sido previamente ouvidos. Assim, o processo que levou à inscrição dos recorrentes na lista do Anexo I do regulamento impugnado decorreu de forma inteiramente confidencial. Estas irregularidades de que os recorrentes foram vítimas não são sanáveis a posteriori (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Hercules Chemicals/Comissão, C‑51/92 P, Colect., p. I‑4235).

192    Tratando‑se, mais particularmente, da alegada violação do direito a fiscalização jurisdicional, os recorrentes observam que, no acórdão de 27 de Novembro de 2001, Comissão/Áustria (C‑424/99, Colect., p. I‑9285, n.° 45), o Tribunal de Justiça declarou que, segundo jurisprudência assente, a exigência dessa fiscalização constitui um princípio geral do direito comunitário, que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros e que encontrou consagração nos artigos 6.° e 13.° da CEDH. Este direito implica a existência de recursos eficazes perante uma instância jurídica que preencha determinados requisitos como a independência e a neutralidade.

193    No presente caso, nem a Comissão nem o Conselho preenchem esses requisitos.

194    O mesmo acontece com o Conselho de Segurança e o seu comité de sanções, que são órgãos políticos perante os quais só os Estados se podem apresentar. No caso em apreço, o comité de sanções comunicou ao Governo sueco que não era possível proceder a um exame, quanto ao mérito, do pedido dos recorrentes, no sentido da sua exclusão da lista fixada por esse comité. Este pedido foi contudo comunicado aos quinze membros do comité de sanções como proposta de decisão. Apenas três membros desse comité, isto é, os Estados Unidos, o Reino Unido e a Rússia, se opuseram a esse pedido. No entanto, em razão da regra da unanimidade que preside aos trabalhos do comité de sanções, os nomes dos recorrentes foram mantidos na lista em causa.

195    No que respeita à fiscalização exercida pelo Tribunal de Primeira Instância no âmbito do presente recurso, os recorrentes objectam que um recurso de anulação, que visa apenas a legalidade do regulamento impugnado enquanto tal, não permite um exame, quanto ao mérito, da legalidade das sanções do ponto de vista dos direitos fundamentais cuja violação é invocada. Além disso, tendo em conta a técnica legislativa utilizada, que consiste na elaboração de listas de pessoas e entidades visadas por essas sanções, esse exame quanto ao mérito não teria sentido, visto que está limitado à questão de saber se os nomes que figuram nessas listas correspondem aos que figuram nas listas do comité de sanções.

196    Os recorrentes realçam, contudo, certos erros ou irregularidades que viciam o regulamento impugnado. Assim, a entidade «Barakaat International, Hallbybacken 15, 70 Spånga, Suécia», mencionada no Anexo I desse regulamento, sob a epígrafe «Pessoas colectivas, grupos e entidades», é a mesma entidade que a recorrente Al Barakaat, referida na mesma epígrafe. Os recorrentes explicam que a Al Barakaat transferiu a sua sede social. Por outro lado, a morada indicada está errada.

197    Do mesmo modo, a entidade «Somali Network AB, Hallbybacken 15, 70 Spånga, Suécia», mencionada na mesma epígrafe do Anexo I do regulamento impugnado, anteriormente detida por três dos recorrentes iniciais, A. Aden, A. Ali e A. Yusuf, e cuja actividade era a venda de cartões telefónicos, cessou as suas actividades no fim do ano de 2000 e foi cedida no Verão de 2001, e a sua denominação social foi alterada para «Trä & Inredningsmontage i Kärrtorp», em 4 de Outubro de 2001. Os novos accionistas não têm qualquer ligação com os recorrentes e, aparentemente, exercem as suas actividades no sector da construção. No entanto, tendo o comité de sanções inscrito essa entidade na lista de 9 de Novembro de 2001, é manifesto que a sua documentação continha lacunas e que não havia controlo caso a caso.

198    Os recorrentes acrescentam que, por sua própria iniciativa, a Al Barakaat enviou os seus documentos contabilísticos aos serviços da polícia sueca encarregue do combate ao terrorismo, a SÄPO. Após a sua análise, a SÄPO devolveu esses documentos aos recorrentes, comunicando‑lhes que estavam em ordem, o que demonstra que as sanções adoptadas contra a Al Barakaat são injustificadas.

199    A título de oferecimento de prova, o primeiro recorrente, A. Yusuf, pede para ser ouvido pelo Tribunal de Primeira Instância. Pede igualmente a audição de Sir Jeremy Greenstock, presidente do comité de sanções na época da adopção das sanções contra ele.

200    Na sua réplica, os recorrentes contestam, por outro lado, o argumento segundo o qual o Conselho é obrigado a dar execução às sanções adoptadas pelo Conselho de Segurança devido ao facto de estas se imporem aos Estados‑Membros da Comunidade por força da Carta das Nações Unidas.

201    Segundo os recorrentes, não existe nenhum compromisso absoluto por força do artigo 25.° da Carta das Nações Unidas e a disposição do artigo 103.° dessa Carta só é vinculativa em direito internacional público e não significa, em caso algum, que os membros das Nações Unidas não devam cumprir as suas próprias leis.

202    As resoluções do Conselho de Segurança não têm aplicação directa nos Estados‑Membros da ONU, mas devem ser transpostas para o seu direito interno, em conformidade com as suas disposições constitucionais e os princípios fundamentais de direito. Se estas disposições se opuserem a essa transposição, devem primeiro ser alteradas para a tornar possível.

203    Assim, na Suécia, um projecto de lei destinado a dar execução à Resolução 1373 (2001) do Conselho de Segurança, de 28 de Setembro de 2001, que prevê, designadamente, o congelamento de fundos de pessoas ou entidades que cometam ou tentem cometer actos de terrorismo, os facilitem ou neles participem, foi retirado pelo governo depois de o Lagrådet (Conselho Legislativo) ter observado que qualquer decisão de congelamento de fundos deve ser adoptada pelo Ministério Público e deve poder ser objecto de fiscalização jurisdicional.

204    Além disso, resulta do artigo 24.°, n.° 2, da Carta das Nações Unidas que compete sempre ao Conselho de Segurança agir em conformidade com os objectivos e os princípios das Nações Unidas. O compromisso dos membros da ONU por força do artigo 25.° da Carta está sujeito à condição de que a competência do Conselho de Segurança para adoptar decisões vinculativas decorra de outras disposições dessa Carta. Uma vez que a Carta das Nações Unidas se dirige exclusivamente aos Estados e não cria direitos nem obrigações para os particulares, é permitido pôr a questão de saber se os Estados membros da ONU estão vinculados pelas decisões do Conselho de Segurança que impõem sanções contra Oussama ben Laden e as pessoas a ele associadas. Pode mesmo perguntar‑se se as decisões não são contrárias ao objectivo explícito das Nações Unidas, de promover os direitos do Homem e as liberdades fundamentais para todos, em conformidade com o artigo 1.°, n.° 3, da Carta das Nações Unidas.

205    A título principal, o Conselho sustenta que as circunstâncias em que o regulamento impugnado foi adoptado excluem qualquer comportamento ilícito da sua parte.

206    A este respeito, o Conselho e a Comissão, que remetem, designadamente, para o artigo 24.°, n.° 1, e para os artigos 25.°, 41.°, 48.° e 103.° da Carta das Nações Unidas, alegam, em primeiro lugar, que, à semelhança dos Estados membros da ONU, a Comunidade é obrigada, por força do direito internacional, a dar execução, nos seus domínios de competência, às resoluções do Conselho de Segurança, em particular as adoptadas no âmbito do capítulo VII da Carta das Nações Unidas; em segundo lugar, alegam que a competência das instituições comunitárias na matéria é vinculada e que essas instituições não dispõem de nenhum poder discricionário autónomo nem de nenhuma margem de apreciação; em terceiro lugar, alegam que não podem, consequentemente, modificar o conteúdo dessas resoluções nem instituir mecanismos susceptíveis de dar lugar à modificação do seu conteúdo; e, em quarto lugar, que qualquer outro acordo internacional ou regra de direito interna susceptível de criar obstáculos a essa execução deve ser afastada.

207    O Conselho e a Comissão observam, assim, que o Conselho de Segurança, agindo em nome dos membros da ONU, exerce a responsabilidade principal de manutenção da paz e da segurança internacionais. Sublinham que as resoluções adoptadas pelo Conselho de Segurança ao abrigo do capítulo VII dessa Carta são de aplicação universal e vinculativas, na sua totalidade e sem reserva, para os membros das Nações Unidas, que devem reconhecer‑lhes o seu primado sobre qualquer outro compromisso internacional. O artigo 103.° da Carta das Nações Unidas permite assim afastar qualquer outra disposição do direito internacional convencional ou consuetudinário para aplicar as resoluções do Conselho de Segurança, criando dessa forma um «efeito de licitude».

208    Segundo as instituições, os direitos nacionais também não podem criar obstáculos às medidas de execução adoptadas em aplicação da Carta das Nações Unidas. Se um membro da ONU tivesse a possibilidade de modificar o conteúdo das resoluções do Conselho de Segurança, a uniformidade da aplicação destas, que é indispensável para garantir a sua eficácia, não poderia ser mantida.

209    A Comissão acrescenta que, nos termos do artigo 27.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, celebrada em Viena em 23 de Maio de 1969, um Estado não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar a não execução de um Tratado. Se existir contradição entre uma norma jurídica nacional e uma obrigação de direito internacional, incumbe ao Estado em causa quer interpretar a referida norma no espírito do Tratado quer alterar a sua legislação nacional de modo a tornar esta última compatível com a obrigação de direito internacional.

210    Se bem que a própria Comunidade não seja membro da ONU, está obrigada a agir, nos seus domínios de competência, de forma a cumprir as obrigações que incumbem aos seus Estados‑Membros pelo facto de pertencerem às Nações Unidas. A este respeito, a Comissão observa que as competências da Comunidade devem ser exercidas no respeito do direito internacional (acórdãos do Tribunal de Justiça de 24 de Novembro de 1992, Poulsen e Diva Navigation, C‑286/90, Colect., p. I‑6019, n.° 9, e de 16 de Junho de 1998, Racke, C‑162/96, Colect., p. I‑3655, n.° 45). O Conselho e a Comissão invocam igualmente o acórdão Dorsch Consult/Conselho e Comissão, referido no n.° 82, supra. Se bem que esse acórdão dissesse respeito à instituição de um embargo comercial, medida de política comercial comum que faz parte, por força do artigo 133.° CE, da competência exclusiva da Comunidade, o Conselho e a Comissão consideram que o princípio que ele estabelece é igualmente válido no que diz respeito às restrições aos movimentos de capitais e aos pagamentos, adoptadas nos termos dos artigos 60.° CE e 301.° CE, tendo em conta a evolução das competências da Comunidade em matéria de sanções que visam países terceiros.

