Language of document : ECLI:EU:T:2017:134

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

1 de março de 2017 (*)

«Auxílios de Estado — Cabotagem marítima — Auxílios concedidos pela França a favor da Société nationale maritime Corse Méditerranée (SNCM) e da Compagnie méridionale de navigation — Serviço de interesse económico geral — Compensações por um serviço complementar do serviço de base destinado a cobrir os períodos de ponta durante a estação turística — Decisão que declara os auxílios incompatíveis com o mercado interno — Conceito de auxílio de Estado — Vantagem — Acórdão Altmark — Determinação do montante do auxílio»

No processo T‑454/13,

Société nationale maritime Corse Méditerranée (SNCM), com sede em Marselha (França), representada inicialmente por A. Winckler, F.‑C. Laprévote, J.‑P. Mignard e S. Mabile, em seguida por A. Winckler e F.‑C. Laprévote, e por último por F.‑C. Laprévote e C. Froitzheim, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por M. Afonso e B. Stromsky, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Corsica Ferries France SAS, com sede em Bastia (França), representada por S. Rodrigues e C. Bernard‑Glanz, advogados,

interveniente,

que tem por objeto um recurso, ao abrigo do artigo 263.o TFUE, e que visa a anulação da Decisão 2013/435/UE da Comissão, de 2 de maio de 2013, relativa ao auxílio estatal SA.22843 (2012/C) (ex 2012/NN) concedido pela França a favor da Société Nationale Corse Méditerranée e da Compagnie Méridionale de Navigation (JO 2013, L 220, p. 20),

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto por: S. Frimodt Nielsen, presidente, A. M. Collins (relator) e V. Valančius, juízes,

secretário: G. Predonzani, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 14 de junho de 2016,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

 Atores principais

1        A recorrente, a Société nationale maritime Corse Méditerranée (SNCM), é uma companhia marítima francesa que assegura, designadamente, ligações regulares para a Córsega (França) a partir dos portos de Marselha (França) e de Nice (França), ligando‑os aos portos de Ajaccio, de Bastia, de Calvi, de l’Île‑Rousse, de Porto‑Vecchio e de Propriano.

2        À data dos factos, a SNCM explorava uma frota de dez navios, dos quais seis ferries, o Danielle Casanova, o Napoléon Bonaparte, o Corse, o Méditerranée, o Île de Beauté e o Excelsior, e quatro navios de carga mistos que asseguram o transporte quer de passageiros quer de frete, o Jean Nicoli (que substituiu o Monte Cinto em 2009 na prestação dos serviços em causa), o Pascal Paoli, o Paglia Orba e o Monte d’Oro.

3        Por sentença de 28 de novembro de 2014, o tribunal de commerce de Marseille (Tribunal de Comércio de Marselha, França) iniciou um processo de insolvência contra a SNCM. Por sentença de 20 de novembro de 2015, esse tribunal aceitou uma das propostas que lhe tinham sido apresentadas para a retoma da SNCM. Por consequência, declarou a conversão do processo de insolvência em processo de liquidação da SNCM e fixou um prazo de 45 dias a contar da data da sentença para o comprador tomar posse da empresa.

4        A Compagnie méridionale de navigation (a seguir «CMN») é uma companhia marítima francesa que liga Marselha aos portos de Bastia, de Ajaccio e de Propriano.

5        Para prestar os serviços em causa, a CMN utilizava três navios de carga mistos, a saber o Kalliste, o Girolata e o Scandola (posteriormente substituído pelo Piana).

6        A Corsica Ferries France SAS (a seguir «Corsica Ferries») é uma companhia marítima francesa que assegura nomeadamente as ligações marítimas regulares entre a França continental e a Córsega, a saber, as linhas Nice‑Ajaccio, Nice‑L’Île‑Rousse, Nice‑Bastia, Nice‑Calvi, Toulon‑Ajaccio, Toulon‑Bastia e Toulon‑L’Île‑Rousse.

7        A collectivité territoriale de Corse (autarquia territorial da Córsega, França, a seguir «ATC») é uma pessoa coletiva de direito público francês que abrange três entidades, a saber, a assemblée de Corse (Assembleia da Córsega), o conseil exécutif de Corse (Conselho executivo da Córsega) e o conseil économique, social et culturel de Corse (Conselho económico, social e cultural da Córsega).

8        O office des transports de Corse (Serviço de transportes da Córsega (a seguir «STC») é uma entidade pública francesa de caráter industrial e comercial, constituída pela ATC e encarregada da execução da política de transportes aéreos e marítimos da ilha. O STC tem nomeadamente por missão gerir a dotação orçamental atribuída pela ATC para assegurar a continuidade territorial e distribuir os créditos entre o transporte aéreo e o transporte marítimo. A esse título, celebra com as companhias de transporte, nas quais é delegado o serviço público, convenções que definem nomeadamente as tarifas, as condições de execução e a qualidade do serviço. O princípio da continuidade territorial visa compensar a insularidade e assegurar a ligação da ilha segundo modalidades tão próximas quanto possível das ligações puramente continentais e aplicar nas ligações marítimas entre a França continental e a Córsega uma tarifa comparável às aplicadas aos transportes terrestres.

 Serviço de transporte marítimo entre a França continental e a Córsega e convenções de delegação de serviço público

9        À data dos factos, o serviço de transporte marítimo entre a França continental e a Córsega era assegurado por três companhias marítimas, a SNCM, a CMN e a Corsica Ferries. Uma quarta companhia, a Moby Lines, efetuou ligações entre Toulon e a Córsega desde abril de 2010 até fevereiro de 2011.

10      O tráfego de passageiros entre o continente e a Córsega caracteriza‑se por uma forte sazonalidade, efetuando‑se a maior parte do trajeto durante os meses de verão. Na década de 2000, a tendência principal do mercado do transporte entre a França continental e a Córsega foi o desenvolvimento da oferta de transporte a partir de Toulon, que passou a ser o primeiro porto de ligação da Córsega em termos de tráfego marítimo. Esta tendência para o aumento do tráfego a partir de Toulon coincidiu com o aumento da parte de mercado da Corsica Ferries.

11      Em 31 de março de 1976, a SNCM e a CMN, por um lado, e a República Francesa, por outro, assinaram uma convenção‑quadro, com uma duração de 25 anos, para a exploração do serviço público da ligação marítima da Córsega a partir da França continental.

12      No termo dessa concessão de serviço público, em 31 de dezembro de 2001, as autoridades corsas reviram o sistema de ligação marítima da ilha.

13      Assim, a partir de 1 de janeiro de 2002, só as linhas a partir de Marselha foram objeto de uma convenção de delegação de serviço público, com direito a compensação financeira aos mandatários. Essa convenção foi celebrada entre a SNCM e a CMN, por um lado, e a ATC e o STC, por outro, por um prazo de cinco anos.

14      Para as outras linhas, a saber, as linhas a partir de Nice e de Toulon, as autoridades corsas instituíram um regime de auxílios de caráter social, paralelo à convenção referida no n.o 13, supra, em benefício dos residentes da ilha, bem como de certas categorias de pessoas identificadas socialmente. Uma convenção de auxílio social permite, desse modo, o pagamento por cada passageiro elegível de uma tarifa preferencial, de um auxílio pré‑financiado pelas companhias de transporte que aceitam respeitar as obrigações de serviço público (a seguir «OSP»), sendo‑lhes em seguida reembolsado esse auxílio unitário. As categorias em causa representavam cerca de dois terços do tráfego total (residentes corsos, pessoas de idade inferior a 25 anos ou com mais de 60 anos, estudantes de idade inferior a 27 anos, famílias e pessoas deficientes ou inválidas). Esse regime de auxílios foi aprovado pela Comissão Europeia por Decisão de 2 de julho de 2002 (Auxílio de Estado n.o 781/2001 — Regime de auxílios individuais de caráter social para a ligação marítima da Córsega). Com a Decisão de 23 de abril de 2007 (Auxílio de Estado n.o 13/2007 — Prorrogação do regime de auxílios individuais de caráter social para a ligação marítima da Córsega n.o 781/2001), a Comissão aprovou a prorrogação do referido regime de auxílios até 31 de dezembro de 2013. Essas ligações marítimas entre os portos de Nice e de Toulon, por um lado, e os portos da Córsega, por outro, são operadas principalmente pela Corsica Ferries.

15      Por deliberação de 24 de março de 2006, a Assembleia da Córsega aprovou o princípio de renovação de uma delegação de serviço público (a seguir «DSP») da ligação marítima dos portos de Ajaccio, de Bastia, de Calvi, de L’Île‑Rousse, de Porto‑Vecchio e de Propriano a partir do porto de Marselha a partir de 1 de janeiro de 2007. Na mesma deliberação, conferiu‑se um mandato ao presidente do STC para lançar, em nome da ATC, um concurso, proceder à instrução técnica dos processos e assistir a ATC na adjudicação da DSP.

16      Em 27 de maio de 2006, foi publicado um anúncio de concurso no Jornal Oficial da União Europeia e, em 9 de junho de 2006, no jornal diário Les Échos. Em 4 de agosto de 2006, data‑limite para a apresentação de propostas, foram apresentadas quatro propostas, uma da SNCM, uma da Corsica Ferries, uma da CMN e uma de um agrupamento temporário constituído pela Corsica Ferries e a CMN.

17      Por decisão de 15 de dezembro de 2006, o Conseil d’État (Conselho de Estado, França) anulou o processo de adjudicação da DSP.

18      Por deliberação de 22 de dezembro de 2006, a Assembleia da Córsega decidiu retomar integralmente o processo de adjudicação da DSP, prorrogar a DSP em curso até 30 de abril de 2007, e fixar em 1 de maio de 2007 a data de início da nova DSP.

19      Foi publicado um novo anúncio de concurso no Jornal Oficial da União Europeia em 30 de dezembro de 2006, em 4 de janeiro de 2007 no Les Échos e em 5 de janeiro de 2007 no semanário Le Journal de la Marine Marchande. Em 9 de fevereiro de 2007, foram apresentadas duas propostas, por um lado, uma proposta comum da SNCM e da CMN que tinham constituído um agrupamento temporário (a seguir «agrupamento SNCM‑CMN») relativa à totalidade das linhas, sob a forma quer de uma proposta global e de propostas para cada rota, e, por outro, uma proposta da Corsica Ferries relativa às rotas Marselha‑Ajaccio, Marselha‑Porto‑Vecchio e Marselha‑Propriano, sob a forma quer de uma proposta global para essas três rotas e de propostas para cada rota.

20      Por despacho de 27 de abril de 2007, o juiz das medidas provisórias do tribunal administratif de Bastia (Tribunal Administrativo de Bastia, França), que anulou, a pedido da Corsica Ferries, a fase de negociação do processo de adjudicação da DSP, bem como a decisão do presidente do Conselho executivo da Córsega e do presidente do STC de selecionar a oferta do agrupamento SNCM‑CMN e de propor à Assembleia da Córsega a adjudicação da DSP ao referido agrupamento. Declarou que competia à ATC e ao STC retomar o processo de negociação com as empresas que apresentaram uma proposta.

21      Por deliberação de 27 de abril de 2007, a Assembleia da Córsega prorrogou por dois meses a delegação em curso e fixou a data de execução da nova DSP em 1 de julho de 2007.

22      Na sequência de uma nova fase de negociações com o agrupamento SNCM‑CMN e a Corsica Ferries, o STC propôs rejeitar a proposta desta última por não estar em condições de fixar de modo firme e definitivo a data em que poderia explorar a DSP e por não preencher a condição de idade máxima dos navios fixada no regulamento especial do concurso.

23      Por deliberação de 7 de junho de 2007, a Assembleia da Córsega adjudicou ao agrupamento SNCM‑CMN a DSP da ligação marítima entre o porto de Marselha e os portos da Córsega para o período compreendido entre 1 de julho de 2007 e 31 de dezembro de 2013.

24      O artigo 1.o dessa deliberação tem a seguinte redação:

«É aprovado o relatório do presidente do Conselho Executivo [da Córsega] que refere, por um lado, que a proposta do agrupamento SNCM‑CMN cumpre as prescrições e os critérios do regulamento especial do concurso e do caderno de encargos para cada uma das cinco rotas e, por outro, que a sociedade Corsica Ferries não está em condições de fixar, de modo firme e definitivo, a data em que poderia explorar a próxima [DSP] e que, a esse respeito, as condições que coloca, relativas a elementos alheios ao conteúdo da [DSP], não podem ser tidas em consideração.»

25      Por decisão do mesmo dia, o presidente do Conselho Executivo da Córsega foi autorizado a assinar a Convenção de Delegação de Serviço Público relativa a essa ligação marítima (a seguir «CDSP»).

26      A CDSP foi celebrada em 7 de junho de 2007 para o período compreendido entre 1 de julho de 2007 e 31 de dezembro de 2013.

27      Por sentença de 24 de janeiro de 2008, o tribunal administratif de Bastia (Tribunal Administrativo de Bastia) negou provimento ao recurso de anulação interposto pela Corsica Ferries da deliberação e da decisão referidas nos n.os 23 e 25, supra. Por acórdão de 7 de novembro de 2011, a cour administrative d’appel de Marseille (Tribunal Administrativo de Recurso de Marselha, França) anulou essa sentença, bem como a deliberação e a decisão referidas. A SNCM e a CMN interpuseram recurso para o Conseil d’État (Conselho de Estado) que, por decisão de 13 de julho de 2012, anulou o acórdão da cour administrative d’appel de Marseille (Tribunal Administrativo de Recurso de Marselha) e remeteu‑lhe os autos. Por acórdão de 6 de abril de 2016, a cour administrative d’appel de Marseille (Tribunal Administrativo de Recurso de Marselha) anulou a sentença do tribunal administratif de Bastia (Tribunal Administrativo de Bastia) de 24 de janeiro de 2008, bem como a deliberação e a decisão referidas.

28      O artigo 1.o da CDSP indica que esta tem por objeto a prestação de serviços marítimos regulares no conjunto das rotas da DSP entre o porto de Marselha e os portos de Bastia, de Ajaccio, de Porto‑Vecchio, de Propriano e de la Balagne (Calvi e L’Île‑Rousse).

29      O caderno de encargos constante do anexo 1 da CDSP define a natureza dos referidos serviços. Prevê, designadamente:

–        um serviço permanente «passageiro e frete» a prestar durante todo o ano em todas as rotas em questão (a seguir «serviço de base») e

–        um serviço «passageiros» complementar a prestar durante os períodos de ponta nas rotas Marselha‑Ajaccio, Marselha‑Bastia e Marselha‑Propriano (a seguir «serviço complementar»).

30      O artigo 2.o da CDSP determina nomeadamente os montantes das compensações financeiras de referência que os mandatários se comprometem a assumir durante o período da DSP.

31      O artigo 3.o da CDSP prevê que a DSP não dê exclusividade nas rotas marítimas em causa, mas permite que outras companhias, sujeitas todavia a certas obrigações, efetuem um serviço regular sem compensação financeira. Esse artigo precisa igualmente que os pedidos de compensação financeira dos mandatários foram determinados em função do dispositivo de auxílios de caráter social.

32      O artigo 5.o da CDSP, intitulado «Condições de pagamento das compensações financeiras», prevê, no terceiro parágrafo do seu n.o 2, que a compensação financeira final de cada mandatário em cada ano se limita ao montante do défice de exploração decorrente das obrigações fixadas no caderno de encargos, tendo em conta um rendimento razoável de capital náutico utilizado na proporção do número de dias da sua utilização efetiva nas travessias correspondentes a tais obrigações. Considera‑se rendimento razoável do capital náutico utilizado a percentagem de 15% do seu valor convencional. Esse valor convencional é especificado no anexo 3 da CDSP.

33      O artigo 7.o da CDSP, intitulado «Cláusula de salvaguarda», estipula no seu n.o 1 que, em caso de modificação importante das condições técnicas, regulamentares ou económicas de exploração dos serviços delegados ou para ter em conta acontecimentos exteriores com um impacto significativo nos compromissos financeiros dos mandatários, as partes reunir‑se‑ão, por iniciativa da mais diligente, para tomar medidas que restabeleçam o equilíbrio financeiro inicial da CDSP, «prioritariamente sobre as tarifas máximas e sobre a adaptação dos serviços».

34      O artigo 7.o, n.o 2, da CDSP recorda que os montantes das compensações financeiras anuais de referência foram determinados em função das previsões de receitas brutas por passageiros e frete que figuram na proposta de cada um dos mandatários. A mesma disposição prevê a possibilidade de ajustar anualmente, em alta ou em baixa, e em certos casos, a compensação financeira para cada categoria de receitas e para cada mandatário. A referida disposição estipula igualmente que esse mecanismo de ajustamento só se aplica até à data de aplicação da cláusula de adaptação prevista no artigo 8.o da CDSP.

35      O artigo 8.o da CDSP, intitulado «Cláusula de adaptação», tem a seguinte redação:

«Tendo em conta a duração da [CDSP], prevê‑se que, durante o terceiro ano, se faça um balanço da situação, para analisar, com base num processo e numa perícia contraditória, o equilíbrio financeiro da [CDSP] e adotar, mediante concertação entre as partes, as eventuais medidas de correção dos serviços e de ajustamento das tarifas que permitirão à [ATC] controlar a sua intervenção financeira, nomeadamente reduzindo a compensação, e respeitando a economia geral da [CDSP].»

36      Em aplicação dessa cláusula de adaptação, em finais de 2009, a CDSP foi alterada através de uma adenda.

 Tramitação processual na Comissão e decisão impugnada

37      Por cartas de 27 de setembro, 30 de novembro e 20 de dezembro de 2007, a Corsica Ferries apresentou uma denúncia à Comissão relativamente a auxílios de Estado ilegais e incompatíveis com o mercado interno, de que beneficiaram a SNCM e a CMN graças à CDSP.

38      Por cartas de 20 de maio de 2010, de 16 de julho de 2010, de 22 de março de 2011, de 22 de junho de 2011, de 15 de dezembro de 2011 e de 10 de janeiro de 2012, a Corsica Ferries enviou informações adicionais à Comissão em apoio da sua denúncia.

39      Por cartas de 13 de março de 2008, de 12 de novembro de 2008, de 13 de outubro de 2011 e de 14 de dezembro de 2011, a Comissão solicitou às autoridades francesas informações. Estas responderam a esses pedidos por cartas de 3 de junho de 2008, de 14 de janeiro de 2009, de 7 de dezembro de 2011 e de 20 de janeiro de 2012, respetivamente.

40      Por carta de 27 de junho de 2012, a Comissão informou a República Francesa da sua decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, relativamente aos potenciais auxílios em benefício da SNCM e da CMN constantes da CDSP (JO 2012, C 301, p. 1).

41      As autoridades francesas apresentaram as suas observações sobre essa decisão e responderam às questões nela contidas por cartas de 13 de julho e 7 de setembro de 2012. A Corsica Ferries, a SNCM e a CMN apresentaram igualmente observações sobre a referida decisão, que foram comunicadas às autoridades francesas e foram objeto de comentários da parte destas por cartas de 14 de novembro de 2012 e de 3 de janeiro, 16 de janeiro e 12 de fevereiro de 2013.

42      Na sequência do referido procedimento, a Comissão adotou, em 2 de maio de 2013, a Decisão 2013/435/UE, relativa ao auxílio estatal SA.22843 (2012/C) (ex 2012/NN) concedido pela França a favor da SNCM e da CMN (JO 2013, L 220, p. 20, a seguir «decisão impugnada»).

43      A decisão impugnada foi notificada à República Francesa em 3 de maio de 2013 e comunicada à SNCM por mensagem de correio eletrónico da Comissão de 14 de junho de 2013.

44      Na decisão impugnada, para determinar se as compensações concedidas à SNCM e à CMN no âmbito da CDSP constituíam um auxílio de Estado e, em especial, uma vantagem seletiva, a Comissão analisou a questão de saber se os critérios cumulativos fixados pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), estavam preenchidos no caso em apreço (a seguir «critérios Altmark»). Designadamente, procedeu à análise do primeiro e do quarto desses critérios (v. n.os 87 e 90, infra).

45      No que se refere ao primeiro critério Altmark, em primeiro lugar, a Comissão definiu o «quadro de análise» a utilizar para o apreciar (considerandos 132 a 136 da decisão impugnada). Entendeu, nomeadamente, que, para ser aceitável à luz das regras em matéria de auxílios de Estado, o âmbito do serviço público devia respeitar o Regulamento (CEE) n.o 3577/92 do Conselho, de 7 de dezembro de 1992, relativo à aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos internos nos Estados‑Membros (cabotagem marítima) (JO 1992, L 364, p. 7, a seguir «regulamento relativo à cabotagem marítima»), tal como interpretado pela jurisprudência e, em especial, pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 20 de fevereiro de 2001, Analir e o. (C‑205/99, EU:C:2001:107). A Comissão deduziu daí que «o âmbito do serviço público, tal como definido por um contrato de serviço público[, devia] ser necessário e proporcionado em relação a uma necessidade real de serviço público, demonstrada pela insuficiência dos serviços regulares de transporte em condições normais de mercado» (considerando 136 da decisão impugnada).

46      Em segundo lugar, a Comissão entendeu que o serviço de base e o serviço complementar deviam ser analisados em separado (considerandos 137 a 144 da decisão impugnada). Salientou que o caderno de encargos anexo à CDSP fazia uma distinção clara entre esses dois tipos de serviços. Por outro lado, entendeu que não seria razoável considerar que o serviço complementar pode ser justificado pela necessidade real de serviço público que o serviço de base satisfaz apenas se demonstrar que a sua exploração é indispensável à do serviço de base «com fundamento numa série de considerações técnicas e económicas» (considerando 139 da decisão impugnada). Ora, no caso vertente, não se verificou nenhuma complementaridade técnica entre esses dois tipos de serviço, que são sujeitos a obrigações distintas, nomeadamente em termos de horários e de frequência, e o serviço de base é realizado por navios de carga mistos, ao passo que o serviço complementar é efetuado por ferries. Acresce que a contabilidade analítica da SNCM revela, no caso do serviço complementar, um défice de exploração de forma duradoura, de modo que não pode ser aceite o argumento das autoridades francesas segundo o qual a inclusão desse serviço no âmbito da DSP é justificado por uma perequação financeira com o serviço de base.

