Language of document : ECLI:EU:T:1997:89

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção Alargada)

19 de Junho de 1997(1)

«Transportes aéreos — Manutenção de uma concessão exclusiva sobre rotas internas — Regulamento (CEE) n.° 2408/92 — Artigos 5.° e 8.° — Direitos da defesa — Princípio do contraditório — Princípio da boa-fé — Princípio da proporcionalidade — Artigo 90.°, n.° 2, do Tratado CE»

No processo T-260/94,

Air Inter SA, sociedade de direito francês com sede em Paray Vieille Poste (França), representada por Jean-Pierre Spitzer, advogado no foro de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Aloyse May, 31, Grand-Rue,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Rolf Wägenbaur, consultor jurídico principal, e Lucio Gussetti, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

apoiada por

TAT European Airlines,representada por Antoine Winckler, advogado no foro de Paris e por Romano Subiotto, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Elvinger e Hoss, 2, place Winston Churchill,

e

Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte,representado por John E. Collins, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, e Richard Plender, QC, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada do Reino Unido, 14, boulevard Roosevelt,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação do artigo 1.° da Decisão 94/291/CE da Comissão, de 27 de Abril de 1994, relativa a um processo de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2408/92 do Conselho [Processo VII/AMA/IV/93 — TAT — Paris (Orly)-Marselha e Paris (Orly)-Toulouse] (JO L 127, p. 32),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção Alargada),



composto por: C. W. Bellamy, presidente, C. P. Briët e A. Kalogeropoulos, juízes,

secretário: J. Palacio Gonzáles, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 13 de Novembro de 1996,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

  1. A fim de realizar progressivamente o mercado interno dos transportes aéreos, o legislador comunitário, nos anos de 1987, 1990 e 1992, adoptou três séries de medidas, designadas «pacotes legislativos» por reunirem numerosos textos. O terceiro «pacote legislativo», adoptado em 23 de Julho de 1992, é composto por cinco regulamentos que têm em vista garantir, por um lado, a livre prestação de serviços de transporte aéreo e, por outro, a aplicação das regras comunitárias de concorrência neste sector.

  2. Entre os referidos cinco regulamentos acha-se o Regulamento (CEE) n.° 2408/92 do Conselho, de 23 de Julho de 1992, relativo ao acesso das transportadoras aéreas comunitárias às rotas aéreas intracomunitárias (JO L 240, p. 8, a seguir «Regulamento n.° 2408/92» ou «regulamento»), que entrou em vigor um 1 de Janeiro de 1993, nos termos do seu artigo 16.°

  3. O artigo 3.°, n.° 1, do regulamento estabelece o princípio de que «sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as transportadoras aéreas comunitárias serão autorizadas pelo(s) Estado(s)-Membro(s) interessado(s) a exercer direitos de tráfego nas rotas do interior da Comunidade».

  4. O artigo 5.° tem a seguinte redacção:

    «Em relação às rotas domésticas para as quais tenha sido feita uma concessão exclusiva por força de uma disposição legislativa ou contratual à data da entrada em vigor do presente regulamento, e sempre que não seja possível assegurar um serviço adequado e ininterrupto através de outras formas de transporte, a referida concessão poderá continuar a aplicar-se até ao termo do seu período de vigência ou durante três anos, expirando no termo do mais curto destes dois prazos.»

  5. O artigo 8.° dispõe:

    «1. O presente regulamento não afecta o direito de um Estado-Membro regular, sem discriminação baseada na nacionalidade ou na identidade da transportadora aérea, a distribuição do tráfego entre os aeroportos pertencentes a um sistema de aeroportos.

    2. O exercício de direitos de tráfego está sujeito às normas operacionais comunitárias, nacionais, regionais ou locais publicadas em matéria de segurança, protecção do ambiente e atribuição de faixas horárias.

    3. A pedido de um Estado-Membro ou por sua própria iniciativa, a Comissão analisará a aplicação dos n.os 1 e 2 e, no prazo de um mês a contar da data de recepção do pedido, decidirá, após consulta ao comité referido no artigo 11.°, se o Estado-Membro em causa pode continuar a aplicar a medida. A Comissão comunicará a sua decisão ao Conselho e aos Estados-Membros.

    4. Qualquer Estado-Membro pode, dentro do prazo de um mês, submeter a decisão da Comissão à apreciação do Conselho que, deliberando por maioria qualificada, poderá, em circunstâncias excepcionais, tomar uma decisão diferente no prazo de um mês.

    ...»

  6. Nos termos das disposições conjugadas do artigo 2.°, alínea m), e do Anexo II do regulamento, os «sistemas de aeroportos» referidos no artigo 8.°, n.° 1, incluem, designadamente, no que respeita à França, os aeroportos «Paris-Charles de Gaulle/Orly/Le Bourget».

  7. Nos termos do artigo 11.° do regulamento, a Comissão será assistida por um comité consultivo composto por representantes dos Estados-Membros e presidido pelo representante da Comissão.

  8. O artigo 12.° prevê que, a fim de desempenhar as atribuições que lhe incumbem por força do regulamento, a Comissão pode recolher todas as informações necessárias dos Estados-Membros e das transportadoras aéreas interessados.

    Matéria de facto na origem do litígio

    O procedimento administrativo

  9. Por carta de 21 de Junho de 1993, a companhia TAT European Airlines (a seguir «TAT»), com sede em Tours (França), solicitou à Direcção-Geral da Aviação Civil, do Ministério Francês do Equipamento, Transportes e Turismo, uma licença para exploração das ligações Paris (Orly)-Toulouse e Paris (Orly)-Marselha, referindo-se, no pedido, ao regulamento.

  10. Por carta de 21 de Julho de 1993, o director-geral da aviação civil indeferiu o pedido com base no artigo 5.° do regulamento. Na carta, referiu à TAT que, por aplicação daquela disposição, as autoridades francesas podem manter a exclusividade concedida à Air Inter pelo convénio de 5 de Julho de 1995 celebrado entre o Estado francês e a referida companhia (a seguir «Convénio de 1985»). Na altura, a companhia Air France, cujo capital pertencia em mais de 99% ao Estado francês, era titular de mais de 70% do capital da Air Inter.

  11. Em 28 de Setembro de 1993, a TAT apresentou à Comissão uma queixa em que alegava violação dos artigos 3.°, alínea f), 86.° e 90.° do Tratado CE, bem como a inobservância de um acordo celebrado em 30 de Outubro de 1990 entre a Comissão, o Governo francês e a Air France (a seguir «Acordo de 1990») a fim de abrir à concorrência, designadamente, as linhas Paris-Toulouse e Paris-Marselha. A título subsidiário, a TAT invocou a violação das disposições do regulamento. Afirmou que o monopólio do grupo Air France sobre as ligações Paris (Orly)-Marselha e Paris (Orly)-Toulouse deveria ter cessado em 1 de Março de 1992, conforme previsto no Acordo de 1990. Além disso, o artigo 5.° do regulamento não era aplicável por a Air Inter não ter tido exclusividade sobre as duas ligações, dado que a TAT servia justamente a mesmas linhas a partir do aeroporto Roissy-Charles de Gaulle (a seguir «CDG»). Por último, o tratamento discriminatório de que foi objecto a TAT não era compatível com o disposto no artigo 8.°, n.° 1, do regulamento.

  12. Por nota de 13 de Outubro de 1993, enviada ao director-geral da Direcção-Geral de Transportes da Comissão (a seguir «DG VII»), a TAT completou a sua argumentação relativa aos artigos 5.° e 8.°, n.° 1, do regulamento e solicitou que a Comissão adoptasse uma decisão com base no artigo 8.°, n.° 3, do regulamento.

  13. Por carta de 20 de Outubro de 1993, a direcção-geral da concorrência da Comissão (a seguir «DG IV») enviou uma cópia da queixa da TAT às autoridades francesas e ao grupo Air France, a fim de recolher as suas eventuais observações. A queixa adicional apresentada pela TAT não foi junta à referida carta.