211    O Conselho generaliza esta tese, alegando que, quando a Comunidade age para executar obrigações que incumbem aos seus Estados‑Membros pelo facto de pertencerem à ONU, quer porque estes transferiram para ela as competências necessárias quer porque consideram que a sua intervenção é oportuna no plano político, deve considerar‑se, para todos os efeitos práticos, que esta se encontra na mesma posição que os membros da ONU, tendo em conta o artigo 48.°, n.° 2, da Carta das Nações Unidas.

212    Daqui resulta, segundo o Conselho, que quando a Comunidade adopta medidas para fins que correspondem ao desejo de os seus Estados‑Membros executarem as suas obrigações por força da Carta das Nações Unidas, ela beneficia forçosamente da protecção concedida pela Carta e, em particular, do «efeito de licitude».

213    O Conselho salienta, além disso, que quando a Comunidade age nesse âmbito, a sua competência está vinculada pelas decisões de política externa e de segurança comum que dão execução às resoluções do Conselho de Segurança, em particular as adoptadas ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que devem ser introduzidas na ordem jurídica comunitária.

214    No presente caso, o regulamento impugnado foi adoptado com vista a dar execução, na ordem jurídica comunitária, às Resoluções 1267 (1999), 1333 (2000) e 1390 (2002) do Conselho de Segurança, mediante a transposição automática de todas as listas de pessoas ou de entidades que sejam elaboradas pelo comité de sanções em conformidade com os procedimentos aplicáveis, sem exercício algum de um poder discricionário autónomo, tal como isso resulta claramente tanto do preâmbulo do regulamento impugnado como do seu artigo 7.°, n.° 1.

215    No entender do Conselho e da Comissão, essas circunstâncias excluem a priori qualquer ilegalidade por parte das instituições. Tendo a Comissão decidido agir ao abrigo da Posição Comum 2002/402, não tinha a possibilidade, sem violar as suas próprias obrigações internacionais, os compromissos internacionais dos seus Estados‑Membos e o dever de cooperação leal entre os Estados‑Membros e a Comunidade enunciado no artigo 10.° CE, de excluir determinadas pessoas da lista ou de as informar previamente ou, em alternativa, de prever meios de recurso que permitissem fiscalizar se as medidas em causa eram justificadas.

216    Isto é válido, segundo o Conselho, se se devesse considerar que o regulamento impugnado viola os direitos fundamentais dos recorrentes. O Conselho considera, na verdade, que o «efeito de licitude» também se verifica relativamente aos direitos fundamentais que, como prevêem os instrumentos jurídicos internacionais, podem ser suspensos temporariamente em caso de urgência.

217    Tendo os recorrentes posto em causa, na sua réplica, a conformidade das resoluções em causa do Conselho de Segurança com o artigo 1.°, n.° 3, da Carta das Nações Unidas, o Conselho responde que há que supor que, no âmbito dos poderes especiais que lhe são reconhecidos pelo capítulo VII desta Carta, o Conselho de Segurança ponderou os direitos fundamentais das vítimas das sanções e os das vítimas do terrorismo, designadamente, o direito destas à vida.

218    Por outro lado, o Conselho e a Comissão consideram sem relação com o presente processo as considerações que os recorrentes dedicaram ao processo legislativo relativo à execução da Resolução 1373 (2001) do Conselho de Segurança na Suécia, que se insere num contexto radicalmente diferente do da execução da Resolução 1390 (2002). Ao aplicarem a Resolução 1373 (2001), os Estados‑Membros e a Comunidade dispuseram, com efeito, de uma ampla margem discricionária de apreciação.

219    De qualquer forma, o Conselho e a Comissão consideram que a competência do Tribunal de Primeira Instância, no presente caso, deve ser limitada ao exame da questão de saber se as instituições cometeram um erro manifesto ao executar as obrigações enunciadas na Resolução 1390 (2002) do Conselho de Segurança. Qualquer exercício de competência para além desse limite, que equivale a uma fiscalização jurisdicional indirecta e selectiva das medidas vinculativas adoptadas pelo Conselho de Segurança no âmbito do seu papel de manutenção da paz e da segurança internacionais, criaria o risco de minar um dos fundamentos da ordem mundial instaurada em 1945, causaria perturbações importantes nas relações internacionais da Comunidade e dos seus Estados Membros, seria contestável à luz do artigo 10.° CE e entraria em conflito com a obrigação que a Comunidade tem de respeitar o direito internacional, de que fazem parte as resoluções adoptadas pelo Conselho de Segurança ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas. As instituições e o Reino Unido consideram que medidas dessa natureza não podem ser contestadas a nível nacional ou comunitário, mas unicamente no próprio Conselho de Segurança, por intermédio do Governo do Estado de cidadania dos recorrentes ou no território onde residem (despacho «Invest» Import und Export e Invest Commerce/Comissão, referido no n.° 85, supra, n.° 40).

220    A título subsidiário, caso o Tribunal decida proceder a um exame completo da procedência dos diferentes argumentos invocados pelos recorrentes, o Conselho e a Comissão alegam que o regulamento impugnado não viola os direitos e as liberdades fundamentais conforme é alegado.

221    Em primeiro lugar, as medidas executadas pelo regulamento impugnado não violam o direito de os recorrentes gozarem da sua propriedade, uma vez que esse direito não goza de protecção absoluta e que o seu exercício pode ser objecto de restrições justificadas por objectivos de interesse geral.

222    Em segundo lugar, o regulamento impugnado também não viola os direitos de defesa.

223    Em terceiro lugar, quanto ao direito a um recurso jurisdicional efectivo, as instituições e o Reino Unido observam que os recorrentes puderam comunicar a sua opinião ao Conselho de Segurança e interpor o presente recurso no Tribunal de Primeira Instância ao abrigo do artigo 230.° CE, no âmbito do qual podem invocar, designadamente, a incompetência das instituições comunitárias para adoptar o regulamento impugnado, bem como a violação dos seus direitos de propriedade.

224    Segundo o Conselho, o diferendo entre as partes não incide sobre a própria existência de um direito a um recurso jurisdicional efectivo, mas sobre o alcance da fiscalização jurisdicional que parece apropriada ou justificada no presente caso.

225    A este respeito, o Conselho admite que quando a Comunidade decide, por iniciativa própria, adoptar medidas unilaterais de coerção económica e financeira, a fiscalização jurisdicional deve ser alargada ao exame das provas acolhidas contra as pessoas sancionadas. Pelo contrário, segundo o Conselho e o Reino Unido, quando a Comunidade age sem exercer qualquer poder discricionário, com base numa decisão adoptada por um órgão ao qual a comunidade internacional conferiu poderes consideráveis com vista a preservar a paz e a segurança internacionais, uma fiscalização jurisdicional completa criaria o risco de minar o sistema da ONU tal como foi estabelecido em 1945, poderia lesar gravemente as relações internacionais da Comunidade e dos Estados‑Membros e entraria em contradição com a obrigação que a Comunidade tem de respeitar o direito internacional. O Conselho considera que, no presente caso, a fiscalização jurisdicional do órgão jurisdicional comunitário não pode ir além da reconhecida nos Estados‑Membros no que diz respeito à recepção, na ordem jurídica interna, de decisões adoptadas por órgãos da comunidade internacional que agem com o objectivo de preservar a paz e a segurança internacionais. A este respeito, o Conselho observa que, em vários Estados‑Membros, os actos de aplicação das resoluções do Conselho de Segurança são qualificados de «actos de governo» e escapam totalmente à competência do juiz. Noutros Estados‑Membros, o alcance da fiscalização jurisdicional é muito limitado.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 Observações preliminares

226    O Tribunal só se pode pronunciar utilmente sobre o fundamento relativo à violação alegada dos direitos fundamentais dos recorrentes se este for abrangido pela sua fiscalização jurisdicional e se for susceptível, supondo que é procedente, de conduzir à anulação do regulamento impugnado.

227    Ora, no presente caso, as instituições do Reino Unido sustentam, no essencial, que nenhuma destas duas condições está preenchida, devido ao primado das obrigações da Comunidade e dos seus Estados‑Membros, por força da Carta das Nações Unidas, sobre qualquer outra obrigação de direito internacional, comunitário ou nacional. O exame dos argumentos destas partes é, assim, prévio a qualquer discussão dos argumentos do recorrente.

228    A este respeito, o Tribunal considera oportuno examinar, em primeiro lugar, a articulação entre a ordem jurídica internacional emanada das Nações Unidas e a ordem jurídica nacional ou comunitária, bem como em que medida as competências da Comunidade e dos seus Estados‑Membros estão vinculadas por resoluções do Conselho de Segurança adoptadas ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas.

229    Esse exame determina, com efeito, o do alcance da fiscalização da legalidade, designadamente no que respeita aos direitos fundamentais, que incumbe ao Tribunal de Primeira Instância exercer sobre os actos comunitários que põem em prática essas resoluções, que será realizado em segundo lugar.

230    Em terceiro lugar, por fim, se se concluir que ela está abrangida pela sua fiscalização jurisdicional e que pode conduzir à anulação do regulamento impugnado, o Tribunal pronunciar‑se‑á sobre a violação alegada dos direitos fundamentais dos recorrentes.

 Quanto à articulação entre a ordem jurídica internacional emanada das Nações Unidas e a ordem jurídica nacional ou comunitária

231    Há que declarar que, do ponto de vista do direito internacional, as obrigações dos Estados membros da ONU decorrentes da Carta das Nações Unidas prevalecem incontestavelmente sobre qualquer outra obrigação de direito interno ou de direito internacional convencional, incluindo, para os Estados que são membros do Conselho da Europa, sobre as suas obrigações por força da CEDH e, para os que são igualmente membros da Comunidade, sobre as suas obrigações decorrentes do Tratado CE.