47      Em terceiro lugar, a Comissão analisou o serviço de base à luz do primeiro critério Altmark (considerandos 145 a 150 da decisão impugnada). A esse respeito, antes de mais, a Comissão observou que a prestação de um serviço mínimo de continuidade territorial entre Marselha e os cinco portos da Córsega em causa respondia às necessidades de serviço público claramente definidas (considerando 145 da decisão impugnada). Em seguida, sobre a existência da falta de iniciativa privada relativamente ao serviço de base, a Comissão salientou que os outros operadores do mercado reconheceram, eles próprios, que não estavam em condições de assegurar este serviço (considerando 146 da decisão impugnada). Por outro lado, a Comissão considerou que o agrupamento de rotas num único serviço não é, em si mesmo, contrário ao referido regulamento. Pelo contrário, no presente caso, o agrupamento das cinco rotas permite uma mutualização dos meios náuticos de natureza a melhorar a qualidade do serviço em causa e a reduzir os seus custos (considerando 148 da decisão impugnada). Por último, a Comissão recordou que a CDSP e os seus anexos fixavam normas precisas de continuidade, regularidade, capacidade e tarifas que os mandatários devem respeitar para assegurar o serviço de base (considerando 149 da decisão impugnada). Concluiu do exposto que a inclusão do serviço de base no âmbito da CDSP era necessária e proporcionada em relação à necessidade real de serviço público (considerando 150 da decisão impugnada).

48      Em quarto lugar, a Comissão analisou o serviço complementar, prestado apenas pela SNCM, utilizando dois ferries, à luz do primeiro critério Altmark (considerandos 151 a 167 da decisão impugnada). A Comissão considerou que a sua inclusão no âmbito do serviço público não corresponde a uma necessidade real de serviço público e que a França cometeu um erro manifesto de apreciação ao qualificá‑lo de serviço de interesse económico geral (a seguir «SIEG») (considerando 167 da decisão impugnada).

49      A esse propósito, por um lado, a Comissão entendeu que o serviço complementar, prestado a partir de Marselha, era em larga medida substituível do ponto de vista da procura de passageiros, nos serviços a partir de Toulon e com destino a Bastia e Ajaccio, aquando da concessão da CDSP (considerandos 154 a 160 da decisão impugnada). A esse respeito, a Comissão salientou nomeadamente que a evolução do tráfego nas ligações entre a França continental e a Córsega no período de 2002 a 2009 demonstrou o rápido desenvolvimento de uma oferta concorrencial à dos dois comandatários. A repartição do tráfego entre os portos servidos demonstra um crescimento muito acentuado do tráfego à partida de Toulon, e uma diminuição concomitante do tráfego à partida de Marselha. O crescimento do tráfego global foi amplamente absorvido pelos prestadores de serviço que operam a partir de Toulon, em detrimento da oferta dos mandatários que operam a partir de Marselha. A Comissão invocou igualmente a curta distância entre Marselha e Toulon, o facto de o tempo de trajeto rodoviário entre estas duas cidades ser bastante inferior ao tempo de trajeto por mar e o facto de os navios a partir de Toulon poderem chegar à Córsega em menos tempo que os navios a partir de Marselha.

50      Por outro lado, a Comissão salientou que não foi estabelecida pelas autoridades francesas nenhuma prova da falta de iniciativa privada relativamente a este serviço complementar (considerando 161 da decisão impugnada). Verificou nomeadamente que, para os portos de Bastia e de Ajaccio, que representam 90% das capacidades exigidas pelo serviço complementar, a combinação das capacidades oferecidas pelo serviço de base da DSP, a partir de Marselha, e do serviço de iniciativa privada fornecido pela Corsica Ferries a partir de Toulon era suficiente para assegurar a procura efetivamente verificada, tanto para o período primavera‑outono como para o período de verão, para cada um dos dois portos e para cada ano entre 2004 e 2006 (considerando 162 da decisão impugnada). Assim, considerou que a integração do serviço complementar no âmbito da DSP não era necessária nem proporcional à satisfação de uma procura de transporte constatada nas rotas Marselha‑Bastia e Marselha‑Ajaccio. Quanto à rota Marselha‑Propriano, a Comissão considerou que a fraca proporção do tráfego representada por esta rota não permitia considerar que a falta de iniciativa privada apenas nesta rota invalida[va] a sua conclusão sobre o conjunto do serviço complementar (considerando 164 da decisão impugnada). Salientou igualmente que o serviço prestado pela Corsica Ferries respondia às normas das OSP aplicáveis a todas as ligações entre o continente francês e a Córsega e não apresentava qualquer diferença qualitativa com o serviço prestado no âmbito do serviço complementar (considerando 165 da decisão impugnada).

51      A Comissão concluiu da exposição precedente que o primeiro critério Altmark não estava preenchido no que diz respeito às compensações concedidas ao abrigo do serviço complementar (considerando 167 da decisão impugnada).

52      Quanto ao quarto critério Altmark, a Comissão considerou que não foi cumprido relativamente a nenhum dos dois tipos de serviços em causa (considerando 183 da decisão impugnada).

53      A esse respeito, em primeiro lugar, a Comissão concluiu, com base num conjunto de elementos, que as condições do anúncio de concurso não tinham permitido selecionar o candidato capaz de prestar os serviços em causa ao menor custo para a coletividade (considerandos 169 a 178 da decisão impugnada).

54      Para chegar a essa conclusão, a Comissão baseou‑se, em substância, nos seguintes elementos:

–        a adjudicação da DSP foi efetuada na sequência de um processo por negociação com publicação prévia de um anúncio de concurso, isto é, um processo que confere um amplo poder discricionário às entidades adjudicantes e pode restringir a participação de operadores interessados;

–        a única proposta concorrente da dos dois comandatários, designadamente, a da Corsica Ferries, não foi avaliada em função dos seus méritos próprios (critérios de adjudicação), mas com base num critério de seleção, a saber, a capacidade do candidato para operar a partir de 1 de julho de 2007;

–        o procedimento não permitiu à OTC comparar várias propostas para selecionar a mais vantajosa economicamente;

–        o facto de duas propostas terem sido efetivamente apresentadas não é suficiente para ter causado uma concorrência efetiva, na medida em que a proposta concorrente da Corsica Ferries, que fixava uma data de início dos serviços em 12 de novembro de 2007, não estava em condições de constituir uma alternativa credível;

–        a multiplicidade de recursos contenciosos no caso em apreço não constitui um elemento suscetível de demonstrar a eficácia da concorrência no âmbito do processo de adjudicação da CDSP;

–        o agrupamento SNCM/CMN dispunha de uma vantagem concorrencial importante, enquanto operador histórico que dispõe já de uma ferramenta naval adaptada às especificações do caderno de encargos da CDSP;

–        o muito reduzido prazo fixado entre a data prevista para a concessão da DSP (finalmente concedida em 7 de junho de 2007) e a data de início dos serviços (1 de julho de 2007) era suscetível de constituir um importante obstáculo à entrada de novos operadores;

–        associado às exigências técnicas ligadas às especificidades dos portos em causa, à condição de idade da frota e às capacidades unitárias exigidas pelo caderno de encargos da CDSP, este prazo muito curto era suscetível de constituir um importante obstáculo à entrada de novos operadores;

–        a existência de várias cláusulas de encontro associada à liberdade de que dispõem os OTC para decidir sobre isenções às regras aplicáveis pôde igualmente contribuir para desencorajar a participação no concurso, mantendo dúvidas relativamente a certos parâmetros técnicos e económicos cruciais para a elaboração de uma proposta.

55      Em segundo lugar, a Comissão salientou que as autoridades francesas não lhe forneceram nenhuma informação suscetível de demonstrar que a compensação tinha sido determinada tomando como referência uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada com os meios necessários (considerandos 179 e 180 da decisão impugnada). Acrescentou que a compensação não foi definida por referência a uma base de custos estabelecida a priori, ou por comparação com a estrutura de encargos de outras empresas marítimas comparáveis, mas referiu‑se às previsões de receitas e de custos do combustível que apenas têm em conta uma parte das receitas e despesas do serviço (considerando 180 da decisão impugnada). Além disso, as compensações previsionais da DSP 2007‑2013 eram consideravelmente superiores às previstas em relação ao período de 2002 a 2006, para obrigações semelhantes, ou mesmo ligeiramente inferiores em termos de capacidade oferecida (considerando 181 da decisão impugnada). Por último, a Comissão entendeu que uma comparação com os custos incorridos por uma empresa bem gerida era necessária dado que certos elementos indiciavam que a SNCM, que estava a sair, então, de um período de reestruturação intenso, não era ela própria tal empresa (considerando 182 da decisão impugnada).

56      Tendo em conta todas as considerações precedentes, a Comissão concluiu que existia uma vantagem económica seletiva concedida aos comandatários (considerando 184 da decisão impugnada).

57      Depois de verificar que as compensações em causa ameaçavam falsear a concorrência e afetar o comércio entre os Estados‑Membros, a Comissão concluiu que constituíam auxílios de Estado ilegais, pois foram concedidos sem notificação prévia à Comissão (considerandos 185 a 187 e artigo 1.o da decisão impugnada).

58      Nos considerandos 188 a 212 da decisão impugnada, a Comissão analisou a compatibilidade desses auxílios de Estado com o mercado interno.

59      A esse respeito, em primeiro lugar, a Comissão salientou que, em conformidade com o n.o 11 da sua Comunicação relativa ao enquadramento da União Europeia aplicável aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público (2011) (JO 2012, C 8, p. 15, a seguir «enquadramento SIEG»), os auxílios estatais fora do âmbito da sua Decisão 2012/21/UE, de 20 de dezembro de 2011, relativa à aplicação do artigo 106.o, n.o 2, do TFUE aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público concedidos a certas empresas encarregadas da gestão de [SIEG] (JO 2012, L 7, p. 3), podiam ser declarados compatíveis nos termos do artigo 106.o, n.o 2, TFUE se forem necessários para a gestão dos serviços de interesse económico geral em causa e não afetarem o desenvolvimento do comércio de uma maneira que contrarie os interesses da União. Para atingir esse equilíbrio devem ser cumpridas as condições estabelecidas nos pontos 2.2 a 2.10. do enquadramento SIEG (considerando 190 da decisão impugnada).

60      Em segundo lugar, a Comissão recordou que o serviço de base constituía um SIEG, mas não era esse o caso do serviço complementar, de modo que as compensações concedidas no âmbito deste serviço não podem ser declaradas compatíveis com o artigo 106.o, n.o 2, do TFUE (considerandos 192 e 193 da decisão impugnada).

61      Em terceiro lugar, a Comissão considerou que, no que diz respeito ao serviço de base, foram cumpridas as outras condições previstas pelo enquadramento SIEG (considerandos 194 a 212 da decisão impugnada).

62      À luz do que precede, a Comissão considerou que as compensações recebidas pela SNCM e pela CMN no âmbito do serviço de base constituem auxílios estatais ilegais, mas compatíveis com o mercado interno (considerando 213, artigo 1.o e artigo 2.o, n.o 2, da decisão impugnada), ao passo que as compensações pagas à SNCM a título do serviço complementar constituíam auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado interno (considerando 214, artigo 1.o e artigo 2.o, n.o 1, da decisão impugnada).

63      Por conseguinte, a Comissão ordenou a anulação imediata de todas as compensações relativas ao serviço complementar e a recuperação, junto do beneficiário, dos auxílios já pagos para esse fim, entendendo‑se que os montantes a recuperar venciam juros a contar da data em que o auxílio em causa foi colocado à disposição do beneficiário até à sua recuperação efetiva (considerandos 215 a 218 e 220 e artigo 3.o da decisão impugnada). A Comissão salientou que essa recuperação devia ser imediata e efetiva e que as autoridades francesas deviam assegurar a aplicação da decisão impugnada no prazo de quatro meses a contar da data da respetiva notificação (considerando 219 e artigo 4.o da decisão impugnada), isto é, em 3 de setembro de 2013. Além disso, as autoridades francesas eram obrigadas a comunicar à Comissão, no prazo de dois meses a contar da notificação da decisão impugnada, nomeadamente, o montante total (capital e juros) a recuperar junto do beneficiário, uma descrição pormenorizada das medidas já adotadas e previstas para dar cumprimento à decisão impugnada bem como os documentos comprovativos de que o beneficiário foi intimado a reembolsar o auxílio (artigo 5.o da decisão impugnada).

 Tramitação processual e pedidos das partes

64      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de agosto de 2013, a SNCM interpôs o presente recurso.

65      A decisão impugnada foi igualmente objeto de um recurso de anulação interposto pela República Francesa, apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de julho de 2013 e registado com a referência T‑366/13.

66      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de dezembro de 2013, a Corsica Ferries pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão.

67      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de janeiro e 10 de fevereiro de 2014, a SNCM pediu o tratamento confidencial, relativamente à Corsica Ferries, no caso de esta ser admitida como parte interveniente, de certos elementos incluídos, respetivamente, na petição e na réplica. Juntou a esses pedidos uma versão não confidencial desses articulados.

68      Por despacho de 21 de fevereiro de 2014, o presidente da Sexta Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção da Corsica Ferries. A decisão sobre o mérito dos pedidos de tratamento confidencial foi reservada.

69      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de março de 2014, a Corsica Ferries formulou objeções aos pedidos de tratamento confidencial no que respeita a grande parte dos elementos visados por esses pedidos.

70      Por despacho de 3 de outubro de 2014, SNCM/Comissão (T‑454/13, EU:T:2014:898), o presidente da Sexta Secção do Tribunal Geral deu provimento parcial aos pedidos de tratamento confidencial.

71      A Corsica Ferries apresentou o seu articulado de intervenção na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de janeiro de 2015. A SNCM apresentou observações sobre esse articulado por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de março de 2015. Por carta com data do mesmo dia, a Comissão indicou que não tinha observações a fazer sobre o referido articulado.

72      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Sexta Secção) decidiu dar início à fase oral do processo.

73      No âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal Geral convidou a Comissão a responder por escrito a certas questões, ao que a Comissão anuiu no prazo estabelecido.

74      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de junho de 2016, a SNCM pediu o tratamento confidencial, relativamente à Corsica Ferries, de certas partes da resposta da Comissão a essas questões. A Corsica Ferries recebeu apenas uma versão não confidencial dessa resposta e não suscitou nenhuma objeção ao pedido de tratamento confidencial formulado a seu respeito.

75      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões formuladas pelo Tribunal Geral na audiência de 14 de junho de 2016.

76      A SNCM conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        a título principal, anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, anular parcialmente a decisão impugnada na medida em que esta prevê que o montante do auxílio inclui os elementos citados no seu considerando 218;

–        condenar a Comissão nas despesas.

77      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a SNCM nas despesas.

78      A Corsica Ferries conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso principal;

–        condenar a SNCM nas despesas.

 Questão de direito

79      Em apoio do seu recurso, a SNCM invoca uma série de argumentos que podem ser agrupados em cinco fundamentos, a saber:

–        um primeiro fundamento, relativo ao facto de a Comissão ter considerado erradamente que o serviço complementar não constituía um SIEG;

–        um segundo fundamento, relativo ao facto de a Comissão ter considerado erradamente que a CDSP não cumpria o quarto critério Altmark;

–        um terceiro fundamento, relativo ao facto de a Comissão ter calculado erradamente o montante do auxílio a recuperar;

–        um quarto fundamento, relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima;

–        um quinto fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento.

 Observações preliminares

80      A título liminar, há que expor certos princípios jurisprudenciais, relativos nomeadamente à qualificação de auxílio de Estado de uma compensação de serviço público, à luz dos quais o presente recurso deve ser analisado.

81      Nos termos do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, salvo disposição em contrário nos Tratados, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.

82      Segundo jurisprudência constante, a qualificação de auxílio, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, impõe que todos os requisitos previstos na referida disposição estejam preenchidos. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou por meio de recursos estatais. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. acórdão de 8 de maio de 2013, Libert e o., C‑197/11 e C‑203/11, EU:C:2013:288, n.o 74 e jurisprudência referida).

83      Os dois primeiros fundamentos do presente recurso referem‑se, em especial, ao terceiro desses requisitos, a saber, o que exige que a medida em causa deve ser analisada como a concessão de uma vantagem ao seu beneficiário.

84      A esse respeito, há que referir que, segundo jurisprudência constante, são consideradas auxílios de Estado as intervenções que, independentemente da forma que assumam, sejam suscetíveis de favorecer direta ou indiretamente empresas, ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (v. acórdão de 2 de setembro de 2010, Comissão/Deutsche Post, C‑399/08 P, EU:C:2010:481, n.o 40 e jurisprudência referida).

85      Todavia, não está incluída no âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE uma intervenção estatal que deva ser considerada uma compensação que representa a contrapartida das prestações efetuadas pelas empresas beneficiárias para cumprir obrigações de serviço público, de forma que estas empresas não beneficiam, na realidade, de uma vantagem financeira, e que, portanto, a referida intervenção não tem por efeito colocar essas empresas numa posição concorrencial mais favorável em relação às empresas que lhes fazem concorrência (acórdãos de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, EU:C:2003:415, n.o 87, e de 8 de maio de 2013, Libert e o., C‑197/11 e C‑203/11, EU:C:2013:288, n.o 84).

86      Contudo, para que num caso concreto tal compensação possa escapar à qualificação de auxílio de Estado, devem estar reunidos quatro critérios cumulativos (acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, EU:C:2003:415, n.os 87 e 88).

87      Em primeiro lugar, a empresa beneficiária deve efetivamente ser incumbida da execução das OSP e essas obrigações devem estar claramente definidas (acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, EU:C:2003:415, n.o 89). O conceito de OSP na aceção deste primeiro critério corresponde ao de SIEG previsto no artigo 106.o, n.o 2, TFUE (v., neste sentido, acórdão de 12 de fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão, T‑289/03, EU:T:2008:29, n.o 162).

88      Em segundo lugar, os parâmetros com base nos quais é calculada a compensação devem ser previamente estabelecidos de forma objetiva e transparente (acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, EU:C:2003:415, n.o 90).

89      Em terceiro lugar, a compensação não pode ultrapassar o que é necessário para cobrir total ou parcialmente os custos ocasionados pelo cumprimento das OSP, tendo em conta as receitas obtidas, assim como um lucro razoável pela execução dessas obrigações (acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, EU:C:2003:415, n.o 92).

90      Em quarto lugar, quando a escolha da empresa a encarregar do cumprimento de OSP, num caso concreto, não seja efetuada no âmbito de um concurso público que permita selecionar o candidato capaz de fornecer esses serviços ao menor custo para a coletividade, o nível da compensação necessária deve ser determinado com base numa análise dos custos que uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada para poder satisfazer as exigências de serviço público requeridas teria suportado para cumprir estas obrigações, tendo em conta as respetivas receitas assim como um lucro razoável relativo à execução dessas obrigações (acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, EU:C:2003:415, n.o 93).

91      Na decisão impugnada, a Comissão considerou que o primeiro critério Altmark não estava preenchido no que respeita ao serviço complementar e que o quarto desses critérios não estava preenchido quanto a nenhum dos dois tipos de serviços em causa.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao facto de a Comissão ter considerado erradamente que o serviço complementar não constituía um SIEG

92      Com o seu primeiro fundamento, que se subdivide em quatro partes, a SNCM alega que a Comissão considerou erradamente que o serviço complementar não constituía um SIEG.

93      A título liminar, há que salientar que, segundo jurisprudência constante, tendo em consideração, por um lado, o amplo poder de apreciação de que dispõe o Estado‑Membro quanto à definição de uma missão de SIEG e às condições da sua execução e, por outro, o alcance do controlo limitado ao erro manifesto que a Comissão está habilitada a exercer a esse título (v. n.o 111, infra), a fiscalização que deve ser exercida pelo Tribunal Geral sobre a apreciação da Comissão a esse respeito tão‑pouco pode exceder o mesmo limite e, por conseguinte, essa fiscalização deve limitar‑se a analisar se a Comissão verificou ou rejeitou com razão a existência de um erro manifesto do Estado‑Membro (v., nesse sentido, acórdão de 16 de setembro de 2013, Iliad e o./Comissão, T‑325/10, não publicado, EU:T:2013:472, n.o 121 e jurisprudência referida).

 Quanto à primeira parte, relativa ao facto de a Comissão ter cometido um erro de direito ao exercer um controlo pormenorizado da necessidade do serviço à luz das reais necessidades de serviço público

94      No âmbito da primeira parte do primeiro fundamento, a SNCM contesta o fundamento da análise utilizada pela Comissão na decisão impugnada para verificar o respeito do primeiro critério Altmark (v. n.o 45, supra). A SNCM sustenta que a Comissão cometeu um erro de direito ao levar a cabo, no caso vertente, um controlo detalhado da qualificação de SIEG e da necessidade do serviço complementar à luz das reais necessidades de serviço público.

95      Esta primeira parte pode dividir‑se em quatro subpartes. Há que analisar, antes de mais, a primeira subparte, em seguida, a segunda e quarta subpartes e, por último, a terceira subparte.

–       Quanto à primeira subparte, relativa ao facto de a Comissão não ter tido em conta a sua prática decisória anterior e a jurisprudência

96      A SNCM afirma que a CDSP, cuja principal finalidade era o princípio de continuidade territorial, respondia no seu conjunto a uma clara necessidade de serviço público. Ao considerar o contrário na decisão impugnada, a Comissão desviou‑se da sua prática decisória anterior relativa às DSP anteriores para a ligação marítima da Córsega, dos acórdãos de 19 de maio de 1993, Corbeau (C‑320/91, EU:C:1993:198), e de 11 de setembro de 2012, Corsica Ferries France/Comissão (T‑565/08, EU:T:2012:415). Na réplica, a SNCM acrescenta que a Comissão também não pode adotar quanto ao mesmo assunto, sem uma fundamentação correta, uma posição diametralmente oposta à que era privilegiada até então.

