Language of document : ECLI:EU:C:2024:54

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

18 de janeiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Transporte aéreo — Regulamento (UE) n.o 376/2014 — Seguimento de ocorrências que põem em perigo a segurança da aviação — Artigo 15.o — Confidencialidade adequada dos elementos relativos a essas ocorrências — Alcance dessa confidencialidade — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 11.o — Liberdade de expressão e de informação — Liberdade dos meios de comunicação social — Pedido de comunicação de informações relativas à queda, depois de ter sido abatida, de uma aeronave que sobrevoava o leste da Ucrânia, apresentado por empresas que operam no setor dos meios de comunicação social — Artigo 52.o, n.o 1 — Restrição — Requisitos»

No processo C‑451/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos), por Decisão de 29 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de julho de 2022, no processo

RTL Nederland BV,

RTL Nieuws BV

sendo interveniente:

Minister van Infrastructuur en Waterstaat,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente da Terceira Secção, exercendo funções de presidente da Segunda Secção, F. Biltgen, N. Wahl, J. Passer (relator) e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: A. Lamote, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 30 de março de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo Neerlandês, por K. Bulterman, J. M. Hoogveld e C. S. Schillemans, na qualidade de agentes,

–        em representação do Conselho da União Europeia, por F. Naert e N. Rouam, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, inicialmente por P.‑J. Loewenthal, A. Nijenhuis, B. Sasinowska e G. Wilms, e, em seguida, por P.‑J. Loewenthal, A. Nijenhuis e B. Sasinowska, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de junho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 11.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 376/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativo à comunicação, à análise e ao seguimento de ocorrências na aviação civil, que altera o Regulamento (UE) n.o 996/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 2003/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, e os Regulamentos (CE) n.o 1321/2007 e (CE) n.o 1330/2007 da Comissão (JO 2014, L 122, p. 18), conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2018/1139 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2018 (JO 2018, L 212, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 376/2014»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a RTL Nederland BV e a RTL Nieuws BV (a seguir, em conjunto, «empresas RTL») ao minister van Infrastructuur en Waterstaat (Ministro das Infraestruturas e da Gestão da Água, Países Baixos) a respeito da decisão através da qual este último indeferiu o pedido, apresentado por estas duas empresas, de acesso a informações relativas à queda de uma aeronave, ocorrida em 17 de julho de 2014, depois de ter sido abatida quando sobrevoava o leste da Ucrânia.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamentação geral da aviação civil

3        Segundo o seu artigo 1.o, n.o 1, o Regulamento 2018/1139 tem como objetivo principal estabelecer e manter um nível elevado e uniforme de segurança operacional da aviação civil na União Europeia.

4        Para este efeito, as disposições do capítulo IV deste regulamento visam instituir um «[s]istema comum de certificação, supervisão e execução». Entre estas disposições, o artigo 72.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Recolha, intercâmbio e análise de informações», prevê:

«1.      A Comissão [Europeia], a [Agência da União Europeia para a Segurança da Aviação (AESA)] e as autoridades nacionais competentes trocam todas as informações de que disponham no contexto da aplicação do presente regulamento e dos atos delegados e de execução nele baseados e que sejam de interesse para as outras partes para efeitos do exercício das atividades que lhes competem ao abrigo do presente regulamento. […]

[…]

5.      A Comissão adota atos de execução com regras pormenorizadas sobre a troca de informações a que se refere o n.o 1 do presente artigo entre a Comissão, a [AESA] e as autoridades nacionais competentes […]

As regras pormenorizadas a que se refere o primeiro parágrafo do presente número têm em conta a necessidade de:

[…]

b)      Limitar a difusão e a utilização dessas informações ao estritamente necessário para atingir os objetivos estabelecidos no artigo 1.o;

[…]

6.      A Comissão, a [AESA] e as autoridades nacionais competentes […] tomam, em conformidade com o direito da União e com a legislação nacional, as medidas necessárias para assegurar a devida confidencialidade das informações que lhes são comunicadas nos termos do presente artigo. O presente número não prejudica os requisitos de confidencialidade mais exigentes previstos [no Regulamento (UE) n.o 996/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, relativo à investigação e prevenção de acidentes e incidentes na aviação civil e que revoga a Diretiva 94/56/CE (JO 2010, L 295, p. 35), e no Regulamento (UE) n.o 376/2014], ou noutra legislação da União.

[…]»

5        O artigo 119.o do Regulamento 2018/1139, sob a epígrafe «Transparência e comunicação», dispõe, no seu n.o 1:

«O Regulamento [(CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43),] é aplicável aos documentos na posse da [AESA]. A presente disposição não prejudica as regras sobre o acesso aos dados e às informações estabelecidas no Regulamento (UE) n.o 376/2014 e nos atos de execução adotados com base no artigo 72.o, n.o 5, […] do presente regulamento.»

 Regulamentação relativa à investigação e prevenção de acidentes e incidentes na aviação civil

6        O artigo 5.o do Regulamento n.o 996/2010, conforme alterado pelo Regulamento 2018/1139 (a seguir «Regulamento n.o 996/2010»), sob a epígrafe «Obrigação de investigação», enuncia, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Todos os acidentes ou incidentes graves que envolvam aeronaves a que se aplica o Regulamento [2018/1139] são objeto de uma investigação de segurança no Estado‑Membro em que ocorreu o acidente ou incidente grave.

2.      Caso uma aeronave a que se aplica o Regulamento [2018/1139], registada num Estado‑Membro, esteja envolvida num acidente ou incidente grave e não seja possível determinar de forma conclusiva que o local da ocorrência se situa no território de um certo Estado, a autoridade responsável pelas investigações de segurança do Estado‑Membro de registo realiza uma investigação de segurança.»

7        O artigo 14.o do Regulamento n.o 996/2010, sob a epígrafe «Proteção de informações de segurança sensíveis», prevê:

«1.      Os registos a seguir enumerados não podem ser disponibilizados nem utilizados para fins distintos da investigação de segurança:

a)      Declarações recolhidas pela autoridade responsável durante a investigação de segurança;

b)      Registos que revelem a identidade das pessoas que tenham fornecido elementos de prova no contexto da investigação de segurança;

c)      Informações recolhidas pela autoridade responsável pelas investigações de segurança de natureza particularmente sensível ou pessoal, incluindo informações relacionadas com a saúde das pessoas;

d)      Elementos produzidos ulteriormente, no decurso da investigação, como notas, rascunhos, pareceres escritos pelos investigadores ou opiniões expressas durante a análise das informações, incluindo as informações dos registadores de voo;

e)      Informações e elementos de prova fornecidos por investigadores de outros Estados‑Membros ou de países terceiros em conformidade com as normas e práticas recomendadas internacionais, caso a respetiva autoridade responsável pelas investigações de segurança assim o solicite;

f)      Projetos de relatórios preliminares ou finais ou balanços intermédios;

g)      Gravações de áudio e vídeo da cabina de pilotagem e respetivas transcrições, bem como gravações de áudio realizadas no interior das unidades de controlo do tráfego aéreo, assegurando também que as informações não relevantes para a investigação de segurança, nomeadamente informações relacionadas com a privacidade das pessoas, sejam devidamente protegidas, sem prejuízo do disposto no n.o 3.

2.      Os registos a seguir enumerados não podem ser disponibilizados nem utilizados para fins distintos da investigação de segurança ou para outros fins que visem melhorar a segurança da aviação:

a)      Todas as comunicações entre pessoas que estiveram envolvidas na operação da aeronave;

b)      Gravações escritas ou eletrónicas e transcrições de gravações das unidades de controlo de tráfego aéreo, incluindo relatórios e resultados elaborados para fins internos;

c)      Cartas de transmissão ao destinatário de recomendações de segurança da autoridade responsável pelas investigações de segurança, se a autoridade que emite a recomendação assim o solicitar;

d)      Relatórios de ocorrências previstos na [Diretiva 2003/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de junho de 2003, relativa à comunicação de ocorrências na aviação civil (JO 2003, L 167, p. 23)].

As gravações do registador de voo não podem ser disponibilizadas nem utilizadas para fins distintos da investigação de segurança, da aeronavegabilidade ou da manutenção, exceto se forem anonimizadas e divulgadas mediante procedimentos seguros.

3.      Não obstante o disposto nos n.os 1 e 2, a administração da justiça ou a autoridade responsável pela decisão da divulgação dos registos de acordo com o direito nacional pode decidir que os benefícios da divulgação dos registos referidos nos n.os 1 e 2 para quaisquer outros fins autorizados por lei são superiores ao impacto negativo nacional e internacional que essa ação possa ter na investigação em curso ou em qualquer investigação de segurança ulterior. Os Estados‑Membros podem decidir limitar os casos em que uma tal decisão de divulgação pode ser tomada, em conformidade com os atos jurídicos da União.

