Language of document : ECLI:EU:T:2022:261

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

27 de abril de 2022 (*)

«Responsabilidade extracontratual — Cooperação das autoridades policiais e outros serviços policiais dos Estados‑Membros — Luta contra a criminalidade — Transmissão de informações pela Europol a um Estado‑Membro — Alegado tratamento ilícito de dados — Regulamento (UE) 2016/794 — Artigo 50.o, n.o 1 — Danos morais»

No processo T‑436/21,

Leon Leonard Johan Veen, residente em Oss (Países Baixos), representado por T. Lysina, advogado,

demandante,

contra

Agência da União Europeia para a Cooperação Policial (Europol), representada por A. Nunzi, na qualidade de agente, assistido por G. Ziegenhorn e M. Kottmann, advogados,

demandada,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: J. Svenningsen (relator), presidente, R. Barents e C. Mac Eochaidh, juízes,

secretário: E. Coulon,

vistos os autos,

considerando que as partes não apresentaram um pedido de audiência de alegações no prazo de três semanas a contar da notificação do encerramento da fase escrita do processo e tendo decidido, ao abrigo do artigo 106.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar a ação sem fase oral,

profere o presente

Acórdão

1        Na ação que intentou ao abrigo do artigo 268.o TFUE, o demandante, Leon Leonard Johan Veen, pede para ser ressarcido dos danos que sofreu em virtude do tratamento ilícito de dados pessoais por parte da Agência da União Europeia para a Cooperação Policial (Europol).

 Antecedentes do litígio

2        No âmbito da investigação levada a cabo na sequência da apreensão de 1,5 toneladas de metanfetamina, a polícia eslovaca requereu a assistência da Europol ao abrigo do artigo 3.o, n.o 1, e do artigo 4.o, n.o 1, alíneas a), b) e h), do Regulamento (UE) 2016/794 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2016, que cria a [Europol] e que substitui e revoga as Decisões 2009/371/JAI, 2009/934/JAI, 2009/935/JAI, 2009/936/JAI e 2009/968/JAI do Conselho (JO 2016, L 135, p. 53), indicando‑lhe, designadamente, que o demandante era suspeito de estar implicado no tráfico dessa substância.

3        Com base em informações que lhe foram transmitidas pelos Estados‑Membros e tratadas ao abrigo do artigo 17.o, n.o 1, alínea a), do artigo 18.o, n.o 1 e n.o 2, alíneas a), c) e d), e do artigo 31.o do Regulamento 2016/794, a Europol procedeu a um controlo cruzado ao abrigo do artigo 18.o, n.o 2, alínea a), do referido regulamento, tendo em seguida elaborado um relatório (a seguir «relatório»).

4        O relatório, cujo nível de confidencialidade era «Europol não classificado — Nível de proteção de base», foi apenas transmitido à República Francesa, ao Reino dos Países Baixos, à República Eslovaca e à United States Drug Enforcement Administration (Direção de Luta contra a Droga, Estados Unidos da América).

5        No relatório, redigido em inglês, o nome do demandante surge na seguinte passagem:

«Both, Leon Leonard Johan Veen and [A] came into noticed in several Dutch investigations concerning suspicious transactions. In addition, Leon Leonard Johan Veen had been reported also in a Swedish investigation concerning drugs trafficking and a Polish investigation concerning fraud». (Leonard Johan Veen e [A] estiveram ambos envolvidos em várias investigações neerlandesas sobre transações suspeitas. Além disso, Leonard Johan Veen também foi indicado no âmbito de uma investigação sueca por tráfico de droga e de uma investigação polaca por fraude).

 Pedidos das partes

6        O demandante conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        condenar a Europol a pagar‑lhe a quantia de 50 000 euros;

–        condenar a Europol nas despesas.

7        A Europol conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar a ação improcedente;

–        condenar o demandante nas despesas.

 Questão de direito

8        Na presente ação, o demandante alega comportamentos danosos da Europol decorrentes de operações ilícitas de tratamento de dados, e reclama uma indemnização no valor de 50 000 euros pelos danos morais resultantes desses comportamentos, com base nos artigos 268.o e 340.o TFUE, bem como no artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794.