97      A Comissão contesta os argumentos aduzidos pela SNCM.

98      Antes de mais, há que observar que a alegação da SNCM segundo a qual a Comissão agiu de maneira «manifestamente contraditória» na medida em que já considerou em decisões anteriores relativas às DSP precedentes que a colocação à disposição de capacidades suplementares de transporte de passageiros durante os períodos de ponta correspondia a uma necessidade de serviço público não pode ser acolhida. Com efeito, segundo jurisprudência constante, o conceito de auxílio de Estado é um conceito objetivo que é função da mera questão de saber se uma medida estatal confere ou não um benefício a uma ou a certas empresas. A prática decisória da Comissão na matéria não pode, portanto, ser decisiva (v. acórdão de 4 de março de 2009, Associazione italiana del risparmio gestito e Fineco Asset Management/Comissão, T‑445/05, EU:T:2009:50, n.o 145 e jurisprudência referida). Impõe‑se a mesma solução no que respeita à questão da apreciação da compatibilidade de um auxílio com o mercado interno (acórdãos de 20 de maio de 2010, Todaro Nunziatina & C., C‑138/09, EU:C:2010:291, n.o 21, e de 15 de junho de 2005, Regione autonoma della Sardegna/Comissão, T‑171/02, EU:T:2005:219, n.o 177),

99      Em qualquer caso, o mero facto de a decisão impugnada se diferenciar das decisões anteriores da Comissão na matéria não permite considerar que é incoerente com estas últimas. Com efeito, como salienta justamente a Comissão, a apreciação da existência de uma necessidade real de serviço público pode de facto evoluir com o tempo, em função do desenvolvimento das forças de mercado. Por outro lado, deve observar‑se que já na sua Decisão 2002/149/CE, de 30 de outubro de 2001, relativa aos auxílios de Estado concedidos pela França à SNCM (JO 2002, L 50, p. 66), invocada reiteradamente pela SNCM nos seus articulados, a Comissão sublinhou que, «[no] que diz respeito aos serviços de transportes prestados a partir dos portos franceses do continente, a situação do mercado evoluiu significativamente nos últimos anos, a ponto de vir colocar em causa a necessidade das obrigações de serviço público [OSP] para todas as linhas e durante todo o ano» (considerando 78) e que «a conclusão da Comissão quanto à real necessidade do serviço público resultante do sistema de serviços de transporte previsto na convenção‑quadro celebrada entre o Estado e a SNCM em 1976 e, no âmbito desta, das convenções quinquenais celebradas entre os STC e a SNCM em 1991 e 1996, não [podia] ser extrapolada para além da data‑limite de 31 de dezembro de 2001, termo da validade da convenção‑quadro» (considerando 80).

100    Em seguida, por motivos iguais aos expostos no n.o 99, supra, há que considerar que a SNCM não pode invocar utilmente o acórdão de 11 de setembro de 2012, Corsica Ferries France/Comissão (T‑565/08, EU:T:2012:415), em apoio da sua alegação. As duas passagens desse acórdão citadas pela SNCM referem‑se, com efeito, à DSP relativa ao período de 1996 a 2001.

101    Por outro lado, a SNCM também não pode invocar o acórdão de 19 de maio de 1993, Corbeau (C‑320/91, EU:C:1993:198), nem, por esta via, a exigência de evitar uma prática seletiva «escolha da nata», ou seja, o facto de os operadores concorrentes do mandatário de serviço público se concentrarem nas atividades rentáveis da DSP e de deixarem a este último as atividades não rentáveis, não lhe permitindo portanto efetuar uma compensação entre os prejuízos sofridos nos setores não rentáveis e os lucros auferidos no setores mais rentáveis. Com efeito, tal como se expõe mais pormenorizadamente no n.o 155, infra, os elementos dos autos revelam que tanto o serviço de base como o serviço complementar apresentavam um importante défice de exploração, o que excluía qualquer possibilidade de perequação financeira entre eles (v., nomeadamente, considerandos 47 e 143 da decisão impugnada).

102    Por último, há que julgar improcedente a alegação de que a Comissão violou o seu dever de fundamentação. Além de não se poder censurar a Comissão por ter adotado, no caso vertente, uma abordagem «diametralmente oposta» à que seguiu nas suas decisões anteriores na matéria (v. n.o 99, supra), há que constatar que, na decisão impugnada, a Comissão indica de forma clara e precisa as razões pelas quais considera que a existência de uma real necessidade de serviço público não se verifica no que respeita ao serviço complementar. Assim, depois de definir o «quadro d[a] análise» que iria utilizar para apreciar se o primeiro critério Altmark estava preenchido no caso vertente (considerandos 132 a 136 da decisão impugnada), a Comissão expôs, nomeadamente ao refutar os argumentos invocados pela República Francesa, pela SNCM e pela CMN, as razões pelas quais considerava que o serviço de base e o serviço complementar constituíam dois tipos de serviço distintos e deviam ser analisados em separado (considerandos 137 a 144 da decisão impugnada), antes de analisar o segundo desses serviços à luz desse critério (considerandos 151 a 167 da decisão impugnada). Quanto a este último ponto, a Comissão concluiu que a inclusão do serviço complementar no âmbito do serviço público não correspondia a uma necessidade real de serviço público depois de verificar, em substância, com base numa série de elementos, por um lado, que esse serviço, prestado a partir de Marselha, era em larga medida substituível, do ponto de vista da procura dos passageiros, pelos serviços de transporte de passageiros prestados a partir de Toulon e com destino a Bastia e Ajaccio quando da celebração da CDSP (considerandos 154 a 160 da decisão impugnada) e, por outro, que não tinha sido estabelecida nenhuma prova da falta de iniciativa privada relativamente a este serviço complementar (considerandos 161 a 166 da decisão impugnada).

103    Resulta do que precede que a primeira subparte deve ser julgada improcedente.

–       Quanto à segunda e quarta subpartes, relativas ao facto de a Comissão não ter tido em conta a ampla margem de apreciação dos Estados‑Membros nem o alcance do acórdão de 20 de fevereiro de 2001, Analir e o. (C‑205/99, EU:C:2001:107), e o regulamento relativo à cabotagem marítima

104    Em primeiro lugar, a SNCM alega que a Comissão não respeitou, no caso em apreço, a ampla margem de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros na definição dos SIEG. Com efeito, longe de se limitar a controlar o erro manifesto de apreciação, a Comissão efetuou um controlo especialmente detalhado da definição do SIEG em causa e da necessidade do serviço. Por outro lado, a SNCM entende que a Comissão não se pode apoiar no acórdão de 16 de setembro de 2013, Colt Télécommunications France/Comissão (T‑79/10, não publicado, EU:T:2013:463), uma vez que, no processo que deu origem a esse acórdão, existiam orientações que previam expressamente a necessidade de provar uma deficiência do mercado, nesse caso, as Orientações comunitárias relativas à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais à implantação rápida de redes de banda larga (JO 2009, C 235, p. 7).

105    Em segundo lugar, a SNCM sustenta que a Comissão interpretou erradamente o alcance do acórdão de 20 de fevereiro de 2001, Analir e o. (C‑205/99, EU:C:2001:107), e o regulamento relativo à cabotagem marítima. Afirma que esse acórdão e esse regulamento não dizem respeito ao controlo dos auxílios de Estado e que confirmam, na realidade, a validade da CDSP. Acrescenta que o acórdão e o regulamento referidos dizem respeito a obrigações que podem ser impostas a título dos serviços públicos e suscetíveis de justificar um regime de autorização prévia ou um contrato de serviço público, e não ao domínio dos serviços suscetíveis de constituir objeto de uma compensação na aceção da jurisprudência Altmark ou ao montante dessa compensação. Sustenta, nomeadamente, que, ao contrário da situação no processo que deu origem ao acórdão de 20 de fevereiro de 2001, Analir e o. (C‑205/99, EU:C:2001:107), a prestação de serviços de transporte marítimo entre a França continental e a Córsega não está sujeita à obtenção de uma autorização prévia. Por outro lado, contesta que o âmbito de serviço público, tal como definido por um contrato de serviço público, deva ser necessário e proporcionado em relação a uma necessidade real de serviço público, demonstrada pela insuficiência dos serviços regulares de transporte em condições normais de mercado. Por último, questiona a afirmação da Comissão, constante do considerando 135 da decisão impugnada, segundo a qual «a compensação de obrigações específicas no âmbito de um contrato de serviço público, subsidiando uma oferta de serviços, constitui claramente um entrave à livre circulação dos serviços». No caso vertente, a compensação de serviço público não tem por objeto nem por efeito perturbar a livre prestação de serviços e nenhum dos acórdãos citados pela Comissão na nota de pé de página 63 da decisão impugnada estabelece o contrário.

106    Na audiência, em resposta a uma questão de Tribunal Geral no sentido de precisar quais eram, em sua opinião, os critérios com base nos quais se devia definir o âmbito e o fundamento dos SIEG, a SNCM afirmou que bastava que o Estado‑Membro «identificasse um interesse público em sentido amplo que [podia] dizer respeito a tudo aquilo que […] de modo geral é do interesse público». Acrescentou que considerava que os critérios de necessidade e de proporcionalidade, pelo menos os que resultam do regulamento relativo à cabotagem marítima e do acórdão de 20 de fevereiro de 2001, Analir e o. (C‑205/99, EU:C:2001:107), não tinham de ser tomados em conta no âmbito deste exercício, uma vez que derivavam de conceitos ligados à livre prestação de serviços.

107    A Comissão, apoiada pela Corsica Ferries, rejeita os argumentos da SNCM.

108    Em primeiro lugar, remetendo para o n.o 154 do acórdão de 16 de setembro de 2013, Colt Télécommunications France/Comissão (T‑79/10, não publicado, EU:T:2013:463), a Comissão e a Corsica Ferries afirmam que, seja qual for o setor em questão, a apreciação da existência de uma falha do mercado constitui uma questão prévia relativamente à qualificação de uma atividade como SIEG e, portanto, a condição relativa à insuficiência ou à falta da iniciativa privada é inerente ao primeiro critério Altmark e pressupõe uma análise atenta.

109    Além disso, a Comissão e a Corsica Ferries alegam que a margem de apreciação reconhecida aos Estados‑Membros na definição dos SIEG é limitada pelo regulamento relativo à cabotagem marítima, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça, nomeadamente, no acórdão de 20 de fevereiro de 2001, Analir e o. (C‑205/99, EU:C:2001:107). Isso implica que o serviço em causa deve responder a uma necessidade real de serviço público, em razão da insuficiência dos serviços regulares de transporte numa situação de livre concorrência, devendo o âmbito do SIEG ser necessário e proporcionado a essa necessidade. Na audiência, a Comissão precisou que considerava que a demonstração da existência de uma necessidade real de serviço público constituía uma exigência mais gravosa que a demonstração da existência de uma falha de mercado, tal como referida no acórdão de 16 de setembro de 2013, Colt Télécommunications France/Comissão (T‑79/10, não publicado, EU:T:2013:463).

110    Em segundo lugar, a Comissão e a Corsica Ferries consideram que é sem razão que a SNCM contesta a existência de uma relação entre o regulamento relativo à cabotagem marítima e o controlo dos auxílios de Estado. Seria também manifestamente inexato sustentar que esse regulamento só diz respeito a situações em que a prestação de serviços está sujeita a uma autorização prévia. Quanto ao acórdão de 20 de fevereiro de 2001, Analir e o. (C‑205/99, EU:C:2001:107), não trata unicamente da questão de saber se é possível sujeitar uma atividade de transporte marítimo a autorização prévia, mas contém um raciocínio muito claro sobre a maneira como devem ser interpretadas as disposições do regulamento relativo à cabotagem marítima, tendo em conta o seu objetivo, que consiste em assegurar a livre prestação dos serviços de cabotagem marítima e em só poder aceitar as violações dessa liberdade se forem justificadas por uma necessidade real de serviço público e necessárias e proporcionadas à satisfação deste último. Além disso, é evidente que o facto de subvencionar uma oferta de serviços celebrando um contrato de serviço público visado por esse regulamento com um determinado operador pode determinar um entrave à livre prestação de serviços.

111    Há que recordar que, segundo jurisprudência constante, os Estados‑Membros dispõem de um amplo poder de apreciação quanto à definição do que consideram um SIEG. Por conseguinte, a definição desses serviços por um Estado‑Membro só pode ser posta em causa pela Comissão em caso de erro manifesto (v. acórdãos de 15 de junho de 2005, Olsen/Comissão, T‑17/02, EU:T:2005:218, n.o 216 e jurisprudência referida, e de 22 de outubro de 2008, TV2/Danmark e o./Comissão, T‑309/04, T‑317/04, T‑329/04 e T‑336/04, EU:T:2008:457, n.o 101 e jurisprudência referida).

112    Portanto, o poder de definição dos SIEG pelo Estado‑Membro não é ilimitado e não pode ser exercido de forma arbitrária com a exclusiva finalidade de subtrair um setor particular à aplicação das regras da concorrência (acórdão de 12 de fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão, T‑289/03, EU:T:2008:29, n.o 168).

113    Em especial, quando existem regras específicas de direito da União que definam o conteúdo e o âmbito do SIEG, essas regras vinculam a apreciação dos Estados‑Membros, em conformidade com o n.o 46 da Comunicação da Comissão relativa à aplicação das regras em matéria de auxílios estatais da União Europeia à compensação concedida pela prestação de serviços de interesse económico geral (JO 2012, C 8, p. 4, a seguir «comunicação SIEG»). Como salienta acertadamente a Comissão, essas regras visam geralmente uma harmonização das legislações a fim de suprimir os obstáculos às liberdades de circulação e à livre prestação de serviços, e o facto de serem adotadas com base em disposições do Tratado diferentes das que dizem respeito à fiscalização dos auxílios de Estado e têm por objeto principal a realização do mercado interno não limita de modo nenhum a sua pertinência à luz do primeiro critério Altmark.

114    Ora, no caso vertente, como sustentam acertadamente a Comissão e a Corsica Ferries, existiam tais regras, neste caso, as disposições do regulamento relativo à cabotagem marítima. A esse respeito, cabe recordar que o artigo 1.o desse regulamento consagra o princípio da livre prestação dos serviços de cabotagem marítima na União. No mesmo sentido, o seu terceiro considerando precisa que visa abolir as restrições a essa livre prestação de serviços.

115    No seu artigo 4.o, o regulamento relativo à cabotagem marítima prevê possíveis exceções a esse princípio, a saber, a faculdade de os Estados‑Membros celebrarem contratos de serviços públicos ou imporem obrigações de serviço público, como condição para a prestação de serviços de cabotagem, às companhias de navegação que participem em serviços regulares de, entre e para as ilhas. A esse propósito, deve salientar‑se aliás que, como reconhece a SNCM, a CDSP constitui indubitavelmente um desses contratos de serviço público, que é definido pelo artigo 2.o, n.o 3, desse regulamento como sendo um contrato celebrado entre as autoridades competentes de um Estado‑Membro e um armador da União com o objetivo de fornecer ao público serviços de transporte adequados. Importa acrescentar que o artigo 4.o, n.o 2, do referido regulamento dispõe que, ao impor OSP, os Estados‑Membros limitar‑se‑ão aos requisitos relativos aos portos a escalar, à regularidade, à continuidade, à frequência, à capacidade de prestação do serviço, às taxas a cobrar e à tripulação do navio. Segundo essa mesma disposição, qualquer compensação devida por OSP deve ser disponibilizada para todos os armadores da União.

116    Por conseguinte, há que confirmar a consideração da Comissão segundo a qual, no presente processo, o poder de apreciação das autoridades francesas estava limitado pelas disposições do regulamento relativo à cabotagem marítima.

117    Além disso, há que observar igualmente que, na decisão impugnada, a Comissão teve em conta a interpretação conferida às referidas disposições pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 20 de fevereiro de 2001, Analir e o. (C‑205/99, EU:C:2001:107). No processo que deu origem a esse acórdão, o Tribunal de Justiça foi chamado a interpretar, nomeadamente, os artigos 1.o e 4.o do regulamento relativo à cabotagem marítima e a precisar as condições em que a prestação de serviços de cabotagem marítima podia ser sujeita a um regime de autorização administrativa prévia.

118    Ao interpretar as disposições em causa de regulamento relativo à cabotagem marítima, o Tribunal de Justiça desenvolveu nomeadamente o seguinte raciocínio:

«34. [A] aplicação de um regime de autorização administrativa prévia como meio de impor [OSP] pressupõe que as autoridades nacionais competentes em primeiro lugar puderam verificar, para trajetos bem determinados, a insuficiência dos serviços regulares de transporte no caso em que a prestação destes é deixada apenas aos agentes do mercado. Noutros termos, deve poder ser demonstrada a existência de uma necessidade real de serviço público.

35. Por outro lado, para que um regime de autorização administrativa prévia possa ser justificado, deve ainda ser demonstrado que esse regime é necessário para poder impor [OSP] e que é proporcional ao objetivo prosseguido, de modo tal que o mesmo objetivo não pode ser alcançado por medidas menos restritivas da livre circulação de serviços, nomeadamente, por um sistema de declarações a posteriori […]

36. A este respeito, não pode ser excluído que a autorização administrativa prévia é por si própria um meio adequado que permite concretizar o conteúdo das [OSP] para impor a um armador individual tendo em conta a situação especial deste ou de controlar previamente a aptidão de um armador para executar essas obrigações.

37. No entanto, esse regime não pode legitimar um comportamento discricionário da parte das autoridades nacionais, suscetível de privar as disposições comunitárias, nomeadamente as relativas à liberdade fundamental como a que está em causa no processo principal, do seu efeito útil […]»

119    É certo que o que estava em causa no processo que deu origem ao acórdão de 20 de fevereiro de 2001, Analir e o. (C‑205/99, EU:C:2001:107), era um regime de autorização administrativa prévia e não, como no presente processo, uma DSP acompanhada da concessão de compensações. Todavia, o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça nesse acórdão, que assenta numa interpretação do regulamento relativo à cabotagem marítima em função do seu objetivo fundamental, que consiste em assegurar a livre prestação de serviços de cabotagem marítima e que, portanto, só aceita restrições a essa liberdade em condições muito limitadas, é perfeitamente transponível para o caso em apreço.

120    A esse respeito, deve recordar‑se que resulta de jurisprudência constante que o artigo 56.o TFUE exige não só a eliminação de qualquer discriminação contra o prestador de serviços estabelecido noutro Estado‑Membro, em razão da sua nacionalidade ou da circunstância de estar estabelecido num Estado‑Membro diferente daquele onde a prestação deve ser executada, mas também a supressão de qualquer restrição, ainda que indistintamente aplicada aos prestadores nacionais e aos de outros Estados‑Membros, quando seja suscetível de impedir, entravar ou tornar menos atrativas as atividades do prestador estabelecido noutro Estado‑Membro, onde preste legalmente serviços análogos (além dos acórdãos referidos na nota de pé de página 63 da decisão impugnada, v. acórdão de 7 de outubro de 2010, dos Santos Palhota e o., C‑515/08, EU:C:2010:589, n.o 29 e jurisprudência referida; acórdão de 19 de dezembro de 2012, Comissão/Bélgica, C‑577/10, EU:C:2012:814, n.o 38; v., igualmente, acórdão de 11 de setembro de 2014, Essent Energie Productie, C‑91/13, EU:C:2014:2206, n.o 44 e jurisprudência referida). Ora, não pode contestar‑se que a concessão de uma compensação financeira a um determinado prestador de serviços em especial, designadamente, o mandatário do serviço público, é suscetível de perturbar ou tornar menos atrativa a prestação desses mesmos serviços pelos operadores que não beneficiam da mesma compensação. Com efeito, o montante da referida compensação permite que o seu beneficiário goze de uma vantagem decisiva sobre os seus concorrentes e, consequentemente, pode dissuadi‑los de oferecer os serviços em questão.

121    No caso vertente, a DSP era suscetível de restringir a livre prestação de serviços de cabotagem marítima tanto mais que, como resulta das constatações feitas pela da Comissão no n.o 44 da sua decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, a CDSP, no seu artigo 3.o, segundo parágrafo, impunha condições particularmente restritivas aos eventuais novos participantes nas rotas a partir de Marselha para a Córsega. Essa disposição enuncia, com efeito, o seguinte:

«[A] concorrência pode ser exercida nas seguintes condições: para cada uma dessas rotas, qualquer companhia poderá efetuar, sem compensação financeira, um serviço regular incluindo todo o ano no mínimo duas rotações por semana, que deverá fazer‑se em condições que não possa prejudicar as condições económicas do operador de serviço público e que, por conseguinte, a escolha dos dias de partidas e chegadas será fixada pelo [STC] após acordo da Assembleia da Córsega. Essa condição será objeto de um compromisso firme. Em caso de incumprimento desse compromisso, no todo ou em parte, será aplicada uma penalidade de dois milhões de euros à companhia, cujo pagamento será garantido por uma caução bancária de montante equivalente. Essa caução bancária deverá ser prestada por um banco estabelecido na União Europeia, de rating a longo prazo “Standard and Poors A+” (ou equivalente).»

122    Nesse contexto, a observação da SNCM segundo a qual a existência da DSP não impediu a Corsica Ferries de entrar mercado e de adquirir aí rapidamente uma «posição dominante» deve ser rejeitada. Com efeito, não pode excluir‑se que, na falta da DSP, a entrada da Corsica Ferries e o exercício das suas atividades no referido mercado teriam sido ainda mais rápidos ou que outros operadores teriam igualmente entrado no mercado.

123    Além disso, ao contrário do que alega a SNCM, do facto de a adjudicação da DSP ter sido efetuada no âmbito de um concurso em que a Corsica Ferries participou não se pode deduzir que se tenha eliminado a restrição da livre prestação de serviços resultante do pagamento da compensação financeira ao único mandatário de serviço público. É certo que quando a DSP ocorre na sequência de um concurso realmente aberto, transparente e não discriminatório isso pode reduzir a importância dessa restrição. Todavia, não deixa de ser verdade que a restrição persiste durante todo o período de prestação do serviço público em causa.

124    À luz do que precede e, em especial, da interpretação do regulamento relativo à cabotagem marítima feita pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 20 de fevereiro de 2001, Analir e o. (C‑205/99, EU:C:2001:107) (v. n.o 118, supra), há que concluir que foi com razão que a Comissão considerou, na decisão impugnada, quanto ao cumprimento do primeiro critério Altmark, que «o âmbito do serviço público, tal como definido por um contrato de serviço público [devia] ser necessário e proporcionado em relação a uma necessidade real de serviço público, demonstrada pela insuficiência dos serviços regulares de transporte em condições normais de mercado» (considerando 136 da decisão impugnada).

125    Nessas circunstâncias, não é necessário pronunciarmo‑nos mais adiante sobre as considerações formuladas pelas partes a propósito da pertinência para o presente processo do acórdão de 16 de setembro de 2013, Colt Télécommunications France/Comissão (T‑79/10, não publicado, EU:T:2013:463). Todavia, importa sublinhar que, num caso como o vertente, as autoridades nacionais não podem eximir‑se de demonstrar a existência da falta de iniciativa privada. Com efeito, resulta claramente do n.o 34 do acórdão de 20 de fevereiro de 2001, Analir e o. (C‑205/99, EU:C:2001:107), que a demonstração da existência de uma necessidade real de serviço público está ligada à existência dessa falta de iniciativa privada. Por outras palavras, é com base na verificação da falta de iniciativa privada que é determinada a necessidade real de serviço público.