  14. Por carta de 22 de Outubro de 1993, o director-geral da DG VII informou também as autoridades francesas da apresentação de uma queixa da TAT sem, contudo, lhes enviar cópia. Por outro lado, informou que, prima facie, considerava fundados os argumentos desenvolvidos pela TAT.

  15. Nem a queixa nem a queixa adicional foram remetidas à Air Inter pela Comissão.

  16. Em resposta, as autoridades francesas, por correspondência de 21 de Dezembro de 1993 — dirigida ao secretário-geral da Comissão e, por cópia, às DG IV e VII —, comunicaram as suas observações relativamente à queixa da TAT. Sustentaram que o artigo 5.° do regulamento era aplicável, uma vez que a abertura à concorrência prevista no Acordo de 1990, com excepção do serviço de Nice, apenas dizia respeito às ligações com o aeroporto CDG, pelo que a Air Inter manteve a exclusividade nas ligações com o aeroporto de Orly. A resposta não fazia qualquer referência ao artigo 8.° do regulamento.

  17. Por carta de 21 de Janeiro de 1994, o director-geral da DG VII informou as autoridades francesas da apresentação de uma queixa adicional da TAT e recordou que o artigo 8.°, n.° 3, do regulamento atribuia à Comissão um poder de decisão próprio.

  18. Em reposta a esta carta, as autoridades francesas, em 16 de Fevereiro de 1994, enviaram à Comissão uma nota em que resumiam a sua posição.

  19. Após esta troca de correspondência, o Comité Consultivo previsto no artigo 11.° do regulamento reuniu em 28 de Fevereiro de 1994. Na reunião, as delegações dos Estados-Membros puderam expor os respectivos pontos de vista sobre o projecto de decisão baseada no artigo 8.°, n.° 3, do regulamento, que lhes foi enviado pela Comissão em 10 de Fevereiro de 1994.

  20. O parecer do Comité Consultivo tinha a seguinte redacção:

    «A maioria dos membros presentes manifesta o seguinte parecer: com base nas informações ao dispor do comité, afigura-se que a errada aplicação do artigo 5.° pela França implicou efeitos discriminatórios. A maioria dos membros pronunciou-se, contudo, contra uma decisão adoptada com base no artigo 8.° do regulamento.»

  21. Em 4 de Março de 1994, uma delegação chefiada pelo chefe de gabinete do membro da Comissão encarregado das questões dos transportes recebeu uma delegação da Air Inter a fim de discutir as eventuais implicações de uma decisão da Comissão, tendo em conta a posição que esta assumiu, para o futuro da Air Inter no mercado comunitário. O encontro foi seguido por uma nota da Air Inter assinada pelo director regional adjunto em 7 de Março de 1994, que descreve «a situação da Air Inter na véspera das decisões da Comissão nos processos TAT». Por último, por carta de 15 de Março de 1994 dirigida ao presidente da Comissão, os administradores que são funcionários da Air Inter (com lugar no conselho de administração da companhia) manifestaram a sua inquietação relativamente ao futuro da Air Inter no contexto da liberalização dos transportes aéreos internos e, em especial, da introdução da concorrência nas linhas mais rentáveis da rede francesa.

  22. Em 17 de Março de 1994, o Governo francês enviou à Comissão outra nota em que recordava as observações da delegação francesa na reunião do Comité Consultivo relativas, designadamente, aos artigos 5.° e 8.° do regulamento, ao artigo 90.° do Tratado CE, bem como ao Convénio de 1985 e ao Acordo de 1990.

  23. A pedido do Governo francês, o director dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros encontrou-se com o director-geral do Serviço Jurídico da Comissão em 30 de Março de 1994, a fim de abordarem em conjunto a queixa da TAT.

  24. Em 12 de Abril de 1994, o membro da Comissão encarregado das questões dos transportes encontrou-se com o primeiro ministro francês para uma abordagem das diferentes questões relativas aos transportes aéreos franceses e, designadamente, à repartição do tráfego no sistema de aeroportos de Paris.

    A decisão recorrida

  25. Em 27 de Abril de 1994, a Comissão adoptou a Decisão 94/291/CE, relativa a um processo de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2408/92 do Conselho [ProcessoVII/AMA/IV/93 — TAT — Paris (Orly)-Marselha e Paris (Orly)-Toulouse] (JO L 127, p. 32, a seguir «Decisão 94/291», ou «decisão impugnada»), cuja parte dispositiva tem a seguinte redacção:

    «Artigo 1.°

    A França não pode continuar a recusar às transportadoras aéreas comunitárias o exercício de direitos de tráfego nas rotas Paris (Orly)-Marselha e Paris (Orly)-Toulouse com a justificação de que as autoridades francesas estariam a aplicar, em relação a essas rotas, o artigo 5.° do Regulamento (CEE) n.° 2408/92.

    Artigo 2.°

    A República Francesa é a destinatária da presente decisão (...)

    Artigo 3.°

    A França deverá executar a presente decisão o mais tardar até 27 de Outubro de 1994.»

  26. Na fundamentação da decisão impugnada, a Comissão declara desde logo que, em matéria de repartição do tráfego entre os aeroportos situados no interior de um sistema de aeroportos, dispõe dos poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 8.°, n.° 3, do regulamento. No que respeita, nomeadamente, à denúncia apresentada pela TAT, considera necessário utilizar estes poderes. Efectivamente, a medida pela qual as autoridades francesas negam aos transportadores comunitários e, mais em especial à TAT, o exercício dos direitos de tráfego sobre as ligações Paris (Orly)-Marselha e Paris (Orly)-Toulouse constitui uma repartição discriminatória, a favor apenas da companhia Air Inter, do tráfego entre os aeroportos situados no interior do sistema de aeroportos de Paris.

  27. A Comissão refere ainda que a manutenção da concessão exclusiva da Air Inter constitui uma aplicação errada do artigo 5.° do regulamento por parte das autoridades francesas. O referido artigo tem por objectivo garantir a continuidade de serviços de transporte adequados entre dois pontos (cidades ou regiões) situados no interior de um mesmo Estado-Membro. Só pode ser mantida uma situação de exclusividade se não existir outra possibilidade de deslocação de uma cidade para outra de uma forma adequada e ininterrupta, por comboio, autocarro ou avião, no caso de voos indirectos, ou um aeroporto alternativo. Consequentemente, uma exclusividade numa rota que conduza a um sistema de aeroportos só tem sentido se se aplicar a todos os aeroportos que dele fazem parte.

  28. A Comissão acrescenta que, aliás, o próprio convénio de 1985 define as rotas atribuídas a título exclusivo à Air Inter como rotas ponto-a-ponto e não de aeroporto-a-aeroporto, sem fazer qualquer referência aos diferentes aeroportos do sistema de Paris. Nestas condições, ao autorizar a TAT a explorar as rotas Paris-Marselha e Paris-Toulouse com partida e chegada ao aeroporto CDG a partir de 1 de Março de 1992, as autoridades francesas puseram fim à exclusividade de que beneficiava a Air Inter. Além disso, a Comissão considera que a Air Inter, quando da entrada em vigor do regulamento, não dispunha de uma concessão exclusiva relativamente às rotas em questão. No caso da rota Paris-Marselha, o Convénio de 1985 autorizava expressamente a companhia Air Afrique a explorar a rota assim definida juntamente com a Air Inter. Quanto à rota Paris-Toulouse (e, subsidiariamente, à rota Paris-Marselha), resulta do Acordo de 1990 que exclusividade de que beneficiava a Air Inter nesta rota cessou o mais tardar em 1 de Março de 1992.

  29. A título subsidiário, a Comissão refere que, mesmo pressupondo que a atribuição de uma concessão exclusiva seja teoricamente possível relativamente aos serviços aéreos regulares entre o aeroporto de Orly, por um lado, e Marselha e Toulouse por outro, o artigo 5.° não é aplicável ao caso concreto. Efectivamente, existem meios de transporte, além das referidas linhas aéreas, susceptíveis de assegurar um serviço adequado e contínuo: os serviços aéreos directos que existem entre Paris (CDG) e, respectivamente, Marselha e Toulouse.