9        Por força do artigo 50.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794, qualquer pessoa que tenha sofrido um dano em resultado de uma operação ilícita de tratamento de dados tem direito a receber indemnização pelo dano sofrido, quer da Europol, em conformidade com o artigo 340.o TFUE, quer do Estado‑Membro em que o facto gerador do dano tenha ocorrido, em conformidade com o seu direito nacional.

10      Como o demandante intentou uma ação contra a Europol no Tribunal Geral, é com base nos artigos 268.o e 340.o TFUE que o seu pedido deve ser apreciado.

 Quanto à admissibilidade

11      A Europol considera que a ação é inadmissível devido a uma falta de clareza e de precisão da petição.

12      Nos termos do disposto no artigo 21.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao processo no Tribunal Geral por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, bem como do disposto no artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a petição deve conter o objeto do litígio, os fundamentos e argumentos invocados e uma exposição sumária dos referidos fundamentos. Esses elementos devem ser suficientemente claros e precisos para permitir que a parte demandada prepare a sua defesa e que o Tribunal decida, eventualmente sem outra informação. A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que um recurso seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que aquele se baseia resultem de forma coerente e compreensível do texto da própria petição (v. Despacho de 11 de março de 2021, Techniplan/Comissão, T‑426/20, não publicado, EU:T:2021:129, n.o 19 e jurisprudência referida).

13      Para cumprir essas exigências de clareza e precisão, uma petição destinada a obter a reparação de danos alegadamente causados por uma instituição da União Europeia deve conter os elementos, as provas ou os oferecimentos de prova que permitam identificar o comportamento que a parte demandante imputa à instituição, as razões pelas quais considera que existe um nexo de causalidade entre o comportamento e o dano que alega ter sofrido, bem como o caráter e a extensão desse dano (v., neste sentido, Acórdão de 7 de outubro de 2015, Accorinti e o./BCE, T‑79/13, EU:T:2015:756, n.o 53 e jurisprudência referida).

14      No presente caso, resulta da petição que o demandante pretende ser indemnizado pelos danos que alega ter sofrido devido a dois comportamentos da Europol, a saber, por um lado, a menção de dados pessoais seus no relatório (primeira vertente do pedido) e, por outro, a junção, pela Europol, desse relatório aos autos do processo penal eslovaco que lhe foi instaurado (segunda vertente do pedido), cuja ilicitude expõe, à luz das normas jurídicas que conferem direitos aos particulares, nomeadamente as normas destinadas a garantir o respeito dos seus dados pessoais.

15      Por conseguinte, cabe observar que o objeto da ação e os fundamentos apresentados pelo demandante na sua petição resultam de uma forma suficientemente compreensível do próprio texto da referida petição. Além disso, esta conclusão encontra confirmação no facto de a Europol ter logrado responder aos referidos fundamentos.

16      Além disso, no que respeita à argumentação da Europol sobre a inadmissibilidade da ação por o demandante não ter fornecido provas suficientes dos pretensos comportamentos ilícitos e dos alegados danos, há que observar que essas questões não são do domínio da apreciação da admissibilidade do pedido de indemnização, mas sim do juízo de mérito (v., neste sentido, Acórdão de 29 de setembro de 2021, Kočner/Europol, T‑528/20, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2021:631, n.o 39).

17      Por conseguinte, importa considerar que a ação cumpre as exigências do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo e, portanto, deve ser julgada admissível.

 Quanto ao mérito

18      A título preliminar, recorde‑se que, por força do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, em matéria de responsabilidade extracontratual, a União deve indemnizar, de acordo com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, os danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções.

19      Por um lado, daqui resulta que o artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE só atribui competência ao órgão jurisdicional da União para ressarcir os danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções, ou seja, para ressarcir os danos que podem dar origem a responsabilidade extracontratual da União (Despacho de 9 de julho de 2019, Scaloni e Figini/Comissão, T‑158/18, não publicado, EU:T:2019:491, n.o 19, e Acórdão de 29 de setembro de 2021, Kočner/Europol, T‑528/20, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2021:631, n.o 59).