126    Resulta das considerações precedentes que a segunda e quarta subpartes da primeira parte do primeiro fundamento devem ser julgadas improcedentes.

–       Quanto à terceira subparte, relativa ao facto de a Comissão ter violado as regras e matéria de ónus da prova

127    A SNCM alega que a Comissão ignorou as regras do ónus da prova na sua análise do primeiro critério Altmark. A esse respeito, por um lado, afirma que a Comissão impôs sistematicamente à República Francesa o ónus de demonstrar a necessidade do serviço público e a falta de iniciativa privada. Por outro lado, citando duas apreciações da Comissão que constam dos considerandos 165 e 166 da decisão impugnada, sustenta, ao invés, que a própria Comissão se eximiu de qualquer ónus da prova em vários aspetos essenciais da sua análise do referido critério.

128    Na réplica, a SNCM acrescenta que a «análise […] em três etapas» invocada pela Comissão (v. n.o 130, infra) é inédita, não é mencionada na decisão de dar início ao procedimento formal de investigação nem na decisão impugnada e não se funda em nenhuma base jurídica preestabelecida. Além disso, essa análise é particularmente difícil, ou mesmo impossível de demonstrar.

129    A Comissão, apoiada pela Corsica Ferries, contesta ter ignorado as regras do ónus da prova.

130    Por um lado, a Comissão alega que é ao Estado‑Membro em questão que compete justificar o entrave à livre prestação de serviços e demonstrar a sua necessidade e proporcionalidade. Mais precisamente, no caso vertente, para estabelecer a existência de uma necessidade real de serviço público que justifique a adjudicação de uma DSP, as autoridades francesas deveriam ter demonstrado, em primeiro lugar, que havia procura dos utilizadores, em segundo lugar, que essa procura não podia ser satisfeita pelos operadores de mercado na falta de uma obrigação nesse sentido fixada pelos poderes públicos e, em terceiro lugar, que o recurso a simples OSP era insuficiente para suprir essa carência. A Comissão salienta que não enuncia assim uma análise inteiramente nova, mas que recorda simplesmente de maneira sintética as lacunas das autoridades francesas e da SNCM no que respeita à existência de uma necessidade real de serviço público. Acrescenta que essa demonstração não é inédita nem especialmente difícil de realizar.

131    Por outro lado, a Comissão rejeita a alegação da SNCM segundo a qual algumas das suas apreciações que constam dos considerandos 165 e 166 da decisão impugnada não se baseiam em nenhum elemento de prova.

132    Há que considerar que a Comissão não pode ser acusada de não ter cumprido as regras do ónus da prova na sua análise do primeiro critério Altmark.

133    Com efeito, por um lado, resulta das considerações expostas no âmbito da análise da segunda e quarta subpartes da primeira parte do primeiro fundamento (v. n.os 111 e 126, supra) que, para que um serviço de cabotagem marítima possa ser qualificado de SIEG, tem de corresponder a uma necessidade real de serviço público, demonstrada pela insuficiência de serviços regulares de transporte numa situação de livre concorrência, e que o âmbito do SIEG é necessário e proporcionado a essa necessidade. Ora, é incontestável que incumbe ao Estado‑Membro em questão, e não à Comissão, efetuar essa demonstração, apresentando elementos suficientemente convincentes. A esse respeito, deve salientar‑se que, ao contrário do que a SNCM sustentou na audiência (v. n.o 106, supra), o Estado‑Membro não pode limitar‑se a invocar a existência de um «interesse público em sentido amplo». A falta de prova apresentada pelo Estado‑Membro que demonstre que os critérios acima referidos foram cumpridos ou o incumprimento dos mesmos é suscetível de constituir um erro manifesto de apreciação que a Comissão é obrigada a ter em consideração.

134    No que se refere à demonstração em três fases enunciada pela Comissão para verificar a existência de uma necessidade real de serviço público (v. n.o 130, supra), há que salientar que, ao contrário do que sustenta a SNCM, não representa de modo nenhum uma exigência suplementar de prova não prevista pela decisão impugnada. Essa demonstração constitui simplesmente uma forma alternativa da apresentar a análise utilizada pela Comissão na decisão impugnada para verificar o cumprimento do primeiro critério Altmark (v. n.o 45, supra) e cujo mérito foi confirmado no exame da segunda e quarta subpartes da primeira parte do primeiro fundamento (v. n.os 111 a 126, supra). Assim, antes de mais, se não existe procura dos utilizadores para a totalidade ou uma parte dos serviços incluídos no âmbito do serviço público, tal como definido pelas autoridades nacionais, esse serviço público ou o respetivo âmbito não podem ser considerados necessários e proporcionados relativamente a uma necessidade real de serviço público. Em seguida, tão‑pouco pode existir tal necessidade se a procura dos utilizadores pode ser satisfeita pelos operadores do mercado sem que os poderes públicos imponham uma obrigação nesse sentido. Por outras palavras, como já foi salientado no n.o 125, supra, existindo iniciativa privada, não pode haver necessidade real de serviço público. Por último, embora exista uma procura dos utilizadores e essa não possa ser satisfeita pelo simples jogo de forças do mercado, é ainda necessário que as autoridades nacionais privilegiem a abordagem menos restritiva das liberdades essenciais ao bom funcionamento do mercado interno. Ora, como sustenta com razão a Comissão na sua resposta a uma das questões escritas do Tribunal Geral, no que se refere ao setor da cabotagem marítima, a imposição de OSP aplicáveis a todos os transportadores que desejem oferecer os seus serviços numa dada ligação e que não dão necessariamente lugar a uma compensação financeira (v. artigo 4.o, n.o 2, de regulamento relativo à cabotagem marítima) acarreta restrições menos graves da livre prestação de serviços que a concessão de uma compensação financeira a um determinado transportador ou a um número limitado de transportadores no âmbito de uma DSP.

135    Deve acrescentar‑se que a demonstração assim criticada pela SNCM não é particularmente difícil de fazer, dado que as necessidades de serviço público podem, com efeito, ser facilmente avaliadas, nomeadamente, através de estudos de mercado, consultas públicas ou concursos de projetos, o que no caso vertente não foi feito de modo nenhum pelas autoridades francesas antes de aprovar o princípio da renovação de uma DSP da ligação marítima da Córsega.

136    Por outro lado, a SNCM não tem razão quando afirma que as duas apreciações da Comissão que reproduz, constantes dos considerandos 165 e 166 da decisão impugnada, não se baseiam em nenhum elemento de prova. Essas apreciações resultam, com efeito, da análise da Comissão relativa a elementos dos autos.

137    Assim, no que respeita à primeira apreciação criticada, constante do considerando 165 da decisão impugnada, deve salientar‑se que a frase de que provém começa por constatar que «o serviço prestado pela Corsica Ferries respondia às normas das OSP aplicáveis a todas as ligações entre o continente francês e a Córsega» e que essa constatação não pode tornar a ser posta em causa. Assim, as companhias que, como a Corsica Ferries, ofereciam serviços de transporte marítimo, nomeadamente, na ligação Toulon‑Córsega estavam sujeitas a OSP em matéria de regularidade, de continuidade, de frequência das travessias, de capacidade para realizar o serviço, de tarifas e de tripulação dos navios, no âmbito do regime de auxílios de caráter social descrito no n.o 14, supra. Essas companhias deviam fornecer todas as justificações sobre a sua capacidade de assegurar o serviço, ter a situação regularizada no que respeita às suas obrigações fiscais e sociais, comunicar previamente o seu programa de exploração ao STC e assegurar pelo menos duas rotações por semana todo o ano entre Toulon e a Córsega. As tripulações dos seus navios estavam sujeitas às normas do direito francês. Aliás, as tarifas sociais máximas eram fixadas para cada uma das categorias em questão.

138    A Comissão podia concluir razoavelmente de uma comparação das exigências ligadas a essas OSP com as obrigações previstas pelo caderno de encargos da CDSP para o serviço complementar, que eram menos restritivas que as aplicáveis ao serviço de base (v. considerando 141 da decisão impugnada e n.o 151, infra), a apreciação criticada pela SNCM segundo a qual o serviço prestado pela Corsica Ferries «não apresentava qualquer diferença qualitativa com o serviço prestado no âmbito do serviço complementar».

139    Quanto à segunda apreciação criticada, constante do considerando 166 da decisão impugnada, há que observar que resulta de uma leitura de todo o considerando que a Comissão entende, em substância, que os serviços prestados pela Corsica Ferries a partir de Toulon são efetuados de modo satisfatório e em condições (preço, características qualitativas objetivas, continuidade e acesso ao serviço), conformes ao interesse público. Ora, essa apreciação parece justificada não só à luz do exposto no n.o 137, supra, mas também, e de um modo geral, tendo em conta o facto, referido justamente pela Comissão, de que as condições ligadas às OSP aplicáveis às ligações marítimas entre a França continental e a Córsega foram definidas pelo STC em aplicação do regulamento relativo à cabotagem marítima. Essas OSP devem portanto ser consideradas como sendo obrigações que visam que os serviços de cabotagem marítima sejam prestados em condições compatíveis com o interesse público e que um armador da União não assumiria ou não assumiria na mesma medida se considerasse o seu próprio interesse comercial (v., a esse respeito, artigo 2.o, n.o 4, do regulamento relativo à cabotagem marítima e n.os 47 e 48 da comunicação SIEG). Portanto, é legítimo considerar que todas as prestações de serviços de cabotagem marítima que entrem no âmbito dessas OSP eram realizadas em conformidade com o interesse público quanto aos parâmetros qualitativos regulados pelas OSP e enumerados no artigo 4.o, n.o 2, do regulamento relativo à cabotagem marítima, entre os quais os enunciados no considerando 166 da decisão impugnada.

140    Há que concluir das considerações precedentes que a terceira subparte da primeira parte do primeiro fundamento e, portanto, essa primeira parte devem ser julgadas improcedentes na íntegra.

 Quanto à segunda parte, relativa ao facto de a Comissão ter cometido um erro de direito, um erro de facto e um erro manifesto de apreciação, ao equiparar as capacidades suplementares a fornecer durante os períodos de ponta a um serviço complementar e ao avaliar esse serviço separadamente do serviço de base a título do primeiro critério Altmark

141    No âmbito da segunda parte do primeiro fundamento, a SNCM sustenta que a Comissão cometeu um erro de direito, um erro de facto e um erro manifesto de apreciação ao equiparar as capacidades suplementares a fornecer durante os períodos de ponta a um serviço complementar e ao avaliar esse serviço separadamente do serviço de base a título do primeiro critério Altmark.

142    Esta segunda parte divide‑se em três subpartes, sendo a última invocada a título subsidiário.

–       Quanto à primeira subparte, relativa ao facto de a CDSP não fazer distinção entre o serviço de base e o serviço complementar

143    A SNCM alega que a CDSP não faz distinção entre o serviço de base e o serviço complementar, ao contrário do que é indicado no considerando 137 da decisão impugnada, no qual se baseia todo o raciocínio da Comissão. O conteúdo do alegado serviço complementar não é definido em disposições específicas e perfeitamente identificáveis do caderno de encargos. Ao prever capacidades mínimas adicionais para certos períodos do ano, as partes da CDSP não pretenderam de modo nenhum criar dois serviços que podem ser realizados independentemente um do outro. Quanto ao facto de a nova DSP para o período de 2014 a 2023 já não abranger o serviço complementar, limitando‑se ao serviço de base, não é pertinente porque essa exclusão se explica por razões orçamentais. Por outro lado, a inclusão no âmbito do serviço público de serviços respeitantes aos períodos de ponta a fim de evitar qualquer risco de escolha da nata é a única solução compatível com a jurisprudência do acórdão de 19 de maio de 1993, Corbeau (C‑320/91, EU:C:1993:198). Por último, a compensação de serviço público prevista pela CDSP é paga anualmente e calculada de forma pré‑fixada para todos os serviços prestados pelos mandatários.

144    A Comissão, apoiada pela Corsica Ferries, contesta as alegações da SNCM.

145    Há que observar que foi acertadamente que a Comissão afirmou, no considerando 137 da decisão impugnada, que a distinção entre os serviços de transporte a fornecer ao longo do ano no âmbito do serviço de base e as capacidades suplementares a fornecer em períodos de ponta, designadamente, o serviço complementar, estava bem patente no caderno de encargos da CDSP.

146    A esse respeito, em primeiro lugar, há que salientar que o serviço complementar, que apenas diz respeito a três das cinco rotas que são abrangidas pela DSP, é objeto de disposições específicas do caderno de encargos da CDSP, a saber, o ponto I, alínea a), n.o 2 (rota Marselha‑Bastia), o ponto I, alínea b), n.o 2 (rota Marselha‑Ajaccio) e o ponto I, alínea d), n.o 1.4 (rota Marselha‑Propriano) do referido caderno de encargos.

147    Por conseguinte, o facto alegado pela SNCM nesse contexto, de a CDSP não fazer «qualquer referência» à expressão «serviço complementar» enquanto tal, não é pertinente. Em qualquer caso, esta alegação não tem fundamento, uma vez que na página 1 do caderno de encargos anexo à CDSP se precisa que os serviços em questão «incluem, em cada rota, um serviço de passageiros e frete permanente e, em certas rotas, um serviço de passageiros suplementar para os picos de tráfego». Além disso, há que observar que, tal como salienta com razão a Corsica Ferries, a própria SNCM, em determinados relatórios de execução da DSP que é obrigada a elaborar anualmente, faz uma distinção explícita entre o serviço permanente e o serviço complementar.

148    Em segundo lugar, há que sublinhar que, ao contrário do que sustenta a SNCM, a conclusão da Comissão segundo a qual o serviço de base e o serviço complementar constituem dois tipos de serviço distintos não se baseia na sua «integralidade» na afirmação criticada que consta do considerando 137 da decisão impugnada, que, através da nota de pé de página 64, remete para as disposições específicas referidas no n.o 146, supra. Com efeito, esta conclusão baseia‑se igualmente numa série de outros elementos expostos em seguida.

149    Em primeiro lugar, há que recordar que o serviço de base diz respeito ao transporte marítimo de passageiros e de frete, ao passo que o serviço complementar diz unicamente respeito ao transporte de passageiros.

150    Em segundo lugar, há que salientar que, no que respeita ao serviço de base, o caderno de encargos da CDSP fixa, para cada uma das linhas em questão e trajeto a trajeto, as capacidades mínimas diárias, ao passo que no caso do serviço complementar fixa apenas, igualmente para cada uma das linhas em questão e trajeto a trajeto, as capacidades mínimas globais por períodos.

151    Em terceiro lugar, há que constatar que os dois tipos de serviços estão sujeitos a obrigações distintas, em especial em termos de horários e de frequência das travessias, e que as obrigações aplicáveis ao serviço de base são mais restritivas do que as aplicáveis ao serviço complementar. Assim, ao passo que o caderno de encargos da CDSP estabelece horários estritos de partida e de chegada para o serviço de base, não impõe nenhum horário especial para o serviço complementar. Do mesmo modo, ao passo que esse caderno de encargos estipula, relativamente ao serviço de base, que o transporte dos passageiros deve ser assegurado diariamente em todos os sentidos (mas apenas três vezes por semana no que se refere à linha Marselha‑Propriano) e durante todo o ano, no caso do serviço complementar, não prevê nenhuma obrigação em termos de frequência das travessias. É certo que resulta desse mesmo caderno de encargos que, no caso do serviço complementar, os dias e horários das viagens devem ser objeto de um protocolo de acordo «explícito e prévio» com o STC. Todavia, isso explica‑se antes de mais pelo caráter contratual da CDSP e não deixa de ser verdade que a SNCM dispõe desse modo de maior flexibilidade que no caso do serviço de base. Importa acrescentar que, no caso desse último serviço, os trajetos devem ser realizados sem escala, ao passo que, no caso do serviço complementar, não se prevê essa exigência.

152    Em quarto lugar, tal como resulta do anexo 2 da CDSP e se expõe mais pormenorizadamente nos n.os 160 e 161, infra, o serviço de base é executado utilizando navios de carga mistos, que permitem o transporte tanto de passageiros como de mercadorias, ao passo que o serviço complementar é efetuado com ferries, que só permitem o transporte de passageiros (e dos seus veículos).

153    Em quinto lugar, resulta igualmente do anexo 2 da CDSP que a exploração do serviço complementar cabia apenas à SNCM. Com efeito, prevê‑se que são os navios Danielle Casanova e Napoléon Bonaparte que são utilizados para «assegurar as capacidades adicionais de serviço de passageiros das linhas de Ajaccio, [de] Bastia e [de] Propriano». Ora, esses dois navios fazem parte da frota da SNCM e não da CMN. Assim, na prática, só a SNCM assegurou a exploração do serviço complementar.

154    Em terceiro lugar, no que respeita à alegação da SNCM segundo a qual não se pode argumentar que a nova DSP para o período de 2014 a 2023 já não cobre o serviço complementar, limitando‑se ao serviço de base, dado que, em substância, essa exclusão se explica por motivos orçamentais, deve ser rejeitada por inoperante. Com efeito, esse argumento baseado na nova DSP já tinha sido invocado pela Corsica Ferries durante o procedimento administrativo, mas que não foi retomado enquanto tal pela Comissão na decisão impugnada para justificar o seu raciocínio. Em qualquer caso, o facto de essa nova DSP já não cobrir o serviço complementar demonstra efetivamente que este último serviço não é indispensável para o bom cumprimento do serviço de base, quer por motivos técnicos quer por considerações de ordem económica, e que esses dois tipos de serviços são dissociáveis.

155    Em quarto lugar, a SNCM invoca erradamente a jurisprudência do acórdão de 19 de maio de 1993, Corbeau (C‑320/91, EU:C:1993:198). Com efeito, como salientado no n.o 101, supra, resulta dos autos que tanto o serviço de base como o serviço complementar apresentavam um importante défice de exploração, o que excluía qualquer possibilidade de perequação financeira entre eles. Isso foi demonstrado especialmente pelas contas de resultado analítico da SNCM, anexas às observações de 5 de novembro de 2012 que esta apresentou no âmbito do procedimento administrativo, que revelam que, por cada ano do período de 2007 a 2011 e no que se refere quer aos ferries quer aos navios de carga mistos, os custos diretos (a saber, nomeadamente, as despesas marítimas, de tripulação e de aprovisionamentos) eram superiores às receitas líquidas.

156    Em quinto lugar, embora seja verdade que, como sustenta a SNCM e como é referido, de resto, no considerando 47 da decisão impugnada, as compensações devidas à SNCM eram fixadas de modo global no artigo 2.o da CDSP, não deixa de ser verdade que resulta das contas de resultado analítico mencionadas no n.o 155, supra, que, na prática, as referidas compensações eram repartidas entre o serviço de base, operado por navios de carga mistos, e o serviço complementar, operado por ferries. Em qualquer caso, a circunstância de esse artigo prever uma compensação global para os dois tipos de serviço não indica se estes se podem ou não separar.

157    Daqui resulta que a primeira subparte da segunda parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

–       Quanto à segunda subparte, relativa ao facto de a Comissão ter equiparado erradamente o serviço de base às prestações oferecidas pelos navios de carga e o serviço complementar às oferecidas pelos ferries

158    A SNCM afirma que a Comissão equiparou erradamente o serviço de base às prestações oferecidas pelos navios de carga e o serviço complementar às oferecidas pelos ferries. A SNCM sustenta que o caderno de encargos da CDSP não exige de modo algum a utilização de navios diferentes para cada um desses tipos de serviços. Pelo contrário, na prática, uma parte da prestação do serviço complementar é assegurada por navios de carga e os ferries poderiam ser utilizados para a prestação do serviço de base, nomeadamente na estação baixa aquando das paragens técnicas dos navios de carga. A fim de corroborar as suas alegações, a SNCM remete para os quadros anexos à petição.

159    A Comissão e a Corsica Ferries rejeitam as alegações da SNCM.

160    Há que observar que, tal como já foi salientado no n.o 152, supra, resulta do anexo 2 da CDSP que o serviço de base é levado a cabo utilizando navios de carga mistos, ao passo que o serviço complementar é efetuado por ferries. Como sustenta com razão a Corsica Ferries, essa constatação é ainda confirmada pelos relatórios de execução da DSP elaborados pela SNCM. Assim, por exemplo, o relatório de execução relativo a 2010 refere que o serviço de base é prestado por meio de «navios mistos» e que se trata dos «car‑ferries Napoléon Bonaparte e Danielle Casanova [que] asseguraram as capacidades suplementares para o transporte de passageiros durante os períodos de afluência aos portos de Bastia, [d’]Ajaccio e [de] Propriano», num total de 251 932 passageiros transportados, «ou seja, 47% do tráfego da DSP SNCM.