232    No que diz respeito, em primeiro lugar, às relações entre a Carta das Nações Unidas e o direito interno dos Estados membros da ONU, esta regra do primado decorre dos princípios do direito internacional consuetudinário. Nos termos do artigo 27.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que codifica esses princípios (e cujo artigo 5.° dispõe que esta se aplica «a qualquer Tratado que seja acto constitutivo de uma organização internacional e a qualquer Tratado adoptado no âmbito de uma organização internacional»), uma parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar a não execução de um Tratado.

233    No que respeita, em segundo lugar, às relações entre a Carta das Nações Unidas e o direito internacional convencional, esta regra do primado está expressamente consagrada no artigo 103.° da referida Carta, nos termos do qual, «[n]o caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta». Em conformidade com o artigo 30.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, e contrariamente às regras normalmente aplicáveis em caso de Tratados sucessivos, essa regra vale tanto relativamente a Tratados anteriores como relativamente a Tratados posteriores à Carta das Nações Unidas. Segundo o Tribunal Internacional de Justiça, todos os acordos regionais, bilaterais e mesmo multilaterais, que as partes possam ter celebrado, estão sempre subordinados às disposições do artigo 103.° da Carta das Nações Unidas [acórdão de 26 de Novembro de 1984, Actividades militares e paramilitares na Nicarágua e contra esta (Nicarágua c. Estados Unidos da América), Recueil 1984, p. 392, n.° 107].

234    Esse primado é extensivo às decisões contidas numa resolução do Conselho de Segurança, em conformidade com o artigo 25.° da Carta das Nações Unidas, nos termos do qual os membros da ONU são obrigados a aceitar e a aplicar as decisões do Conselho de Segurança. Segundo o Tribunal Internacional de Justiça, em conformidade com o artigo 103.° da Carta, as obrigações das partes a esse respeito prevalecem sobre as suas obrigações por força de qualquer outro acordo internacional [despacho de 14 de Abril de 1992 (medidas provisórias), Questões de interpretação e de aplicação da Convenção de Montreal de 1971, que resulta do incidente aéreo de Lockerbie (Jamahirija Árabe Líbia c. Estados Unidos da América), Recueil 1992, p. 16, n.° 42, e despacho de 14 de Abril de 1992 (medidas provisórias), Questões de interpretação e de aplicação da Convenção de Montreal de 1971, que resulta do incidente aéreo de Lockerbie (Jamahirija Árabe Líbia c. Reino Unido), Recueil 1992, p. 113, n.° 39].

235    No que respeita, mais particularmente, às relações entre as obrigações dos Estados‑Membros da Comunidade por força da Carta das Nações Unidas e as suas obrigações por força do direito comunitário, deve acrescentar‑se que, nos termos do primeiro parágrafo do artigo 307.° CE, «[a]s disposições do presente Tratado não prejudicam os direitos e obrigações decorrentes de convenções concluídas antes de 1 de Janeiro de 1958 ou, em relação aos Estados que aderem à Comunidade, anteriormente à data da respectiva adesão, entre um ou mais Estados‑Membros, por um lado, e um ou mais Estados terceiros, por outro».

236    Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, esta disposição destina‑se a precisar, em conformidade com os princípios do direito internacional, que a aplicação do Tratado CE não prejudica o compromisso do Estado‑Membro em causa de respeitar os direitos dos Estados terceiros que resultam de uma convenção anterior, e de cumprir as respectivas obrigações (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Março de 1995, Evans Medical e Macfarlan Smith, C‑324/93, Colect., p. I‑563, n.° 27; v. também acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de Fevereiro de 1962, Comissão/Itália, 10/61, Recueil, p. 1, Colect. 1962‑1964, p. 1, de 2 de Agosto de 1993, Levy, C‑158/91, Colect., p. I‑4287, e de 14 de Janeiro de 1997, Centro‑Com, C‑124/95, Colect., p. I‑81, n.° 56).

237    Ora, cinco dos seis Estados signatários do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, assinado em Roma em 25 de Março de 1957, já eram membros da ONU em 1 de Janeiro de 1958. Quanto à República Federal da Alemanha, embora seja verdade que só foi formalmente admitida como membro da ONU em 18 de Setembro de 1973, o seu compromisso de respeitar as obrigações decorrentes da Carta das Nações Unidas é, também ele, anterior a 1 de Janeiro de 1958, conforme resulta designadamente da acta final da conferência que se realizou em Londres de 28 de Setembro a 3 de Outubro de 1954 (conferência dita «das nove potências») e dos Acordos de Paris de 23 de Outubro de 1954. Por outro lado, todos os Estados que aderiram posteriormente à Comunidade eram membros da ONU anteriormente à sua adesão.

238    Além disso, o artigo 224.° do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia (actual artigo 297.° CE) foi especificamente inserido nesse Tratado para respeitar a regra do primado acima definida. Nos termos dessa disposição, «[o]s Estados‑Membros procederão a consultas recíprocas tendo em vista estabelecer de comum acordo as providências necessárias para evitar que o funcionamento do mercado comum seja afectado pelas medidas que qualquer Estado‑Membro possa ser levado a tomar […] para fazer face a compromissos assumidos por esse Estado para a manutenção da paz e da segurança internacional».

239    As resoluções adoptadas pelo Conselho de Segurança ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas têm assim efeito obrigatório para todos os Estados‑Membros da Comunidade, que devem, por isso, nessa qualidade, adoptar quaisquer medidas necessárias para assegurar a sua execução (conclusões do advogado geral F. G. Jacobs no processo Bosphorus, acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Julho de 1996, C‑84/95, Colect., pp. I‑3953, I‑3956, n.° 2, e no processo Ebony Maritime e Loten Navigation, acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Fevereiro de 1997, C‑177/95, Colect., pp. I‑1111, I‑1115, n.° 27).

240    Resulta igualmente do que antecede que, tanto em aplicação das regras do direito internacional geral como em aplicação das disposições específicas do Tratado, os Estados‑Membros têm a faculdade, e mesmo a obrigação, de não aplicar qualquer disposição de direito comunitário, ainda que seja uma disposição de direito primário ou um princípio geral desse direito, que constitua um obstáculo à boa execução das suas obrigações por força da Carta das Nações Unidas.

241    Assim, no acórdão Centro‑Com, referido no n.° 236, supra, o Tribunal de Justiça decidiu especificamente que medidas nacionais contrárias ao artigo 113.° do Tratado CE podiam ser justificadas à luz do artigo 234.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 307.° CE), se se revelassem necessárias para assegurar a execução, pelo Estado‑Membro em causa, das suas obrigações por força da Carta das Nações Unidas e de uma resolução do Conselho de Segurança.

242    Pelo contrário, resulta da jurisprudência (v. acórdão Dorsch Consult/Conselho e Comissão, referido no n.° 82, supra, n.° 74) que, diferentemente dos seus Estados‑Membros, a Comunidade, enquanto tal, não está directamente vinculada pela Carta das Nações Unidas e, por isso, não está obrigada, por força de uma obrigação do direito internacional público geral, a aceitar e a aplicar as resoluções do Conselho de Segurança, em conformidade com o artigo 25.° da referida Carta. A razão é que a Comunidade não é nem membro da ONU, nem destinatária das resoluções do Conselho de Segurança, nem a sucessora nos direitos e obrigações dos seus Estados‑Membros na acepção do direito internacional público.

243    Assim sendo, deve considerar‑se que a Comunidade está vinculada pelas obrigações resultantes da Carta das Nações Unidas, da mesma forma que o estão os seus Estados‑Membros, por força do próprio Tratado que a institui.

244    A este respeito, é pacífico que, no momento de celebrar o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, os Estados‑Membros estavam vinculados pelos seus compromissos nos termos da Carta das Nações Unidas.

245    Não puderam, por efeito de um acto celebrado entre eles, transferir para a Comunidade mais poderes do que os de que dispunham, nem desvincular‑se dessa forma das obrigações existentes em relação a países terceiros, nos termos da referida Carta (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 1972, International Fruit Company e o., 21/72 a 24/72, Colect., p. 407, n.° 11, a seguir «acórdão International Fruit»).

246    Pelo contrário, a sua vontade de respeitar os seus compromissos decorrentes dessa Carta resulta das disposições do próprio Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia e foi manifestada, designadamente, no seu artigo 224.° e no seu artigo 234.°, primeiro parágrafo (v., por analogia, acórdão International Fruit, n.os 12 e 13, e conclusões do advogado‑geral H. Mayras nesse processo, Colect. 1972, pp. 416 a 428).

247    Se bem que esta última disposição refira apenas as obrigações dos Estados‑Membros, ela implica a obrigação de as instituições da Comunidade não colocarem entraves à execução dos compromissos dos Estados‑Membros decorrentes da referida Carta (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 1980, Burgoa, 812/79, Recueil, p. 2787, n.° 9).

248    Deve igualmente salientar‑se que, na medida em que as competências necessárias à execução dos compromissos dos Estados‑Membros decorrentes da Carta das Nações Unidas foram transferidas para a Comunidade, os Estados‑Membros obrigaram‑se, em direito internacional público, a que a própria Comunidade os exerça para esse fim.

249    Neste contexto, deve recordar‑se, por um lado, que, nos termos do artigo 48.°, n.° 2, da Carta das Nações Unidas, as decisões do Conselho de Segurança são executadas pelos membros das Nações Unidas, «directamente e mediante a sua acção nos organismos internacionais apropriados de que façam parte», e, por outro, que, segundo a jurisprudência (acórdãos Poulsen e Diva Navigation, referido no n.° 210, supra, n.° 9, e Racke, referido no n.° 210, supra, n.° 45; v., igualmente, acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 1974, Van Duyn, 41/74, Colect., p. 567, n.° 22), as competências da Comunidade devem ser exercidas no respeito do direito internacional e, consequentemente, o direito comunitário deve ser interpretado, e o seu âmbito de aplicação circunscrito, à luz das regras pertinentes do direito internacional.

250    Os Estados‑Membros, ao conferirem essas competências à Comunidade, manifestaram assim a sua vontade de a vincular pelas obrigações que eles contraíram por força da Carta das Nações Unidas (v., por analogia, acórdão International Fruit, n.° 15).