A comunicação dos registos a que se referem os n.os 1 e 2 a outro Estado‑Membro para fins que não sejam os da investigação de segurança e, para além disso, no que respeita ao disposto no n.o 2, para fins que não sejam os de reforçar a segurança da aviação pode ser autorizada na medida em que a legislação do Estado‑Membro que procede à comunicação o permita. O tratamento ou a divulgação dos registos que as autoridades do Estado‑Membro destinatário tenham recebido por esta via só são autorizados após ter sido previamente consultado o Estado‑Membro que procede à comunicação e na observância da legislação nacional do Estado‑Membro destinatário.

4.      Só podem ser divulgados os dados estritamente necessários para os fins referidos no n.o 3.»

8        O artigo 15.o deste regulamento, sob a epígrafe «Comunicação de informações», prevê, nos seus n.os 3 a 5:

«3.      Sem prejuízo das obrigações estabelecidas nos artigos 16.o e 17.o, a autoridade responsável pelas investigações de segurança e o representante ou representantes acreditados a que se refere o artigo 8.o comunicam à AESA e às autoridades nacionais da aviação civil as informações factuais pertinentes obtidas durante a investigação de segurança, com exceção das informações referidas no artigo n.o 1 do artigo 14.o, ou de informações que possam causar conflitos de interesses. As informações recebidas pela AESA e pelas autoridades nacionais da aviação civil são protegidas ao abrigo do artigo 14.o, dos atos jurídicos aplicáveis da União e da legislação nacional.

4.      A autoridade responsável pelas investigações de segurança está autorizada a informar as vítimas e os seus familiares ou as suas associações representativas, ou a publicar informações sobre as observações factuais, os procedimentos da investigação de segurança, eventuais relatórios ou conclusões preliminares e/ou recomendações de segurança, desde que essas informações não comprometam os objetivos da investigação de segurança e respeitem integralmente a legislação aplicável à proteção dos dados pessoais.

5.      Antes de tornar públicas as informações referidas no n.o 4, a autoridade responsável pelas investigações de segurança envia essas informações às vítimas e aos seus familiares, ou às suas associações representativas, de forma que não comprometa os objetivos da investigação de segurança.»

9        Nos termos do artigo 16.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Relatório da investigação»:

«1.      Cada investigação de segurança deve ser concluída por um relatório elaborado de forma adequada ao tipo e à gravidade do acidente ou incidente grave. O relatório deve declarar que o único objetivo das investigações de segurança é prevenir futuros acidentes e incidentes, e não apurar culpas ou imputar responsabilidades. O relatório deve conter, se adequado, recomendações no domínio da segurança.

2.      O relatório deve proteger o anonimato de todas as pessoas envolvidas no acidente ou incidente grave.

3.      Caso as investigações de segurança deem lugar a relatórios antes de concluída a investigação, antes de os relatórios serem publicados a autoridade responsável pelas investigações de segurança pode pedir às autoridades em causa, nomeadamente à AESA, e, através delas, ao titular do certificado de conceção, ao fabricante e ao operador em causa, que apresentem comentários. As entidades consultadas ficam vinculadas pelas regras de sigilo profissional aplicáveis no que respeita ao teor da consulta.

4.      Antes da publicação do relatório final, a autoridade responsável pelas investigações de segurança pede às autoridades em causa, nomeadamente à AESA, e, através delas, ao titular do certificado de conceção, ao fabricante e ao operador em causa, que apresentem comentários. As entidades consultadas ficam vinculadas pelas regras de sigilo profissional aplicáveis no que se refere ao teor da consulta. Para o efeito, a autoridade responsável pelas investigações de segurança observa as normas e práticas recomendadas internacionais.

5.      As informações a que se refere o artigo 14.o só podem constar do relatório se forem relevantes para a análise do acidente ou incidente grave. As informações ou partes de informações não pertinentes para essa análise não podem ser divulgadas

6.      A autoridade responsável pelas investigações de segurança torna público o relatório final com a maior brevidade e, se possível, num prazo não superior a 12 meses a contar da data do acidente ou incidente grave.

7.      Se o relatório final não puder ser publicado no prazo de 12 meses, a autoridade responsável pelas investigações de segurança apresenta um balanço intermédio pelo menos em cada data de aniversário do acidente ou incidente grave, descrevendo de forma detalhada os progressos da investigação e os problemas de segurança eventualmente encontrados.

[…]»

 Regulamentação relativa às ocorrências na aviação civil

10      A Diretiva 2003/42 foi revogada e substituída pelo Regulamento n.o 376/2014.

11      Os considerandos 6, 12, 16, 20, 32 a 34, 40 e 50 do Regulamento n.o 376/2014 enunciam:

«(6)      A fim de melhorar a segurança da aviação, deverão ser comunicadas, recolhidas, armazenadas, protegidas, partilhadas, divulgadas e analisadas informações relevantes de segurança da aviação civil, e deverão ser tomadas medidas de segurança adequadas com base nas informações recolhidas. […]

[…]

(12)      As autoridades responsáveis pelas investigações de segurança e as entidades responsáveis pela regulação da segurança da aviação civil na União deverão ter pleno acesso aos elementos das ocorrências recolhidos e aos relatórios de ocorrências armazenados pelos seus Estados‑Membros, a fim de poderem decidir quais são os incidentes que exigem uma investigação de segurança e que constituem uma fonte de ensinamentos a tirar em prol da segurança da aviação, e de poderem cumprir as suas obrigações de supervisão.

[…]

(16)      A fim de facilitar o intercâmbio de informações, os relatórios de ocorrências deverão ser armazenados em bases de dados compatíveis com o Centro Europeu de Coordenação dos Sistemas de Notificação de Incidentes de Aviação (ECCAIRS) (o software utilizado por todos os Estados‑Membros e pelo Repositório Central Europeu) […]

[…]

(20)      O intercâmbio de informações sobre ocorrências deverá ter por objetivo a prevenção de acidentes e incidentes de aviação. Não deverá ser usado para imputar culpas ou responsabilidades, ou para estabelecer padrões para avaliação comparativa do desempenho de segurança.

[…]

(32)      O grande público deverá dispor de informações agregadas de caráter geral sobre o nível de segurança da aviação nos Estados‑Membros e na União. Essas informações deverão abranger, em especial, as tendências e as análises resultantes da aplicação do presente regulamento pelos Estados‑Membros, bem como informações agregadas sobre os conteúdos do Repositório Central Europeu, e poderão ser fornecidas através da publicação de indicadores de desempenho de segurança.

(33)      O sistema de segurança da aviação civil assenta no retorno de informações e nos ensinamentos tirados de acidentes e incidentes. A comunicação de ocorrências e a utilização das informações sobre ocorrências para melhorar a segurança dependem da existência de uma relação de confiança entre o autor da comunicação e a entidade responsável pela recolha e avaliação das informações. Isto exige a aplicação rigorosa das regras de confidencialidade. A proteção das informações de segurança contra as utilizações indevidas e a limitação do acesso ao Repositório Central Europeu apenas às partes interessadas que participem no reforço da segurança da aviação civil visam garantir o permanente fornecimento de informações de segurança, de modo a permitir tomar a tempo as medidas preventivas adequadas e melhorar a segurança da aviação. Neste contexto, as informações de segurança sensíveis deverão ser adequadamente protegidas, e a sua recolha deverá ser assegurada garantindo a sua confidencialidade, protegendo as suas fontes e assegurando a confiança do pessoal que trabalha na aviação civil nos sistemas de comunicação de ocorrências. Deverão ser adotadas medidas adequadas para garantir a confidencialidade das informações recolhidas através dos sistemas de comunicação de ocorrências e para restringir o acesso ao Repositório Central Europeu. As regras nacionais em matéria de liberdade de informação deverão ter em conta a confidencialidade necessária das informações. As informações recolhidas deverão ser adequadamente protegidas contra a utilização ou a divulgação não autorizadas. Essas informações deverão ser estritamente utilizadas para manter ou melhorar a segurança da aviação, e não deverão ser utilizadas para imputar culpas ou responsabilidades.