  30. A Comissão salienta que os efeitos da discriminação em causa são consideráveis. O aeroporto de Orly é privilegiado pelos utentes e concentra entre 85 e 90% do tráfego doméstico francês com partida e chegada em Paris. Além disso, a exploração das rotas Paris-Marselha e Paris-Toulouse é mais onerosa a partir do aeroporto CDG do que do de Orly, em parte por razões geográficas.

  31. A Comissão admite, por último, que a sua decisão poderá ocasionar consequências importantes na estrutura e organização das linhas em questão, motivo pela qual considera necessário conceder um prazo de adaptação até em 27 de Outubro de 1994.

    Tramitação e pedidos das partes

  32. Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 12 de Julho de 1994, a Air Inter interpôs o presente recurso.

  33. Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de Junho de 1994, a República Francesa interpôs também um recurso em que pede que a anulação da decisão impugnada. Esse recurso foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça sob o n.° C-174/94. Por despacho em processo de medidas provisórias de 26 de Outubro de 1994, França/Comissão (C-174/94 R, Colect., p. I-5229), o presidente do Tribunal de Justiça indeferiu o pedido da República Francesa de suspensão da execução da decisão impugnada.

  34. Por despacho de 28 de Outubro de 1994, o Tribunal de Primeira Instância, nos termos do artigo 47.°, terceiro parágrafo, segundo período, do Estatuto (CE), do Tribunal de Justiça, declinou a sua competência no processo T-260/94 a fim de que o Tribunal de Justiça decida sobre o pedido de anulação, que é também objecto do recurso interposto pela República Francesa no processo C-174/94. O despacho pelo qual o Tribunal de Primeira Instância declinou a sua competência foi inscrito no registo do Tribunal de Justiça sob o n.° C-301/94.

  35. Por despachos de 19 de Janeiro e de 8 de Fevereiro de 1995, o presidente do Tribunal de Justiça admitiu o Reino Unido e a TAT a intervirem em apoio dos pedidos da Comissão no processo C-301/94. Foram notificados aos intervenientes determinados documentos confidenciais, numa versão não confidencial apresentada pelas partes principais.

  36. O Tribunal de Justiça decidiu iniciar a fase oral do processo C-301/94 sem instrução. Foi notificado às partes o relatório para a audiência.

  37. Em seguida, a República Francesa, considerando já não ter interesse na anulação da decisão impugnada, desistiu do recurso C-174/94. Consequentemente, por despacho de 19 de Março de 1996, o processo C-174/94 foi cancelado no registo do Tribunal de Justiça. Por despacho do Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 1996, o processo C-301/94 foi remetido ao Tribunal de Primeira Instância; foi reservada para final a decisão quanto às despesas.

  38. Foi, assim, retomada no Tribunal de Primeira Instância a tramitação no processo C-260/94, tendo o Tribunal adoptado determinadas medidas de organização do processo. A fase oral do processo teve lugar essencialmente com base no relatório para a audiência C-301/94 já distribuído.

  39. Foram ouvidas alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal na audiência que teve lugar em 13 de Novembro de 1996, sendo o Tribunal composto por: C. W. Bellamy, presidente, H. Kirschner, C. P. Briët, A. Kalogeropoulos e A. Patocki, juízes.

  40. Em consequência do falecimento do juiz H. Kirschner em 6 de Fevereiro de 1997, o presente acórdão foi deliberado pelos três juízes que o subscrevem, nos termos do artigo 32.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.

  41. A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    • anular o artigo 1.° da Decisão 94/291;

    • condenar a Comissão nas despesas.



  42. A Comissão conclui pedindo que o Tribunal que se digne:

    • negar provimento ao recurso;

    • condenar a recorrente nas despesas.



  43. A TAT conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    • negar provimento ao recurso;

    • condenar a recorrente nas despesas, incluindo as efectuadas pela TAT.



  44. O Reino Unido conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    • negar provimento ao recurso;

    • condenar a recorrente nas despesas, incluindo as efectuadas pelo Reino Unido.

    Quanto ao mérito

  45. Em apoio do recurso, a recorrente invoca vários fundamentos tanto contra a legalidade externa como interna da decisão impugnada. No que respeita à legalidade externa acusa a Comissão, a título principal, de violar os seus direitos de defesa e, a título subsidiário, de não ter observado o princípio do contraditório e o princípio da boa-fé para com a República Francesa. No que se refere à legalidade interna, acusa a Comissão, a título principal, de ter utilizado abusivamente o procedimento previsto no artigo 8.°, n.° 3, do regulamento e, a título subsidiário, de não ter observado o disposto no artigo 5.° do mesmo regulamento. Sempre a título subsidiário, invoca a violação do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado, bem como do princípio da proporcionalidade. Por último, e a título ainda mais subsidiário, alega que a negação do acesso às duas rotas em causa à TAT por parte das autoridades francesas não constitui discriminação para com a referida companhia, uma vez que a exclusividade de que a recorrente beneficia sobre essas linhas tem justificação no artigo 5.° do regulamento.

    Quanto ao fundamento que consiste em violação do direito de defesa da recorrente

    Argumentos das partes

  46. A recorrente recorda que, segundo jurisprudência constante, o respeito dos direitos da defesa constitui um princípio fundamental do direito comunitário que deve ser observado mesmo no âmbito de um procedimento administrativo. Consequentemente, quem puder ser afectado por uma decisão da Comissão deve poder manifestar o seu ponto de vista antes da tomada da decisão.

  47. A recorrente salienta que, no presente processo, embora seja o único operador económico a quem a decisão impugnada diz respeito, a Comissão nunca tomou a iniciativa de a convocar formalmente, nem nunca lhe enviou qualquer documento ou a convidou a apresentar as suas observações sobre o processo. A recorrente considera, assim, que não pôde manifestar o seu ponto de vista. Encontra-se, por isso, numa situação análoga à das empresas neerlandesas PTT, analisada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 12 de Fevereiro de 1992, Países Baixos e o./Comissão (C-48/90 e C-66/90, Colect., p. I-565). Remete ainda para o acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1994, Fiskano/Comissão (C-135/92, Colect., p. I-2885).

  48. Na medida em que a Comissão afirma que ouviu formalmente a recorrente em 4 de Março de 1994, esta responde que esse encontro teve lugar a seu pedido, e quatro meses após a Comissão ter já tomado a sua posição. Por outro lado, o encontro teve um objectivo puramente económico, como, aliás, a nota da recorrente de 7 de Março de 1994. Por último, a carta dos administradores que são funcionários da recorrente, de 15 de Março de 1994, limitou-se a expressar as suas preocupações.

  49. A recorrente impugna a tese da Comissão nos termos da qual a decisão recorrida, longe de ter como objectivo a situação específica da recorrente, assume carácter geral na medida em que diz respeito à política do Governo francês em matéria de aeroportos. Afirma que a medida nacional em questão é a recusa por parte das autoridades francesas de conceder à TAT os direitos de tráfego em questão, da qual a recorrente beneficiaria directamente. Por outro lado, a decisão recorrida diz expressamente respeito à recorrente, uma vez que se refere à legalidade da exclusividade concedida à recorrente relativamente às rotas em litígio. Por último, a recorrente sofre directa e integralmente as consequências da decisão impugnada.

  50. A recorrente salienta que o artigo 8.°, n.° 3, do regulamento deve ser interpretado como obrigando a Comissão não apenas a permitir que o Estado-Membro em questão faça valer os seus interesses, mas também qualquer outra parte directamente envolvida, como a recorrente. Assim, a Comissão era obrigada, mesmo na falta de disposições expressas, a proporcionar por sua iniciativa meios processuais susceptíveis de proteger eficazmente essa possibilidade. Efectivamente, o princípio geral da protecção dos direitos da defesa mantém a sua aplicabilidade tanto na presença como, por maioria de razão, na ausência, de legislação específica.