161    A alegação da SNCM segundo a qual, na prática, os navios de carga mistos foram utilizados para fins do serviço complementar e, inversamente, os ferries foram utilizados para fins do serviço de base não foi suficientemente demonstrada. Mais precisamente, os quadros fornecidos pela SNCM para tentar corroborar essa alegação não são conclusivos. Com efeito, antes de mais, um desses quadros, a saber, o intitulado «serviço complementar efetuado pelos navios de carga», contém erros de cálculo. Em seguida e sobretudo, como sustenta com razão a Comissão, os referidos quadros contêm uma distribuição artificial das capacidades em excesso (em número de lugares a bordo) dos diferentes navios que não tem relação com a maneira como, na prática, esses dois tipos de serviço foram prestados. Assim, o quadro intitulado «Serviço complementar efetuado pelos navios de carga» apresenta, no que respeita às linhas Marselha‑Bastia e Marselha‑Ajaccio e para a segunda metade de 2007, bem como para cada um dos anos do período de 2008 a 2013, a diferença entre as capacidades oferecidas pelos navios de carga dos mandatários para essas rotas no âmbito do serviço de base (quadro intitulado «Serviço permanente efetuado pelos navios de carga») e as capacidades exigidas pelo caderno de encargos da CDSP para esses mesmos serviços e rotas (quadro intitulado «Caderno de encargos do serviço permanente»). Por outras palavras, o quadro referido não é mais do que um simples inventário do excesso de capacidades dos navios que asseguram o serviço de base relativamente às exigências do caderno de encargos, excesso de capacidades que a SNCM atribui arbitrariamente a uma pretensa prestação de serviço complementar por meio de navios de carga. No mesmo sentido, o quadro intitulado «serviço complementar efetuado pelos ferries» fixa arbitrariamente as capacidades oferecidas pelos ferries da SNCM no âmbito do serviço complementar como resultando da diferença entre as capacidades exigidas pelo caderno de encargos da CDSP para esse serviço (quadro intitulado «Caderno de encargos do serviço complementar») e o excesso de capacidades retomadas no quadro intitulado «Serviço complementar efetuado pelos navios de carga». Ora, resulta dos autos que as capacidades oferecidas pelos referidos ferries eram amplamente superiores às mencionadas no quadro intitulado «Serviço complementar efetuado pelos ferries», de modo que, abstraindo de circunstâncias excecionais, não era necessário recorrer a navios de carga para assegurar a prestação do serviço complementar. Quanto ao quadro intitulado «Serviço permanente efetuado pelos ferries», indica simplesmente, e sem qualquer justificação, que os ferries contribuíram anualmente para o serviço de base até um certo número de lugares nas rotas Marselha‑Ajaccio e Marselha‑Bastia (nomeadamente 13 000 lugares para o segundo semestre de 2007 e 26 000 lugares em 2008). Por último, há que salientar que o facto de poder ter havido casos isolados em que um navio normalmente destinado ao serviço de base foi utilizado no âmbito do serviço complementar, e inversamente, não basta em si mesmo para pôr em causa a verificação de princípio segundo a qual os navios de carga se destinavam ao serviço de base e os ferries ao serviço complementar.

162    Resulta do que precede que a segunda subparte da segunda parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

–       Quanto à terceira subparte, invocada a título subsidiário, relativa ao facto de o serviço complementar se justificar pela necessidade real de serviço público que satisfaz o serviço de base

163    A título subsidiário, a SNCM considera que o serviço complementar é justificado pela necessidade real de serviço público que é satisfeita pelo serviço de base. A SNCM afirma que, embora exista um serviço complementar que se pode distinguir do serviço de base, quod non, esses dois tipos de serviços não podem ser apreciados independentemente um do outro para fins da análise do primeiro critério Altmark.

164    Em apoio desta terceira subparte, a SNCM alega duas séries de argumentos. Com a primeira, visa estabelecer, em substância, que uma análise global do serviço de base e do serviço complementar se impõe com base em determinadas considerações diferentes das considerações técnicas e económicas. Com a segunda, pretende demonstrar que existe uma complementaridade técnica e económica entre esses dois tipos de serviços.

165    A Comissão, apoiada pela Corsica Ferries, pede que esta terceira subparte seja julgada improcedente.

166    Quanto à primeira série de argumentos, há que constatar que nenhum destes permite concluir que a Comissão cometeu um erro de direito ao não proceder, no caso vertente, a uma análise global do serviço complementar e do serviço de base.

167    A esse respeito há que salientar, em primeiro lugar, que a SNCM tenta erradamente pôr em causa a apreciação da Comissão, que consta do considerando 139 da decisão impugnada, segundo a qual «não seria razoável considerar que o serviço complementar pode ser justificado pela necessidade real de serviço público que o serviço de base satisfaz apenas se ficar provado que a sua exploração é […] indispensável à do serviço de base, com fundamento numa série de considerações técnicas e económicas».Com efeito, se o serviço complementar, que é claramente um serviço distinto do serviço de base (v. n.os 145 a 154, supra), estivesse incluído no âmbito do serviço público sem que isso se justifique pela existência de complementaridades técnicas entre os dois tipos de serviços ou por considerações de eficácia económica, é evidente que as exigências da necessidade e da proporcionalidade não estariam satisfeitas (quanto a essas exigências, v. n.o 124, supra).

168    Em segundo lugar, há que salientar que a SNCM sustenta também erradamente que não existe nenhuma diferença de natureza entre o serviço de base e o serviço complementar. Com efeito, resulta dos elementos expostos nos n.os 145 a 154, supra, que esses dois tipos de serviços apresentam, na realidade, diferenças significativas.

169    Em terceiro lugar, admitindo que o argumento da SNCM retomado no n.o 168, supra, deve igualmente compreender‑se no sentido de se referir a que os dois tipos de serviços têm um objetivo comum, a saber, garantir a continuidade territorial, há que concluir que não pode ser acolhido.

170    Com efeito, por um lado, e a título geral, há que salientar que não é por esses dois tipos de serviços terem o mesmo objetivo que devem automaticamente considerar‑se que constituíam, na realidade, um único e mesmo tipo de serviço.

171    Por outro lado, a circunstância de tanto o serviço de base como o serviço complementar visarem alegadamente assegurar a continuidade territorial não implica necessariamente, em especial no caso da questão da existência de uma necessidade real de serviço público, que devam ser analisados em conjunto, como se formassem um todo indissociável.

172    Com efeito, como salienta justamente a Comissão, um objetivo de continuidade territorial pode muito bem ser atingido quer pelas forças do mercado quer pelo serviço público. A esse respeito, deve recordar‑se, por um lado, que ainda que o Estado‑Membro disponha de um amplo poder de apreciação na matéria, só pode estabelecer um SIEG na medida em que este responda a uma necessidade real de serviço público e, por outro, se a procura já é satisfeita pelas forças do mercado, tal necessidade não pode existir (v. n.os 111 a 124, supra). Assim, para poder estabelecer um SIEG no setor da cabotagem marítima, não basta que o Estado‑Membro invoque a prossecução de um objetivo de continuidade territorial. É ainda necessário que a realização desse objetivo não esteja já assegurada pelo simples jogo das forças do mercado. Se este último permite alcançar uma parte do referido objetivo, a criação de tal SIEG só é justificada na medida em que responde a uma carência correspondente do mercado.

173    No caso vertente, a Comissão constatou, com razão, como se expõe em seguida, no âmbito da análise da terceira parte do primeiro fundamento, que a continuidade territorial entre a Córsega e o continente francês já era assegurada pelo serviço de base completado pelas forças do mercado, sujeitas a OSP. Por conseguinte, para além do facto de o serviço complementar não responder claramente a uma necessidade real de serviço público, nem sequer era indispensável para a realização do objetivo teórico da continuidade territorial que lhe tinha sido atribuído pelas autoridades francesas.

174    Em quarto lugar, deve considerar‑se que é em vão que a SNCM alega que a abordagem adotada pela Comissão torna na prática impossível o bom funcionamento do serviço público na medida em que reserva a este último apenas as atividades não rentáveis, excluindo assim qualquer mecanismo de perequação e dissuadindo todos os operadores económicos prudentes e avisados de prestar um serviço público. Com efeito, tal como já foi sublinhado nos n.os 101 e 155, supra, quer o serviço de base quer o serviço complementar apresentavam um défice de exploração importante e recorrente, o que excluía qualquer possibilidade de perequação financeira entre eles.

175    Em quinto lugar, a SNCM afirma que a necessidade de uma análise global do serviço de base e do serviço complementar deduz‑se igualmente do n.o 6 da decisão do Conseil d’État (Conselho de Estado) de 13 de julho de 2012 e da prática decisória anterior da Comissão relativa às anteriores DSP para a ligação marítima da Córsega.

176    Ora, por um lado, a SNCM não pode apoiar‑se na passagem do ponto 6 da decisão do Conseil d’État (Conselho de Estado) de 13 de julho de 2012 que cita. Com efeito, a Comissão e o juiz da União não se encontram vinculados pela interpretação feita pelo Conseil d’État (Conselho de Estado) das disposições do regulamento relativo à cabotagem marítima. No caso vertente, a SNCM não tem fundamento para invocar a referida passagem, tanto mais que, à data em que o Conseil d’État (Conselho de Estado) proferiu a sua decisão, o procedimento formal de investigação que conduziu à adoção da decisão impugnada já tinha sido iniciado pela Comissão.

177    Por outro lado, a SNCM também não pode invocar a prática decisória anterior da Comissão relativa às anteriores DSP para a ligação marítima da Córsega, pelos motivos já expostos nos n.os 98 e 99, supra.

178    Quanto à segunda série de argumentos, em primeiro lugar, há que constatar que a Comissão salientou, com razão, no considerando 141 da decisão impugnada, que não tinha sido estabelecida nenhuma complementaridade técnica entre o serviço de base e o serviço complementar.

179    A esse respeito, há que recordar que, para além do facto de esses serviços estarem sujeitos a obrigações distintas, em especial em termos de horários e de frequência das travessias (v. n.o 151, supra), também são levados a cabo utilizando navios de tipos diferentes e com finalidades distintas (v. n.os 152, 160 e 161, supra). Com efeito, o serviço de base é efetuado por navios de carga mistos, que permitem o transporte de mercadorias e de passageiros, ao passo que o serviço complementar é efetuado por ferries, que só permitem o transporte de passageiros e dos seus veículos. As diferenças técnicas entre esses dois tipos de navios não só impedem que os utilizados para a prestação do serviço complementar se utilizem para prestar o serviço de base mas também que se efetuem economias de escala, em especial na manutenção e reparação dos meios náuticos. Além disso, as tripulações devem ser objeto de uma certificação diferente consoante o tipo de navio pelo que não são intercambiáveis.

180    Estas constatações não podem ser postas em causa pela alegação da SNCM segundo a qual os dois tipos de serviços apresentam «numerosas características técnicas comuns, nomeadamente em termos de qualidade de serviço» e existem importantes sinergias entre eles pelo facto de partilharem as mesmas infraestruturas portuárias, a mesma rede de agências e os mesmos meios telefónicos e telemáticos para a reserva de bilhetes, bem como o mesmo pessoal no cais, e podem utilizar os mesmos procedimentos de certificação e de controlo de higiene e segurança alimentar. Com efeito, como sustenta justamente a Comissão, por um lado, as sinergias assim invocadas só têm um caráter relativamente marginal, sendo as principais fontes de despesas dos serviços em questão os meios náuticos e as tripulações, e, por outro, a partilha de estruturas administrativas e comerciais comuns não pode constituir uma complementaridade válida para os efeitos da presente problemática dado que, em qualquer hipótese, poderia aplicar‑se o mesmo critério a todas as atividades da SNCM.

181    Também não pode ser acolhida a alegação da SNCM segundo a qual os ferries têm vocação para substituir os navios de carga mistos durante as paragens técnicas destes últimos. Com efeito, para além do facto de os ferries não permitirem o transporte de mercadorias, resulta claramente dos quadros que constam do ponto B «Apresentação dos anos tipo» do anexo 2 da CDSP que, durante as paragens técnicas dos navios de carga mistos, as travessias em questão deviam ser sempre asseguradas por outros navios de carga mistos, nomeadamente designados nesses quadros, e não por ferries.

182    Em segundo lugar, há que constatar que nenhum dos argumentos invocados pela SNCM permite concluir que a inclusão do serviço complementar no âmbito do serviço público era justificada por considerações de eficácia económica.

183    A esse respeito, há que recordar que já se verificou nos n.os 101, 155 e 174, supra, que o serviço complementar apresentava um défice de exploração.

184    A argumentação da SNCM segundo a qual este último serviço contribuía de modo fundamental, através das receitas que gerava pela exploração da ligação marítima da Córsega nos períodos mais lucrativos, para o equilíbrio económico global do serviço de base e da DSP, bem como para o financiamento da continuidade territorial, não pode ser acolhida.

185    A esse respeito há que considerar, antes de mais, que a SNCM censura erradamente a Comissão por não ter analisado se «[o serviço complementar], ao cobrir pelo menos os seus custos variáveis específicos, poderia ter contribuído para cobrir uma parte dos custos fixos comuns ao serviço [de base]». Com efeito, resulta das contas de resultado analítico da SNCM, que esta apresentou durante o procedimento administrativo, que, por cada ano do período de 2007 a 2011, as receitas líquidas geradas pelos ferries eram inferiores aos custos diretos desse serviço (a saber, nomeadamente, as despesas marítimas, de tripulação e de aprovisionamentos) (v. n.o 155, supra).

186    Em seguida, é em vão que, em apoio da referida argumentação, a SNCM reitera a sua alegação de que os ferries podiam igualmente ser utilizados para prestar o serviço de base. Essa alegação deve, com efeito, ser julgada improcedente pelos motivos já expostos nos n.os 152, 160, 161 e 181, supra.

187    Por último, quanto ao argumento da SNCM segundo o qual a contribuição das receitas geradas pelo serviço complementar para a remuneração global dessa sociedade é muito importante, uma vez que os períodos que correspondem a esse serviço são os mais rentáveis, deve ser rejeitado por inoperante. Com efeito, ainda que admitindo que seja correto, não deixa de ser verdade que as referidas receitas não eram suficientes para compensar os custos diretos associados à prestação desse serviço (v. n.os 101, 155, 174 e 185, supra).

188    Do conjunto das considerações precedentes há que concluir que a terceira subparte da segunda parte do primeiro fundamento e, portanto, essa segunda parte devem ser julgadas improcedentes na íntegra.

 Quanto à terceira parte, invocada a título subsidiário, relativa ao facto de o serviço complementar, considerado isoladamente, cumprir o primeiro critério Altmark

189    No âmbito da terceira parte de primeiro fundamento, invocada a título subsidiário, a SNCM alega que o serviço complementar, considerado isoladamente, cumpre o primeiro critério Altmark e que a Comissão cometeu, portanto, um erro manifesto de apreciação ao entender que a inclusão desse serviço no âmbito do serviço público não correspondia a uma necessidade real de serviço público.

190    Esta terceira parte pode dividir‑se em quatro subpartes.

–       Quanto à primeira subparte, relativa ao facto de a Comissão ter apreciado erradamente a substituibilidade dos serviços de transporte de passageiros a partir de Marselha pelos serviços de transporte de passageiros a partir de Toulon

191    A SNCM sustenta que a constatação da Comissão, constante do considerando 160 da decisão impugnada, segundo a qual «o serviço complementar […] era, em larga medida, substituível do ponto de vista da procura de passageiros, nos serviços a partir de Toulon e com destino a Bastia e Ajaccio, aquando da concessão da CDSP», assenta num raciocínio manifestamente erróneo.

192    A Comissão, apoiada pela Corsica Ferries, contesta as alegações da SNCM.

193    Em apoio da sua tese, em primeiro lugar, a SNCM afirma que o raciocínio da Comissão se baseia numa análise tendenciosa e contraditória das estatísticas de tráfego passageiros.

194    Há que observar que nenhuma das críticas formuladas pela SNCM em apoio dessa afirmação é fundamentada.

195    Assim, em primeiro lugar, é em vão que a SNCM censura a Comissão por ter analisado, nos considerandos 154 e 155 da decisão impugnada, a evolução do tráfego de passageiros entre o continente francês e a Córsega entre 2002 e 2009, a saber, um período que inclui dois anos posteriores à adjudicação da DSP. Com efeito, a tomada em consideração desses dois anos, para além dos anos de 2002 a 2007, permite perceber as grandes tendências da evolução do tráfego de passageiros num período prolongado e constatar que não tinha diminuído depois da adjudicação da DSP. No entanto, há que observar que a SNCM nem sequer alega que a evolução do tráfego de passageiros depois de 2007 apresentava diferenças significativas relativamente à evolução dos anos anteriores.

196    Em segundo lugar, há que considerar que a observação da SNCM segundo a qual, no decurso do período de 2002 a 2009, o tráfego de passageiros a partir de Marselha se manteve mais ou menos estável, ao passo que o tráfego a partir de Toulon teve um crescimento muito acentuado, não contraria de modo nenhum a conclusão da Comissão relativa à existência de uma substituibilidade, do ponto de vista da procura, dos serviços de transporte marítimo de passageiros oferecidos na ligação Marselha‑Córsega com os oferecidos na ligação Toulon‑Córsega.

197    Com efeito, resulta dos autos que, conforme consta do considerando 154 da decisão impugnada, o tráfego dos serviços de transporte marítimo entre o continente francês e a Córsega aumentou, entre 2002 e 2009, significativamente no transporte de passageiros (+ 31,6%) e que esse o crescimento do tráfego global foi amplamente absorvido pelos prestadores de serviços que operam a partir de Toulon (+ 150%), em detrimento da oferta dos que operam a partir de Marselha (‑ 1,7%). A observação da SNCM segundo a qual o crescimento do tráfego a partir de Toulon foi acompanhado de uma quase estabilidade do tráfego a partir de Marselha omite a consideração do crescimento do tráfego global e da evolução das quotas de mercado dos operadores. Ora, é incontestável que, nesse contexto de crescimento geral do tráfego entre a Córsega e o continente francês, a quota de mercado dos prestadores que operam a partir de Toulon aumentou consideravelmente, ao passo que a dos prestadores que operam a partir de Marselha diminuiu. Não é determinante a esse respeito que em número absoluto de passageiros a ligação Marselha‑Córsega tenha conhecido uma quase estagnação, porque em proporção de quotas de mercado sofreu um recuo muito nítido. Daí podia ser claramente deduzida a existência de uma transferência do tráfego de transporte marítimo de passageiros da ligação Marselha‑Córsega para a ligação Toulon‑Córsega e, portanto, de uma substituibilidade, de ponto de vista da procura, dos serviços oferecidos na primeira ligação pelos serviços oferecidos na segunda.

198    Deve acrescentar‑se que a SNCM não contesta os desenvolvimentos constantes do considerando 157 da decisão impugnada, que tem a seguinte redação:

«De facto, a evolução do tráfego entre o continente francês e a Córsega em benefício das ligações a partir de Toulon é bastante significativ[a] no que se refere ao serviço complementar. Entre 2002 e 2005, o tráfego real verificado no serviço complementar diminuiu 208 213 passageiros na ligação Marselha‑Córsega, enquanto o tráfego aumentou 324 466 passageiros na ligação Toulon‑Córsega durante o mesmo período. A diminuição da parte do tráfego assegurada pelo serviço complementar em benefício de outros operadores de mercado, num contexto de aumento global do tráfego desde 2002, indica um elevado grau de substituibilidade entre ambos os serviços.»

199    Em terceiro lugar, a SNCM alega erradamente que a análise da Comissão constante do considerando 154 da decisão impugnada entra em contradição com o considerando 155 dessa decisão, no qual a Comissão declarou que a evolução não parece dever ser atribuída a um efeito de vasos comunicantes com a Itália uma vez que o tráfego marítimo de passageiros entre a Córsega e a Itália se manteve estável durante o período em questão. Com efeito, no referido considerando 155, a Comissão não invoca de forma alguma tal estabilidade de tráfego entre a Córsega e a Itália. Nesse considerando, a Comissão refuta um argumento das autoridades francesas segundo o qual as ligações entre a Córsega e a Itália absorveram uma parte do tráfego das linhas Marselha‑Córsega baseando‑se, pelo contrário, no facto de que a parte do tráfego marítimo de passageiros de e para todos os portos corsos representada pelas ligações para Itália tinha diminuído globalmente no decurso do período em questão. A esse respeito, há que salientar que resulta efetivamente dos dados publicados pelo observatório regional dos transportes da Córsega que, entre 2002 e 2009, apesar de o tráfego entre a Córsega e a Itália ter aumentado 4,6%, o tráfego global entre a Córsega e os vários portos continentais aumentou mais de 21%. Assim, a parte do tráfego corso representada pelas ligações para Itália passou de 39,1% em 2002 para 33,8% em 2009.

200    Em quarto lugar, é erradamente que a SNCM censura a Comissão por ter tido em conta, no âmbito da sua análise da substituibilidade dos serviços, as transferências de tráfego da rota Marselha‑Córsega para a rota Toulon‑Córsega durante os anos de 2004 e 2005, pelo facto de esses anos terem sido marcados por greves significativas que perturbaram fortemente o tráfego a partir de Marselha.

201    Com efeito, antes de mais, deve recordar‑se que a análise a que a Comissão procede nos considerandos 154 a 160 da decisão impugnada não se limita aos anos de 2004 e 2005, mas abrange um período que se estende de 2002 a 2009. Em seguida, os conflitos sociais a que se refere a SNCM ocorreram só nos meses de setembro de 2004, de setembro de 2005 e de outubro de 2005, e não durante todo o ano, como parece sustentar. Por último, como salienta com razão a Comissão, remetendo para o n.o 38 da sua Comunicação relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5), no direito da concorrência, a experiência de uma greve pode ser utilizada para delimitar um mercado.

202    Em segundo lugar, há que considerar que a SNCM qualifica erradamente a análise da substituibilidade dos serviços efetuada pela Comissão de «particularmente grosseira» por só ter em conta a evolução dos volumes, sem verificar se os serviços oferecidos pela Corsica Ferries eram substituíveis relativamente aos seus próprios serviços, quanto a horários a respeitar, tarifas máximas, qualidade do serviço e destinos servidos.

203    Com efeito, a análise da Comissão baseia‑se num exame sério do comportamento dos consumidores e em elementos racionais e em constatações factuais decorrentes, nomeadamente, de dados públicos relativos à oferta e à procura de serviços de transporte marítimo. Assim, como observa com razão a Comissão, quando um utilizador decide ir à Córsega partindo de Toulon em vez de o fazer de Marselha, tem necessariamente em conta todos os parâmetros invocados pela SNCM. Pode admitir‑se legitimamente que, se tivesse existido realmente uma diferença qualitativa entre os serviços prestados por esta companhia a partir de Marselha e os prestados pela Corsica Ferries a partir de Toulon, isso teria travado as significativas transferências de tráfego constatadas nos n.os 197 e 198, supra. Por outro lado, como já foi exposto nos n.os 137 e 139, supra, os serviços prestados pela Corsica Ferries deviam responder a uma série de exigências em termos de regularidade, continuidade, frequência das travessias, capacidade de realização do serviço, tarifas e tripulação dos navios e ser efetuados em condições compatíveis com o interesse público.