(34)      A fim de assegurar a confiança dos trabalhadores ou dos membros do pessoal contratado no sistema de comunicação de ocorrências da organização, as informações constantes dos relatórios de ocorrências deverão ser adequadamente protegidas e não deverão ser utilizadas para efeitos diferentes da manutenção ou melhoria da segurança da aviação. […]

[…]

(40)      A fim de reforçar a confiança das pessoas no sistema, o tratamento dos relatórios de ocorrências deverá ser organizado de forma a salvaguardar de forma apropriada a confidencialidade da identidade do autor da comunicação e das outras pessoas mencionadas no relatório de ocorrência […]

[…]

(50)      Na aplicação do presente regulamento deverão ser plenamente respeitadas as regras relativas ao tratamento de dados e à proteção das pessoas […]. Na aplicação do presente regulamento, deverão ser integralmente cumpridas as regras sobre acesso aos dados, estabelecidas no Regulamento [n.o 1049/2001], exceto no tocante à difusão de dados e informações constantes do Repositório Central Europeu, que se encontram protegidos por regras de acesso mais rigorosas estabelecidas no presente regulamento.»

12      O artigo 1.o do Regulamento n.o 376/2014, sob a epígrafe «Objetivos», tem a seguinte redação:

«1.      O presente regulamento visa reforçar a segurança da aviação, assegurando a comunicação, a recolha, o armazenamento, a proteção, o intercâmbio, a divulgação e a análise das informações pertinentes relativas à segurança da aviação civil.

O presente regulamento assegura que:

a)      Sejam adotadas, se for caso disso, medidas de segurança atempadas, baseadas na análise das informações recolhidas;

b)      As informações de segurança estejam continuamente disponíveis, introduzindo regras de confidencialidade e regras relativas à utilização adequada das informações, e protegendo de forma harmonizada e reforçada os autores das comunicações e as pessoas mencionadas nos relatórios de ocorrências; e

c)      Os riscos de segurança da aviação sejam abordados e tratados a nível da União e a nível nacional.

2.      A comunicação de ocorrências destina‑se exclusivamente a prevenir acidentes e incidentes, e não a imputar culpas ou responsabilidades.»

13      Nos termos do artigo 2.o deste regulamento:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

3)      “Incidente”, um incidente na aceção do Regulamento [n.o 996/2010];

4) “Incidente grave”: um incidente grave na aceção do Regulamento [n.o 996/2010];

5)      “Acidente”, um acidente na aceção do Regulamento [n.o 996/2010];

6)      “Informações desidentificadas”: as informações decorrentes dos relatórios de ocorrências dos quais foram retirados todos os dados pessoais, tais como os nomes e os endereços de pessoas singulares;

7)      “Ocorrência”: um evento relacionado com a segurança que ponha em perigo ou, caso não seja corrigido ou solucionado, que possa pôr em perigo uma aeronave, os seus ocupantes ou outras pessoas; as ocorrências incluem, em particular, os acidentes e os incidentes graves;

[…]

9)      “Anonimização”: a eliminação, dos relatórios de ocorrências, de todos os dados pessoais relativos aos autores da comunicação e às pessoas mencionadas nos relatórios de ocorrências, bem como de todos os elementos, incluindo o nome da organização ou organizações envolvidas nessas ocorrências, suscetíveis de revelar a identidade dos autores da comunicação ou de terceiros, ou de conduzirem a essa informação por inferência a partir do relatório de ocorrência;

[…]»

14      O artigo 3.o do Regulamento n.o 376/2014, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», prevê, no seu n.o 1:

«O presente regulamento estabelece regras em matéria de:

a)      Comunicação de ocorrências que ponham em perigo ou que, caso não sejam corrigidas ou tratadas, possam pôr em perigo uma aeronave, os seus ocupantes, outras pessoas e equipamentos ou instalações que afetem a operação de voo da aeronave; e de comunicação de outras informações pertinentes relacionadas com a segurança nesse contexto;

b)      Análise e medidas de seguimento em relação às ocorrências comunicadas e a outras informações relacionadas com a segurança;

c)      Proteção dos profissionais da aviação;

d)      Utilização adequada das informações de segurança recolhidas;

e)      Integração de informações no Repositório Central Europeu; e

[…]»

15      Nos termos do artigo 4.o deste regulamento, sob a epígrafe «Comunicação obrigatória»:

«1.      As ocorrências suscetíveis de representar um risco grave para a segurança da aviação, abrangidas pelas categorias que se seguem, são comunicadas pelas pessoas enumeradas no n.o 6 através dos sistemas de comunicação obrigatória de ocorrências nos termos do presente artigo:

a)      Ocorrências relacionadas com a operação das aeronaves, tais como:

[…]

iv)      ocorrências em voo,

[…]

2.      As organizações estabelecidas num Estado‑Membro devem criar um sistema de comunicação obrigatória para facilitar a recolha dos elementos das ocorrências referidas no n.o 1.

3.      Os Estados‑Membros devem criar um sistema de comunicação obrigatória para facilitar a recolha dos elementos das ocorrências, incluindo a recolha dos elementos das ocorrências recolhidos por organizações nos termos do n.o 2.

[…]

6.      As pessoas singulares a seguir indicadas comunicam as ocorrências referidas no n.o 1 através do sistema criado nos termos do n.o 2 pela organização que emprega, contrata ou recorre aos serviços do autor da comunicação; ou, em alternativa, através do sistema criado nos termos do n.o 3 pelo Estado‑Membro em que a sua organização estiver estabelecida, ou pelo Estado‑Membro que emitiu, validou ou converteu a licença do piloto; ou através do sistema criado nos termos do n.o 4 pela [AESA]:

a)      O piloto‑comandante ou, nos casos em que o piloto‑comandante esteja incapaz de comunicar a ocorrência, outro membro da tripulação que se lhe siga na cadeia de comando de uma aeronave matriculada num Estado‑Membro ou de uma aeronave matriculada fora da União mas utilizada por um operador em relação ao qual um Estado‑Membro assegura a supervisão das operações, ou por um operador estabelecido na União;

b)      As pessoas que desempenham funções de conceção, construção, gestão da aeronavegabilidade permanente, manutenção ou modificação de uma aeronave, ou dos equipamentos ou peças relacionados com a mesma, sob a supervisão de um Estado‑Membro ou da Agência;

c)      As pessoas que assinam os certificados de avaliação da aeronavegabilidade, ou da colocação em serviço de uma aeronave, ou de equipamentos ou peças relacionados com a mesma, sob a supervisão de um Estado‑Membro ou da [AESA];

d)      As pessoas que desempenham funções para as quais seja exigida uma autorização de um Estado‑Membro enquanto agente de um prestador de serviços de tráfego aéreo com responsabilidade na área dos serviços de navegação aérea ou enquanto responsável pelo serviço de informação de voo;

e)      As pessoas que desempenham funções relacionadas com a gestão da segurança de aeroportos […]

[…]

7.      As pessoas enumeradas no n.o 6 comunicam as ocorrências no prazo de 72 horas após delas terem tido conhecimento, salvo se circunstâncias excecionais o impedirem.

8.      Na sequência da comunicação da ocorrência, as organizações estabelecidas num Estado‑Membro, não abrangidas pelo n.o 9, comunicam à autoridade competente desse Estado‑Membro, conforme referido no artigo 6.o, n.o 3, os elementos das ocorrências recolhidos nos termos do n.o 2 do presente artigo logo que possível e, em todo o caso, no prazo de 72 horas após terem tido conhecimento da ocorrência.

[…]»

16      O artigo 5.o do Regulamento n.o 376/2014, sob a epígrafe «Comunicação voluntária», prevê, nos seus n.os 1 a 3, a criação, pelas organizações estabelecidas num Estado‑Membro, por cada Estado‑Membro e pela [AESA], de um sistema de comunicação voluntária para facilitar a recolha, por um lado, de elementos de ocorrências que não possam ser recolhidos através do sistema de comunicação obrigatória previsto no artigo 4.o deste regulamento e, por outro, de outras informações relacionadas com a segurança que o autor da comunicação considere representarem um perigo real ou potencial para a segurança da aviação. O artigo 5.o, n.o 7, do referido regulamento prevê que as organizações, os Estados‑Membros e a [AESA] podem criar outros sistemas de recolha e tratamento de informações de segurança para recolher elementos das ocorrências suscetíveis de não ser compilados pelos sistemas de comunicação referidos nos n.os 1, 2 e 3 deste artigo, bem como no artigo 4.o do mesmo regulamento.

17      O artigo 6.o do Regulamento n.o 376/2014, sob a epígrafe «Recolha e armazenamento de informações», prevê:

«[…]

3.      Os Estados‑Membros designam uma ou mais autoridades competentes incumbidas de criar um mecanismo independente de recolha, avaliação, tratamento, análise e armazenamento dos elementos das ocorrências comunicados nos termos dos artigos 4.o e 5.o

O tratamento dessas comunicações é feito de forma a evitar a utilização das informações para fins distintos da segurança, e deve salvaguardar adequadamente a confidencialidade da identidade dos autores das comunicações e das pessoas referidas nos relatórios de ocorrências, a fim de promover uma cultura justa.