251    A partir da entrada em vigor do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, a transferência de competências, que ocorreu nas relações entre os Estados‑Membros e a Comunidade, foi concretizada de diferentes modos no âmbito da execução dos seus compromissos decorrentes da Carta das Nações Unidas (v., por analogia, acórdão International Fruit, n.° 16).

252    É assim, designadamente, que o artigo 228.°‑A do Tratado CE (actual artigo 301.° CE) foi inserido no Tratado, pelo Tratado da União Europeia, a fim de dar um fundamento específico às sanções económicas que a Comunidade, única competente em matéria de política comercial comum, pode ser levada a adoptar contra países terceiros por razões políticas definidas pelos seus Estados‑Membros no âmbito da PESC, frequentemente, em aplicação de um resolução do Conselho de Segurança que lhes impõe a adopção desse tipo de sanções.

253    Verifica‑se assim que, na medida em que, por força do Tratado CE, a Comunidade assumiu competências anteriormente exercidas pelos Estados‑Membros no domínio de aplicação da Carta das Nações Unidas, as disposições desta Carta têm por efeito vincular a Comunidade [v., por analogia, no que diz respeito à questão de saber se a Comunidade está vinculada pelo Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT) de 1947, acórdão International Fruit, n.° 18; v., igualmente, na medida em que reconhece que a Comunidade exerce uma competência vinculada quando executa uma medida de embargo comercial decretada por uma resolução do Conselho de Segurança, acórdão Dorsch Consult/Conselho e Comissão, referido no n.° 82, supra, n.° 74].

254    No termo deste raciocínio, deve considerar‑se, por um lado, que a Comunidade não pode violar as obrigações que incumbem aos seus Estados‑Membros por força da Carta das Nações Unidas, nem obstar à sua execução, e, por outro, que está obrigada, nos termos do próprio Tratado através do qual foi instituída, a adoptar, no exercício das suas competências, todas as disposições necessárias para permitir que os Estados‑Membros cumpram essas obrigações.

255    Ora, no presente caso, o Conselho declarou, na Posição Comum 2002/402, adoptada em aplicação das disposições do título V do Tratado UE, que era necessária uma acção da Comunidade, dentro dos limites dos poderes que o Tratado CE lhe confere, para executar determinadas medidas restritivas contra Oussama ben Laden, os membros da organização Al‑Qaida e contra os talibãs e outras pessoas, grupos, empresas e entidades associados, em conformidade com as Resoluções 1267 (1999), 1333 (2000) e 1390 (2002) do Conselho de Segurança.

256    A Comunidade deu execução a essas medidas através da adopção do regulamento impugnado. Tal como já foi declarado no n.° 170, supra, ela era competente para adoptar esse acto com base nos artigos 60.° CE, 301.° CE e 308.° CE.

257    Deve, por isso, reconhecer‑se a justeza dos argumentos adiantados pelas instituições, conforme estão resumidos no n.° 206, supra, com a ressalva de que não é por força do direito internacional geral, como as partes sustentam, mas por força do próprio Tratado CE, que a Comunidade estava obrigada a dar execução às resoluções do Conselho de Segurança, no domínio das suas competências.

258    Pelo contrário, devem ser afastados os argumentos dos recorrentes baseados, por um lado, na autonomia da ordem jurídica comunitária relativamente à ordem jurídica emanada das Nações Unidas e, por outro, na necessidade de uma transposição das resoluções do Conselho de Segurança para o direito interno dos Estados‑Membros, em conformidade com as disposições constitucionais e com os princípios fundamentais desse direito.

259    No que respeita ao argumento dos recorrentes relativo à não conformidade das resoluções em causa do Conselho de Segurança com as disposições da própria Carta das Nações Unidas, ele não é dissociável dos seus argumentos relativos, por um lado, à fiscalização jurisdicional que incumbe ao Tribunal de Primeira Instância exercer sobre actos comunitários que dão efeito a essas resoluções e, por outro, à violação alegada dos direitos fundamentais dos interessados. Será, por isso, examinado juntamente com estes argumentos.

 Quanto ao alcance da fiscalização da legalidade que compete ao Tribunal de Primeira Instância exercer

260    Deve recordar‑se, a título preliminar, que a Comunidade Europeia é uma comunidade de direito, no sentido de que nem os seus Estados‑Membros nem as suas instituições escapam ao controlo da conformidade dos seus actos com a carta constitucional de base que é o Tratado e que este estabelece um sistema completo de vias de recurso e de procedimentos destinado a confiar ao Tribunal de Justiça a fiscalização da legalidade dos actos das instituições (acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 1986, Os Verdes/Parlamento, 294/83, Colect., p. 1339, n.° 23, de 22 de Outubro de 1987, Foto‑Frost, 314/85, Colect., p. 4199, n.° 16, e de 23 de Março de 1993, Weber/Parlamento, C‑314/91, Colect., p. I‑1093, n.° 8; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Outubro de 2001, Martinez e o./Parlamento, T‑222/99, T‑327/99 e T‑329/99, Colect., p. II‑2823, n.° 48; v. igualmente parecer 1/91 do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1991, Colect., p. I‑6079, n.° 21).

261    Como o Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1986, Johnston, 222/84, Colect., p. 1651, n.° 18; v., igualmente, acórdãos de 3 de Dezembro de 1992, Oleifici Borelli/Comissão, C‑97/91, Colect., p. I‑6313, n.° 14; de 11 de Janeiro de 2001, Kofisa Italia, C‑1/99, Colect., p. I‑207, n.° 46; Comissão/Áustria, referido no n.° 192, supra, n.° 45; e de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.° 39), «[a] fiscalização jurisdicional […] é a expressão de um princípio geral de direito que está na base das tradições constitucionais comuns dos Estados‑Membros [… e que] foi igualmente consagrado nos artigos 6.° e 13.° da [CEDH]».

262    No presente caso, esse princípio encontra a sua expressão no direito que o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE confere aos recorrentes, de submeter à fiscalização do Tribunal de Primeira Instância a legalidade do regulamento impugnado, na medida em que este lhes diga directa e individualmente respeito, e de invocar em apoio do seu recurso qualquer fundamento relativo à incompetência, à violação de formalidades essenciais, à violação do Tratado CE ou de qualquer regra de direito relativa à sua aplicação, ou a um desvio de poder.

263    A questão que se coloca no presente caso é, contudo, a de saber se existem limites estruturais, impostos pelo direito internacional geral ou pelo próprio Tratado CE, à fiscalização jurisdicional que compete ao Tribunal de Primeira Instância exercer relativamente a esse regulamento.

264    De facto, deve recordar‑se que o regulamento impugnado, adoptado à luz da Posição Comum 2002/402, dá cumprimento, a nível da Comunidade, à obrigação que cabe aos seus Estados‑Membros, enquanto membros da ONU, de dar execução, eventualmente através de um acto comunitário, às sanções contra Oussama ben Laden, a rede Al‑Qaida, bem como contra os talibãs e outras pessoas, grupos, empresas e entidades associados, que foram decididas e depois reforçadas por várias resoluções do Conselho de Segurança adoptadas ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas. Os considerandos desse regulamento fazem expressamente referência às Resoluções 1267 (1999), 1333 (2000) e 1390 (2002).

265    Neste contexto, como as instituições alegaram com razão, elas agiram ao abrigo de uma competência vinculada, pelo que não dispunham de nenhuma margem de apreciação autónoma. Em particular, não podiam modificar directamente o conteúdo das resoluções em questão, nem instituir um mecanismo susceptível de dar lugar a uma modificação dessas.

266    Qualquer fiscalização da legalidade interna do regulamento impugnado, designadamente à luz das disposições ou dos princípios gerais do direito comunitário relativos à protecção dos direitos fundamentais, implicaria, assim, que o Tribunal de Primeira Instância examinasse, de forma incidental, a legalidade das referidas resoluções. Na hipótese em exame, com efeito, a fonte da ilegalidade invocada pelos recorrentes deve ser procurada não na adopção do regulamento impugnado mas nas resoluções do Conselho de Segurança que fixaram as sanções (v., por analogia, acórdão Dorsch Consult/Conselho e Comissão, referido no n.° 82, supra, n.° 74).

267    Em particular, se o Tribunal de Primeira Instância devesse anular o regulamento impugnado, em conformidade com o pedido dos recorrentes, se bem que isso pareça imposto pelo direito internacional, pelo facto de esse acto violar os direitos fundamentais dos recorrentes tal como são protegidos pela ordem jurídica comunitária, essa anulação implicaria, indirectamente, que as resoluções em causa do Conselho de Segurança violassem elas próprias os referidos direitos fundamentais. Noutros termos, os recorrentes pedem ao Tribunal de Primeira Instância que declare implicitamente que a norma do direito internacional em causa viola os direitos fundamentais do indivíduo, tal como são protegidos pela ordem jurídica comunitária.

268    As instituições e o Reino Unido convidam o Tribunal de Primeira Instância a declinar por princípio qualquer competência para proceder a essa fiscalização indirecta da legalidade dessas resoluções que, enquanto regras de direito internacional que vinculam os Estados‑Membros da Comunidade, se impõem a ele e a todas as instituições da Comunidade. Estas partes consideram, no essencial, que a fiscalização do Tribunal se deve limitar, por um lado, à verificação do respeito das regras de forma, processuais e de competência que se impunham, no presente caso, às instituições comunitárias e, por outro, à verificação da adequação e da proporcionalidade das medidas comunitárias em causa relativamente às resoluções do Conselho de Segurança a que dão execução.

269    Há que reconhecer que essa limitação de competência se impõe enquanto corolário dos princípios supra‑enunciados, no âmbito do exame da articulação das relações entre a ordem jurídica internacional emanada das Nações Unidas e a ordem jurídica comunitária.

270    Como já foi exposto, as resoluções em causa do Conselho de Segurança foram adoptadas ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas. Nesse contexto, a determinação do que constitui uma ameaça para a paz e a segurança internacionais, bem como das medidas necessárias para as manter ou restabelecer, é da responsabilidade exclusiva do Conselho de Segurança e escapa, como tal, à competência das autoridades e dos órgãos jurisdicionais nacionais ou comunitários, com a única ressalva do direito natural de legítima defesa, individual ou colectivo, referido no artigo 51.° da referida Carta.