204    Nesse contexto, há que acrescentar que, no considerando 158 da decisão impugnada, a Comissão tem igualmente em conta, para os efeitos da sua análise da substituibilidade dos serviços, e «[de] forma mais qualitativa», a curta distância entre Marselha e Toulon. A esse respeito, há que constatar que foi com razão que a Comissão considerou que essa curta distância, de cerca de 50 km em linha reta e 65 km por estrada, e o facto de o tempo de trajeto por estrada entre essas duas cidades ser de apenas 45 minutos, duração muito inferior à do tempo da travessia até à Córsega a partir do continente francês, constituem indícios pertinentes da substituibilidade, do ponto de vista da procura, dos serviços de transporte marítimo de passageiros a partir de Marselha e desses mesmos serviços a partir de Toulon. A isto acresce o facto de o porto de Toulon ser mais próximo da Córsega que o de Marselha, o que permite aos navios que operam a partir do primeiro porto fazer a travessia em menos tempo que os que operam a partir do segundo. À luz desses elementos, é pouco plausível que esses 45 minutos suplementares de trajeto em automóvel desencorajem as pessoas que residem ou trabalham em Marselha de escolher a ligação Toulon‑Córsega. A pertinência destas diferentes constatações não é, de resto, contestada pela SNCM.

205    É certo, como salienta com razão a SNCM, que o porto de Propriano, que era um dos três portos corsos cobertos pelo serviço complementar, não era servido pelos navios a partir de Toulon. Todavia, era servido pelos navios do agrupamento SNCM‑CMN a partir de Marselha no âmbito do serviço de base [v. ponto I, alínea d), n.o 1.3, do caderno de encargos da CDSP]. Previa‑se mesmo, para a linha Marselha‑Propriano e para esse serviço, um aumento das capacidades mínimas durante o período de 1 de maio a 30 de setembro de [v. ponto I, alínea d), n.o 1.3, alínea i), do caderno de encargos da CDSP]. Como salienta com razão a Comissão, não existe a mínima indicação de que o serviço de base, assim reforçado durante cinco meses no decurso do período primavera‑verão, não teria bastado por si só para responder à procura dos utilizadores nessa rota, mesmo em período de ponta. Portanto, deve considerar‑se que os serviços prestados na referida rota, no âmbito do serviço complementar, não respondiam a uma necessidade real de serviço público e que, portanto, a questão da substituibilidade dos portos de Marselha e de Toulon pela rota de Propriano nem sequer se colocava.

206    Além disso, e em qualquer caso, há que constatar que, como salienta a Comissão no considerando 164 e na nota de pé de página 98 da decisão impugnada, o tráfego na rota Marselha‑Propriano representava apenas uma fraca proporção (cerca de 10%) de toda a atividade abrangida pelo serviço complementar. Uma proporção tão fraca não permitia justificar a existência de um serviço público com a amplitude do serviço complementar, que não se limitava a essa rota. Como indicado no referido considerando, «a fraca proporção do tráfego representada [pela referida] rota não permite considerar que a falta de iniciativa privada apenas nesta rota invalida a conclusão sobre o conjunto do serviço complementar».

207    Por último, há que sublinhar que, para poder concluir pela existência de uma substituibilidade no caso vertente, não era necessário que as exigências aplicáveis aos serviços a partir de Marselha e aos serviços a partir de Toulon fossem rigorosamente idênticas.

208    Resulta das considerações precedentes que foi com razão que a Comissão considerou que os serviços de transporte marítimo prestados na rota Marselha‑Córsega no âmbito do serviço complementar e os serviços prestados na rota Toulon‑Córsega eram, do ponto de vista da procura dos passageiros, substituíveis entre si.

–       Quanto à segunda subparte, relativa ao facto de a Comissão ter apreciado erradamente a falta de iniciativa privada

209    No âmbito desta segunda subparte, a SNCM alega que a análise da falta de iniciativa privada efetuada pela Comissão nos considerandos 161 a 166 da decisão impugnada é insuficientemente fundamentada e manifestamente errónea.

210    Essa análise é resumida do seguinte modo no considerando 162 da decisão impugnada:

«[…] a Comissão comparou o tráfego real de passageiros com destino a cada um dos portos do serviço complementar com a oferta de transporte fornecida pela Corsica Ferries a partir de Toulon, e pelo serviço de base da DSP. Daí resulta que, para os portos de Bastia e de Ajaccio, que representam 90% das capacidades exigidas pelo serviço complementar, a combinação das capacidades oferecidas pelo serviço de base da DSP, a partir de Marselha, e do serviço de iniciativa privada existente entre 2004 e 2006 a partir de Toulon era suficiente para assegurar a procura efetivamente verificada, tanto para o período primavera‑outono como para o período de verão, para cada um dos dois portos e para cada ano entre 2004 e 2006.»

211    A Comissão e a Corsica Ferries contestam as alegações da SNCM.

212    Em apoio da sua tese, em primeiro lugar, a SNCM censura a Comissão por não ter fornecido nenhum detalhe ou número sobre o cálculo comparado da oferta e da procura descrito no considerando 162 da decisão impugnada.

213    Esta crítica deve ser julgada improcedente. Com efeito, como a Comissão confirmou em resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral, os dados que utilizou para proceder à análise censurada são dados públicos procedentes do observatório regional dos transportes da Córsega, que lhe tinham sido comunicados pela Corsica Ferries durante o procedimento administrativo e não tinham sido contestados pelas autoridades francesas durante o referido procedimento. A SNCM, que se encontra especialmente bem colocada para conhecer o estado da oferta e da procura de transporte marítimo entre o continente francês e a Córsega, bem como os dados relativos às capacidades previstas pela CDSP, não pode portanto alegar seriamente, como faz nos seus articulados, que lhe é impossível compreender o raciocínio da Comissão e verificar se os números utilizados por esta última são exatos ou não. Quanto à metodologia seguida pela Comissão para efeitos da sua análise, resulta claramente do considerando 162 da decisão impugnada que consiste simplesmente numa comparação, para cada ano de 2004 a 2006, distinguindo o período dito de «primavera‑outono» e o período dito de «verão», e para cada um dos três portos corsos abrangidos pelo serviço complementar, da combinação das capacidades oferecidas pela Corsica Ferries a partir de Toulon e das oferecidas pelos comandatários no âmbito do serviço de base a partir de Marselha com a procura realmente verificada (o tráfego real de passageiros). Concentrando‑se nos portos de Bastia e de Ajaccio, que representavam 90% das capacidades exigidas pelo serviço complementar, a Comissão constatou que essa combinação bastava para assegurar a procura efetivamente comprovada, baseando‑se no facto de que a diferença entre a primeira e a segunda era sistematicamente positiva. Por conseguinte, a Comissão fundamentou suficientemente a sua análise da falta de iniciativa privada.

214    Em segundo lugar, a SNCM alega que a análise comparada do tráfego real de passageiros com a combinação da proposta de transporte apresentada pela Corsica Ferries e da fornecida no quadro de serviço de base é manifestamente errónea na medida em que não tem em conta as características do mercado e, especialmente, o importante desequilíbrio da procura no próprio período de ponta. Com efeito, mesmo em pleno verão, existem picos de tráfego, nomeadamente ao fim de semana, que a referida combinação não conseguia cobrir totalmente.

215    Há que observar que a SNCM não faz prova bastante do desequilíbrio alegadamente importante da procura que invoca. Limita‑se, a esse respeito, a remeter para uma passagem da Decisão da Comissão, de 9 de julho de 2003, relativa ao auxílio à reestruturação que a França tenciona conceder a favor da Société Nationale Maritime Corse‑Méditerranée (SNCM) (JO 2004, L 61, p. 13), que se refere a um estudo de mercado conduzido, segundo ela, pela Comissão. Na realidade, tal como resulta do considerando 50 da referida decisão, esse estudo de mercado não provinha de modo nenhum da Comissão, mas fora apresentado pelas autoridades francesas. Além disso, o referido estudo de mercado baseava‑se nos dados disponíveis até 2001. Ora, as condições de mercado evoluíram sensivelmente entre 2001 e 2007. Por último, há que salientar que a Decisão 2004/166 foi anulada pelo Tribunal Geral no acórdão de 15 de junho de 2005, Corsica Ferries France/Comissão (T‑349/03, EU:T:2005:221).

216    Em terceiro lugar, a SNCM afirma que, para analisar a questão da falta de iniciativa privada, a Comissão não se podia limitar a proceder a uma análise quantitativa da proposta apresentada pela Corsica Ferries. Com efeito, deveria ter raciocinado em termos não só de capacidade mas igualmente de tarifas, continuidade e regularidade e demonstrar que a Corsica Ferries propunha esses serviços em condições análogas às prestadas pela SNCM no âmbito do serviço complementar. A SNCM salienta, nesse contexto, que a Comissão não demonstra em nenhum momento que os serviços prestados pela Corsica Ferries respondiam às exigências de qualidade estabelecidas pelo caderno de encargos.

217    As censuras assim formuladas contra a Comissão não podem ser acolhidas.

218    É certo que resulta dos autos e que, aliás, é constante entre as partes que as obrigações da CDSP aplicáveis ao serviço complementar e as OSP a que estão sujeitos os serviços de transporte a partir de Toulon não são estritamente idênticas. Todavia, como salienta com razão a Comissão no considerando 165 da decisão impugnada, não foi demonstrada a existência de uma diferença qualitativa significativa entre os serviços de transporte marítimo prestados a partir de Marselha no âmbito do serviço complementar e os serviços de transporte marítimo prestados a partir de Toulon suscetível de dissuadir os utilizadores dos primeiros de recorrerem aos segundos.

219    A esse respeito há, antes de mais, que recordar que as obrigações previstas no caderno de encargos da CDSP são menos restritivas para o serviço complementar que para o serviço de base (v. n.o 151, supra). Em seguida, há que remeter para as considerações expostas nos n.os 202 a 204, supra, de onde resulta que, para além do facto de os serviços prestados pela Corsica Ferries deverem responder a uma série de exigências em termos de regularidade, continuidade, frequência das travessias, capacidade de realização do serviço, tarifas e tripulação dos navios e serem efetuadas em condições compatíveis com o interesse geral, não foi demonstrado que existia uma diferença real qualitativa entre esses serviços e os prestados pela SNCM a partir de Marselha. Por último, mais precisamente, quanto às obrigações de qualidade do serviço proposto previstas no caderno de encargos da CDSP para o serviço complementar, invocadas pelas SNCM, basta constatar que esta última não alegou qualquer elemento suscetível de demonstrar que existia uma necessidade especial dos passageiros que não tivesse sido satisfeita no âmbito da prestação de serviços de transporte marítimo pelas companhias que operam a partir de Toulon. Por outro lado, o serviço complementar só incluía algumas obrigações em termos de qualidade do serviço proposto e estas não se distinguiam fundamentalmente das aplicáveis aos serviços de transporte prestados pelas companhias concorrentes, em especial pela Corsica Ferries.

220    Resulta do que precede que a Comissão considerou com razão que não foi feita nenhuma prova da falta de iniciativa privada relativamente ao serviço complementar no caso vertente.

–       Quanto à terceira subparte, relativa ao facto de a Comissão não ter erradamente analisado o impacto que a supressão do serviço complementar teria tido na oferta efetivamente constatada

221    A SNCM censura a Comissão por não ter analisado o impacto que a supressão do serviço complementar teria tido na oferta efetivamente verificada, o que conduziu a Comissão a sobreavaliar a iniciativa privada suscetível de substituir esse serviço. Com efeito, antes de mais, nada na decisão impugnada indica que os serviços da Corsica Ferries a partir de Toulon e os da SNCM a partir de Marselha sejam perfeitamente substituíveis. Em seguida, nada demonstra que, fora de qualquer contrato de serviço público, a proposta da Corsica Ferries pudesse garantir uma continuidade e uma regularidade do serviço equivalente à do serviço complementar. Por último, em caso de supressão das compensações pagas, a própria presença da SNCM no mercado seria posta em causa, o que colocaria a Corsica Ferries em situação de quase monopólio e a levaria a aumentar significativamente as suas tarifas e a diminuir a qualidade do seu serviço.

222    A Comissão rejeita as alegações da SNCM.

223    Esta terceira subparte não pode ser acolhida. Com efeito, as três premissas em que se baseia a censura formulada pela SNCM contra a Comissão são erradas.

224    Assim, em primeiro lugar, não é razoável exigir que a Comissão demonstre a existência de uma substituibilidade perfeita entre os serviços de transporte prestados a partir de Toulon e os serviços prestados a partir de Marselha. A Comissão teve em conta, com razão, no considerando 160 da decisão impugnada, que esses serviços eram «em larga medida, [substituíveis]».

225    Em segundo lugar, há que constatar que a análise efetuada pela Comissão na decisão impugnada permite provar suficientemente que, na falta de DSP para o serviço complementar, a proposta da Corsica Ferries a partir de Toulon, combinada com a do agrupamento SNCM‑CMN no âmbito do serviço de base, teria permitido garantir a continuidade territorial durante todo o ano, incluindo durante os períodos de ponta, ou, por outras palavras, que a procura dos passageiros teria sido sempre satisfeita (v. a análise da primeira e segunda subpartes da presente terceira parte supra).

226    A alegação que a SNCM formula nesse contexto, segundo a qual, na falta de DSP para o serviço complementar, a Corsica Ferries podia, progressiva ou intempestivamente, reafetar a sua frota a outros destinos que não sejam a Córsega, é pura especulação e não pode portanto ser aceite.

227    Em terceiro lugar, deve considerar‑se que são igualmente puras especulações e devem portanto ser rejeitadas as alegações da SNCM relativas às consequências, para a sua situação e para a da Corsica Ferries, de uma supressão das compensações pagas a título do serviço complementar.

–       Quanto à quarta subparte, relativa ao facto de não se poder considerar que os concorrentes da SNCM que operam a partir de Toulon exercem as suas atividades em condições normais de mercado

228    A SNCM sustenta que, ao contrário do que se indica no considerando 166 da decisão impugnada, não se pode considerar que os seus concorrentes que operam a partir de Toulon exercem as suas atividades em condições normais de mercado. Com efeito, a ligação a partir de Toulon é subvencionada por um auxílio de Estado, a saber, o dispositivo de auxílio social, e é sujeita a OSP a título desse dispositivo.

229    A Comissão e a Corsica Ferries concluem pela rejeição dessa subparte.

230    Há que constatar que a Comissão, ao salientar na última frase do considerando 166 da decisão impugnada, que «os concorrentes da SNCM ligados ao transporte de passageiros e que operam a partir de Toulon podiam ser considerados como exercendo a sua atividade em condições normais de mercado», não visava uma situação de falta de intervenção pública no mercado. Tal como resulta da primeira parte da referida frase — «tendo em conta a presença das OSP e do dispositivo de auxílio social no conjunto das rotas entre o continente francês e a Córsega» —, a Comissão entendeu indicar simplesmente que todas as companhias marítimas que oferecem serviços de transporte de passageiros entre, nomeadamente, o porto de Toulon e os portos corsos eram abrangidas pelo regime de auxílios de caráter social descrito no n.o 14, supra, e, por esse facto, sujeitas às exigências impostas pelas OSP previstas no quadro desse regime, de modo que devia considerar‑se que exerciam as suas atividades no mercado em condições equivalentes. Por outras palavras, as «condições normais de mercado» eram as que integravam o referido regime e as OSP associadas.

231    Portanto, a quarta subparte da terceira parte e esta última parte devem ser julgadas improcedentes na íntegra.

 Quanto à quarta parte, invocada a título muito subsidiário, relativa ao facto de a Comissão não ter demonstrado que as prestações efetuadas a título do serviço complementar não constituíam uma transação comercial normal

232    A título muito subsidiário, a saber, na hipótese de se dever considerar que o serviço complementar não constitui um SIEG, a SNCM censura a Comissão por não ter demonstrado que as autoridades francesas, ao contratarem com a SNCM a título do referido serviço, não agiram da mesma maneira que um investidor privado em condições normais de mercado e que a aquisição das prestações efetuadas no âmbito do referido serviço não podia, portanto, ser qualificada de transação comercial normal.

233    Há que constatar que, tal como a Comissão e a Corsica Ferries sustentam com razão, o critério do investidor privado em economia de mercado não é aplicável numa hipótese como a do caso em apreço. Com efeito, por um lado, quando uma autoridade pública se apresenta como autoridade que organiza e delega o serviço público, afasta desse modo a aplicabilidade do referido critério porque age por definição na qualidade de poder público. Por outro lado, ao contrário da posição defendida pela SNCM, o comportamento das autoridades francesas no presente processo não pode ser equiparado a uma aquisição, por essas mesmas autoridades, mediante o pagamento de um preço, de serviços de transporte marítimo. Na realidade, o que está em causa no caso vertente é uma convenção pela qual uma autoridade pública confia a gestão de um serviço público a operadores económicos, mediante o pagamento de uma compensação financeira a estes últimos. Nessa situação, aplicam‑se os quatro critérios Altmark para determinar se essa compensação constitui um auxílio de Estado e, em especial, uma vantagem seletiva.

234    Por conseguinte, a quarta parte do primeiro fundamento não pode ser acolhida.

235    Daí resulta que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente na íntegra. Consequentemente, há que concluir que a Comissão teve razão ao considerar que a inclusão do serviço complementar no âmbito do serviço público não correspondia a uma necessidade real de serviço público e que a República Francesa cometeu um erro manifesto de apreciação ao qualificar o serviço complementar de SIEG.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo ao facto de a Comissão ter considerado erradamente que a CDSP não cumpria o quarto critério Altmark

236    Com o seu segundo fundamento, a SNCM alega que a Comissão considerou erradamente que o quarto critério Altmark não estava preenchido quer no que respeita ao serviço de base quer ao serviço complementar. A SNCM sustenta que o processo de transferência da CDSP permitiu assegurar uma concorrência efetiva entre os operadores e, portanto, escolher a proposta economicamente mais vantajosa para a coletividade.

237    A Comissão e a Corsica Ferries rejeitam os argumentos da SNCM.

238    Há que recordar que o quarto critério Altmark é preenchido em duas hipóteses alternativas. Na primeira, a escolha da empresa que deve executar a OSP deve ter sido efetuada no âmbito de um processo de concurso público que permita selecionar o candidato capaz de prestar os serviços em causa ao menor custo para a coletividade. Na segunda hipótese alternativa, o nível da compensação deve ter sido determinado com base numa análise dos custos que uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada a fim de poder satisfazer as exigências de serviço público requeridas teria incorrido para executar essas obrigações, tendo em conta as receitas respetivas assim como um lucro razoável pela execução dessas obrigações.

239    Na decisão impugnada, a Comissão considerou que nenhuma dessas duas hipóteses se tinha verificado no caso vertente (v. considerandos 169 a 178 e 179 a 183 da decisão impugnada). No âmbito do presente recurso, a SNCM só põe em causa as conclusões da Comissão relativas à primeira das referidas hipóteses.

240    Há que constatar que resulta de um conjunto de indícios convergentes que o procedimento de concurso seguido no caso vertente não implicou manifestamente uma concorrência real e aberta suficiente que permitisse selecionar o candidato capaz de prestar os serviços de transporte marítimo em causa ao menor custo para a coletividade.

241    Assim, em primeiro lugar, há que salientar que a CDSP foi adjudicada ao agrupamento SNCM‑CMN na sequência de um processo por negociação com publicação, após a anulação pelo Conseil d’État (Conselho de Estado), em 15 de dezembro de 2006, de um primeiro processo de adjudicação da DSP na sua totalidade. Ora, como resulta de considerando 170 da decisão impugnada e do n.o 66 da comunicação SIEG, um processo por negociação com publicação confere um amplo poder discricionário às entidades adjudicantes e pode restringir a participação dos operadores interessados. Por conseguinte, tal processo só pode ser considerado suficiente para satisfazer o quarto critério Altmark em casos excecionais. Há que acrescentar que o n.o 68 da mesma comunicação recorda que podem registar‑se circunstâncias em que um procedimento de contrato público não permite assegurar o menor custo para a coletividade, uma vez que não dá origem a uma abertura suficiente e a uma concorrência real.

242    Em segundo lugar, deve salientar‑se que só foram apresentadas duas propostas na sequência da publicação do anúncio de concurso, a saber, a proposta conjunta da SNCM e da CMN, por um lado, e a proposta da Corsica Ferries, por outro. Ora, em teoria, várias outras companhias marítimas poderiam ter respondido a este concurso, das quais pelo menos três prestam serviços regulares de transporte marítimo entre o continente e a Córsega [a Saremar (Itália‑Córsega), a Lauro (Itália‑Córsega) e a Moby (Itália‑Córsega mas também durante um certo tempo, França continental‑Córsega)].

243    Em terceiro lugar, e na sequência do exposto no n.o 242, supra, há que constatar que, como resulta dos considerandos 174 a 177 da decisão impugnada, é indiscutível que houve uma série de fatores que, com efeito, dissuadiram, ou mesmo impediram potenciais candidatos de participar no concurso.

244    Em primeiro lugar, há que ter em conta que, como indicado no considerando 175 da decisão impugnada e resulta dos n.os 60 e 106 da decisão 06‑MC‑03 do Conselho da Concorrência (França), de 11 de dezembro de 2006, relativa a pedidos de medidas de cautelares no setor do transporte marítimo entre a Córsega e o continente, o agrupamento SNCM‑CMN dispunha de uma vantagem concorrencial importante enquanto operador histórico na rota Marselha‑Córsega que dispõe já de navios adaptados às especificações do caderno de encargos da CDSP.

245    Em segundo lugar, a brevidade dos prazos impostos no âmbito do processo de adjudicação da CDSP teve necessariamente um efeito de exclusão. A esse respeito, há que recordar que o novo anúncio de concurso e o caderno de encargos definitivo foram publicados em 30 de dezembro de 2006, para uma execução da DSP a contar de 1 de maio de 2007, apenas quatro meses mais tarde, tendo esta última data sido fixada em 1 de julho de 2007 por deliberação da Assembleia da Córsega de 27 de abril de 2007. Daí resultou que o prazo entre a data da adjudicação da DSP, adjudicação essa que teve lugar finalmente em 7 de junho de 2007, e a data de execução da DSP tinha de ser extremamente curto. Assim, o referido prazo foi de apenas 23 dias. Ora, prazos tão curtos não permitiam manifestamente aos operadores que não estivessem já presentes na rota Marselha‑Córsega disponibilizar os seus navios a partir de outras rotas ou adquirir outros navios que preenchessem as condições do caderno de encargos. Esses operadores não assumiram o risco económico, muito elevado, de adaptar antecipadamente a sua frota sem qualquer indicação favorável quanto à possibilidade de obter o contrato.