[…]

6.      As autoridades competentes referidas no n.o 3 armazenam os relatórios de ocorrências elaborados com base nos elementos das ocorrências recolhidos nos termos dos artigos 4.o e 5.o numa base de dados nacional.

[…]»

18      O artigo 7.o deste regulamento, sob a epígrafe «Qualidade e conteúdo dos relatórios de ocorrências», dispõe, no seu n.o 4:

«As bases de dados referidas no artigo 6.o, n.os 5, 6 e 8, utilizam formatos:

a)      Normalizados de modo a facilitar o intercâmbio de informações; e

b)      compatíveis com o software ECCAIRS […]

[…]»

19      O artigo 8.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Repertório Central Europeu», prevê, nomeadamente, nos seus n.os 1 e 2, que a Comissão gere um Repositório Central Europeu destinado a armazenar todos os relatórios de ocorrências recolhidos na União e que os Estados‑Membros atualizam este repositório transferindo para este todas as informações relacionadas com a segurança armazenadas nas bases de dados nacionais a que se refere o artigo 6.o, n.o 6, do mesmo regulamento.

20      O artigo 9.o do Regulamento n.o 376/2014, sob a epígrafe «Intercâmbio de informações», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros e a [AESA] participam num intercâmbio de informações, pondo todas as informações relacionadas com a segurança armazenadas nas suas bases de dados à disposição das autoridades competentes dos outros Estados‑Membros, da [AESA] e da Comissão, através do Repositório Central Europeu.

Os relatórios de ocorrências são transferidos para o Repositório Central Europeu no prazo de 30 dias a contar da sua introdução nas bases de dados nacionais.

Sempre que necessário, os relatórios de ocorrências são atualizados com informações adicionais relacionadas com a segurança.

[…]»

21      O artigo 10.o deste regulamento, sob a epígrafe «Divulgação das informações armazenadas no Repositório Central Europeu», enuncia, no seu n.o 1:

«As entidades responsáveis pela regulação da segurança da aviação civil ou as autoridades responsáveis pelas investigações de segurança dentro da União têm pleno acesso seguro em linha às informações sobre ocorrências constantes do Repositório Central Europeu.

Essas informações são utilizadas nos termos dos artigos 15.o e 16.o»

22      O artigo 13.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Análise e seguimento das ocorrências a nível nacional», tem a seguinte redação:

«[…]

9.      Se disponíveis, as informações relativas à análise e ao seguimento de ocorrências específicas ou de grupos de ocorrências, obtidas em aplicação do presente artigo, são armazenadas no Repositório Central Europeu, nos termos do artigo 8.o, n.os 2 e 3, atempadamente e, o mais tardar, dois meses a contar da sua introdução na base de dados nacional relevante.

10.      Os Estados‑Membros utilizam as informações obtidas a partir da análise dos relatórios de ocorrências para identificar as medidas corretivas a tomar, se for o caso, no âmbito dos seus Programas Nacionais de Segurança Operacional.

11.      A fim de informar o público sobre o nível de segurança existente na aviação civil, os Estados‑Membros publicam um relatório sobre segurança no mínimo uma vez por ano. Esse relatório deve:

a)      Conter informações agregadas ou anonimizadas sobre o tipo de ocorrências e sobre as informações relacionadas com a segurança comunicadas através dos seus sistemas nacionais de comunicação obrigatória e voluntária;

b)      Identificar as tendências;

c)      Identificar as medidas tomadas.

12.      Os Estados‑Membros podem igualmente publicar, de forma anonimizada, os relatórios de ocorrências e os resultados das análises de risco.»

23      Nos termos do artigo 15.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Confidencialidade e utilização adequada das informações»:

«1.      Os Estados‑Membros e as organizações, em conformidade com a sua legislação nacional, e a [AESA], tomam as medidas necessárias para garantir a confidencialidade adequada dos elementos das ocorrências recebidas nos termos dos artigos 4.o, 5.o e 10.o

Os Estados‑Membros, as organizações estabelecidas num Estado‑Membro e a [AESA] tratam os dados pessoais apenas na medida do necessário para os fins do presente regulamento, e sem prejuízo dos atos normativos nacionais que aplicam a [Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO 1995, L 281, p. 31)].

2.      Sem prejuízo das disposições relativas à proteção das informações de segurança dos artigos 12.o, 14.o e 15.o do Regulamento [n.o 996/2010], as informações provenientes dos relatórios de ocorrências são utilizadas apenas para os fins para os quais foram recolhidas.

Os Estados‑Membros, a [AESA] e as organizações não disponibilizam nem utilizam as informações sobre ocorrências:

a)      Para imputar culpas ou responsabilidades; nem

b)      Para fins que não sejam manter ou melhorar a segurança da aviação.

[…]»

24      O artigo 16.o do Regulamento n.o 376/2014, sob a epígrafe «Proteção das fontes de informação», prevê, no seu n.o 3:

«Os Estados‑Membros asseguram que não sejam introduzidos dados pessoais na base de dados nacional a que se refere o artigo 6.o, n.o 6. Essas informações desidentificadas são postas à disposição de todas as partes relevantes de modo a permitir‑lhes, por exemplo, cumprir as obrigações que lhes incumbem no que respeita à melhoria da segurança da aviação.»

25      O artigo 20.o deste regulamento, sob a epígrafe «Acesso aos documentos e proteção de dados pessoais», contém um n.o 1 com a seguinte redação:

«Com exceção dos artigos 10.o e 11.o, que estabelecem regras de acesso mais rigorosas aos dados e informações contidos no Repositório Central Europeu, o presente regulamento é aplicável sem prejuízo do Regulamento [n.o 1049/2001].»

 Direito neerlandês

 Lei sobre a Publicidade dos Atos da Administração

26      O direito de acesso do público aos documentos administrativos regia‑se, no que respeita ao litígio no processo principal, pela Wet houdende regelen betreffende de openbaarheid van bestuur (Lei que regula a Publicidade dos Atos da Administração), de 31 de outubro de 1991 (Stb. 1991, n.o 703, a seguir «Lei sobre a Publicidade dos Atos da Administração»).

27      O artigo 2.o, n.o 1, da Lei sobre a Publicidade dos Atos da Administração previa:

«No exercício das suas funções, uma entidade administrativa deve, sem prejuízo de quaisquer outras disposições previstas na lei, fornecer informações em conformidade com a presente lei e seguir, a este respeito, o interesse geral no livre acesso à informação.»

28      O artigo 3.o desta lei enunciava:

«1.      Qualquer pessoa pode dirigir um pedido de acesso a informações contidas em documentos relativos a uma questão administrativa a uma entidade administrativa ou a uma instituição, serviço ou empresa que atue sob a autoridade de uma entidade administrativa.

2.      No pedido, o requerente deve especificar a questão administrativa, ou o documento com ela relacionado, sobre a qual pretende receber informações.

3.      O requerente não tem de declarar um interesse aquando da apresentação do pedido.

[…]

5.      O pedido de informações será deferido sob reserva do disposto nos artigos 10.o e 11.o»

29      O artigo 10.o, n.o 2, da referida lei tinha a seguinte redação:

«Não há, ainda, lugar à prestação de informações nos termos da presente lei quando o interesse dessa prestação não prevalece sobre os seguintes interesses:

a.      Relações do Reino dos Países Baixos com outros Estados e com organizações internacionais;

[…]

d.      Inspeção, controlo e supervisão pelas autoridades administrativas;

e.      Respeito pela vida privada;

[…]»

 Lei da Aviação

30      O artigo 7.1, n.o 1, da Wet houdende algemene regeling met betrekking tot het luchtverkeer (Lei geral relativa à Aviação), de 18 de junho de 1992 (Stb. 1992, n.o 368), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei da Aviação»), previa:

«As ocorrências são notificadas ao Ministro das Infraestruturas e do Ambiente.»

31      O artigo 7.2, n.o 1, da Lei da Aviação tinha a seguinte redação:

«Os dados obtidos a partir de uma notificação referida no artigo 7.1, n.o 1, ou recebidos de um Estado‑Membro da União Europeia em resposta a uma notificação semelhante nesse Estado‑Membro, não são públicos.»