20      A este respeito, segundo jurisprudência constante, o conceito de «instituição», na aceção do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, engloba não só as instituições da União indicadas no artigo 13.o, n.o 1, TUE, mas também todos os órgãos e organismos da União instituídos pelos Tratados ou por força destes e destinados a contribuir para a realização dos objetivos da União (v. Acórdão de 16 de dezembro de 2020, Conselho e o./K. Chrysostomides & Co. e o., C‑597/18 P, C‑598/18 P, C‑603/18 P e C‑604/18 P, EU:C:2020:1028, n.o 80 e jurisprudência referida), incluindo as agências da União e, portanto, a Europol (v., neste sentido, Acórdão de 29 de setembro de 2021, Kočner/Europol, T‑528/20, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2021:631, n.o 60).

21      Por outro lado, a responsabilidade extracontratual da União, na aceção do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, está sujeita à verificação de três requisitos cumulativos, concretamente, a ilegalidade do comportamento imputado à instituição da União, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento dessa instituição e o dano invocado (Acórdão de 16 de dezembro de 2020, Conselho e o./K. Chrysostomides & Co. e o., C‑597/18 P, C‑598/18 P, C‑603/18 P e C‑604/18 P, EU:C:2020:1028, n.o 79).

22      Sendo esses três requisitos da responsabilidade cumulativos, quando um não está preenchido, deve ser negado provimento ao pedido de indemnização (Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Dalli/Comissão, C‑615/19 P, EU:C:2021:133, n.o 42).

23      É à luz dos referidos princípios que se deve examinar cada uma das duas vertentes do pedido.

 Quanto à primeira vertente do pedido

24      O demandante pede para ser indemnizado pelos danos que entende ter sofrido devido ao caráter inexato e não provado da menção, constante do relatório da Europol, de que tinha sido objeto de uma investigação na Suécia por tráfico de droga e de uma investigação na Polónia por fraude, quando na verdade não havia nem houve nenhuma investigação a correr contra si nesses Estados.

25      A menção dessas informações inexatas e não provadas sobre si consubstancia uma operação ilícita de tratamento de dados pessoais, que viola o seu direito ao respeito da vida privada e familiar, o seu direito à proteção dos seus dados pessoais, bem como o princípio da presunção da inocência, todos garantidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). Com efeito, essas informações apresentam‑no como uma pessoa que se tinha dedicado ao tráfico de droga ou praticado uma fraude.

26      Segundo o demandante, essa violação é tanto mais ilícita quanto ele não se pôde expressar sobre as informações constantes do relatório, este último não foi precedido de uma decisão judicial ou de uma decisão de uma autoridade administrativa independente, e a Europol não dispunha de nenhum elemento de prova que atestasse a veracidade das informações a seu respeito.

27      Por essa razão, sente‑se injustiçado e entende que se atentou contra a sua honra, a sua reputação e a sua vida privada, em particular na sua relação com a sua companheira e o seu filho.

28      A Europol contesta os argumentos do demandante.

29      No que respeita, em primeiro lugar, à condição relativa à ilegalidade do comportamento criticado à Europol, cabe sublinhar que a alegação do demandante segundo a qual o relatório menciona ilegalmente duas investigações de que ele teria sido objeto na Suécia e na Polónia decorre de uma leitura errónea desse relatório.

30      Com efeito, e contrariamente ao que o demandante alega, o parágrafo controvertido desse relatório, apesar dos seus erros linguísticos em língua inglesa e da forma como o demandante o interpretou, não refere que o demandante tenha sido objeto de duas investigações por parte da Suécia e da Polónia, mas apenas que o seu nome foi indicado no contexto dessas duas investigações, conforme resulta dos seguintes termos do relatório: «In addition, Leon Leonard Johan Veen had been reported also in a Swedish investigation concerning drugs trafficking and a Polish investigation concerning fraud». (Além disso, Leonard Johan Veen também foi indicado no âmbito de uma investigação sueca por tráfico de droga e de uma investigação polaca por fraude). Por outro lado, na sua contestação, a Europol explicou que, quando pretende indicar, num relatório destinado às autoridades policiais nacionais, que uma pessoa é, ou era, suspeita no âmbito de uma investigação, indica‑o expressamente e de forma inequívoca, nomeadamente utilizando expressões como «suspeito» ou «alvo de uma investigação».