246    É certo que, apesar dos obstáculos que constituem esses prazos muito curtos, a Corsica Ferries pôde apresentar a sua candidatura no concurso em causa. Todavia, deve salientar‑se que a Corsica Ferries se viu impossibilitada de propor uma data anterior a 12 de novembro de 2007 para o início da exploração da DSP devido precisamente ao facto de a sua frota permanecer mobilizada em Nice e Toulon até essa data, porque os bilhetes de transporte para a estação turística tinham sido colocados à venda desde o mês de janeiro.

247    Em terceiro lugar, há que observar que certos condicionalismos técnicos limitaram igualmente o número de candidatos suscetíveis de participar no concurso. Assim, os navios deviam corresponder a exigências técnicas precisas para poder manobrar em certos portos corsos. Por exemplo, como indicado a nota de pé de página 107 da decisão impugnada, em 2007, o porto de Bastia não permitia a manobra de navios de mais de 180 metros de comprimento. Esse condicionalismo, conjugado com a exigência de um número mínimo de metros lineares prevista no caderno de encargos da CDSP para o transporte do frete, implicava a construção de navios quase por medida, análogos a alguns dos navios da SNCM, tais como o Paglia Orba e o Pascal Paoli. Ora, como salientado na nota de pé de página 109 da decisão impugnada, o custo dos navios suscetíveis de cumprir as condições desse caderno de encargos era particularmente elevado. A esses elementos acresce o facto de o referido caderno de encargos prever que os navios destinados a assegurar o serviço público não podiam ter mais de 20 anos, com a possibilidade de uma derrogação para os anos de 2007 e 2008, o que beneficiava diretamente a SNCM, tendo o efeito de excluir cinco navios da frota da Corsica Ferries disponível para a exploração da DSP, como explica de forma muito convincente a Comissão na sua resposta a uma das questões escritas do Tribunal Geral.

248    Cabe acrescentar que, no n.o 56 da sua decisão 06‑MC‑03, de 11 de dezembro de 2006 (v. n.o 244, supra), citada na nota de pé de página 106 da decisão impugnada, o Conselho da Concorrência concluiu que, «[embora], em teoria, várias companhias dispusessem dos navios necessários e tivessem podido apresentar candidatura ao concurso, um certo número de particularidades do regulamento de consulta, os prazos estabelecidos para lhe dar resposta, bem como diversas exigências de caráter técnico ou comercial reduziram na prática o seu número às três companhias que já operavam no serviço da Córsega a partir dos portos de Marselha, [de] Toulon e [de] Nice» (v., igualmente, n.os 120 a 133 da decisão 09‑D‑10 do Conselho da Concorrência, de 27 de fevereiro de 2009, relativa a práticas seguidas no setor do transporte marítimo entre a Córsega e o continente).

249    Em quarto lugar, como se constata acertadamente no considerando 172 da decisão impugnada, a proposta da Corsica Ferries, que era portanto a única oferta concorrente da do agrupamento SNCM‑CMN, foi rejeitada com base em critérios de seleção, e não em critérios de adjudicação, ou seja, sem que tivesse sido efetuada a comparação dos méritos próprios das propostas em presença para escolher a mais vantajosa economicamente. Assim, resulta da deliberação da Assembleia da Córsega de 7 de junho de 2007 que a proposta da Corsica Ferries foi rejeitada por não estar em condições de «estabelecer, de forma firme e definitiva, a data em que seria capaz de explorar a [DSP]». Designadamente, como indicado no n.o 246, supra, a Corsica Ferries estava impossibilitada de propor uma data anterior a 12 de novembro de 2007 para a execução da DSP, quando o início desta tinha sido fixado em 1 de julho de 2007. Por outro lado, resulta do relatório do presidente do Conselho Executivo de Córsega sobre a ligação marítima de serviço público entre Marselha e a Córsega, à luz do qual foi adotada essa deliberação, que alguns dos navios da Corsica Ferries não cumpriam a condição de idade máxima fixada pelo regulamento específico do concurso, uma vez que tinham sido colocados em linha antes de 1 de janeiro de 1987 (v., igualmente, nota de pé de página 20 da decisão impugnada).

250    Por conseguinte, não se pode considerar, como alega a SNCM, que a proposta da Corsica Ferries foi rejeitada porque não era a mais vantajosa economicamente. Deve acrescentar‑se que as razões que justificaram essa rejeição não se encontram entre os critérios de adjudicação enunciados pelo regulamento específico do concurso, que, sob o título «Critérios de decisão», prevê nomeadamente o seguinte:

«Para a adjudicação dos contratos, a [ATC] decidirá em função do compromisso financeiro global que será levada a assumir e dos elementos da qualidade do serviço e do desenvolvimento económico da ilha propostos pelas empresas proponentes, nomeadamente a parte dos serviços e atividades prevista no mercado insular, no limite das capacidades e dos tipos de produção.»

251    Em quinto lugar, há que confirmar a apreciação da Comissão, constante do considerando 177 da decisão impugnada, segundo a qual «a existência de várias cláusulas de encontro associada à liberdade de que dispõem os OTC para decidir sobre isenções às regras aplicáveis pôde igualmente contribuir para desencorajar a participação no concurso, mantendo dúvidas relativamente a certos parâmetros técnicos e económicos cruciais para a elaboração de uma proposta».

252    Assim, em primeiro lugar, o artigo 2.o da CDSP prevê que as obrigações do caderno de encargos podem ser objeto de adaptações durante um período transitório que termina em 31 de dezembro de 2008. As obrigações assim visadas, que podem ser flexibilizadas à discrição do STC, dizem respeito a pontos essenciais da DSP, porque se referem às capacidades mínimas [v. ponto I, alínea a), n.o 1.3, ponto I, alínea b), n.o 1.3, ponto I, alínea c), n.o 1.3, ponto I, alínea d), n.o 1.3, e ponto I, alínea e), n.o 1.3, do caderno de encargos], à qualidade do serviço e à data de colocação ao serviço dos navios (v. introdução do ponto III do caderno de encargos). É certo que as derrogações só estavam previstas para um período de 18 meses, mas não deixavam de ser significativas, sendo esse prazo suficiente para reorganizar, se fosse caso disso, uma frota de navios.

253    Em segundo lugar, o caderno de encargos da CDSP prevê que «pode admitir‑se, após acordo do STC, nomeadamente para permitir cumprir as obrigações regulamentares de manutenção/[de] reparação/[de] reclassificação dos navios, que um nível de serviço mais reduzido, para as capacidades previstas acima, nomeadamente para os passageiros (até ao limite de 30% de redução), seja estabelecido durante o período de 1 de outubro a 31 de março, fora do período de férias escolares e seja qual for a época do ano em caso de acontecimento imprevisto» [v. ponto I, alínea a), n.o 1.4, ponto I, alínea b), n.o 1.4, ponto I, alínea c), n.o 1.4, ponto I, alínea d), n.o 1.4, e ponto I, alínea e), n.o 1.4, do caderno de encargos]. Há que salientar que uma redução do serviço era possível «nomeadamente» para satisfazer as obrigações regulamentares de manutenção, de reparação e de reclassificação dos navios, e não «unicamente» por esse motivo, como parece alegar a SNCM. Por outro lado, tal como sublinha a Comissão, com razão, a margem de apreciação que essa disposição conferia ao STC era muito ampla, dado que deixava em aberto quer o motivo pelo qual podiam ser efetuadas as reduções quer o seu âmbito («nomeadamente para os passageiros») e a sua extensão (com um máximo de 30%), durante todas as épocas baixas, ou seja, os períodos em que a exploração das diferentes rotas marítimas era, por definição, mais deficitária e, portanto, durante os quais uma redução de serviços era mais rentável para os mandatários.

254    Em terceiro lugar, tendo em conta o seu alcance, a cláusula de salvaguarda e a cláusula de adaptação previstas no artigo 7.o e no artigo 8.o da CDSP, respetivamente (v. n.os 33 a 35, supra), puderam também suscitar dúvidas quanto a certos parâmetros técnicos e económicos.

255    Por outro lado, nenhum dos outros argumentos aduzidos pela SNCM permite pôr em causa as considerações precedentes.

256    Assim, em primeiro lugar, é sem razão que a SNCM alega que, no n.o 59 do seu acórdão de 11 de setembro de 2012, Corsica Ferries France/Comissão (T‑565/08, EU:T:2012:415), o Tribunal Geral concluiu que a DSP relativa ao período entre 2007 e 2013 fora obtida pelo agrupamento SNCM‑CMN «em conformidade com as novas regras comunitárias e na sequência de um concurso europeu». Com efeito, por um lado, o processo que deu origem a esse acórdão não dizia respeito à DSP relativa ao período entre 2007 e 2013, mas a um SIEG para o período entre 1991 e 2001. Por outro, no n.o 59 do acórdão referido, o Tribunal Geral limitou‑se a constatar que a SNCM e a CMN tinham obtido conjuntamente as DSP posteriores a 2001 em aplicação das novas regras da União, na sequência de um concurso europeu, sem analisar a regularidade desses concursos, que de resto não constituíam o objeto do litígio, nem, a fortiori, a sua aptidão para preencher o quarto critério Altmark.

257    Em segundo lugar, a SNCM não pode invocar de modo útil a circunstância de nunca ter sido apresentado à ATC uma reclamação de potenciais candidatos que tivessem renunciado a participar na consulta devido às restrições impostas pelo caderno de encargos ou pelo calendário de adjudicação da DSP. Essa circunstância, ainda que se considere provada, não é em si mesma suscetível de influenciar o raciocínio e as conclusões da Comissão formuladas na decisão impugnada relativamente ao incumprimento do quarto critério Altmark.

258    Em terceiro lugar, a SNCM também não pode argumentar que quer o Conseil d’État (Conselho de Estado), numa decisão de 5 de junho de 2007 e na sua decisão de 13 de julho de 2012 referida no n.o 27, supra, quer o Conselho da Concorrência, na sua decisão 07‑D‑13, de 6 de abril de 2007, relativa a novos pedidos de medidas preventivas no setor do transporte marítimo entre a Córsega e o continente, consideraram alegadamente que o procedimento seguido pela ATC para a adjudicação da CDSP era perfeitamente legal.

259    Com efeito, antes de mais, no que se refere à decisão do Conseil d’État (Conselho de Estado) de 5 de junho de 2007, deve observar‑se que se trata de uma decisão tomada na sequência de um recurso de cassação interposto pela Corsica Ferries do despacho do juiz das medidas provisórias do tribunal administratif de Bastia (Tribunal Administrativo de Bastia) de 27 de abril de 2007 mencionado no n.o 20, supra, que só acolheu parcialmente o seu pedido de anulação de todo o processo organizado pela ATC e pelo STC para a renovação da DSP da ligação marítima da Córsega a partir do porto de Marselha. Além do facto de, por natureza, a competência dos juízes das medidas provisórias ser limitada, deve salientar‑se que, na sua decisão, o Conseil d’État (Conselho de Estado) limitou‑se, em substância, relativamente ao mérito do despacho impugnado, a constatar que o juiz das medidas provisórias do tribunal administratif de Bastia (Tribunal Administrativo de Bastia) não tinha desvirtuado de modo nenhum os factos ou os elementos dos autos. Há que acrescentar que a referida decisão apenas diz respeito à parte dos pedidos da Corsica Ferries que tinha sido rejeitada por este último juiz, que, por outro lado, anulou, baseando‑se numa falta de igualdade entre os candidatos, a fase de negociação do processo e, consequentemente, a decisão de selecionar a proposta do agrupamento SNCM‑CMN e de propor à Assembleia da Córsega a adjudicação da DSP a esse agrupamento.

260    Em seguida, ao contrário do que alega a SNCM, não pode deduzir‑se da decisão do Conseil d’État (Conselho de Estado) de 13 de julho de 2012 que este confirmou a legalidade do procedimento seguido pela ATC para a adjudicação da CDSP. Na segunda parte da sua decisão, relativa à legislação sobre os auxílios de Estado e, mais especificamente, ao respeito da obrigação de notificação prévia prevista pelo artigo 108.o, n.o 3, TFUE, o Conseil d’État (Conselho de Estado) limitou‑se a analisar se a cláusula de salvaguarda prevista pelo artigo 7.o, n.o 1, da CDSP, considerada isoladamente, era suscetível de constituir um auxílio de Estado. Deve acrescentar‑se que, na sequência da anulação, por essa decisão do Conseil d’État (Conselho de Estado) de 13 de julho de 2012, do acórdão da cour administrative d’appel de Marseille (Tribunal Administrativo de Recurso de Marselha) de 7 de novembro de 2011 e do reenvio do processo para esse órgão jurisdicional, o referido órgão jurisdicional, por acórdão de 6 de abril de 2016, anulou a sentença do tribunal administratif de Bastia (Tribunal Administrativo de Bastia) de 24 de janeiro de 2008 assim como a deliberação e a decisão visadas nos n.os 23 e 25, supra, depois de ter verificado precisamente que o quarto critério Altmark não estava preenchido.

261    Por último, no que respeita à decisão do Conselho da Concorrência de 6 de abril de 2007, deve salientar‑se que esta se referia a pedidos de medidas preventivas e não podia portanto prejudicar a solução quanto ao mérito do litígio em causa. Por outro lado, dessa decisão não pode ser retirada nenhuma conclusão no que se refere ao quarto critério Altmark. Com efeito, as questões submetidas ao Conselho da Concorrência referiam‑se, de facto, ao eventual caráter anticoncorrencial da constituição do agrupamento temporário entre a SNCM e a CMN, bem como ao nível alegadamente excessivo do montante da subvenção pedida por esse agrupamento na proposta que apresentou na sequência da publicação do novo anúncio de concurso. Assim, deve salientar‑se que, no n.o 46 da sua decisão, o próprio Conselho da Concorrência sublinha que a decisão de optar pelo dia 1 de maio de 2007 como data de execução da DSP (tendo esta última data sido posteriormente adiada para 1 de julho de 2007) tinha tido um efeito de exclusão.

262    Resulta das considerações precedentes que a Comissão não cometeu nenhum erro ao entender que o quarto critério Altmark não estava preenchido no que se refere ao serviço de base e ao serviço complementar. O segundo fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, invocado a título subsidiário, relativo ao facto de a Comissão ter calculado erradamente o montante do auxílio a recuperar

263    O terceiro fundamento suscitado pela SNCM visa o considerando 218 da decisão impugnada, que tem a seguinte redação:

«Para a determinação do montante do auxílio a recuperar, fora os juros, a Comissão considera que a contabilidade analítica da SNCM constitui uma base adequada para a atribuição de compensações entre serviço de base e serviço complementar. Com esta base, o montante do auxílio a recuperar inclui os seguintes elementos:

o montante das compensações efetivamente pagas de 2007 a 2011 a título do serviço complementar que ascende a um montante de 172 744 milhões de euros […];

os pagamentos por conta pagos mensalmente para o ano de 2012 a título do serviço complementar, estimados atualmente em 38 milhões de euros, bem como o saldo da compensação, que deve ser pago após a transmissão do relatório definitivo de execução dos serviços, se este já tiver sido pago;

os pagamentos por conta pagos mensalmente para o ano de 2013 a título do serviço complementar até à data da presente decisão, estimados atualmente em 9,5 milhões de euros, recordando‑se que a França deve anular todos os pagamentos efetuados após essa data.»

264    Com este fundamento, subdividido em três partes, a SNCM alega que, mesmo admitindo que o serviço complementar se possa distinguir do serviço de base e que as compensações pagas a título do serviço complementar não preenchem os critérios Altmark, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação e violou o artigo 106.o, n.o 2, e o artigo 107.o TFUE, bem como os princípios da proporcionalidade e da proibição do enriquecimento sem causa, ao fixar o montante do auxílio a recuperar ao nível da totalidade das referidas compensações.

265    A Comissão e a Corsica Ferries consideram que este terceiro fundamento é improcedente relativamente a cada uma das suas partes.

 Quanto à primeira parte, relativa ao facto de a Comissão, erradamente, não ter tido em conta os custos incorridos a título da prestação do serviço complementar, para determinar o montante do auxílio a recuperar

266    A SNCM censura a Comissão por não ter tido em conta, aquando da determinação do montante da auxílio que deve ser restituído, os custos que incorreu a título da prestação do serviço complementar, que foram consideráveis e não podiam ser cobertos pelo montante das compensações pagas a título desse serviço nem pelo volume de negócios realizado com os passageiros. Desse modo, a Comissão violou o artigo 106.o, n.o 2, e o artigo 107.o TFUE, bem como os princípios da proporcionalidade e da proibição do enriquecimento sem causa, e cometeu um erro manifesto de apreciação.

267    Há que recordar que, como já foi salientado no n.o 233, supra, e como sublinha justamente a Comissão, o presente processo não diz respeito a uma situação na qual o Estado adquire, mediante o pagamento de um preço, um determinado bem ou um serviço. O que está em causa no caso vertente é uma convenção pela qual uma autoridade pública confia a gestão de um serviço público a operadores económicos, mediante o pagamento de uma compensação financeira a estes últimos. Em tal hipótese, é aplicável a jurisprudência decorrente do acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415). Assim, se a compensação não satisfaz cada um dos quatro critérios Altmark, considera‑se que confere uma vantagem aos seus beneficiários e, desde que as outras condições exigidas para verificar a existência de um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno estejam preenchidas, deve ser reembolsada na íntegra pelos referidos beneficiários.

268    No caso vertente, uma vez que, tal como se verificou no âmbito da análise do primeiro e segundo fundamentos supra, o primeiro e quarto critérios Altmark não estavam preenchidos no que se refere às compensações pagas à SNCM a título do serviço complementar, estas últimas constituíam na sua totalidade uma vantagem a favor dessa sociedade. Estando reunidas as outras condições que permitem estabelecer que as compensações referidas deviam ser qualificadas de auxílios de Estado incompatíveis com o mercado interno, deve entender‑se que a Comissão ordenou a recuperação da totalidade do seu montante sem violar o artigo 106.o, n.o 2, e o artigo 107.o TFUE nem os princípios da proporcionalidade e da proibição do enriquecimento sem causa. A esse respeito, deve nomeadamente salientar‑se que a supressão de um auxílio ilegal mediante recuperação é a consequência lógica da verificação da sua ilegalidade. Por conseguinte, a recuperação de um auxílio estatal ilegalmente concedido, com vista ao restabelecimento da situação anterior, não pode, em princípio, ser considerada uma medida desproporcionada relativamente aos objetivos das disposições do Tratado em matéria de auxílios de Estado (acórdão de 21 de março de 1990, Bélgica/Comissão, C‑142/87, EU:C:1990:125, n.o 66).

269    Em especial, não pode considerar‑se que a obrigação de reembolso do referido montante às autoridades francesas constitui um enriquecimento sem causa dado que se limitam a recuperar um montante que não devia ter sido pago à SNCM.

270    Quanto à alegação aduzida pela SNCM na réplica, segundo a qual a recuperação do montante fixado pela Comissão significa a sua «condenação à morte» e a sua liquidação, basta recordar que é jurisprudência constante que o facto de essa empresa estar em dificuldade ou ser insolvente não afeta a obrigação de recuperação (acórdão de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha, C‑610/10, EU:C:2012:781, n.o 71).

271    Por último, no que respeita à alegação da SNCM segundo a qual o serviço complementar registou uma «subcompensação crónica», há que observar que não foi suficientemente demonstrada. Pelo contrário, as explicações dadas pela Comissão em resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral e na audiência tendem a demonstrar que esse serviço, na realidade, beneficiou de uma sobrecompensação.

272    À luz do que precede, a primeira parte do terceiro fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte, relativa ao facto de a Comissão ter tido erradamente em conta a subcompensação de que foi objeto o serviço de base, para determinar o montante do auxílio a recuperar

273    A SNCM alega que a Comissão, na sua avaliação do montante do auxílio a restituir, deveria ter tido em conta a subcompensação «crónica e massiva» de que foi objeto o serviço de base, incluído na mesma DSP que o serviço complementar, entre 2007 e 2011. A Comissão cometeu, por esse facto, um erro de direito e um erro de apreciação do montante da vantagem concedida à SNCM e violou os princípios da proporcionalidade e da proibição do enriquecimento sem causa.

274    Esta alegação não pode ser acolhida.

275    Com efeito, por um lado, tal como sustenta com razão a Comissão, não pode admitir‑se que uma compensação concedida em contrapartida da realização de um determinado serviço e que constitui um auxílio de Estado seja afetada artificialmente à compensação de um serviço público, apesar de esses dois serviços se encontrarem previstos na mesma convenção. Uma compensação de serviço público concedida a uma empresa encarregada da exploração de um SIEG deve, com efeito, ser estabelecida tendo em conta os custos ocasionados apenas pela prestação do referido SIEG.

276    Por outro lado, e em qualquer caso, é errado pretender que o serviço de base foi objeto de uma subcompensação «crónica e massiva». Com efeito, resulta dos cálculos efetuados pela Comissão com base no indicador financeiro «return on assets» (ROA, rendimento do ativo investido), que mede em percentagem a relação entre o resultado líquido e o total dos ativos, e as contas de resultado analítico da SNCM mencionados no n.o 155, supra, cujos cálculos foram explicitados pela Comissão na sua resposta a uma das questões escritas do Tribunal Geral, bem como na audiência, que esse serviço não foi sobrecompensado nem subcompensado (v., igualmente, quadro que figura no considerando 207 da decisão impugnada).

 Quanto à terceira parte, relativa ao facto de a Comissão ter cometido um erro manifesto de apreciação na determinação da parte da compensação anual atribuível ao serviço complementar

277    A SNCM sustenta que, mesmo admitindo que o montante da vantagem que deve ser restituído corresponde à totalidade da compensação atribuída a título de serviço complementar, quod non, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao determinar esse montante. A SNCM considera que esta última fez uma escolha arbitrária e errónea ao basear‑se na sua contabilidade analítica e, mais precisamente, na repartição da conta de resultado efetuada por tipo de navio (em que equipara a conta de resultado cumulado dos navios de carga mistos à conta de resultado do serviço de base e a dos ferries à conta de resultado do serviço complementar) para determinar a parte da compensação anual imputável ao serviço complementar. A SNCM propõe dois outros métodos que poderiam ter sido utilizados pela Comissão para esse fim.