 Antecedentes do litígio e questões prejudiciais

32      Por carta de 10 de janeiro de 2018, as empresas RTL pediram ao minister van Justitie en Veiligheid (Ministro da Justiça e da Segurança, Países Baixos) que, ao abrigo da Lei sobre a Publicidade dos Atos da Administração, lhes fosse prestado um conjunto de informações relativas à queda, depois de ter sido abatida, de uma aeronave fretada pela companhia Malaysia Airlines, que efetuava um voo com o código IATA (International Air Transport Association) MH17 e que ligava Amesterdão (Países Baixos) a Kuala Lumpur (Malásia) (a seguir «MH17»). Essa queda ocorreu em 17 de julho de 2014 quando o MH17 atravessava a parte do espaço aéreo ucraniano sobre a região de Donetsk, no leste da Ucrânia. Com o seu pedido, que tinha, nomeadamente, por objeto uma categoria de documentos identificada como sendo «os relatórios do ECCAIRS [durante] o ano de 2014 [e] relativos à Ucrânia» (a seguir «relatórios do ECCAIRS»), as empresas RTL pretendiam receber informações sobre o conhecimento das autoridades neerlandesas a respeito desta ocorrência.

33      O Ministro da Justiça e da Segurança enviou a parte do pedido relativa aos relatórios do ECCAIRS ao Ministro das Infraestruturas e da Gestão da Água. Depois de ter efetuado uma pesquisa na base de dados neerlandesa, este último Ministro constatou que a autoridade neerlandesa competente nela tinha aí armazenado três relatórios relativos a ocorrências no espaço aéreo ucraniano durante 2014. Em contrapartida, não averiguou se as autoridades competentes dos outros Estados‑Membros tinham armazenado outros relatórios na respetiva base de dados nacional ou no Repositório Central Europeu.

34      Por Decisão de 17 de abril de 2018, o Ministro das Infraestruturas e da Gestão da Água indeferiu o referido pedido na parte relativa aos relatórios do ECCAIRS. Fundamentou esta decisão, em substância, na existência de um regime especial de proibição de divulgação que decorre do Regulamento n.o 376/2014 e que é o único aplicável às informações em causa, com exclusão do regime geral de acesso do público aos documentos administrativos estabelecido pela Lei sobre a Publicidade dos Atos da Administração. Em seu entender, este regime especial tem como consequência jurídica que as informações armazenadas nas bases de dados nacionais só podem, por um lado, ser comunicadas às pessoas interessadas, conforme definidas no Anexo II deste regulamento, e, por outro, ser utilizadas para efeitos de manter ou de melhorar a segurança da aviação.

35      As empresas RTL apresentaram uma reclamação graciosa contra a referida decisão.

36      Por Decisão de 17 de outubro de 2018, o Ministro das Infraestruturas e da Gestão da Água confirmou a sua Decisão de 17 de abril de 2018, acrescentando‑lhe um fundamento relativo, em substância, ao artigo 7.2 da Lei da Aviação, que visa assegurar a boa aplicação no direito interno do Regulamento n.o 376/2014 e que, por conseguinte, também obsta à comunicação, a uma pessoa coletiva como as empresas RTL, de informações relativas ao facto de o MH17 ter sido abatido durante o voo.

37      As empresas RTL interpuseram então um recurso contencioso no rechtbank Midden‑Nederland (Tribunal dos Países Baixos do Centro, Países Baixos).

38      Por Decisão de 7 de novembro de 2019, este último negou provimento ao recurso das empresas RTL.

39      No âmbito do recurso que interpuseram para o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos), o órgão jurisdicional de reenvio, as empresas RTL alegam, nomeadamente, que o Regulamento n.o 376/2014 e o artigo 7.2 da Lei da Aviação não podem ser interpretados no sentido de que instituem um regime especial de confidencialidade ou de proibição de divulgação que tem como consequência jurídica privá‑las, de forma completa e absoluta, da possibilidade de, ao abrigo do regime geral de acesso do público aos documentos administrativos, previsto pela Lei relativa à Publicidade dos Atos da Administração, obterem informações relativas ao facto de o MH17 ter sido abatido durante o voo. É certo que a análise dos termos do artigo 15.o deste regulamento, do contexto em que este artigo se insere e dos objetivos que prossegue revela que o legislador da União pretendeu instituir um regime de confidencialidade específico no domínio da segurança da aviação. No entanto, este regime de confidencialidade não impõe uma proibição completa e absoluta de divulgação das informações por ele abrangidas.

40      A título subsidiário, as empresas RTL entendem que, mesmo admitindo que o referido regime de confidencialidade seja aplicável com exclusão de qualquer outro regime, não deve deixar de ser interpretado no respeito pelo direito à liberdade de expressão e de informação consagrado no artigo 10.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»). Continua, portanto, a ser possível que as empresas que operam no setor dos meios de comunicação social obtenham a comunicação de certas informações que põem em causa um interesse geral importante, como é o caso das informações relativas ao acontecimento catastrófico que constituiu o facto de o MH17 ter sido abatido durante o voo.

41      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se, em primeiro lugar, sobre o alcance do regime de confidencialidade instituído pelo artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014, a compatibilidade deste com o regime especial de proibição de divulgação instituído pela Lei da Aviação, e a articulação destes dois regimes com o regime geral de acesso do público aos documentos administrativos previsto, no direito interno, pela Lei relativa à Publicidade dos Atos da Administração.

42      A este respeito, esse órgão jurisdicional considera, nomeadamente, que a análise da Diretiva 2003/42 e do Regulamento n.o 376/2014 não permite determinar se estes atos impõem, permitem ou, pelo contrário, excluem uma proibição completa e absoluta de divulgação das informações a que se aplicam os diferentes regimes de confidencialidade que instituem. Com efeito, as suas disposições, bem como os considerandos que podem esclarecer o seu alcance, mencionam, na versão em língua neerlandesa, a necessidade de garantir uma confidencialidade «devida» e «adequada» a essas informações. Além disso, os mesmos referem‑se umas vezes a «informações» recebidas pelas autoridades nacionais competentes, outras vezes a «informações sensíveis» detidas por estas e, por vezes ainda, a «elementos das ocorrências» suscetíveis de representar um risco para a segurança da aviação, sem precisar expressamente o que abrangem estes diferentes conceitos nem como se articulam entre si.

43      O referido órgão jurisdicional considera, por outro lado, que esses diferentes regimes devem ser interpretados à luz, por um lado, do direito à liberdade de expressão e de informação que o artigo 11.o da Carta e o artigo 10.o da CEDH garantem, de uma forma geral, a todas as pessoas e, por outro, dos direitos e do papel específico de «cão de guarda» que o segundo desses artigos reconhece aos órgãos de imprensa, como recordou o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, nomeadamente, no seu Acórdão de 8 de novembro de 2016, Magyar Helsínquia Bizottság c. Hungria (CE:ECHR:2016:1108JUD001803011).

44      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se, em substância, sobre as consequências a retirar da eventual incompatibilidade da Lei da Aviação com o Regulamento n.o 376/2014, interpretado à luz do artigo 11.o da Carta. A este respeito, considera que, se o regime especial de proibição de divulgação previsto por esta lei for considerado incompatível com o Regulamento n.o 376/2014 e, consequentemente, inaplicável, a legalidade da decisão pela qual o Ministro das Infraestruturas e da Gestão da Água indeferiu o pedido das empresas RTL deverá ser apreciada à luz da Lei relativa à Publicidade dos Atos da Administração. Ora, mesmo que esta lei não tenha por objetivo assegurar a transposição ou a aplicação de uma regulamentação de direito derivado da União e mesmo que este não harmonize, de forma geral, o direito de acesso do público aos documentos administrativos nos Estados‑Membros, também deve ser interpretada, tanto quanto possível, tendo em conta o regime de confidencialidade instituído pelo Regulamento n.o 376/2014, como aliás é recordado no considerando 33 deste último.

45      Nestas circunstâncias, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«(1)      O que se deve entender por “elementos das ocorrências” e por “confidencialidade adequada”, na aceção do artigo 15.o, n.o 1, do [Regulamento n.o 376/2014] e à luz do direito à liberdade de expressão e de informação consagrado no artigo 11.o da [Carta] e no artigo 10.o da CEDH?

2.      Deve o artigo 15.o, n.o 1, do [Regulamento n.o 376/2014] ser interpretado, à luz do direito à liberdade de expressão e de informação consagrado no artigo 11.o da [Carta] e no artigo 10.o da CEDH, no sentido de que é compatível com uma norma nacional, como a que está em causa no processo principal, que não permite a divulgação de nenhum dado sobre as referidas ocorrências?