31      Por conseguinte, é sem razão que o demandante acusa a Europol de ter ilegalmente mencionado, no relatório, o facto de ter sido objeto de duas investigações na Suécia e na Polónia e, portanto, de o ter identificado como tendo participado em tráfico de droga ou numa fraude.

32      Em todo o caso, a menção, num relatório da Europol, de informações de caráter pessoal sobre uma pessoa cujo apelido ou os dados pessoais foram recolhidos ou conservados por essa agência não pode, por si só, constituir uma ilegalidade suscetível de desencadear a sua responsabilidade.

33      Com efeito, conforme resulta do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794, conjugado com os seus considerandos 12 e 13, a Europol é uma plataforma para intercâmbio de informações no domínio das informações criminais entre as autoridades policiais dos Estados‑Membros destinada a apoiar e reforçar a ação das autoridades competentes dos Estados‑Membros e a sua cooperação mútua em matéria de prevenção e luta contra a criminalidade grave que afete dois ou mais Estados‑Membros.

34      Para atingir esses objetivos e de acordo com o artigo 4.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento 2016/794, a Europol tem, nomeadamente, as atribuições de recolher, conservar, tratar, analisar e realizar o intercâmbio de informações, incluindo informações criminais, bem como notificar sem demora aos Estados‑Membros quaisquer informações e ligações entre infrações penais que lhes digam respeito, podendo mesmo esta notificação ter natureza obrigatória ao abrigo do artigo 22.o do referido regulamento.

35      Para esse efeito, o artigo 18.o, n.os 1 e 2, do Regulamento 2016/794, conjugado com os seus considerandos 24 e 25, autoriza a Europol a proceder ao tratamento de informações, incluindo de dados pessoais, designadamente procedendo a controlos cruzados destinados a identificar ligações ou outras conexões relevantes entre informações relativas a diferentes categorias de pessoas.

36      No entanto, o artigo 18.o, n.o 4, do Regulamento 2016/794 obriga a Europol a respeitar as garantias em matéria de proteção de dados previstas nesse regulamento. Conforme resulta do capítulo VI desse regulamento, sob a epígrafe «Garantias em matéria de proteção de dados», assim como do seu considerando 40, essa proteção tem caráter autónomo e deve ser adaptada à natureza específica do tratamento de dados de natureza pessoal no domínio policial, o que permite a Declaração n.o 21 sobre a proteção de dados pessoais no domínio da cooperação judiciária em matéria penal e da cooperação policial, anexa ao Tratado UE e ao Tratado FUE que reconhecem a especificidade do tratamento de dados pessoais no domínio policial.

37      Neste contexto, o artigo 38.o, n.os 2, 4, 5 e 7, do Regulamento 2016/794, lido em conjugação com o seu considerando 47, define a partilha da responsabilidade em matéria de proteção de dados pessoais entre, designadamente, a Europol e os Estados‑Membros.

38      A Europol assume assim, designadamente, a responsabilidade pela observância dos princípios gerais em matéria de proteção de dados, a que se refere o artigo 28.o desse regulamento, com exceção da exigência de exatidão e atualização desses dados, bem como a responsabilidade por todas as operações de tratamento de dados que efetua, com exceção da que decorre do intercâmbio bilateral de dados realizado com recurso às suas infraestruturas. Os Estados‑Membros são, por seu lado, responsáveis pela qualidade dos dados pessoais que fornecem à Europol, bem como pela legalidade da sua transferência.

39      Ora, no caso em apreço, o demandante não fornece nenhum elemento suscetível de demonstrar que, no que respeita à menção do seu nome ou de dados pessoais seus no relatório, a Europol não observou uma ou outra das obrigações que se lhe impunham por força do Regulamento 2016/794, podendo ser considerada responsável nos termos do artigo 38.o do referido regulamento, lido em conjugação com o artigo 50.o, n.o 1.