278    Há que salientar que a presente parte se baseia inteiramente na premissa de que a Comissão não podia equiparar o serviço de base às prestações propostas pelos navios de carga e o serviço complementar às propostas pelos ferries. Ora, tal como já foi demonstrado nos n.os 158 a 162, supra, esta premissa é errada. Por conseguinte, há que considerar que o método usado pela Comissão para avaliar o montante da vantagem ligada à compensação do serviço complementar, que se baseia nas próprias contas de resultado analítico da SNCM (que fazem uma distinção clara entre paquetes/ferries, por um lado, e navios de carga, por outro), era particularmente adequado, contrariamente aos dois métodos alternativos propostos pela SNCM, que não são aceitáveis, dado que conduzem a uma confusão entre o serviço de base e o serviço complementar, e os recursos utilizados para prestar esses serviços.

279    Resulta do que precede que a terceira parte do terceiro fundamento e esse fundamento devem ser julgados improcedentes na íntegra.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima

280    No âmbito do quarto fundamento, a SNCM invoca quatro circunstâncias alegadamente excecionais que eram suscetíveis de fundamentar a sua confiança legítima na regularidade do auxílio em causa e, portanto, se opõem a que a Comissão possa ordenar a restituição do auxílio.

281    A Comissão e a Corsica Ferries contestam os argumentos da SNCM.

282    A título liminar, cabe recordar que, segundo jurisprudência constante, o direito de invocar o princípio da proteção da confiança legítima é reconhecido a qualquer operador económico em cuja esfera jurídica uma instituição tenha feito surgir esperanças fundadas [acórdão de 11 de março de 1987, Van den Bergh en Jurgens e Van Dijk Food Products (Lopik)/CEE, 265/85, EU:C:1987:121, n.o 44]. Aquele pressupõe a reunião de três condições cumulativas. Em primeiro lugar, devem ter sido fornecidas ao interessado, pela administração da União, garantias precisas, incondicionais e concordantes, emanadas de fontes autorizadas e fiáveis. Em segundo lugar, essas garantias devem ser de molde a criar uma expectativa legítima no espírito daquele a quem se dirigem. Em terceiro lugar, as garantias dadas devem estar em conformidade com as normas aplicáveis (v. acórdão de 30 de junho de 2005, Branco/Comissão, T‑347/03, EU:T:2005:265, n.o 102 e jurisprudência referida; acórdãos de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, EU:T:2006:64, n.o 77, e de 30 de junho de 2009, CPEM/Comissão, T‑444/07, EU:T:2009:227, n.o 126).

283    É igualmente jurisprudência constante que as empresas beneficiárias de um auxílio não podem, em princípio, ter uma confiança legítima na regularidade do auxílio em causa a não ser que este tenha sido concedido no respeito do processo previsto pelo Tratado FUE. Com efeito, um operador económico diligente deve normalmente estar em condições de se assegurar de que esse processo foi respeitado (v. acórdão de 20 de março de 1997, Alcan Deutschland, C‑24/95, EU:C:1997:163, n.o 25 e jurisprudência referida). Designadamente, quando um auxílio é executado sem notificação prévia à Comissão, sendo ilegal nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, o beneficiário do auxílio não pode ter, nesse momento, uma confiança legítima na regularidade da concessão desse auxílio (v. acórdão de 27 de setembro de 2012, Fedecom/Comissão, T‑243/09, não publicado, EU:T:2012:497, n.o 93 e jurisprudência referida).

284    Há que concluir que nenhuma das quatro circunstâncias alegadamente excecionais invocadas pela SNCM pode ter fundamentado a sua confiança legítima na regularidade do auxílio em causa.

285    Assim, em primeiro lugar, é em vão que a SNCM tenta argumentar que a Comissão, nas suas decisões anteriores relativas às DSP precedentes para a ligação marítima da Córsega, a saber, a Decisão 2002/149 e a Decisão 2009/611/CE, de 8 de julho de 2008, relativa às medidas C 58/02 (ex N 118/02) executadas pela França em favor da Société nationale maritime Corse‑Méditerranée (SNCM) (JO 2009, L 225, p. 180), não concluiu no sentido de ser necessário proceder a uma análise separada do serviço de base e do serviço complementar.

286    Com efeito, o facto de a Comissão ter podido considerar que um SIEG para a ligação marítima da Córsega respondia a uma necessidade real de serviço público durante um período anterior não dá nenhuma indicação, e a fortiori nenhuma segurança, sobre o facto de tal necessidade ainda existir relativamente ao período de 2007 a 2013. Tal como já foi salientado no n.o 99, supra, a apreciação da existência dessa necessidade pode perfeitamente evoluir no decurso do tempo, em função do desenvolvimento das forças do mercado. Ora, as decisões mencionadas no n.o 285, supra, foram adotadas pela Comissão em 2001 e em 2008 tendo em conta um contexto factual diferente daquele que presidiu à adoção da decisão impugnada, nomeadamente em termos de evolução das quotas de mercado. Esse ponto de vista é, aliás, confirmado pelas passagens dos considerandos 78 e 80 da Decisão 2002/149 citados no n.o 99, supra, bem como pelo n.o 70 do acórdão de 11 de setembro de 2012, Corsica Ferries France/Comissão (T‑565/08, EU:T:2012:415), acórdão esse invocado pela SNCM, todavia, em apoio da presente alegação, de onde resulta que as análises sobre a existência de uma real necessidade de serviço público nesse período não são suscetíveis de revelar nenhum elemento probatório capaz de pôr em causa a apreciação da Comissão sobre essa necessidade noutro período, em especial tendo em conta o desenvolvimento particularmente rápido do jogo da concorrência no mercado em causa.

287    Em segundo lugar, a SNCM não pode censurar a Comissão por ter aplicado o n.o 48 da comunicação SIEG porque, na data de assinatura da CDSP, essa comunicação ainda não tinha sido adotada.

288    O n.o 48 da comunicação SIEG, sob o título 3.2 «Existência de um [SIEG]», tem a seguinte redação:

«A Comissão considera […] que não é oportuno impor [OSP] específicas a uma atividade que já é fornecida ou pode sê‑lo de modo satisfatório e em condições, como o preço, características objetivas de qualidade, continuidade e acesso ao serviço, que se coadunem com o interesse público, tal como definido pelo Estado, por empresas que operem em condições normais de mercado […]»

289    No considerando 166 da decisão impugnada, depois de reproduzir a passagem mencionada no n.o 288, supra, a Comissão indica que, «[nesse] contexto, [considera que] os elementos acima indicados estabelecem que a compensação dos custos incorridos pela SNCM para a prestação do serviço complementar também é incompatível com a [sua] prática […] na matéria».

290    A crítica que a SNCM formula contra a Comissão não pode ser acolhida. Com efeito, tal como resulta do seu n.o 3, a comunicação SIEG apenas tem por objeto clarificar os conceitos fundamentais nos quais se baseia a aplicação das regras em matéria de auxílios de Estado às compensações de serviço público. Assim, para apreciar se o primeiro critério Altmark estava ou não preenchido no caso vertente, a Comissão apenas aplicou as regras objetivas do Tratado e teve em conta as disposições pertinentes do regulamento relativo à cabotagem marítima, tal como são interpretadas pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 20 de fevereiro de 2001, Analir e o. (C‑205/99, EU:C:2001:107), a saber, princípios que, quanto à sua substância, já existiam aquando da conclusão da DSP.

291    Em terceiro lugar, há que considerar que a SNCM não se pode prevalecer da duração alegadamente excessiva do procedimento administrativo que conduziu à adoção da decisão impugnada para fundamentar a sua confiança legítima na regularidade do auxílio em causa.

292    Com efeito, antes de mais, há que sublinhar que é jurisprudência constante que, quando, como no caso vertente, um auxílio não foi notificado à Comissão, qualquer inação aparente sua a respeito dessa medida é desprovida de significado (acórdãos de 11 de novembro de 2004, Demesa e Territorio Histórico de Álava/Comissão, C‑183/02 P e C‑187/02 P, EU:C:2004:701, n.o 52, e de 27 de setembro de 2012, Fedecom/Comissão, T‑243/09, não publicado, EU:T:2012:497, n.o 93). De resto, tal como resulta das considerações expostas nos n.os 294 a 296, infra, a Comissão não permaneceu inativa, em momento nenhum, após a receção da denúncia apresentada no presente processo pela Corsica Ferries.

293    Em seguida, importa recordar que, em 27 de junho de 2012, a Comissão informou a República Francesa da sua decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, sobre os auxílios potenciais em benefício da SNCM e da CMN contidos na CDSP e que essa decisão foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 5 de outubro de 2012. Mesmo admitindo que, previamente a essa publicação, um operador económico diligente pudesse ter tido direito a uma confiança legítima na concessão de tal auxílio, já não podia manter tal confiança a partir dessa publicação. Com efeito, o início do procedimento formal de investigação implica que a Comissão nutre sérias dúvidas quanto à compatibilidade do auxílio em causa com o direito da União. Portanto, a partir desse momento, um operador económico diligente deixa de poder confiar na continuidade desse auxílio (acórdão de 21 de março de 2013, Magdeburger Mühlenwerke, C‑129/12, EU:C:2013:200, n.o 47).

294    Por último, e em qualquer caso, há que observar que, apesar de a duração do procedimento administrativo ter sido relativamente longa, todavia, não pode ser considerada irrazoável. Embora seja verdade que os princípios e o contexto subjacentes à decisão impugnada não são fundamentalmente diferentes dos que subjaziam às anteriores decisões da Comissão relativas à ligação marítima da Córsega, não é menos certo, no entanto, que o presente processo apresentava uma certa complexidade e implicava a prova de muitos elementos de facto, o que era dificultado pela falta de notificação prévia da parte das autoridades francesas.

295    Nesse contexto, deve salientar‑se que, contrariamente ao que sustenta a SNCM, a Comissão não esperou mais de seis meses antes de adotar uma qualquer medida na sequência da apresentação, em 27 de setembro de 2007, da queixa da Corsica Ferries. Com efeito, a SNCM não menciona que essa denúncia foi objeto de observações complementares por parte da Corsica Ferries em 30 de novembro e em 20 de dezembro de 2007, de modo que há que considerar que foi num prazo de menos de três meses, designadamente, em 13 de março de 2008, que a Comissão tomou uma primeira medida concreta no caso vertente, ao dirigir um pedido de informações às autoridades francesas, ao qual estas responderam em 3 de junho de 2008. Um segundo pedido de informações foi dirigido pela Comissão às autoridades francesas em 12 de novembro de 2008, ao qual estas responderam em 14 de janeiro de 2009.

296    A alegação da SNCM segundo a qual a Comissão permaneceu, em seguida, inativa durante quase três anos, a saber, até 13 de outubro de 2011, data em que dirigiu um terceiro pedido de informações às autoridades francesas, é enganadora. Com efeito, em 20 de maio e 16 de julho de 2010, e em 22 de março e 22 de junho de 2011, a Comissão recebeu informações complementares por parte da Corsica Ferries em apoio da sua denúncia, que foi objeto de análise e tramitação. As autoridades francesas responderam a esse terceiro pedido de informações em 7 de dezembro de 2011. Em 15 de dezembro de 2011 e em 10 de janeiro de 2012, a Corsica Ferries comunicou informações complementares à Comissão. Em 20 de janeiro de 2012, as autoridades francesas responderam a um quarto pedido de informações da Comissão, de 14 de dezembro de 2011.

297    O prazo de cerca de cinco meses que decorreu em seguida até 27 de junho de 2012, data da notificação pela Comissão à República Francesa da decisão de início do procedimento formal de investigação, não pode ser considerado excessivo. O mesmo se diga no que respeita ao prazo de um pouco mais de dez meses que decorreu entre esta última data e a da adoção da decisão impugnada, em 2 de maio de 2013. A esse respeito, deve recordar‑se que as autoridades francesas apresentaram as suas observações sobre a decisão de início em 13 de julho e em 7 de setembro de 2012, que a Corsica Ferries, a SNCM e a CMN apresentaram igualmente observações sobre a referida decisão, que foram comunicadas às autoridades francesas e foram objeto de comentários da parte destas por cartas de 14 de novembro de 2012 e de 3 de janeiro, 16 de janeiro e 12 de fevereiro de 2013.

298    Em quarto lugar, é igualmente em vão que a SNCM invoca a decisão do Conseil d’État (Conselho de Estado) de 13 de julho de 2012 e, em especial, o facto de este último ter confirmado nessa decisão a necessidade de uma análise global do serviço de base e do serviço complementar.

299    Com efeito, antes de mais, há que sublinhar que, tal como resulta da jurisprudência citada no n.o 282, supra, só as instituições da União, e não um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, podem estar na origem de uma expectativa legítima. Nesse contexto, há que recordar, por outro lado, que, como já foi exposto no n.o 176, supra, a Comissão não podia ter ficado vinculada pela interpretação efetuada pelo Conseil d’État (Conselho de Estado) das disposições do regulamento relativo à cabotagem marítima.

300    Em seguida, deve salientar‑se que, quando o Conseil d’État (Conselho de Estado) proferiu a sua decisão em 13 de julho de 2012, a Comissão já tinha decidido dar início ao procedimento formal de investigação, ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, contra os potenciais auxílios em benefício da SNCM e da CMN contidos na CDSP. Portanto, à luz do exposto no n.o 293, supra, há que considerar que, até a Comissão proferir a sua decisão final, estava excluída qualquer confiança legítima na regularidade do auxílio em causa, independentemente do que o Conseil d’État (Conselho de Estado) tenha decidido.

301    Por último, há que observar que, tal como salienta de modo pertinente a Comissão, desde o final do ano de 2006, a questão da DSP da ligação marítima da Córsega foi objeto de numerosos recursos nos órgãos jurisdicionais franceses, o que deu lugar a diversas mudanças de orientação da jurisprudência e cujo epílogo foi o acórdão de 6 de abril de 2016 da cour administrative d’appel de Marseille (Tribunal Administrativo de Recurso de Marselha) que anulou a sentença do tribunal administratif de Bastia (Tribunal Administrativo de Bastia) de 24 de janeiro de 2008, bem como a deliberação da Assembleia da Córsega de 7 de junho de 2007 e a decisão do presidente do Conselho Executivo da Córsega do mesmo dia (v. n.os 17, 20 e 27, supra).

302    À luz do que precede, há que julgar o quarto fundamento improcedente.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento

303    No âmbito do quinto fundamento, a SNCM alega que a decisão impugnada, ao ordenar à República Francesa a recuperação dos montantes que lhe foram pagos em aplicação da CDSP a título do serviço complementar sem prever nenhuma outra possibilidade de compensação por esse serviço, cria uma diferença de tratamento injustificada entre a SNCM e os outros operadores das rotas marítimas entre a Córsega e o continente, quer se trate da CMN ou dos concorrentes que operam fora do quadro da DSP.

304    A Comissão e a Corsica Ferries consideram que este quinto fundamento deve ser julgado improcedente.

305    Há que recordar que o respeito do princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (acórdãos de 17 de outubro de 1995, Fishermen’s Organisations e o., C‑44/94, EU:C:1995:325, n.o 46, e de 30 de março de 2006, Espanha/Conselho, C‑87/03 e C‑100/03, EU:C:2006:207, n.o 48).

306    No caso vertente, há que observar que nenhuma das duas situações invocadas pela SNCM é suscetível de constituir uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

307    Assim, em primeiro lugar, a SNCM critica erradamente o facto de, na decisão impugnada, a Comissão ter qualificado de auxílios de Estado incompatíveis com o mercado interno as compensações que recebeu a título da prestação do serviço complementar na rota Marselha‑Propriano [v. ponto I, alínea d), n.o 1.4, do caderno de encargos da CDSP] quando não qualificou da mesma forma as compensações que terão sido pagas à CMN pelas «capacidades suplementares que esta última [disponibilizava] nessa mesma rota de maio a setembro».

308    Com efeito, as «capacidades suplementares» visadas pela SNCM estão previstas no ponto I, alínea d), n.o 1.3, alínea i), do caderno de encargos da CDSP pelo que fazem parte integrante do serviço de base, e não do serviço complementar como sustenta a SNCM. Isso é nomeadamente confirmado por um dos quadros que figuram sob o ponto B «Apresentação dos anos tipo» do anexo 2 da CDSP, do qual resulta que o reforço do serviço de base assim previsto por essa disposição do caderno de encargos era realizado na prática pelo acréscimo de uma rotação por semana dos navios de carga mistos da CMN, o Kalliste ou o Girolata, às rotações do seu navio de carga misto Scandola. Ora, tal como já foi exposto nos n.os 160 e 161, supra, o serviço de base era levado a cabo utilizando navios de carga mistos, ao passo que o serviço complementar era efetuado por ferries.

309    Uma vez que só a SNCM prestava o serviço complementar e que a Comissão considerou que só as compensações pagas a título desse serviço eram auxílios de Estado incompatíveis com o mercado interno, a Comissão não violou o princípio da igualdade de tratamento ao ordenar a recuperação apenas dessas compensações e não das compensações pagas à CMN pelas prestações incluídas no serviço de base.

310    Em segundo lugar, a SNCM invoca sem razão uma alegada diferença de tratamento entre ela e os operadores que oferecem serviços de transporte marítimo nas rotas Toulon‑Córsega e Nice‑Córsega. Com efeito, a SNCM não se encontrava numa situação comparável à desses operadores, uma vez que ela era a única que prestava o serviço complementar no âmbito da CDSP e recebia uma compensação a esse título, ao passo que os referidos operadores estavam abrangidos pelo regime de auxílios de caráter social referido no n.o 14, supra. Deve acrescentar‑se que, ao contrário da referida compensação, esse regime de auxílios foi declarado compatível com o mercado interno pela Comissão (v. n.o 14, supra).

311    Nesse contexto, é também erradamente que a SNCM sustenta que resulta da decisão impugnada que foi forçada a oferecer certas capacidades de transporte na rota Marselha‑Córsega sem poder reclamar qualquer compensação, quer a título da CDSP ou a título do regime de auxílios de caráter social, ao passo que as companhias marítimas que operam a partir de Toulon ou de Nice podiam beneficiar de uma compensação a título deste último regime. Esta situação é, com efeito, imputável não à Comissão, mas às autoridades francesas que, a partir de 1 de janeiro de 2002, organizaram o serviço público de transporte marítimo entre a Córsega e a França continental segundo dois modos de gestão paralelos, a saber, por um lado, uma convenção de DSP para as rotas a partir de Marselha, que davam lugar a uma compensação financeira para os mandatários, e, por outro, um sistema de auxílios sociais para os passageiros transportados nas rotas a partir de Nice e de Toulon.

312    Por conseguinte, o quinto fundamento deve ser julgado improcedente.

313    Consequentemente, deve ser negado provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

314    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se se concluir nesse sentido. Tendo a SNCM sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas da Comissão e da Corsica Ferries, como pedido por estas últimas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL (Sexta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Société nationale maritime Corse Méditerranée (SNCM) suportará, para além das suas próprias despesas, as da Comissão Europeia e da Corsica Ferries France SAS.

Frimodt Nielsen

Collins

Valančius

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 1 de março de 2017.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

Atores principais

Serviço de transporte marítimo entre a França continental e a Córsega e convenções de delegação de serviço público

Tramitação processual na Comissão e decisão impugnada

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Observações preliminares

Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao facto de a Comissão ter considerado erradamente que o serviço complementar não constituía um SIEG

Quanto à primeira parte, relativa ao facto de a Comissão ter cometido um erro de direito ao exercer um controlo pormenorizado da necessidade do serviço à luz das reais necessidades de serviço público

– Quanto à primeira subparte, relativa ao facto de a Comissão não ter tido em conta a sua prática decisória anterior e a jurisprudência

– Quanto à segunda e quarta subpartes, relativas ao facto de a Comissão não ter tido em conta a ampla margem de apreciação dos Estados Membros nem o alcance do acórdão de 20 de fevereiro de 2001, Analir e o. (C205/99, EU:C:2001:107), e o regulamento relativo à cabotagem marítima

– Quanto à terceira subparte, relativa ao facto de a Comissão ter violado as regras e matéria de ónus da prova

Quanto à segunda parte, relativa ao facto de a Comissão ter cometido um erro de direito, um erro de facto e um erro manifesto de apreciação, ao equiparar as capacidades suplementares a fornecer durante os períodos de ponta a um serviço complementar e ao avaliar esse serviço separadamente do serviço de base a título do primeiro critério Altmark

– Quanto à primeira subparte, relativa ao facto de a CDSP não fazer distinção entre o serviço de base e o serviço complementar

– Quanto à segunda subparte, relativa ao facto de a Comissão ter equiparado erradamente o serviço de base às prestações oferecidas pelos navios de carga e o serviço complementar às oferecidas pelos ferries

– Quanto à terceira subparte, invocada a título subsidiário, relativa ao facto de o serviço complementar se justificar pela necessidade real de serviço público que satisfaz o serviço de base

Quanto à terceira parte, invocada a título subsidiário, relativa ao facto de o serviço complementar, considerado isoladamente, cumprir o primeiro critério Altmark

– Quanto à primeira subparte, relativa ao facto de a Comissão ter apreciado erradamente a substituibilidade dos serviços de transporte de passageiros a partir de Marselha pelos serviços de transporte de passageiros a partir de Toulon

– Quanto à segunda subparte, relativa ao facto de a Comissão ter apreciado erradamente a falta de iniciativa privada

– Quanto à terceira subparte, relativa ao facto de a Comissão não ter erradamente analisado o impacto que a supressão do serviço complementar teria tido na oferta efetivamente constatada

– Quanto à quarta subparte, relativa ao facto de não se poder considerar que os concorrentes da SNCM que operam a partir de Toulon exercem as suas atividades em condições normais de mercado

Quanto à quarta parte, invocada a título muito subsidiário, relativa ao facto de a Comissão não ter demonstrado que as prestações efetuadas a título do serviço complementar não constituíam uma transação comercial normal

Quanto ao segundo fundamento, relativo ao facto de a Comissão ter considerado erradamente que a CDSP não cumpria o quarto critério Altmark

Quanto ao terceiro fundamento, invocado a título subsidiário, relativo ao facto de a Comissão ter calculado erradamente o montante do auxílio a recuperar

Quanto à primeira parte, relativa ao facto de a Comissão, erradamente, não ter tido em conta os custos incorridos a título da prestação do serviço complementar, para determinar o montante do auxílio a recuperar

Quanto à segunda parte, relativa ao facto de a Comissão ter tido erradamente em conta a subcompensação de que foi objeto o serviço de base, para determinar o montante do auxílio a recuperar

Quanto à terceira parte, relativa ao facto de a Comissão ter cometido um erro manifesto de apreciação na determinação da parte da compensação anual atribuível ao serviço complementar

Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima

Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento

Quanto às despesas


* Língua do processo: francês.