3.      Em caso de resposta negativa à questão 2, está a autoridade nacional competente autorizada a aplicar um regime nacional geral de divulgação por força do qual não deve ser prestada informação na medida em que a prestação dessa informação não possa prevalecer sobre os interesses relativos, por exemplo, às relações com os outros Estados e organizações internacionais, à inspeção, ao controlo e à [supervisão] pelas autoridades administrativas, ao respeito da vida privada e à prevenção de uma vantagem desproporcionada e ao prejuízo sofrido por pessoas singulares e coletivas?

4.      É relevante, para a aplicação do regime nacional geral de divulgação, o facto de se tratar de informações contidas na base de dados nacional ou de informações extraídas de relatórios ou sobre estes, incluídos noutros documentos, como, por exemplo, documentos políticos?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto às questões primeira e segunda

46      Com as suas questões primeira e segunda, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014, lido à luz do direito à liberdade de expressão e de informação consagrado no artigo 11.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que as informações que estejam na posse das autoridades nacionais competentes que digam respeito a uma «ocorrência» relativa à segurança da aviação, na aceção do artigo 2.o, ponto 7, deste regulamento, estão sujeitas a um regime de confidencialidade que tem como consequência que nem o público nem sequer uma empresa de comunicação social têm direito de aceder a essas informações.

47      A este respeito, há que recordar, a título preliminar, que decorre tanto das exigências da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição deste direito que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e alcance devem normalmente ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme. Esta interpretação deve ser procurada tendo em conta não só os termos da disposição a interpretar, mas também o contexto em que esta se inscreve e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de janeiro de 1984, Ekro, 327/82, EU:C:1984:11, n.o 11, e de 15 de novembro de 2022, Senatsverwaltung für Inneres und Sport, C‑646/20, EU:C:2022:879, n.o 40).

48      Por outro lado, um ato da União deve ser interpretado, tanto quanto possível, no sentido de não pôr em causa a sua validade e em conformidade com o direito primário no seu conjunto, nomeadamente com as disposições da Carta. Assim, quando uma disposição desse ato seja suscetível de várias interpretações, há que dar preferência àquela que torna essa disposição conforme com o direito primário e não à que levaria a declarar a sua incompatibilidade com este [Acórdãos de 14 de maio de 2019, M e o. (Revogação do estatuto de refugiado), C‑391/16, C‑77/17 e C‑78/17, EU:C:2019:403, n.o 77, e de 26 de abril de 2022, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑401/19, EU:C:2022:297, n.o 70].

49      No caso em apreço, no que respeita, em primeiro lugar, à redação do artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014, importa salientar, por um lado, que o n.o 1 deste artigo impõe, designadamente, aos Estados‑Membros que tomem as medidas necessárias para garantir a confidencialidade adequada dos elementos das ocorrências recebidas nos termos dos artigos 4.o, 5.o e 10.o deste regulamento.

50      Conforme resulta do artigo 4.o, n.os 1 a 3 e 6 a 8, do Regulamento n.o 376/2014, bem como do artigo 5.o, n.os 1 a 3 e 7, deste regulamento, lidos à luz das definições que figuram no artigo 2.o, pontos 3 a 5 e 7, do referido regulamento, os «elementos», na aceção do mesmo regulamento, incluem todas as «informações» recolhidas, independentemente da forma que assumam, pelas autoridades nacionais competentes, através dos sistemas de comunicação previstos pelos dois primeiros destes três artigos, a respeito de ocorrências que ponham ou possam pôr em perigo uma aeronave, os seus ocupantes ou outras pessoas, quer se trate de incidentes, de incidentes graves ou de acidentes. Como decorre do artigo 10.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 376/2014, esses elementos incluem também, de forma mais abrangente, todas as «informações sobre [e]ssas ocorrências», que são armazenadas, independentemente da forma que assumam, no Repositório Central Europeu e nas bases de dados nacionais referidas, respetivamente, no artigo 8.o e no artigo 6.o, n.o 6, deste regulamento, especialmente as relativas à «avaliação», «análise» e «seguimento» que incumbe às autoridades nacionais competentes efetuar por força do artigo 6.o, n.o 3, primeiro parágrafo, e do artigo 13.o, n.o 9, do referido regulamento, bem como as relativas às «medidas corretivas» que devem ser tomadas ao abrigo do artigo 13.o, n.o 10, do mesmo regulamento.

51      Por conseguinte, a obrigação de confidencialidade prevista no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014 aplica‑se, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 30 das suas conclusões, a todas as informações relativas às ocorrências em poder das autoridades nacionais competentes ou pela AESA por força dos artigos 4.o, 5.o ou 10.o deste regulamento. Essas informações devem incluir tanto as informações recolhidas pelas autoridades nacionais competentes na sequência da comunicação de uma ocorrência que ponha ou possa pôr em perigo uma aeronave, os seus ocupantes ou outras pessoas, como outras informações armazenadas nas bases de dados nacionais e no Repositório Central Europeu, especialmente as informações contidas nos relatórios, comunicações e outros documentos ou suportes elaborados ou constituídos por essas autoridades na sequência de tal comunicação.

52      Por outro lado, o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 376/2014 precisa o alcance jurídico da obrigação de confidencialidade enunciada no n.o 1 deste artigo, cujo âmbito de aplicação material define. Assim, esse n.o 2 prevê, no seu primeiro parágrafo, que, sem prejuízo das disposições relativas à proteção das informações de segurança dos artigos 12.o, 14.o e 15.o do Regulamento n.o 996/2010, as informações provenientes dos relatórios de ocorrências são utilizadas apenas para os fins para os quais foram recolhidas. Além disso, em conformidade com o segundo parágrafo do referido n.o 2, os Estados‑Membros não disponibilizam nem utilizam as informações sobre ocorrências para imputar culpas ou responsabilidades e, de um modo mais geral, para fins que não sejam manter ou melhorar a segurança da aviação.

53      Embora o primeiro parágrafo do artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 376/2014 se refira, de forma genérica, aos «fins para os quais [essas informações] foram recolhidas», resulta da análise de todo este regulamento que esses fins estão relacionados, na realidade, com manter e a melhorar a segurança da aviação, visadas no segundo parágrafo desta disposição. Mais especificamente, o artigo 3.o, n.o 1, o artigo 6.o, n.o 3, segundo parágrafo, e o artigo 13.o, n.o 10, do referido regulamento revelam, de forma clara e coerente, que essas informações só podem ser disponibilizadas e utilizadas para fins abrangidos, de uma forma ou de outra, por essa manutenção ou melhoria, como, por exemplo, a deteção de riscos que possam afetar a segurança da aviação, o seguimento desses riscos, a adoção de medidas para os resolver ou ainda a proteção dos profissionais do setor da aviação civil. Além disso, estas três últimas disposições do Regulamento n.o 376/2014 e o artigo 9.o, n.o 1, deste regulamento revelam que todos os mecanismos instituídos para enquadrar os diferentes aspetos do tratamento das referidas informações, como a sua comunicação, o seu armazenamento, a sua avaliação e a sua análise, ou ainda o seu intercâmbio, se destinam a contribuir para manter e melhorar a segurança no setor da navegação aérea civil.

54      No que respeita, em segundo lugar, ao contexto em que se inscreve o artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014 e aos objetivos prosseguidos por este regulamento, importa salientar, primeiro, que este tem por objetivo, nos termos do seu artigo 1.o, n.o 1, reforçar a segurança da aviação, assegurando a comunicação, a recolha, o armazenamento, a proteção, o intercâmbio, a divulgação e a análise das informações pertinentes relativas à segurança da aviação civil.

55      Segundo, o artigo 1.o, n.o 1, alínea b), e n.o 2, do Regulamento n.o 376/2014, bem como os considerandos 6, 12, 20, 33, 34 e 40 deste regulamento confirmam que a obrigação de confidencialidade prevista no artigo 15.o do referido regulamento constitui um elemento simultaneamente central e necessário do sistema de supervisão e de controlo instituído por este para melhorar a segurança da aviação. Esta obrigação de confidencialidade é de natureza estrita e aplica‑se a todas as informações recolhidas ou estabelecidas para o efeito pelas autoridades nacionais competentes. A referida obrigação tem como corolário a proibição de disponibilizar ou utilizar essas informações para outros fins, quaisquer que eles sejam.

56      Terceiro, outras disposições do Regulamento n.o 376/2014, embora não digam diretamente respeito à disponibilização e à utilização das informações em causa, têm manifestamente por objetivo e por consequência garantir a efetividade da obrigação de confidencialidade prevista no artigo 15.o deste regulamento, reforçando a proibição, daí decorrente, de disponibilizar ou utilizar essas informações para fins diferentes dos expressamente previstos no artigo 15.o do referido regulamento.