  51. Na hipótese de o Tribunal de Primeira Instância interpretar o artigo 8.°, n.° 3, no sentido de que permite derrogar o princípio do respeito dos direitos da defesa de qualquer parte interessada, a recorrente considera que há que questionar a validade de um texto desse tipo. Efectivamente, qualquer regulamento comunitário que permita derrogar um princípio fundamental do direito comunitário constituirá seguramente um texto adoptado em violação do direito comunitário. Consequentemente, o Tribunal só poderá declarar inválido o artigo 8.°, n.° 3, do regulamento.

  52. A recorrente considera, por último, aberrante afirmar neste contexto que basta consultar os representantes dos Estados-Membros com assento no Comité Consultivo. Efectivamente, o papel do referido Comité não é representar os interesses de empresas privadas mas sim assistir a Comissão e comunicar-lhe asposições dos Estados-Membros.

  53. A Comissão salienta que o regulamento não prevê um procedimento que permita associar as empresas interessadas. Assim, o procedimento do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento retoma as grandes linhas do previsto no artigo 169.° do Tratado, que também não prevê uma obrigação de consulta. A Comissão salienta, por outro lado, que, no âmbito de um procedimento instaurado a pedido de um Estado-Membro nos termos do artigo 8.°, n.° 3 do regulamento, terá de decidir no prazo de um mês. O respeito deste prazo será praticamente impossível se o número das companhias aéreas que beneficiam de uma medida discriminatória for elevado.

  54. A Comissão contesta a relevância para o presente processo dos acórdãos Países Baixos e o./Comissão e Fiskano/Comissão, já referidos. A este respeito, afirma designadamente que a decisão impugnada diz respeito à atribuição de rotas aéreas no interior do sistema de aeroportos de Paris e que a recorrente só indirecta e parcialmente sofre os efeitos económicos desta decisão. O facto de as autoridades francesas terem invocado a existência de uma concessão exclusiva em benefício da recorrente nos termos do artigo 5.° do regulamento não impede que a questão de fundo seja a de saber se as medidas gerais adoptadas pela República Francesa podem operar uma discriminação na distribuição do tráfego no interior do sistema de aeroportos de Paris, afectando desse modo os direitos de todas as companhias comunitárias. A utilização incorrecta dessa disposição não pode por si só bastar para impor a obrigação de consultar a recorrente.

  55. A Comissão alega que, em qualquer caso, a recorrente foi formalmente ouvida em 4 de Março de 1994 e deu a conhecer o seu ponto de vista, designadamente através da nota de 7 de Março de 1994, o que tornou inútil uma nova audição pela Comissão. Na sua tréplica (ponto 6), a Comissão esclarece que a recorrente foi permanentemente mantida ao corrente da evolução do processo pelas autoridades francesas. Este fluxo de informações foi confirmado pelas mesmas autoridades no processo paralelamente em curso no Tribunal de Justiça. A este respeito, a Comissão remete para a página 10 da réplica apresentada pela República Francesa no processo C-174/94 (v. acima n.° 33).

  56. O Reino Unido apoia a argumentação da Comissão esclarecendo que o acórdão Países Baixos e o./Comissão, já referido, não é relevante para o presente processo uma vez que o procedimento controvertido, longe de ter sido «instaurado contra» a recorrente, teve lugar apenas entre a Comissão e a República Francesa. Por outro lado, o acórdão já referido dizia respeito à aplicação do artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, que não institui regras especiais relativas às entidades a consultar e ao processo de consulta enquanto que, no presente processo, o Regulamento n.° 2408/92 prevê regras específicas.

    Apreciação do Tribunal

  57. O artigo 8.°, n.° 3, do regulamento não prevê a participação directa das transportadoras aéreas no procedimento administrativo que leva à adopção pela Comissão de uma decisão sobre a repartição do tráfego no interior de um sistema de aeroportos. Nos termos do regulamento, a Comissão dirige-se apenas ao Estado-Membro em causa após consulta ao Comité Consultivo composto pelos representantes dos Estados-Membros. É apenas de um modo geral e facultativo que a Comissão, a fim de desempenhar as suas atribuições, «pode» recolher todas as informações junto das transportadoras aéreas (artigo 12.° do regulamento). Daqui resulta que o regulamento não confere, por si só, o benefício dos direitos de defesa a uma transportadora aérea numa situação do tipo daquela em que a recorrente se acha no presente processo.

  58. Na medida em que a Comissão pretende justificar este silêncio do regulamento alegando que o procedimento nos termos do artigo 8.°, n.° 3, foi decalcado sobre o previsto no artigo 169.° do Tratado, em que apenas participam a Comissão e o Estado-Membro em causa, deve salientar-se que, no âmbito do artigo 169.° do Tratado, o incumprimento de Estado só é declarado por acórdão do Tribunal de Justiça, enquanto que, no âmbito do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento, é a decisão da Comissão que impõe a repartição de tráfego por ela pretendida. O procedimento instaurado nos termos do artigo 169.° é, assim, essencialmente um procedimento judicial, enquanto que o do artigo 8.°, n.° 3, é um procedimento inteiramente administrativo. Consequentemente, os dois procedimentos apresentam diferenças essenciais, pelo que a tese da Comissão baseada no artigo 169.° do Tratado não pode ser acolhida.

  59. Quanto ao procedimento instaurado nos termos do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento, que levou à adopção da decisão impugnada, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, o respeito dos direitos de defesa, em qualquer processo instaurado a qualquer pessoa susceptível de conduzir a um acto que afecta os seus interesses, constitui um princípio fundamental do direito comunitário e deve ser garantido, mesmo na falta de legislação específica (v., por exemplo, acórdão Países Baixes Baixos e o./Comissão, já referido, n.° 44). Este princípio exige que seja dada a possibilidade à pessoa em questão de dar a conhecer em tempo útil a sua posição quanto aos elementos considerados pela Comissão para adoptar o seu acto (acórdão Fiskano/Comissão, já referido, n.° 40).

  60. Na medida em que a Comissão afirma que o acórdão Países Baixos e o./Comissão, já referido — proferido no domínio do artigo 90.°, n.° 3, do Tratado — não é relevante para o presente processo uma vez que o processo contencioso está previsto numa regulamentação específica que exclui a participação das transportadoras aéreas eventualmente afectadas, deve salientar-se que a aplicação do princípio fundamental dos direitos de defesa não pode ser excluída nem limitada por uma disposição regulamentar. O respeito deste princípio deve, por isso, ser garantido tanto na total ausência de regulamentação específica como perante uma regulamentação que não tem em conta o referido princípio (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o., C-32/95 P, Colect., p. I-5373, n.° 30). Daqui resulta que a tese da Comissão baseada na ausência de uma disposição específica na regulamentação em questão deve ser posta de parte.

  61. Quanto ao argumento do Reino Unido segundo o qual o procedimento controvertido no caso em apreço não foi «instaurado contra» a recorrente, deve recordar-se que, embora o procedimento em questão não se dirija formalmente contra a recorrente na qualidade de operador económico individual, também não foi esse o caso no processo que deu lugar ao acórdão Países Baixos e o./Comissão, já referido, no qual a Comissão, num procedimento instaurado com base no artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, se dirigiu formalmente apenas ao Reino dos Países Baixos e não às sociedades neerlandesas PTT. Esta circunstância não impediu contudo o Tribunal de Justiça de reconhecer às referidas sociedades o benefício dos direito de defesa, pelo facto de serem beneficiárias directas da medida estatal impugnada, de terem sido nominalmente designadas na lei neerlandesa em causa, de a decisão impugnada lhes dizer directamente respeito, e de terem suportado directamente as consequências económicas desta última (n.os 50 e 51 do acórdão já referido).