271    Quando o Conselho de Segurança, agindo ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, por intermédio do seu comité de sanções, decide que os fundos de determinados indivíduos ou entidades devem ser congelados, a sua decisão impõe‑se a todos os membros das Nações Unidas, em conformidade com o artigo 48.° da Carta.

272    À luz das considerações enunciadas nos n.os 243 a 254, supra, a afirmação de uma competência do Tribunal de Primeira Instância para fiscalizar de maneira incidental a legalidade dessa decisão à luz do modelo de protecção dos direitos fundamentais, tal como são reconhecidos na ordem jurídica comunitária, não pode consequentemente ser justificada com base no direito internacional nem com base no direito comunitário.

273    Por um lado, essa competência seria incompatível com os compromissos dos Estados‑Membros decorrentes da Carta das Nações Unidas, em particular, os seus artigos 25.°, 48.° e 103.°, bem como com o artigo 27.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.

274    Por outro lado, essa competência seria contrária tanto às disposições do Tratado CE, em particular, os artigos 5.° CE, 10.° CE, 297.° CE e 307.°, primeiro parágrafo, CE, como às do Tratado UE, em particular, o artigo 5.° UE, nos termos do qual o tribunal comunitário exerce as suas competências nas condições e de acordo com os objectivos previstos nas disposições dos Tratados CE e UE. Essa competência seria, além disso, incompatível como o princípio segundo o qual as competências da Comunidade, e, portanto, as do Tribunal de Primeira Instância, devem ser exercidas no respeito do direito internacional (acórdãos Poulsen e Diva Navigation, referido no n.° 210, supra, n.° 9, e Racke, referido n.° 210, supra, n.° 45).

275    Deve acrescentar‑se que, atendendo designadamente ao artigo 307.° CE e ao artigo 103.° da Carta das Nações Unidas, a invocação de violações quer aos direitos fundamentais, tal como são protegidos pela ordem jurídica comunitária, quer aos princípios dessa ordem jurídica não pode afectar a validade de uma resolução do Conselho de Segurança ou o seu efeito no território da Comunidade (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça, Internationale Handelsgesellschaft, referido no n.° 190, supra, n.° 3; de 8 de Outubro de 1986, Keller, 234/85, Colect., p. 2897, n.° 7; e de 17 de Outubro de 1989, Dow Chemical Ibérica e o./Comissão, 97/87 a 99/87, Colect., p. 3165, n.° 38).

276    Por conseguinte, há que considerar que as resoluções em causa do Conselho de Segurança escapam, em princípio, à fiscalização jurisdicional do Tribunal de Primeira Instância e que este não está autorizado a pôr em causa, ainda que de forma incidental, a sua legalidade à luz do direito comunitário. Pelo contrário, o Tribunal deve, na medida do possível, interpretar e aplicar esse direito de maneira compatível com as obrigações dos Estados‑Membros por força da Carta das Nações Unidas.

277    No entanto, o Tribunal pode fiscalizar, de forma incidental, a legalidade das resoluções em causa do Conselho de Segurança, à luz do jus cogens, entendido como uma ordem pública internacional que se impõe a todos os sujeitos do direito internacional, incluindo as instâncias da ONU, o qual não é possível derrogar.

278    Deve observar‑se, a esse respeito, que a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que codifica o direito internacional consuetudinário (e cujo artigo 5.° dispõe que ela se aplica «a qualquer Tratado que seja acto constitutivo de uma organização internacional e a qualquer Tratado adoptado no âmbito de uma organização internacional»), prevê, no seu artigo 53.°, a nulidade dos Tratados incompatíveis com uma norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens), definida como «uma norma aceite e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu todo como norma cuja derrogação não é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional geral com a mesma natureza». Da mesma forma, o artigo 64.° da Convenção de Viena dispõe que, «[s]e sobrevier uma nova norma imperativa de direito internacional, geral, qualquer Tratado existente que seja incompatível com essa norma torna‑se nulo e cessa a sua vigência».

279    De resto, a própria Carta das Nações Unidas pressupõe a existência de princípios imperativos de direito internacional e, designadamente, a protecção dos direitos fundamentais da pessoa humana. No preâmbulo da Carta, os povos das Nações Unidas declararam‑se assim decididos a «reafirmar a [sua] fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana». Resulta, além disso, do primeiro capítulo da Carta, intitulado «Objectivos e princípios», que as Nações Unidas têm designadamente por fim encorajar o respeito dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais.

280    Esses princípios impõem‑se tanto aos membros da ONU como aos seus órgãos. Assim, nos termos do artigo 24.°, n.° 2, da Carta das Nações Unidas, o Conselho de Segurança deve, no cumprimento dos deveres que a responsabilidade principal da manutenção da paz e da segurança internacionais lhe impõe, agir «de acordo com os objectivos e os princípios das Nações Unidas». Os poderes de sanção que o Conselho de Segurança possui no exercício dessa responsabilidade devem, assim, ser utilizados no respeito do direito internacional e, em particular, dos objectivos e princípios das Nações Unidas.

281    O direito internacional permite assim considerar que existe um limite ao princípio do efeito obrigatório das resoluções do Conselho de Segurança: devem respeitar as disposições peremptórias fundamentais do jus cogens. Caso contrário, por muito improvável que isso seja, elas não vinculariam os Estados membros da ONU nem, consequentemente, a Comunidade.

282    A fiscalização jurisdicional incidental exercida pelo Tribunal de Primeira Instância, no âmbito de um recurso de anulação de um acto comunitário adoptado, sem exercício de uma qualquer margem de apreciação, a fim de dar execução a uma resolução do Conselho de Segurança, pode, portanto, sendo caso disso, ser extensiva à verificação do respeito das regras superiores do direito internacional abrangido pelo jus cogens e, designadamente, das normas imperativas que visam a protecção universal dos direitos do Homem, as quais não podem ser derrogadas nem pelos Estados‑Membros nem pelas instâncias da ONU, pois constituem «princípios do direito internacional consuetudinário que não podem ser transgredidos» (parecer consultivo do Tribunal Internacional de Justiça de 8 de Julho de 1996, Licitude da ameaça ou do emprego de armas nucleares, Recueil, 1996, p. 226, n.° 79; v., igualmente, neste sentido, conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Bosphorus, referido no n.° 189, supra, n.° 65).

283    É à luz destas considerações gerais que deve ser examinado o fundamento relativo à violação dos direitos fundamentais dos recorrentes.

 Quanto à violação alegada dos direitos fundamentais dos recorrentes

284    Os argumentos desenvolvidos pelos recorrentes relativos à violação alegada dos seus direitos fundamentais podem ser organizados sob três epígrafes: violação do seu direito de dispor dos seus bens, violação dos direitos de defesa e violação do seu direito a um recurso jurisdicional efectivo.

–       Quanto à violação alegada do direito de os recorrentes disporem dos seus bens

285    Os recorrentes invocam uma violação do seu direito de dispor dos seus bens, tal como este é protegido pela ordem jurídica comunitária.

286    Contudo, na medida em que a violação alegada procede exclusivamente do congelamento de fundos dos recorrentes, tal como foi decidido pelo Conselho de Segurança, por intermédio do seu comité de sanções, e executado na Comunidade pelo regulamento impugnado, sem exercício de um qualquer poder de apreciação, é, em princípio, apenas à luz do modelo de protecção universal dos direitos fundamentais da pessoa humana, abrangidos pelo jus cogens, que devem ser examinadas as acusações dos recorrentes, em conformidade com os princípios acima definidos

287    Tendo o alcance e a intensidade do congelamento dos fundos dos recorrentes variado ao longo do tempo (v., sucessivamente, artigo 2.° do Regulamento n.° 467/2001, artigo 2.° do Regulamento n.° 881/2002, na sua redacção inicial, e, por fim, artigo 2.°‑A do regulamento impugnado, conforme inserido pelo artigo 1.° do Regulamento n.° 561/2003), deve, por outro lado, precisar‑se que, no âmbito do presente recurso de anulação, a fiscalização jurisdicional do Tribunal deve incidir unicamente sobre o estado da regulamentação actualmente em vigor. Com efeito, no contencioso de anulação, o tribunal comunitário tem normalmente em conta acontecimentos que afectam, no decorrer da instância, o próprio objecto do litígio, como a revogação, a prorrogação, a substituição ou a modificação do acto impugnado (v., além dos acórdãos Alpha Steel/Comissão, Fabrique de fer de Charleroi e Dillinger Hüttenwerke/Comissão e CCRE/Comissão, referidos no n.° 72, supra, o despacho do Tribunal de Justiça de 8 de Março de 1993, Lezzi Pietro/Comissão, C‑123/92, Colect., p. I‑809, n.os 8 a 11). Todas as partes manifestaram o seu acordo sobre este aspecto na audiência.

288    Deve, por isso, apreciar‑se se o congelamento de fundos previsto no regulamento impugnado, conforme alterado pelo Regulamento n.° 561/2003 e, indirectamente, pelas resoluções do Conselho de Segurança a que estes regulamentos dão execução, viola os direitos fundamentais dos recorrentes.

289    O Tribunal de Primeira Instância considera que não é esse o caso, à luz do modelo de protecção universal dos direitos fundamentais da pessoa humana abrangidos pelo jus cogens, sem que haja aqui necessidade de distinguir a situação da entidade Al Barakaat, enquanto pessoa colectiva, da de A. Yusuf, enquanto pessoa singular.

290    A este respeito, deve salientar‑se desde já que o regulamento impugnado, na sua versão alterada pelo Regulamento n.° 561/2003, adoptado na sequência da Resolução 1452 (2002) do Conselho de Segurança, prevê, entre outras derrogações e isenções, que, a pedido dos interessados, e salvo oposição expressa do comité de sanções, as autoridades nacionais competentes declarem que o congelamento de fundos não se aplica aos fundos necessários a despesas de base, designadamente as que se destinam a víveres, rendas, despesas médicas, impostos e serviços colectivos (v. n.° 40, supra). Além disso, os fundos necessários a qualquer outra «despesa extraordinária» podem, de ora em diante, ser descongelados mediante autorização expressa do comité de sanções.