57      Em especial, resulta claramente do artigo 20.o do Regulamento n.o 376/2014, lido à luz do seu considerando 50, que o direito de acesso do público aos documentos, conforme previsto no Regulamento n.o 1049/2001, não se aplica às referidas informações. Com efeito, estas estão sujeitas, exclusivamente, às regras mais estritas estabelecidas nos artigos 10.o e 11.o do Regulamento n.o 376/2014.

58      Quarto, também a análise dos outros regulamentos aplicáveis em matéria de segurança da aviação, para os quais o Regulamento n.o 376/2014 remete várias vezes, confirma o caráter simultaneamente geral e estrito da obrigação de confidencialidade prevista no artigo 15.o deste regulamento.

59      Assim, o Regulamento 2018/1139, que tem por objetivo, segundo o seu artigo 1.o, n.o 1, estabelecer e manter um nível elevado e uniforme de segurança operacional da aviação civil na União, prevê, no seu artigo 72.o, n.os 1 e 5, que todas as informações que podem ser recolhidas, analisadas e trocadas pela Comissão, pela AESA e pelas autoridades nacionais competentes no contexto da aplicação deste regulamento devem ser objeto de difusão e utilização limitadas ao «estritamente necessário» para atingir esse objetivo. Além disso, o artigo 72.o, n.o 6, do referido regulamento impõe a essas diferentes entidades que tomem as medidas necessárias para assegurar a devida confidencialidade dessas informações, sem prejuízo dos requisitos de confidencialidade ainda «mais exigentes» previstos, entre outros, no Regulamento n.o 376/2014. Por último, o artigo 119.o do Regulamento 2018/1139 recorda, em substância, que o direito de acesso do público aos documentos, instituído pelo Regulamento n.o 1049/2001, não se aplica às informações recolhidas ou elaboradas nos termos do Regulamento n.o 376/2014.

60      De forma coerente, o Regulamento n.o 996/2010, que, como decorre do seu artigo 5.o, n.os 1 e 2, se aplica paralelamente ao Regulamento n.o 376/2014 em caso de acidentes ou incidentes graves que envolvam uma aeronave que deva ser objeto de uma investigação de segurança, prevê, em substância, no seu artigo 14.o, n.os 1 e 2, que as informações sensíveis recolhidas sobre esses acidentes ou incidentes graves no âmbito da investigação de segurança a que dão lugar devem beneficiar de uma «proteção» comparável à «confidencialidade» prevista no Regulamento n.o 376/2014, no sentido de que não podem ser disponibilizadas nem utilizadas para fins distintos dessa investigação ou, em certos casos, para fins que visem melhorar a segurança da aviação. Resulta igualmente do artigo 15.o, n.o 3, do Regulamento n.o 996/2010 que, quando a autoridade responsável pela investigação de segurança comunica algumas dessas informações sensíveis à AESA ou às autoridades nacionais da aviação civil, para melhorar a segurança da aviação, as referidas informações devem permanecer protegidas contra qualquer disponibilização ou utilização para outros fins.

61      Assim, resulta da redação do artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014, do contexto em que se insere e dos objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte que esta disposição deve ser interpretada no sentido de que todas as informações na posse das autoridades nacionais competentes sobre uma «ocorrência» relativa à segurança da aviação, conforme definida pelo Regulamento n.o 376/2014, estão sujeitas a um regime de confidencialidade que tem como consequência que o público não tem o direito de lhes aceder sob qualquer forma.

62      No que respeita às considerações do órgão jurisdicional de reenvio sobre a utilização dos termos «devido» e «adequado» pelo legislador da União, nomeadamente nos considerandos 6, 33, 34 e 40 do Regulamento n.o 376/2014, bem como em algumas das suas disposições, nomeadamente no artigo 1.o, n.o 1, no artigo 3.o, n.o 1, e no artigo 6.o, n.o 3, deste regulamento, importa acrescentar que estes termos não remetem para a «confidencialidade» prevista pelo referido regulamento enquanto tal, mas para a «proteção» ou a «preservação» dessa confidencialidade, para as «medidas» a tomar para assegurar essa preservação ou essa proteção, bem como para a «utilização» das informações em causa. Não devem, portanto, ser entendidos no sentido de que a referida confidencialidade apresenta apenas um caráter relativo, como pretende esse órgão jurisdicional, mas deve ser assegurada por todos os meios que garantam que as informações em questão só são utilizadas para os fins para os quais foram recolhidas ou estabelecidas.

63      Por conseguinte, o artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014 não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que as informações na posse das autoridades nacionais competentes a respeito de tal ocorrência estão sujeitas a um regime de confidencialidade completa e absoluta que tem como consequência que o público não tem o direito de lhes aceder sob qualquer forma.

64      Daqui resulta que a obrigação de confidencialidade enunciada no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 376/2014 se aplica, nomeadamente, a todas as informações recolhidas, independentemente da forma em que o forem, por uma autoridade nacional competente sobre uma ocorrência como a que está em causa no processo principal, a saber, um «acidente», na aceção do artigo 2.o, ponto 5, do Regulamento n.o 376/2014 e do Regulamento n.o 996/2010, para o qual esta disposição remete, bem como a todas as informações que figurem, independentemente da sua forma, num documento ou suporte elaborado ou constituído na sequência da comunicação dessa ocorrência e que se encontre na base de dados nacional correspondente e no Repositório Central Europeu. Com efeito, tal ocorrência faz parte daquelas que devem dar lugar a uma comunicação obrigatória por força do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), iv), do Regulamento n.o 376/2014, uma vez que se trata de uma ocorrência em voo da aeronave em causa e que apresenta um risco grave para a segurança da aviação. Por conseguinte, a referida obrigação deve ser respeitada, entre outros, havendo «relatórios do ECCAIRS», como os mencionados nos n.os 32 a 34 do presente acórdão, observando‑se que o ECCAIRS é, na prática, o software utilizado pelas bases de dados nacionais e pelo Repositório Central Europeu cuja criação o Regulamento n.o 376/2014 impõe, como decorre do artigo 7.o, n.o 4, deste regulamento, lido à luz do seu considerando 16.

65      Em terceiro e último lugar, tendo em conta as interrogações do órgão jurisdicional de reenvio relativas às consequências jurídicas dessa interpretação do artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014 para o direito à liberdade de expressão e de informação, consagrado no artigo 11.o da Carta, no caso específico de a pessoa que pede para aceder a informações que beneficiam do regime de confidencialidade previsto neste artigo ser uma empresa de comunicação social, há que precisar o seguinte.

66      O Tribunal de Justiça já recordou que os atos ou as disposições de direito derivado da União suscetíveis de ter uma incidência negativa no exercício do direito à liberdade de expressão e de informação consagrada no artigo 11.o da Carta e, portanto, de introduzir uma restrição a esse exercício, devem ser interpretados tendo em conta esse direito (v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2022, Polónia/Parlamento e Conselho C‑401/19, EU:C:2022:297, n.os 47 e 70).

67      No caso em apreço, o Conselho da União Europeia, a Comissão e o Governo neerlandês, nas suas observações escritas, exprimiram os três a opinião de que, ao mesmo tempo que introduziu uma restrição ao exercício do direito à liberdade de expressão e de informação consagrado no artigo 11.o da Carta, o artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014 cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 52.o, n.o 1, da Carta para que essa restrição possa ser admitida.

68      A este respeito, o artigo 52.o, n.o 1, da Carta prevê que podem ser introduzidas restrições ao exercício dos direitos e liberdades garantidos por esta, desde que, em primeiro lugar, essas restrições sejam previstas por lei; em segundo lugar, respeitem o conteúdo essencial dos direitos e das liberdades em causa; e, em terceiro lugar, que, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

69      No que respeita, primeiro, ao requisito segundo a qual essa restrição deve ser prevista por lei, resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça que o mesmo implica, nomeadamente, que a sua base legal defina, de forma clara e precisa, o seu alcance [v., neste sentido, Acórdãos de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses, C‑419/14, EU:C:2015:832, n.o 81, e de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 76].

70      Ora, é o que sucede com o artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014, como resulta, em especial, dos n.os 51 e 61 do presente acórdão.

71      No que se refere, segundo, ao requisito relativo ao respeito pelo conteúdo essencial do direito em causa, importa, antes de mais, recordar que o artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014 sujeita a um regime geral e estrito de confidencialidade as informações que são recolhidas ou que estão na posse, por força deste regulamento, das autoridades competentes em matéria de segurança da aviação. Como tal, este artigo 15.o é suscetível de afetar o direito à liberdade de expressão e de informação consagrado no artigo 11.o da Carta, dado que permite, de uma forma geral, a qualquer pessoa, no seu n.o 1, e mais especificamente aos meios de comunicação social, no seu n.o 2, receber informações.