  62. Deve, por isso, analisar-se em seguida se o raciocínio seguido no acórdão Países Baixos e o./Comissão, já referido, que reconhece a empresas privadas o benefício dos direitos de defesa no âmbito do artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, pode ser transposto para o presente processo. A este respeito deve, em primeiro lugar, salientar-se que a recorrente era beneficiária directa da medida estatal impugnada, ou seja, a manutenção a seu favor de uma posição privilegiada sobre as duas rotas em questão, sem que seja necessário verificar, nesta fase da análise, se podia efectivamente invocar uma exclusividade de natureza jurídica. A posição económica da recorrente seria, por isso, afectada pela decisão impugnada, que ordenava às referidas autoridades a abertura dessas linhas à concorrência das outras transportadoras aéreas comunitárias. Assim, a recorrente suportaria directamente as consequências da decisão impugnada. Deve ainda declarar-se que a recorrente foi nominalmente designada no instrumento nacional por si invocado em apoio dos seus direitos de tráfego exclusivos, ou seja, o convénio de 1985, sem que neste contexto, seja necessário analisar o alcance jurídico desse convénio. Por último, lendo a decisão impugnada, mostra-se que a recorrente alí é por diversas vezes referida expressamente. Consequentemente, as condições estabelecidas pelo acórdão Países Baixos e o./Comissão, já referido, estão preenchidas no presente processo.

  63. Resulta do que antecede que a recorrente dispunha de direitos de defesa, que deveriam ser respeitados no processo que levou à adopção da decisão impugnada, sem que haja que analisar a questão geral, referida pela Comissão, de saber se existem direitos de defesa também na hipótese de um procedimento instaurado nos termos artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento, que deve estar concluído no caso de mês, ter repercussões sobre um número indefinido de transportadoras aéreas.

  64. Quanto à questão de saber se os direitos de defesa da recorrente foram respeitados no presente processo, deve recordar-se que, no acórdão de 6 de Dezembro de 1994, Lisrestal e o./Comissão (T-450/93, Colect., p. II-1177), que dizia respeito à redução da contribuição financeira que o Fundo Social Europeu inicialmente tinha concedido às empresas beneficiárias no decurso de um processo em que autoridade nacional foi o único interlocutor do Fundo, o Tribunal de Primeira Instância reconheceu às empresas recorrentes o direito a serem ouvidas, embora salientando que esse direito não tinha sido garantido nem nas relações entre a Comissão e os beneficiários, nem entre a autoridade nacional e os beneficiários (n.os 49 e 50 do acórdão).

  65. No presente processo deve assim analisar-se se os direitos de defesa da recorrente foram respeitados em concreto, quer directamente nas suas relações com a Comissão, ou indirectamente através das autoridades francesas, ou pelo efeito combinado de ambas estas vias administrativas.

  66. A este respeito, a própria recorrente se dirigiu à Comissão remetendo-lhe a nota de 7 de Março de 1994, depois de ter sido recebida pela Comissão em 4 de Março de 1994 para uma entrevista. Nesta nota, a recorrente referia as características da sua empresa, designadamente no plano dos serviços aéreos fornecidos e das relações contratuais com o Estado francês, que lhe confiou missões de serviço público. A recorrente salientou a sua situação financeira difícil, resultante do desenvolvimento da concorrência aérea e ferroviária. Em resumo, opôs-se particularmente a uma abertura exagerada e acelerada das principais ligações aéreas que por si eram servidas com partida de ou com destino ao aeroporto de Orly.

  67. Embora, nesta ocasião a recorrente se limitasse a adiantar aspectos «puramente económicos», como salientou em Tribunal, nada a impedia contudo de desenvolver também argumentação jurídica. A razão pela qual renunciou a isso só se pode explicar pelo facto de considerar que a Comissão estava suficientemente informada no plano jurídico.

  68. Efectivamente, a Comissão — referindo-se às declarações das autoridades francesas (v., acima, n.° 55) — indicou, sem ser contrariada neste ponto pela recorrente, que esta tinha sido mantida informada pelas autoridades francesas do desenvolvimento do processo. Deve assim concluir-se que a recorrente teve pelo menos conhecimento das observações transmitidas pelas autoridades francesas à Comissão.

  69. Essas observações, em especial as formuladas nas notas de 21 de Dezembro de 1993 e de 7 de Março de 1994, diziam respeito designadamente às exigências impostas à recorrente pelo convénio de 1985, à colocação em perigo da exploração pela recorrente da rede aérea doméstica francesa e do sistema de perequação interno caso as rotas Orly-Toulouse e Orly-Marselha fossem abertas à concorrência, aos efeitos do acordo de 1990 que, no critério das autoridades francesas, respeitavam apenas à designação múltipla de partida apenas do aeroporto CDG, bem como ao pretenso abandono da exclusividade da recorrente resultante de direitos concedidos designadamente à companhia Air Afrique. Por outro lado, as autoridades francesas salientavam nas mesmas notas que a recorrente era uma empresa encarregada de um serviço de interesse geral na acepção do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado e que essa disposição é de nível superior, na hierarquia das normas, ao Regulamento n.° 2408/92, que procede à harmonização comunitária. Por último, as autoridades francesas efectuam uma interpretação aprofundada do artigo 5.° do regulamento que, em seu entender, tem em vista a ligação entre doisaeroportos e não entre cidades, permitindo por isso manter a exclusividade reservada à recorrente.

  70. Deste modo, as observações formuladas pelas autoridades francesas abordavam os aspectos jurídicos essenciais do presente processo tal como constam da decisão recorrida. Referiam designadamente a situação específica da recorrente. Ora, esta ao longo do processo no Tribunal de Primeira Instância nunca afirmou que as observações formuladas a este respeito eram incompletas ou contrárias aos seus interesses. Caso contrário, certamente não teria deixado de completar a argumentação jurídica desenvolvida pelas autoridades francesas.

  71. Esta conclusão não é prejudicada pela afirmação avançada pela recorrente no âmbito de outro fundamento, nos termos da qual a Comissão apresentou pela primeira vez no Tribunal de Primeira Instância a sua interpretação dos termos «adequado e ininterrupto» na acepção do artigo 5.° do regulamento, o que prova que a recorrente não pôde tomar posição a este respeito na fase administrativa do processo (v., adiante, n.° 101). Efectivamente, como a seguir se refere, n.° 123.°), a solução do presente litígio não depende da interpretação dos termos em questão que, por outro lado, só foram tidos em consideração na decisão impugnada a título subsidiário (JO, p. 36, coluna da direita, penúltimo parágrafo). Não se trata, assim, de aspectos jurídicos essenciais do presente processo.

  72. Nestas circunstâncias, os direitos de defesa da recorrente foram respeitados. Daqui resulta que improcede o fundamento que assenta na violação dos referidos direitos.

    Quanto aos fundamentos que consistem em violação dos princípios do contraditório e da boa-fé para com a República Francesa

    Argumentação das partes

  73. A recorrente acusa a Comissão de ter notificado o Governo francês da sua posição favorável às teses das TAT mesmo antes de ter ouvido o referido governo sobre os argumentos desenvolvidos pela TAT na sua queixa e na queixa adicional. Este modo de proceder demonstra o preconceito da Comissão a este respeito. Este estado de coisas não poderia ser alterado pela tramitação ulterior, no termo da qual a Comissão deu efectivamente ao Governo francês a possibilidade de apresentar a sua defesa. Com efeito, a Comissão tomou de facto a decisão antes de ouvir o Governo francês.

  74. A recorrente verifica que no presente processo a Comissão não seguiu a tramitação dos processos por incumprimento ou dos processos relativos à aplicação do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, n.° 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), nos termos da qual, em primeiro lugar, dá conhecimento das acusações ao Estado-Membro, às empresas ou associações de empresas em causa, solicitando que lhe comuniquem a respectiva posição, e adopta em seguida a sua posição, após ter recebido a argumentação desenvolvida.

  75. A recorrente salienta que resulta da análise do artigo 5.° do Tratado e do artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, bem como da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância (Despacho do Tribunal de Justiça de 13 de Junho de 1990, Zwartveld e o., C-2/88 Imm., Colect., p. I-3365, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1992, Automec/Comissão, T-24/90, Colect., p. II-2223, e do Tribunal de Justiça de 10 de Junho de 1993, Comissão/Grécia, C-183/91, Colect., p. I-3131), que existe um dever de cooperação entre as instituições da Comunidade e os Estados-Membros e que essa cooperação deve ser de boa-fé. Assim, a Comissão deveria actuar lealmente para com os Estados-Membros.