291    As possibilidades explícitas de aplicar isenções e derrogações ao congelamento de fundos das pessoas inscritas na lista do comité de sanções mostram claramente que esta medida não tem por objecto nem por efeito sujeitar estas pessoas a um tratamento desumano ou degradante.

292    Além disso, deve observar‑se que, embora o artigo 17.°, n.° 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948, disponha que «[t]oda a pessoa, individual ou colectivamente, tem direito à propriedade», o artigo 17.°, n.° 2, da referida declaração universal precisa que «[n]inguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade».

293    Assim, na medida em que se deva considerar que o respeito do direito à propriedade faz parte das normas imperativas do direito internacional geral, só uma privação arbitrária desse direito poderia, de qualquer forma, ser considerada contrária ao jus cogens.

294    Ora, impõe‑se concluir que os recorrentes não foram arbitrariamente privados desse direito.

295    Com efeito, em primeiro lugar, o congelamento dos seus fundos constitui um aspecto das sanções decididas pelo Conselho de Segurança contra Oussama ben Laden, a rede Al‑Qaida, bem como contra os talibãs e outras pessoas, grupos, empresas e entidades associados.

296    A este respeito, deve sublinhar‑se a importância do combate ao terrorismo internacional e a legitimidade de uma protecção das Nações Unidas contra as actuações de organizações terroristas.

297    No preâmbulo da Resolução 1390 (2002), o Conselho de Segurança condenou categoricamente, designadamente, os ataques terroristas cometidos em 11 de Setembro de 2001, declarando‑se determinado a prevenir quaisquer actos desse tipo; observou que Oussama ben Laden e a rede Al‑Qaida prosseguiam as suas actividades de apoio ao terrorismo internacional; condenou a rede Al‑Qaida e os grupos terroristas associados pelos numerosos actos terroristas criminosos que tinham praticado e que tinham por objectivo matar numerosos civis inocentes e destruir bens, e reafirmou de novo que os actos de terrorismo internacional constituíam uma ameaça para a paz e a segurança internacionais.

298    É à luz destas circunstâncias que o objectivo prosseguido pelas sanções reveste uma importância significativa, que é, designadamente, nos termos da Resolução 1373 (2001) do Conselho de Segurança, para a qual remete o considerando 3 do regulamento impugnado, lutar, recorrendo a todos os meios, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, contra as ameaças que os actos de terrorismo representam para a paz e a segurança internacionais. As medidas em causa prosseguem assim um objectivo de interesse geral fundamental para a Comunidade internacional.

299    Em segundo lugar, o congelamento de fundos é uma medida cautelar que, ao contrário de uma confiscação, não lesa a própria essência do direito de propriedade dos interessados sobre os seus activos financeiros, mas unicamente a sua utilização.

300    Em terceiro lugar, as resoluções em causa do Conselho de Segurança prevêem um mecanismo de reexame periódico do regime geral das sanções (v. n.os 16, 26 e 37, supra, e n.° 313, infra).

301    Em quarto lugar, tal como será exposto a seguir, a regulamentação em causa institui um procedimento que permite aos interessados submeter, em qualquer momento, o seu caso ao comité de sanções para reexame, por intermédio do Estado‑Membro da sua nacionalidade ou da sua residência.

302    Atendendo a estas circunstâncias, o congelamento de fundos das pessoas e entidades sobre as quais recaem suspeitas, com base em informações comunicadas pelos Estados membros das Nações Unidas e controladas pelo Conselho de Segurança, de estarem ligadas a Oussama ben Laden, à rede Al‑Qaida e aos talibãs e de terem participado no financiamento, na planificação, na preparação ou na perpetração de actos terroristas não pode ser considerado constitutivo de uma ofensa arbitrária, inadequada ou desproporcionada aos direitos fundamentais dos interessados.

303    Resulta do que antecede que os argumentos dos recorrentes relativos à violação alegada do seu direito de dispor dos seus bens devem ser rejeitados.

–       Quanto à violação alegada dos direitos de defesa

304    Os argumentos dos recorrentes relativos à violação alegada dos direitos de defesa têm a ver essencialmente com o facto de não terem sido ouvidos nem de terem, de outra forma, podido defender‑se antes da adopção das sanções decretadas contra eles. Neste contexto, os recorrentes salientam que não foram informados das razões nem das justificações dessas sanções.

305    A este respeito, deve distinguir‑se o pretenso direito de os recorrentes serem ouvidos pelo comité de sanções, antes da sua inscrição na lista de pessoas cujos fundos devem ser congelados em aplicação das resoluções em causa do Conselho de Segurança, do seu pretenso direito de serem ouvidos pelas instituições comunitárias, antes da adopção do regulamento impugnado.

306    No que respeita, em primeiro lugar, ao pretenso direito de os recorrentes serem ouvidos pelo comité de sanções, antes da sua inscrição na lista das pessoas cujos fundos devem ser congelados em aplicação das resoluções em causa do Conselho de Segurança, há que concluir que esse direito não está previsto nas resoluções em questão.

307    Por outro lado, nenhuma norma imperativa abrangida pela ordem pública internacional parece exigir a audição prévia dos interessados em circunstâncias como as do presente caso, em que o Conselho de Segurança, agindo ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, decide, por intermédio do seu comité de sanções, que os fundos de determinados indivíduos ou entidades suspeitos de contribuírem para o financiamento do terrorismo internacional devem ser congelados.

308    Aliás, é incontestável que a audição dos recorrentes previamente à sua inscrição na referida lista teria podido comprometer a eficácia das sanções e teria, assim, sido incompatível com o objectivo de interesse geral prosseguido. Uma medida de congelamento de fundos deve, pela sua própria natureza, poder beneficiar do efeito de surpresa e aplicar‑se com efeitos imediatos. Essa medida não podia, consequentemente, ser objecto de notificação antes de ser aplicada.

309    Deve, contudo, observar‑se que, embora não prevejam um direito de audição prévia, as resoluções em causa do Conselho de Segurança, e os regulamentos sucessivos que lhes deram execução na Comunidade, instauram um mecanismo de reexame das situações individuais, ao preverem que os interessados se podem dirigir ao comité de sanções, por intermédio das suas autoridades nacionais, a fim de obter quer a sua retirada da lista de pessoas visadas pelas sanções quer uma derrogação ao congelamento dos fundos (v., designadamente, n.os 11, 21, 36 e 38 a 40, supra).

310    O comité de sanções é um órgão subsidiário do Conselho de Segurança, composto por representantes dos Estados que são membros do Conselho de Segurança. Tornou‑se um importante órgão permanente responsável pela vigilância diária da aplicação das sanções e pode velar por que a comunidade internacional interprete e aplique as resoluções de modo uniforme (conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Bosphorus, referido no n.° 239, supra, n.° 46).

311    No que respeita, em particular, a um pedido de reexame de um caso individual, a fim de obter a exclusão do interessado da lista de pessoas visadas pelas sanções, as «directrizes que regulam a condução dos trabalhos do [comité de sanções]», adoptadas em 7 de Novembro de 2002 e rectificadas em 10 de Abril de 2003 (v. n.° 67, supra), prevêem o seguinte, no seu n.° 7:

«a)      Sem prejuízo dos procedimentos em vigor, um requerente (pessoa[s], grupos, empresas e/ou entidades que figuram na lista recapitulativa do comité) pode apresentar ao governo do país em que reside e/ou de que é cidadão um pedido para que o seu caso seja reexaminado. Para esse efeito, o requerente deve justificar o seu pedido de exclusão da lista, fornecer as informações pertinentes e pedir apoio para esse pedido.

b)      O governo a que foi feito o pedido (o ‘governo requerido’) deve examinar todos os elementos de informação pertinentes, e depois, contactar bilateralmente o(s) governo(s) que propôs (propuseram) a inscrição na lista [o(s) ‘governo(s) identificador(es)’] para pedir informações complementares e proceder a consultas sobre o pedido de exclusão da lista.

c)      O(s) governo(s) que inicialmente pediu(pediram) a inscrição pode(m) igualmente pedir informações complementares ao país da residência ou da nacionalidade do requerente. O governo requerido e o(s) governo(s) identificador(es) podem, se necessário, consultar o presidente do comité durante essas consultas bilaterais.

d)      Se, depois de ter examinado as informações complementares, o governo requerido quiser dar seguimento a um pedido de exclusão da lista, deve tentar convencer o(s) governo(s) identificador(es) a apresentarem ao comité, conjunta ou separadamente, um pedido de exclusão. O governo requerido pode apresentar ao comité um pedido de exclusão, sem que esse pedido seja acompanhado de um pedido do(s) governo(s) identificador(es), no âmbito do procedimento de aprovação tácita.

e)      O comité decide por consenso. Se o comité não chegar a um consenso sobre uma questão particular, o presidente procede às consultas suplementares que, em seu entender, possam facilitar o acordo. Se, após essas consultas, também não se chegar a um consenso, a questão pode ser submetida ao Conselho de Segurança. Dada a natureza específica da informação, o presidente pode encorajar intercâmbios bilaterais entre Estados Membros interessados, a fim de clarificar a questão antes de tomar uma decisão.»

312    O Tribunal constata que, com a adopção destas directrizes, o Conselho de Segurança quis ter em conta, na medida do possível, os direitos fundamentais das pessoas inscritas na lista do comité de sanções, designadamente os direitos de defesa.

313    A importância que o Conselho de Segurança atribui ao respeito desses direitos resulta, de resto, claramente da sua Resolução 1526 (2004), de 30 de Janeiro de 2004, que visa, por um lado, melhorar a execução das medidas impostas no n.° 4, alínea b), da Resolução 1267 (1999), no n.° 8, alínea c), da Resolução 1333 (2000) e nos n.os 1 e 2 da Resolução 1390 (2002), e, por outro, reforçar o mandato do comité de sanções. Nos termos do n.° 18 da Resolução 1526 (2004), o Conselho de Segurança «encoraja vigorosamente todos os Estados a informar, na medida do possível, as pessoas e entidades inscritas na lista do [comité de sanções] das medidas [contra elas] tomadas, das directrizes do [comité de sanções] e da Resolução 1452 (2002)». Em conformidade com o n.° 3 da Resolução 1526 (2004), estas medidas ainda serão melhoradas dentro de 18 meses, ou antes se necessário.