72      Com efeito, o artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014 impede qualquer pessoa de ter livremente acesso aos elementos e informações visados por esta disposição e, portanto, de tomar conhecimento do seu conteúdo, independentemente da ocorrência a que essas informações digam respeito e, portanto, qualquer que seja o interesse que estas poderiam eventualmente apresentar para o público.

73      Por outro lado, impede, mais especificamente, as empresas de comunicação social de terem acesso às referidas informações para fins jornalísticos, no âmbito das atividades preparatórias de pesquisa, de investigação e de recolha de elementos inerentes à liberdade dos meios de comunicação social e ao objetivo último da atividade jornalística, que consiste em comunicar informações ao público e em alimentar o debate público (v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2022, Autorité des marchés financiers, C‑302/20, EU:C:2022:190, n.os 68 e 69 e jurisprudência referida).

74      No entanto, o artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014 só se aplica às informações sobre acidentes, incidentes graves ou outras ocorrências suscetíveis de representar um risco grave para a segurança da aviação, recolhidas ou na posse das autoridades públicas competentes nos termos deste regulamento. Não impede, portanto, o público e as empresas de comunicação social de procurarem informar‑se a este respeito junto de outras fontes ou através de outros meios.

75      Além disso, este artigo 15.o não viola, em si mesmo, a liberdade de opinião e de expressão.

76      Nestas circunstâncias, deve considerar‑se que o referido artigo 15.o não viola o conteúdo essencial do direito consagrado no artigo 11.o da Carta.

77      Terceiro, no tocante ao requisito segundo o qual qualquer restrição deve ser necessária à prossecução de um objetivo de interesse geral reconhecido pela União e proporcionada para esse efeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que os objetivos que consistem em garantir a segurança do tráfego aéreo e, mais amplamente, em garantir um nível elevado e uniforme de segurança na aviação civil na Europa constituem objetivos de interesse geral reconhecidos pela União (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de julho de 2017, Fries, C‑190/16, EU:C:2017:513, n.os 42 e 43, e de 2 de junho de 2022, Skeyes, C‑353/20, EU:C:2022:423, n.o 67).

78      Além disso, pode constituir semelhante objetivo de interesse geral o objetivo que consista, para o legislador da União, em instituir, num setor caracterizado por uma situação particular, um sistema de supervisão e de controlo baseado em mecanismos de comunicação de informações pelas pessoas singulares ou coletivas em causa, de análise partilhada dessas informações pelas autoridades nacionais e da União competentes, bem como de proteção das referidas informações através de obrigações de confidencialidade. Concretamente, o Tribunal de Justiça admitiu que tais obrigações podem ser necessárias para preservar a confiança das pessoas em causa e para as proteger contra o risco de divulgação das informações que devem comunicar às autoridades competentes (v., no que respeita ao setor da supervisão financeira, Acórdão de 19 de junho de 2018, Baumeister, C‑15/16, EU:C:2018:464, n.os 31 a 33 e 46, e, no que respeita ao setor dos contratos públicos, Acórdão de 7 de setembro de 2021, Klaipėdos regiono atliekų tvarkymo centras, C‑927/19, EU:C:2021:700, n.o 115 e jurisprudência referida).

79      Ora, no caso em apreço, como resulta dos n.os 54 e 55 do presente acórdão, são esses os objetivos subjacentes quer ao Regulamento n.o 376/2014 no seu conjunto e, mais especificamente, ao sistema de supervisão e de controlo que este regulamento institui, quer à obrigação de confidencialidade prevista no artigo 15.o do referido regulamento, a qual constitui um elemento central e necessário desse sistema.

80      Por outro lado, como o Conselho e a Comissão salientaram nas suas observações escritas e orais no Tribunal de Justiça, importa observar que, do mesmo modo que exclui, de forma geral e estrita, qualquer direito de acesso do público ou mesmo de uma empresa de comunicação social às informações em causa, a obrigação de confidencialidade prevista no artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014 não prejudica a possibilidade de as autoridades ou os órgãos jurisdicionais nacionais competentes decidirem oficiosamente, em certas situações precisas e respeitando requisitos estritos, tornar públicas algumas dessas informações.

81      Assim, antes de mais, o artigo 13.o, n.os 11 e 12, do Regulamento n.o 376/2014, que deve ser lido à luz do considerando 32 deste regulamento, possibilita aos Estados‑Membros a publicação não só de relatórios destinados a informar o público sobre o nível geral de segurança na aviação civil, nomeadamente através de informações agregadas e anonimizadas, mas também de relatórios de ocorrências específicas, desde que estes sejam anonimizados.

82      Em seguida, como resulta dos seus próprios termos, o artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014 não prejudica a possibilidade que o artigo 14.o, n.os 3 e 4, do Regulamento n.o 996/2010 confere à administração da justiça ou à autoridade nacional competente de decidir divulgar, na parte em que isso seja estritamente necessário para um fim autorizado por lei e no respeito pelos requisitos estabelecidos por estas disposições e pelo direito nacional aplicável, determinadas informações relativas a um acidente ou incidente grave que envolva uma aeronave que tenha sido objeto de uma investigação de segurança.

83      Por último e do mesmo modo, o artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014 não prejudica a possibilidade de a autoridade encarregada da investigação de segurança decidir, em conformidade com o artigo 15.o, n.os 4 e 5, do Regulamento n.o 996/2010, informar as vítimas do acidente ou incidente grave em causa, bem como os seus familiares ou associações, e publicar informações sobre os procedimentos de investigação, bem como os eventuais relatórios, conclusões ou recomendações preliminares a que conduz esse procedimento. Esta autoridade tem, além disso, por força do artigo 16.o do mesmo regulamento, a obrigação de publicar o relatório final do referido procedimento.

84      Tendo em conta todas as disposições mencionadas nos n.os 81 a 83 do presente acórdão, que concedem ao público, e mais especificamente às empresas de comunicação social, algumas possibilidades de receber informações gerais relativas à segurança da aviação na União, bem como informações relativas a determinados eventos, nos casos em que as autoridades ou os órgãos jurisdicionais nacionais competentes consideram que a publicação ou a divulgação seletiva dessas informações se justifica, a obrigação de confidencialidade prevista no artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014 deve ser considerada proporcionada ao objetivo que prossegue. Com efeito, independentemente da circunstância de essa obrigação não impedir o público e as empresas de comunicação social de procurarem informar‑se junto de outras fontes ou através de outros meios, como resulta do n.o 74 do presente acórdão, não exclui toda e qualquer possibilidade de divulgação das informações em causa, por iniciativa e sob o controlo dessas autoridades ou órgãos jurisdicionais. Afigura‑se, assim, que, quando adotou o Regulamento n.o 376/2014, o legislador da União procurou estabelecer — e efetivamente estabeleceu — um justo equilíbrio entre os objetivos prosseguidos por este regulamento, por um lado, e os diferentes direitos e interesses públicos e privados em presença, por outro.

85      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder às questões primeira e segunda que o artigo 15.o do Regulamento n.o 376/2014, lido à luz do direito à liberdade de expressão e de informação consagrado no artigo 11.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que as informações que estejam na posse das autoridades nacionais competentes que digam respeito a uma «ocorrência» relativa à segurança da aviação, na aceção do artigo 2.o, ponto 7, deste regulamento, estão sujeitas a um regime de confidencialidade que tem como consequência que nem o público nem sequer uma empresa de comunicação social têm direito de aceder a essas informações sob qualquer forma.

 Quanto às questões terceira e quarta

86      Tendo em conta a resposta dada às questões primeira e segunda, não há que responder às questões terceira e quarta.

 Quanto às despesas

87      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 15.o do Regulamento (UE) n.o 376/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativo à comunicação, à análise e ao seguimento de ocorrências na aviação civil, que altera o Regulamento (UE) n.o 996/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 2003/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, e os Regulamentos (CE) n.o 1321/2007 e (CE) n.o 1330/2007, conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2018/1139 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2018, lido à luz do direito à liberdade de expressão e de informação, consagrado no artigo 11.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

deve ser interpretado no sentido de que:

as informações que estejam na posse das autoridades nacionais competentes que digam respeito a uma «ocorrência» relativa à segurança da aviação, na aceção do artigo 2.o, ponto 7, deste regulamento n.o 376/2014, conforme alterado, estão sujeitas a um regime de confidencialidade que tem como consequência que nem o público nem sequer uma empresa de comunicação social têm direito de aceder a essas informações sob qualquer forma.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.