  76. Neste contexto, ao afirmar que a exclusividade de que a recorrente beneficiava foi eliminada pelas próprias autoridades francesas em 1 de Março de 1992 quando abriram à TAT as duas ligações Paris (CDG)-Marselha e Paris (CDG)-Toulouse, a Comissão agiu de má-fé. A Comissão não poderia ignorar que foi por ter exigido essa abertura em 1990 que as duas rotas em causa foram abertas. Não podia assim afirmar que as autoridades francesas puseram termo à exclusividade, tanto mais que as referidas autoridades e a recorrente sempre tiverem a firme intenção de aplicar o Convénio de 1985 até ao seu termo. Ora, este convénio respeita não às rotas mas à rede de rotas enquanto tal.

  77. A Comissão alega que as autoridades francesas dispunham desde o início do processo de todas as informações necessárias para garantir a sua defesa. Recorda que o procedimento referido no artigo 8.°, n.° 3, do regulamento prevê que a decisão só pode ser adoptada depois de ser emitido o parecer do Comité Consultivo previsto no artigo 11.° do regulamento. No âmbito deste comité, todos os Estados-Membros e, assim, também o interessado, podem expressar o seu ponto de vista relativamente às questões que são objecto de um projecto de decisão comunicado em tempo útil. No presente processo, esse projecto foi comunicado quinze dias antes da reunião do comité e incluía uma exposição precisa e completa das acusações que a Comissão entendeu fazer à França, bem como um resumo completo e preciso da argumentação de direito e de facto, incluindo a argumentação adiantada pela TAT.

  78. No entendimento da Comissão, quando em aplicação do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento, esta instaura um inquérito por sua iniciativa, não lhe é imposto qualquer prazo e a sua decisão baseia-se nos dados adquiridos ao longo da análise, sem limitações do âmbito de investigação e das fontes de informação. Não está, assim, vinculada ao objecto de uma queixa.

  79. Por último, remetendo para o texto da decisão impugnada (JO, p. 36), a Comissão contesta ter declarado que a exclusividade de que a recorrente beneficiava foi eliminada pelas próprias autoridades francesas em 1 de Março de 1996.

    Apreciação do Tribunal

  80. A recorrente tem interesse legítimo em invocar a violação do princípio do contraditório relativamente à República Francesa, na medida em que o pedido dirigido ao Estado-Membro em causa, no sentido de este apresentar as suas observações, constitui uma formalidade essencial na acepção do artigo 173.° do Tratado (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1991, Oliveira/Comissão, C-304789, Colect., p. I-2283, n.os 17 e 21, e do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Março de 1995, Socurte e o./Comissão, T-432/93, T-433/93 e T-434/93, Colect., p. II-503, n.° 63).

  81. Quanto à questão de saber se os direitos de defesa da República Francesa foram respeitados, ou seja se a República Francesa teve possibilidade de dar a conhecer em tempo útil o seu ponto de vista relativamente aos elementos tidos em consideração pela Comissão para adopção da decisão impugnada, deve recordar-se que os procedimento nos termos do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento pode ser instaurado pela Comissão a pedido de um Estado-Membro ou por sua própria iniciativa.

  82. No presente caso, o procedimento controvertido foi instaurado apenas por iniciativa da Comissão. Na lógica da disposição aplicada, a queixa inicial e a queixa adicional apresentadas pela TAT não constituem actos indispensáveis à instauração do processo, mas elementos que, entre outros, podem ter levado a Comissão a considerar que devia tomar a iniciativa de instaurar o referido procedimento.

  83. Nestas circunstâncias, e em conformidade com o princípio desenvolvido no acórdão Países Baixos e o./Comissão, já referido (n.° 45), a Comissão só era obrigada a transmitir à República Francesa uma exposição precisa e completa das razões pelas quais tomou a iniciativa de instaurar o procedimento em causa. No que respeita às queixas da TAT, tinha assim a opção de as transmitir na sua versão integral à República Francesa ou de incluir o seu conteúdo essencial na referida exposição.

  84. Esta dedução não é contrariada pelo segundo princípio enunciado no acórdão Países Baixos e o./Comissão, já referido (n.° 46), segundo o qual deve ser dada ao Estado-Membro em causa a possibilidade de se pronunciar «... sobre as observações apresentadas por terceiros interessados». Efectivamente, o Tribunal de Justiça não excluiu em princípio a possibilidade de a Comissão resumir as suas observações e transmitir esse resumo ao Estado, desde que o mesmo seja preciso e completo. No mesmo acórdão (n.° 49), o Tribunal de Justiça só censurou o procedimento da Comissão pela razão de o governo em causa não ter sido ouvido «... sobre as consultas efectuadas pela Comissão junto das organizações profissionais...» interessadas.

  85. No presente processo a Comissão, por um lado, por carta de 20 de Outubro de 1993, informou as autoridades francesas da apresentação de uma queixa da TAT contra a República Francesa e o grupo Air France, enviando-lhes cópia da referida queixa e convidando-as a comunicarem-lhe os seus eventuais comentários. Por outro lado, por carta de 22 de Outubro de 1993 dirigida ao Governo francês, a Comissão resumiu a queixa da TAT e procedeu a uma primeira apreciação da situação jurídica, convidando novamente o Governo francês a apresentar as suas eventuais observações. Embora nesta ocasião a Comissão tenha referido que os argumentos desenvolvidos pela TAT lhe «[pareciam] fundamentados tendo em conta os elementos do processo em seu poder», essa apreciação, longe de constituir um julgamento prévio desfavorável à recorrente e às autoridades francesas, só poderia ter carácter provisório, enquanto se aguardavam as observações formuladas pelas autoridades francesas. Nenhum elemento do processo permite considerar que esta apreciação não era susceptível de ser alterada até à adopção da decisão definitiva, que no caso concreto teve lugar seis meses mais tarde.

  86. Por outro lado, a Comissão, por carta de 21 de Janeiro de 1994, informou o Governo francês de que a TAT completara a sua queixa inicial com base também na violação por parte das autoridades francesas do disposto no artigo 8.°, n.° 1, do regulamento. Acrescentou que a TAT sustentava que, ao fazerem uma aplicação errada do artigo 5.° do regulamento, as autoridades francesas tinham procedido na realidade a uma repartição discriminatória, a favor da recorrente, do tráfego entre os aeroportos situados no interior do sistema de aeroportos de Paris e que a TAT solicitava, consequentemente, que a Comissão adoptasse uma decisão com base no artigo 8.°, n.° 3, do regulamento. Embora seja certo que a Comissão se limitou, assim, a fazer um resumo do conteúdo da referida queixa adicional, sem transmitir cópia da mesma ao Governo francês, a recorrente não afirma que esse resumo esteja errado ou incompleto. Em especial, não alega que a decisão impugnada contém elementos novos, aparentemente assentes no texto integral da queixa adicional, que não tenham sido comunicados pela Comissão durante a fase administrativa do processo.

  87. Por último, é pacífico que antes da reunião do Comité Consultivo de 28 de Fevereiro de 1994 a Comissão comunicou às autoridades francesas um projecto de decisão sem que essas hajam invocado o seu carácter errado ou incompleto no que se refere à apresentação dos elementos de facto e de direito. Por outro lado, várias entrevistas entre representantes da Comissão e do Governo francês tiveram lugar antes da adopção final da decisão impugnada (v., acima, n.os 13 a 24).

  88. Nestas circunstâncias, a Comissão deu à República Francesa a possibilidade de dar a conhecer em tempo útil o seu ponto de vista relativamente aos elementos essenciais tidos em conta pela Comissão para adopção da decisão impugnada. De resto, tal como acima se concluiu (n.os 69 e 70), a República Francesa exerceu efectivamente os seus direitos de defesa pronunciando-se relativamente a todos elementos essenciais de facto e de direito relevantes para o decurso da fase administrativa do processo.