314    É verdade que o processo descrito supra não confere directamente aos próprios interessados o direito de serem ouvidos pelo comité de sanções, única autoridade competente para se pronunciar, a pedido de um Estado, sobre o reexame dos seus casos. Assim, estes dependem, no essencial, da protecção diplomática que os Estados concedem aos seus cidadãos.

315    Essa restrição ao direito de ser directa e pessoalmente ouvido pela autoridade competente não pode, contudo, considerar‑se inadmissível à luz das normas imperativas do direito internacional. Pelo contrário, tratando‑se de pôr em causa a justeza de decisões adoptadas pelo Conselho de Segurança, por intermédio do seu comité de sanções, ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, com base em informações comunicadas pelos Estados e pelas organizações regionais, é normal que o direito de os interessados serem ouvidos seja regulado no âmbito de um procedimento administrativo de vários níveis, no qual as autoridades nacionais referidas no Anexo II do regulamento impugnado desempenham um papel essencial.

316    O próprio direito comunitário reconhece, de resto, a legalidade dessa regulação processual, num contexto de sanções económicas que visam particulares (v., por analogia, despacho «Invest» Import und Export e Invest Commerce/Comissão, referido no n.° 85, supra).

317    Deve acrescentar‑se que, como o Reino Unido observou com razão na audiência, os interessados têm a possibilidade de interpor um recurso jurisdicional com base no direito interno, ou mesmo directamente com base no regulamento impugnado, bem como nas resoluções pertinentes do Conselho de Segurança a que aquele dá execução, contra uma eventual recusa abusiva da autoridade nacional competente em submeter os seus casos, para reexame, ao comité de sanções (v., por analogia, despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Maio de 2003, Sison/Conselho, T‑47/03 R, Colect., p. II‑2047, n.° 39).

318    No caso em apreço, de resto, os recorrentes foram, efectivamente, ouvidos pelo comité de sanções, por intermédio do Governo sueco, e a sua audição foi a tal ponto eficaz que dois dos recorrentes iniciais, A. Aden e A. Ali, foram excluídos da lista das pessoas às quais se aplica o congelamento de fundos e, consequentemente, foram igualmente excluídos da lista do Anexo I do regulamento impugnado (v. n.os 33 a 35, supra). A este respeito, deve citar‑se o n.° 11 do Relatório 2002 do comité de sanções:

«Na sua décima primeira reunião, em 11 de Fevereiro de 2002, depois de ter examinado duas notas verbais nas quais a Suécia pediu que três pessoas de nacionalidade sueca e uma entidade fossem suprimidas da lista, o comité decidiu proceder a um exame sério desse pedido. A Suécia, convidada a participar na reunião, foi representada pelo director‑geral dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros sueco. Os membros do comité reconheceram que era importante chegar a um equilíbrio entre a rapidez e a eficácia do combate ao terrorismo, por um lado, e a protecção dos direitos fundamentais das pessoas ao nível internacional e nacional, por outro. No fim da reunião, o presidente organizou, para a imprensa e para os Estados membros interessados, uma sessão de informação que atraiu um vasta audiência, o que levou a pensar que a questão suscitada pela Suécia tem igualmente importância para outros países.»

319    Por último, a possibilidade de os recorrentes se pronunciarem utilmente sobre a realidade e a pertinência dos factos que determinaram o congelamento dos seus fundos e, mais ainda, sobre os elementos de prova contra eles acolhidos parece categoricamente excluída. Esses factos e elementos de prova, uma vez que são classificados confidenciais ou secretos pelo Estado que os levou ao conhecimento do comité de sanções, não lhes são, evidentemente, comunicados, como, de resto, também não o são aos Estados membros da ONU, destinatários das resoluções em causa do Conselho de Segurança.

320    Em circunstâncias como as do presente caso, em que está em causa uma medida cautelar que limita a disponibilidade dos bens dos recorrentes, o Tribunal de Primeira Instância considera contudo que o respeito dos direitos fundamentais dos interessados não impõe que os factos e elementos de prova contra eles acolhidos lhes sejam comunicados, quando o Conselho de Segurança ou o seu comité de sanções consideram que razões atinentes à segurança da comunidade internacional se opõem a isso.

321    Daqui resulta que devem ser julgados improcedentes os argumentos dos recorrentes relativos à violação alegada do seu direito de serem ouvidos pelo comité de sanções antes da sua inscrição na lista de pessoas cujos fundos devem ser congelados em aplicação das resoluções em causa do Conselho de Segurança.

322    Tratando‑se, em segundo lugar, do pretenso direito de os recorrentes serem ouvidos antes da adopção do regulamento impugnado, esse direito não lhes pode ser negado pelo único motivo, invocado pelo Conselho e pelo Reino Unido, de que nem a CEDH nem os princípios gerais de direito comunitário conferem aos particulares um qualquer direito a serem ouvidos antes da adopção de um acto com carácter normativo.

323    É verdade que a jurisprudência relativa ao direito de ser ouvido não pode ser alargada ao contexto de um procedimento legislativo comunitário que conduz à adopção de medidas normativas que implicam uma escolha de política económica e se aplicam à generalidade dos operadores em causa (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Dezembro de 1996, Atlanta e o./CE, T‑521/93, Colect., p. II‑1707, n.° 70, confirmado em sede de recurso pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 1999, Atlanta/Comunidade Europeia, C‑104/97 P, Colect., p. I‑6983, n.os 31 a 38).

324    No presente caso, contudo, o regulamento impugnado não tem carácter exclusivamente normativo. Apesar de ser aplicável à generalidade dos operadores económicos em causa (v. n.° 186, supra), ele diz directa e individualmente respeito às recorrentes, que, de resto, designa pelo nome como devendo ser objecto das sanções. A jurisprudência referida no número precedente não é, consequentemente, pertinente.

325    Deve, por isso, recordar‑se que, segundo jurisprudência assente, o respeito dos direitos de defesa, em qualquer processo iniciado contra uma pessoa e susceptível de culminar num acto que lese os interesses desta, constitui um princípio fundamental de direito comunitário e deve ser garantido, mesmo na falta de regulamentação relativa à tramitação processual em causa. Este princípio exige que a qualquer pessoa a quem possa ser aplicada uma sanção seja dada a possibilidade de fazer conhecer utilmente o seu ponto de vista a propósito dos elementos contra ela invocados para fundamentar a sanção (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1994, Fiskano/Comissão, C‑135/92, Colect., p. I‑2885, n.os 39 e 40; de 24 de Outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o., C‑32/95 P, Colect., p. I‑5373, n.° 21; e de 21 de Setembro de 2000, Mediocurso/Comissão, C‑462/98 P, Colect., p. I‑7183, n.° 36).

326    É com razão, contudo, que o Conselho e a Comissão observam que esta jurisprudência foi desenvolvida em domínios, como o direito da concorrência, a luta antidumping e os auxílios de Estado, mas também o direito disciplinar ou a redução das contribuições financeiras, nos quais as instituições comunitárias dispõem de poderes de inquérito e de instrução alargados, bem como de uma ampla margem discricionária de apreciação.

327    De facto, segundo a jurisprudência, o respeito das garantias conferidas pela ordem jurídica comunitária, e designadamente o direito de o interessado dar a conhecer o seu ponto de vista, é correlativo ao exercício de um poder de apreciação pela autoridade autora do acto em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, Colect., p. I‑5469, n.° 14).

328    Ora, no presente caso, tal como resulta das observações preliminares sobre a articulação entre a ordem jurídica internacional emanada das Nações Unidas e a ordem jurídica comunitária supraformuladas, as instituições comunitárias eram obrigadas a transpor para a ordem jurídica comunitária resoluções do Conselho de Segurança e decisões do comité de sanções que não as habilitavam de modo nenhum, na fase da sua execução concreta, a prever um qualquer mecanismo comunitário de exame ou de reexame das situações individuais, uma vez que tanto a substância das medidas em causa como os mecanismos de reexame (v. n.os 309 e segs., supra) eram inteiramente da competência do Conselho de Segurança e do seu comité de sanções. Consequentemente, as instituições comunitárias não dispunham de nenhum poder de inquérito, de nenhuma possibilidade de controlo dos factos considerados pelo Conselho de Segurança e pelo comité de sanções, de nenhuma margem de apreciação quanto a esses factos e de nenhuma liberdade de apreciação quanto à oportunidade da adopção de sanções contra os recorrentes. O princípio de direito comunitário relativo ao direito de ser ouvido não se pode aplicar nessas circunstâncias, em que uma audição do interessado não podia, de forma alguma, levar a instituição a rever a sua posição.

329    Daqui resulta que as instituições comunitárias não eram obrigadas a ouvir os recorrentes antes da adopção do regulamento impugnado.

330    Consequentemente, os argumentos dos recorrentes relativos à violação alegada do seu direito de serem ouvidos pelas instituições comunitárias antes da adopção do regulamento impugnado devem ser rejeitados.

331    Resulta do que antecede que os argumentos dos recorrentes relativos à violação alegada dos direitos de defesa devem ser julgados improcedentes.

–       Quanto à violação alegada do direito a um recurso jurisdicional efectivo

332    O exame dos argumentos dos recorrentes relacionados com a violação alegada do seu direito a um recurso jurisdicional efectivo deve ter em conta considerações de ordem geral já formuladas a este respeito no âmbito do exame prévio do alcance da fiscalização da legalidade, designadamente à luz dos direitos fundamentais, que incumbe ao Tribunal de Primeira Instância exercer sobre os actos comunitários que dão execução a resoluções do Conselho de Segurança adoptadas ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas.

333    No presente caso, os recorrentes puderam interpor recurso de anulação no Tribunal de Primeira Instância, ao abrigo do artigo 230.° CE.

334    No âmbito deste recurso, o Tribunal exerce uma fiscalização completa da legalidade do regulamento impugnado quanto ao respeito, pelas instituições comunitárias, das regras de competência assim como das regras de legalidade externa e das formalidades essenciais que se impõem à sua acção.

335    O Tribunal fiscaliza igualmente a legalidade do regulamento impugnado à luz das resoluções do Conselho de Segurança que este regulamento é suposto executar, designadamente, sob o ângulo da adequação formal e material, da coerência interna e da proporcionalidade do primeiro em relação às segundas.