40      Neste sentido, o demandante não alega nem, por maioria de razão demonstra que a Europol, ao proceder ao cruzamento das informações de que sobre si dispunha e, em seguida, ao transmiti‑las sob reserva de confidencialidade a um número limitado de serviços de polícia, atuou fora do domínio de aplicação do Regulamento 2016/794, definido no artigo 18.o, n.o 5, ou excedeu os poderes que lhe são conferidos, designadamente, pelo artigo 18.o, n.o 2, do referido regulamento.

41      Como o demandante dá a entender que as informações sobre si constantes do relatório são falsas, importa sublinhar que este nunca alegou que o seu nome não tivesse surgido no decurso das referidas investigações.

42      Mesmo admitindo que as referidas informações sejam falsas, o demandante não demonstrou de forma alguma que a Europol podia ser responsável por essa inexatidão. Com efeito, conforme se referiu no n.o 38, supra, a Europol não pode ser considerada responsável pela eventual inexatidão de dados transmitidos por um Estado‑Membro. Ora, o demandante não apresentou provas ou indícios suscetíveis de fazer crer, no mínimo, que a Europol tivesse alterado informações transmitidas pelas autoridades suecas e polacas.

43      Por último, na medida em que o demandante acusa a Europol de não o ter ouvido antes de mencionar no relatório dados pessoais seus ou de ter tratado esses dados sem antes ter obtido uma autorização judicial ou uma autorização de uma autoridade administrativa independente, basta sublinhar que essas obrigações não se encontram previstas no Regulamento 2016/794.

44      Em especial, obrigar a Europol a ouvir as pessoas antes de mencionar os seus dados pessoais num relatório destinado apenas a determinadas autoridades e serviços policiais podia pôr em causa o efeito útil do Regulamento 2016/794, bem como a ação das referidas autoridades e serviços que o regulamento pretende apoiar e reforçar.

45      Além disso, os argumentos relativos à violação dos artigos 7.o, 8.o e 48.o, n.o 1, da Carta, referentes, respetivamente, ao respeito pela vida privada e familiar, à proteção de dados pessoais e à presunção de inocência, devem ser julgados improcedentes.

46      No que respeita às alegações de violação dos artigos 7.o e 8.o da Carta, importa recordar que o seu artigo 52.o, n.o 1, prevê que qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos por esta deve ser prevista por lei, o que implica, especialmente, que a própria base jurídica que permite a ingerência nesses direitos deve definir o alcance da limitação do exercício do direito em causa e que a regulamentação que permite essa ingerência deve prever regras claras e precisas que regulem o alcance e a aplicação da medida em causa e imponham exigências mínimas, de modo que as pessoas cujos dados foram transferidos disponham de garantias suficientes que permitam proteger eficazmente esses dados pessoais contra os riscos de abuso [v. Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, Valsts ieņēmumu dienests (Tratamento de dados pessoais para efeitos fiscais), C‑175/20, EU:C:2022:124, n.os 54 e 55 e jurisprudência referida].

47      Ora, conforme evocado no considerando 76 do Regulamento 2016/794, esse regulamento foi elaborado para, nomeadamente, assegurar o respeito do direito à proteção dos dados pessoais e o direito à privacidade, conforme garantidos pelos artigos 7.o e 8.o da Carta, ao mesmo tempo que prossegue o objetivo legítimo e necessário de lutar eficazmente contra as formas graves de criminalidade que afetam dois ou mais Estados‑Membros, ou mesmo cruzam as fronteiras externas da União.

48      Nesse contexto, e conforme resulta nomeadamente do capítulo VI do Regulamento 2016/794, lido em conjugação com o seu considerando 50, o legislador da União definiu regras claras e precisas no que respeita à extensão dos poderes atribuídos à Europol, tendo também definido para a sua atuação requisitos mínimos em matéria de proteção de dados pessoais, e criado estruturas de controlo independentes, transparentes e responsáveis.

49      Por conseguinte, não tendo o demandante demonstrado que a Europol não cumpriu as obrigações que se lhe impunham ao mencionar dados pessoais seus no relatório, nenhuma violação dos artigos 7.o e 8.o da Carta pode ser constatada.