  89. Consequentemente, improcede o fundamento que assenta na violação do princípio do contraditório relativamente à República Francesa.

  90. Quanto ao fundamento que consiste na violação do princípio da boa-fé em relação à República Francesa, será o mesmo apreciado adiante no âmbito da análise dos fundamentos que assentam na violação das disposições relevantes do Regulamento n.° 2408/92, bem como na violação do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado.

    Quanto aos fundamentos assentes na violação do Regulamento n.° 2408/92

  91. Devem ser analisadas em conjunto as acusações relativas à aplicação pela Comissão do Regulamento n.° 2408/92. A análise incidirá sobre a interpretação dos artigos 8.° e 5.° do regulamento. Abordará também, neste âmbito, a questão de saber se a exclusividade reservada à recorrente constituía uma discriminação em prejuízo de outras transportadoras aéreas como a TAT, ou se a recorrente podia invocar — como afirmou no fundamento anterior, assente designadamente naviolação do princípio da boa-fé para com a República Francesa — o convénio de 1985 e o Acordo de 1990 para justificar a sua exclusividade mesmo sob o regime do regulamento.

    Argumentação das partes

  92. A título principal, a recorrente afirma que a Comissão utilizou abusivamente o procedimento expedito previsto no artigo 8.°, n.° 3, do regulamento para tentar pôr termo, antes do prazo de três anos concedido pelo artigo 5.° do mesmo regulamento, à exclusividade de que a recorrente beneficiava por contrato sobre as rotas Orly-Marselha e Orly-Toulouse, nos termos do Convénio de 1985. Efectivamente, a questão da existência de concessões exclusivas de modo algum é referida ou abrangida pelas disposições do artigo 8.°, n.os 1 e 2, do regulamento. Ora, a situação da recorrente remonta a várias décadas atrás e é regulada por um convénio que se baseia nas exigências do serviço público tendo em vista o ordenamento do território e a democratização do tráfego. A recorrente acrescenta que se a Comissão pretendesse que fosse posto termo à exclusividade da recorrente na sua rede interna francesa deveria instaurar o processo previsto no artigo 169.° do Tratado.

  93. A título subsidiário, a recorrente alega que a Comissão interpretou erradamente o artigo 5.° do regulamento. Desde logo, a premissa da Comissão, que pretende que a liberdade do tráfego aéreo é a regra e as restrições a essa liberdade a excepção, deve ser posta de parte. A interpretação do artigo 5.° não deve obedecer a uma lógica de principio-excepção, mas antes a uma lógica de política comum de transportes no seio da qual os interesses divergentes devem ser tidos em consideração. Este artigo representa as concessões feitas no Conselho ao defensores das missões de interesse geral.

  94. Daqui conclui a recorrente que o artigo 5.° se destina manifestamente a deixar que se mantenham situações com existência jurídica anterior à entrada em vigor do regulamento, e isto durante três anos. Assim, em cada Estado-Membro que não pretenda expor o seu serviço público a uma alteração violenta, os convénios que atribuem exclusividade de tráfego aéreo poderiam manter-se durante esse período, que tinha como objectivo dar aos Estados-Membros tempo para instituírem um sistema que garantisse a manutenção do interesse geral em medida compatível com o novo contexto comunitário e conceder um lapso de tempo mínimo às empresas abrangidas para reconverterem os seus aparelhos produtivos.

  95. Esta interpretação é confirmada pelos trabalhos preparatórios da adopção do regulamento. Efectivamente, como último número do artigo 4.°, o projecto da disposição que se iria tornar o artigo 5.°, previa «um regime transitório para as concessões já existentes em matéria de obrigações de serviço público». A vontade do Conselho foi assim manter essas concessões durante três anos.

  96. A este respeito, a recorrente esclarece que, nos termos do artigo 5.°, o convénio de 1985 lhe garantia uma concessão exclusiva que se podia manter até 1 de Janeiro de 1996. Nenhuma das duas partes pôs termo a este convénio, que por isso não caducou. Em seu entender, a circunstância de esse convénio permitir expressamente à companhia Air Afrique explorar a ligação Paris-Marselha não é susceptível de eliminar toda a natureza exclusiva da concessão de que beneficiava. Efectivamente, as partidas das ligações exploradas pela Air Afrique efectuavam-se unicamente a partir do aeroporto CDG e não do aeroporto de Orly. Por outro lado, a rota explorada pela Air Afrique era apenas uma rota de cabotagem, prolongada para a África, de periodicidade extremamente limitada (um voo por semana).

  97. A exclusividade de que a recorrente beneficiava sobre ambas as rotas em causa também não foi eliminada pela circunstância de a TAT explorar de modo regular as ligações CDG-Toulouse e CDG-Marselha. Efectivamente, estas aberturas constituíram excepções impostas pela Comissão ao Governo francês no âmbito do Acordo de 1990. Ora, este acordo deve ser interpretado à luz dos direitos exclusivos da recorrente. Por outro lado, o facto de a Comissão, na altura do acordo de 1990, não ter exigido a redacção de um novo convénio confirma a interpretação segundo a qual se mantinha a exclusividade da recorrente sobre as partidas de Orly.

  98. A recorrente salienta que a exclusividade de que beneficiava era relativa a uma rede completa de numerosas rotas, dado que só uma «lógica de rede» desse tipo permitia realizar a perequação das tarifas necessária ao ordenamento do território pretendida pelo Estado francês. Na audiência, a recorrente aprofundou esta argumentação salientando que a instituição de redes é uma especificidade muito francesa, difícil de entender para certos parceiros europeus da França. A noção de rede prende-se com a de serviço público. É pedido aos operadores encarregados de fornecer um serviço público, como a recorrente, que efectuem este serviço em toda a França a preços semelhantes. Dado que a recorrente tinha de ser ela própria a financiar integralmente os seus transportes aéreos, sem ajuda pública, tinha necessidade de recorrer à perequação das tarifas dentro do sistema da rede. No âmbito desta perequação, as receitas obtidas nas rotas ditas «milionárias», como as de Paris-Marselha e de Paris-Toulouse, eram destinadas a financiar as rotas deficitárias. Ora, este sistema de financiamento não podia funcionar sem exclusividade concedida sobre as rotas «milionárias».

  99. A interpretação literal do artigo 5.° do regulamento deve inspirar-se nas considerações acima expostas. Assim, as «rotas domésticas» são as que estão definidas nas concessões exclusivas, ou seja as rotas que fazem parte da rede acima mencionada, e não as ligações entre cidades como a Comissão pretende. Esta interpretação é confirmada pelo texto do regulamento, que se refere por diversas vezes a serviços de um aeroporto para outro. No entendimento da recorrente, se o artigo 5.° do regulamento fosse interpretado no sentido de que o termo «rota» significa uma linha de cidade a cidade, essa disposição seria esvaziada de qualquer conteúdo: bastaria que existissem dois aeroportos numa cidade para que qualquer concessão exclusiva existente à data da entrada em vigor do regulamento fosse excluída do âmbito de aplicação do artigo 5.°

  100. A recorrente opõe-se ainda à argumentação da Comissão segundo a qual, em qualquer caso, existia um «serviço adequado e ininterrupto» através de «outras formas de transporte», ou seja o transporte aéreo Paris (CDG) — Marselha e Paris (CDG) — Toulouse, razão pela qual deveriam ser excluídas as ligações de Paris (Orly) para Marselha e Toulouse do âmbito da exclusividade. A este respeito, a expressão «forma de transporte» deve ser entendida como significando «modo de transporte», pelo que as ligações aéreas não devem ser tidas em consideração. Em qualquer caso, a realização pela TAT das ligações CDG-Marselha e CDG-Toulouse, que a partir de Março de 1992 oscilavam entre um voo por dia e um voo por semana, não podia ser classificada como «serviço adequado e ininterrupto» tendo em conta as necessidades dos meios de negócios das regiões em causa.