336    Pronunciando‑se no âmbito dessa fiscalização, o Tribunal declara que os pretensos erros de identificação dos recorrentes e de duas outras entidades, de que o regulamento impugnado pode estar viciado (v. n.os 196 e 197, supra), são destituídos de pertinência para fins do presente litígio, uma vez que não é contestado que os recorrentes são, com efeito, respectivamente, uma das pessoas singulares e uma das entidades inscritas, em 9 de Novembro de 2001, na lista do comité de sanções (v. n.° 24, supra). O mesmo se diga quanto à circunstância segundo a qual as autoridades policiais suecas consideraram em ordem, após verificação, a contabilidade da segunda recorrente (v. n.° 198, supra).

337    No âmbito do presente recurso de anulação, o Tribunal reconheceu‑se, além disso, competente para fiscalizar a legalidade do regulamento impugnado e, indirectamente, a legalidade das resoluções em causa do Conselho de Segurança, à luz das normas superiores do direito internacional abrangidas pelo jus cogens, designadamente as normas imperativas relativas à protecção universal dos direitos da pessoa humana.

338    Em contrapartida, como já foi indicado no n.° 276, supra, não incumbe ao Tribunal de Primeira Instância fiscalizar indirectamente a conformidade das próprias resoluções em causa do Conselho de Segurança com os direitos fundamentais tal como são protegidos pela ordem jurídica comunitária.

339    Também não compete ao Tribunal de Primeira Instância verificar a inexistência de erro na apreciação dos factos e dos elementos de prova a que o Conselho de Segurança atendeu para tomar as referidas medidas, nem, salvo no âmbito limitado definido no n.° 337, supra, fiscalizar indirectamente a oportunidade e a proporcionalidade dessas medidas. Essa fiscalização não poderia ser exercida sem invadir as prerrogativas do Conselho de Segurança decorrentes do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, em matéria de determinação, em primeiro lugar, de uma ameaça para a paz e a segurança internacionais e, em segundo lugar, das medidas adequadas para lhe fazer face ou para a eliminar. De qualquer forma, a questão de saber se um indivíduo ou uma organização representa uma ameaça para a paz e a segurança internacionais, assim como a questão de saber que medidas devem ser tomadas em relação aos interessados para contrariar essa ameaça, implica uma apreciação política e juízos de valor que são, em princípio, apenas da competência da autoridade à qual a comunidade internacional confiou a responsabilidade principal da manutenção da paz e da segurança internacionais.

340    Assim, há que concluir que, dentro dos limites expostos no n.° 339, supra, os recorrentes não dispõem de nenhuma via de recurso jurisdicional, uma vez que o Conselho de Segurança não considerou oportuno criar uma jurisdição internacional independente encarregada de se pronunciar, tanto em matéria de direito como em matéria de facto, sobre os recursos interpostos contra as decisões individuais adoptadas pelo comité de sanções.

341    No entanto, há que reconhecer igualmente que uma lacuna desta natureza na protecção jurisdicional dos recorrentes não é, em si, contrária ao jus cogens.

342    A este respeito, o Tribunal observa que o direito de acesso aos tribunais, cujo princípio é reconhecido tanto pelo artigo 8.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem como pelo artigo 14.° do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, adoptado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 16 de Dezembro de 1966, não é absoluto. Por um lado, esse direito pode ser objecto de derrogações em caso de perigo público excepcional que ameace a existência da nação, tal como prevê, em determinadas circunstâncias, o artigo 4.°, n.° 1, do referido Pacto. Por outro lado, independentemente dessas circunstâncias excepcionais, determinadas restrições devem ser consideradas inerentes a esse direito, como as limitações geralmente admitidas pela comunidade das nações como estando abrangidas pela doutrina da imunidade dos Estados (v., a este respeito, TEDH, acórdãos príncipe Hans‑Adam II de Liechtenstein c. Alemanha de 12 de Julho de 2001, Recueil des arrêts et décisions, 2001‑VIII, n.os 52, 55, 59 e 68, e McElhinney c. Irlanda de 21 de Novembro de 2001, Recueil des arrêts et décisions, 2001‑XI, em particular n.os 34 a 37) e das organizações internacionais (v., a este respeito, TEDH, acórdão Waite e Kennedy c. Alemanha de 18 de Fevereiro de 1999, Recueil des arrêts et décisions, 1999‑I, n.os 63 e 68 a 73).

343    No presente caso, o Tribunal de Primeira Instância considera que a limitação do direito de acesso dos recorrentes a um tribunal, resultante da imunidade de jurisdição de que beneficiam, em princípio, na ordem jurídica interna dos Estados membros das Nações Unidas, as resoluções do Conselho de Segurança adoptadas ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, em conformidade com os princípios pertinentes do direito internacional (designadamente, os artigos 25.° e 103.° da Carta), é inerente a esse direito, tal como é garantido pelo jus cogens.

344    Essa limitação é justificada tanto pela natureza das decisões que o Conselho de Segurança é levado a tomar ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas como pela finalidade legítima prosseguida. Nas circunstâncias do caso em apreço, o interesse dos recorrentes em verem a sua causa apreciada quanto ao mérito por um tribunal não é suficiente para se sobrepor ao interesse geral essencial que há em que a paz e a segurança internacionais sejam mantidas face a uma ameaça claramente identificada pelo Conselho de Segurança, em conformidade com as disposições da Carta das Nações Unidas. A este respeito, deve atribuir‑se uma importância significativa à circunstância de que as resoluções sucessivamente adoptadas pelo Conselho de Segurança, longe de preverem medidas com uma duração de aplicação ilimitada ou indeterminada, previram sempre um mecanismo de reexame da oportunidade da manutenção dessas medidas após um lapso de tempo de 12 ou 18 meses no máximo (v. n.os 16, 26, 37 e 313, supra).

345    Por último, o Tribunal de Primeira Instância considera que, não existindo uma jurisdição internacional competente para fiscalizar a legalidade dos actos do Conselho de Segurança, a criação de um órgão como o comité de sanções e a possibilidade, prevista pelos textos, de se lhe dirigir em qualquer momento a fim de obter o reexame de cada caso individual, através de um mecanismo formalizado que envolva tanto o «governo requerido» como o «governo identificador» (v. n.os 310 e 311, supra), constituem uma outra via razoável para proteger adequadamente os direitos fundamentais dos recorrentes tal como são reconhecidos pelo jus cogens.

346    Resulta do que antecede que os argumentos dos recorrentes relativos à violação alegada do seu direito a uma fiscalização jurisdicional efectiva devem ser julgados improcedentes.

347    Não tendo procedido nenhum dos fundamentos e argumentos dos recorrentes e considerando‑se o Tribunal de Primeira Instância suficientemente esclarecido pelas peças dos autos e pelas indicações apresentadas pelas partes no decurso da audiência, deve negar‑se provimento ao recurso, sem que seja necessário deferir o pedido de audição do primeiro recorrente e de Sir Jeremy Greenstock, antigo presidente do comité de sanções (v. n.° 199, supra).

 Quanto às despesas

348    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, os Estados‑Membros e as instituições que intervieram no processo devem suportar as respectivas despesas. Nos termos do artigo 87.°, n.° 6, se não houver lugar a decisão de mérito, o Tribunal decide livremente quanto às despesas.

349    Atentas as circunstâncias do presente caso e os pedidos das partes, o Tribunal de Primeira Instância considera justo que, em aplicação das disposições referidas, os recorrentes suportem, além das suas próprias despesas, as despesas do Conselho, bem como as despesas efectuadas pela Comissão até à data de 10 de Julho de 2002, incluindo as despesas correspondentes à instância relativa às medidas provisórias. O Reino Unido e a Comissão, esta no que respeita ao período posterior a 10 de Julho de 2002, suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção alargada)

decide:

1)      Não há que conhecer do mérito dos pedidos de anulação do Regulamento (CE) n.° 467/2001 do Conselho, de 6 de Março de 2001, que proíbe a exportação de certas mercadorias e de certos serviços para o Afeganistão, reforça a proibição de voos, prorroga o congelamento de fundos e de outros recursos financeiros aplicável aos Taliban do Afeganistão e revoga o Regulamento (CE) n.° 337/2000, e do Regulamento (CE) n.° 2199/2001 da Comissão, de 12 de Novembro de 2001, que altera, pela quarta vez, o Regulamento (CE) n.° 467/2001.

2)      É negado provimento ao recurso, na parte que visa o Regulamento (CE) n.° 881/2002 do Conselho, de 27 de Maio de 2002, que institui certas medidas restritivas específicas contra determinadas pessoas e entidades associadas a Osama Bin Laden, à rede Al‑Qaida e aos talibã[s], e que revoga o Regulamento (CE) n.° 467/2001.

3)      Os recorrentes são condenados a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas do Conselho, bem como as despesas efectuadas pela Comissão até 10 de Julho de 2002, incluindo as despesas correspondentes ao processo de medidas provisórias.

4)      O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e a Comissão, esta no que diz respeito ao período posterior a 10 de Julho de 2002, suportarão as suas próprias despesas.

Forwood

Pirrung

Mengozzi

Meij

 

      Vilaras

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de Setembro de 2005.

O secretário

 

      O presidente

H. Jung

 

      J. Pirrung

Índice

Quadro jurídico

Antecedentes do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Quanto às consequências processuais decorrentes da adopção do regulamento impugnado

Quanto ao mérito

1.  Quanto ao primeiro fundamento, relativo à incompetência do Conselho para adoptar o regulamento impugnado

Quanto à primeira parte

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

–  Quanto à base legal do Regulamento n.° 467/2001

–  Quanto à base legal do regulamento impugnado

Quanto à segunda parte

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto à terceira parte

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

2.  Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 249.° CE

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

3.  Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação dos direitos fundamentais dos recorrentes

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Observações preliminares

Quanto à articulação entre a ordem jurídica internacional emanada das Nações Unidas e a ordem jurídica nacional ou comunitária

Quanto ao alcance da fiscalização da legalidade que compete ao Tribunal de Primeira Instância exercer

Quanto à violação alegada dos direitos fundamentais dos recorrentes

–  Quanto à violação alegada do direito de os recorrentes disporem dos seus bens

–  Quanto à violação alegada dos direitos de defesa

–  Quanto à violação alegada do direito a um recurso jurisdicional efectivo

Quanto às despesas



* Língua do processo: sueco.