50      No que respeita à alegação de violação do artigo 48.o, n.o 1, da Carta, relativo à presunção de inocência, não foi apresentada nenhuma argumentação em seu apoio. Não cumpre, portanto, as exigências definidas no artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo e, portanto, deve ser julgada inadmissível.

51      Resulta do que precede que, no que respeita à primeira vertente do pedido, o demandante não logrou provar a existência de um comportamento ilícito da Europol.

52      No que respeita, em segundo lugar e, em todo o caso, aos requisitos relativos à realidade do dano alegado e à existência de um nexo de causalidade entre esse dano e o comportamento da Europol, importa sublinhar que o demandante se limitou a alegar que o relatório era «acessível» ao procurador, ao responsável pela investigação, ao juiz nacional e às partes no processo, que de resto não identifica.

53      Ora, não tendo logrado demonstrar que o regime de confidencialidade a que estava sujeito o relatório da Europol foi violado ou que outras pessoas para além daquelas que refere tiveram acesso a esse relatório, o demandante não pode alegar que a menção de dados pessoais seus no referido relatório atentou contra a sua reputação ou honra.

54      Por motivos semelhantes, e uma vez que não apresentou provas em abono da sua alegação, o demandante também não demonstrou que a menção desses mesmos dados no relatório tivesse afetado as suas relações com a sua companheira e o seu filho, os quais, à luz dos elementos apresentados ao Tribunal Geral, não tiveram acesso ao referido relatório.

55      Resulta do que precede que a primeira vertente do pedido de indemnização deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda vertente do pedido

56      O demandante pretende ser indemnizado pelos danos que alega ter sofrido devido à junção, pela Europol, do relatório aos autos do processo penal eslovaco que lhe foi instaurado, na medida em que essa junção também lhe causou um sentimento de injustiça e atentou contra a sua honra, a sua reputação bem como o seu direito a uma vida familiar.

57      A Europol contesta os argumentos do demandante alegando, nomeadamente, que não juntou o relatório aos autos do processo penal em causa.

58      A este respeito, há que sublinhar que o demandante não apresenta prova alguma, nem sequer indícios, que permitam demonstrar que a junção do relatório aos autos do referido processo penal foi efetivamente efetuada pela Europol, e não pelos serviços de polícia eslovacos.

59      Além disso, resulta explicitamente do n.o 17 da petição que, segundo o próprio demandante, a Europol transmitiu o relatório às autoridades policiais eslovacas.

60      Esta constatação é, de resto, corroborada pela lógica do Regulamento 2016/794 e pela atribuição que foi confiada à Europol no âmbito do sistema de cooperação dos serviços de polícia instituído por esse mesmo regulamento.

61      Com efeito, decorre do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento 2016/794 que a Europol tem como tarefa apoiar e reforçar a ação das autoridades competentes dos Estados‑Membros, definidas no artigo 2.o, alínea a), do referido regulamento como «tod[a]s as autoridades policiais e outros serviços policiais existentes nos Estados‑Membros que sejam responsáveis, nos termos da legislação nacional, pela prevenção e luta contra as infrações penais».

62      Por conseguinte, contrariamente ao que afirma o demandante e atendendo aos elementos de prova que forneceu ao Tribunal Geral, não é possível considerar que a junção do relatório aos autos do processo penal eslovaco que lhe foi instaurado tenha sido obra da Europol.

63      Consequentemente, os danos alegadamente decorrentes da junção do relatório aos autos do processo penal não são imputáveis à Europol.

64      Resulta do conjunto das considerações que precedem que a segunda vertente do pedido de indemnização deve ser julgada improcedente, bem como a ação na sua totalidade, não sendo necessário que o Tribunal Geral se pronuncie sobre os oferecimentos de prova do demandante nem sobre os seus pedidos de medidas de organização do processo e de instrução e, em especial, sobre a sua admissibilidade, na medida em que o Tribunal se considera suficientemente esclarecido pelos elementos dos autos para se pronunciar sobre o litígio.

 Quanto às despesas

65      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Europol pedido a condenação do recorrente e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      A ação é julgada improcedente.

2)      Leon Leonard Johan Veen é condenado nas despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de abril de 2022.

Assinaturas


*      Língua do processo: eslovaco.