  101. A recorrente afirma, por outro lado, ter sido através da contestação que teve conhecimento pela primeira vez dos conceitos de adequação e ininterrupção, tal como foram interpretados pela Comissão. Isto prova que não teve possibilidade de apresentar observações. Além disso, a TAT recusou a verdadeira concorrência que consistia no desenvolvimento do mercado com partida de CDG, em benefício de um parasitismo em Orly. Efectivamente, a TAT teve acesso a Toulouse e a Marselha com partida do aeroporto CDG, o qual constitui uma plataforma mais importante do que a de Orly pela sua dimensão, número de pistas e de passageiros recebidos. Se a TAT se recusa de facto a explorar as linhas Paris-Marselha e Paris-Toulouse a partir do aeroporto CDG, não terá sido pois por a recorrente ou o Governo francês terem entrado em práticas discriminatórias.

  102. Por último, o artigo 5.° do regulamento deixa aos Estados-Membros um poder residual em matéria de concessão de exclusividade. Ora, é impossível manter uma exclusividade nos termos dessa disposição sem proibir a todas as restantes companhias aéreas o acesso à rota protegida. Deste modo, esta disposição implica a possibilidade de impor medidas que a Comissão qualifica erradamente como discriminatórias. Ao adoptar a decisão impugnada, a Comissão tentou impor imediatamente uma liberalização total, enquanto que essa liberalização deveria ser progressiva, ponderada e ter em vista a conciliação dos múltiplos interesses em presença. Neste aspecto, a não discriminação deveria ser tida em consideração ao mesmo tempo que as exigências dum serviço público e, designadamente, as exigências do ordenamento do território, a coesão social e os direitos dos consumidores, bem como as exigências relacionadas com o ambiente e a segurança.

  103. A Comissão refere, em primeiro lugar, que a medida francesa controvertida é uma medida de distribuição do tráfego entre os aeroportos do sistema de Paris, que pode ser apreciada com base no artigo 8.° do regulamento. Essa distribuição foi efectuada de maneira encobertamente discriminatória. Viola o princípio da não discriminação referido no artigo 8.° do regulamento, razão pela qual a Comissão dispõe dos poderes previstos no n.° 3 deste artigo.

  104. A Comissão afirma que o artigo 5.° do regulamento tem por objectivo evitar a ruptura de um serviço determinado entre dois pontos do território de um Estado-Membro. A manutenção, sob determinadas condições, de uma concessão exclusiva justifica-se assim pelo interesse público de assegurar a continuidade de uma ligação entre duas cidades, na ausência de um serviço de transporte alternativo adequado e ininterrupto. Ora, no caso concreto, estas condições não estão preenchidas. Efectivamente, em 1 de Janeiro de 1993, a recorrente já não era concessionária exclusiva das ligações Paris-Marselha e Paris-Toulouse, uma vez que a companhia TAT, em 1 de Março de 1992, tinha recebido autorização para efectuar voos entre Paris e as duas cidades em causa. O Convénio de 1985 devia assim por este motivo ser considerado ultrapassado. Qualquer que seja o sistema de perequação imaginado em 1985 pela República Francesa e pela recorrente, terá esse sistema de ser apreciado com base nas disposições do direito comunitário e, designadamente, do Regulamento n.° 2408/92, que prevalecem sobre medidas nacionais com elas incompatíveis.

  105. A Comissão salienta ainda que as «rotas domésticas» na acepção do artigo 5.° do regulamento são rotas entre duas cidades e não rotas de aeroporto a aeroporto. O termo «rota» é genérico, referindo-se tanto às rotas aéreas como à rotas ferroviárias, por autocarro ou outras. Por outro lado, existem no caso concreto «outras formas de transporte», que podem assegurar «um serviço adequado e ininterrupto», ou seja, as rotas aéreas com partida e destino do aeroporto CDG e várias ligações ferroviárias. No que respeita à noção de ininterrupção, a mesma implica a ausência de riscos de interrupção do serviço por razões de clima ou outras, enquanto a adequação é apreciada tendo em conta diversos factores, como a frequência do serviço e a duração do trajecto, e também as necessidades dos utentes, os preços e as capacidades oferecidas.

    Apreciação do Tribunal

    • Quanto à interpretação do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento



  106. Na medida em que a recorrente acusa a Comissão de ter adoptado uma decisão nos termos do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento, em lugar de propor uma acção por incumprimento de Estado nos termos previstos no artigo 169.° do Tratado, importa constatar que não foi suscitada a excepção de ilegalidade, nos termos do artigo 184.° do Tratado, relativamente a esta disposição do regulamento. A recorrente apenas alega que o procedimento instituído pelo artigo 8.°, n.° 3, do regulamento é, enquanto tal, incompatível com o direito comunitário de nível superior, designadamente com o artigo 169.° do Tratado. Consequentemente, a análise da presente acusação limita-se a verificar se a Comissão fez aplicação correcta da referida regra processual.

  107. A este respeito, basta recordar que à companhia aérea TAT, já admitida a servir as rotas Paris-Toulouse e Paris-Marselha com partida e destino do aeroporto CDG, foi pelas autoridades francesas negado o acesso ao aeroporto de Orly para efeitos de exercício de direitos de tráfego nas mesmas rotas, baseando-se essa recusa no facto de o serviço sobre as mesmas rotas com partida e destino de Orly estar reservado apenas à recorrente. Ora, dado que os dois aeroportos fazem parte do sistema de aeroportos de Paris na acepção do artigo 2.°, alínea m), e do Anexo II do regulamento, a medida das autoridades francesas ocorreu necessariamente no âmbito da distribuição do tráfego entre aeroportos pertencentes a este sistema, naacepção do artigo 8.°, n.° 1, do regulamento. Consequentemente, a Comissão podia recorrer aos poderes conferidos pelo artigo 8.°, n.° 3, do regulamento e apreciar a aplicação pelas autoridades francesas do n.° 1 do mesmo artigo.

  108. Deve acrescentar-se que o argumento da recorrente que assenta no carácter «expedito» do procedimento previsto no artigo 8.°, n.° 3, é irrelevante, dado que não foi a pedido de um Estado-Membro que a Comissão instaurou o procedimento controvertido — caso em que o mesmo estar deveria terminado no prazo de um mês —, mas por sua própria iniciativa. Efectivamente, este procedimento foi instaurado por iniciativa da Comissão na sequência de uma queixa apresentada pela TAT no final de Setembro de 1993, e foi encerrado, com a decisão impugnada, no final de Abril de 1994, ou seja, sete meses mais tarde.

  109. Por outro lado, o Regulamento n.° 2408/92 foi adoptado em 23 de Julho de 1992. Os Estados-Membros deviam assim, a partir de Julho de 1992, ter consciência da possibilidade de aplicação do artigo 8.°, n.° 3, do mesmo regulamento no domínio da distribuição do tráfego entre os aeroportos pertencentes a um sistema de aeroportos.

  110. Por último, nada no artigo 8.° permite concluir que o simples facto de uma medida de distribuição do tráfego entre os aeroportos pertencentes a um sistema de aeroportos estar inserida num regime de concessões exclusivas nacionais que remonta a várias décadas, como o invocado pela recorrente, seja por si só susceptível de subtrair esta medida ao âmbito de aplicação do procedimento previsto no referido artigo.

  111. Daqui decorre que a Comissão não fez um uso abusivo do processo ao optar por instaurar o procedimento controvertido nem infringiu as condições de aplicação do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento. Assim, improcede a primeira acusação da recorrente.

    • Quanto às relações entre os artigos 8.° e 5.° do regulamento



  112. No que respeita à questão de saber se a decisão impugnada, adoptada no termo do referido procedimento, resiste às restantes acusações formuladas pela recorrente a título subsidiário, deve recordar-se em primeiro lugar que o poder que o artigo 8.°, n.° 1, do regulamento atribui aos Estados-Membros para regularem a distribuição do tráfego entre os aeroportos pertencentes a um sistema de aeroportos é limitado, no sentido de que essa regulamentação deve ser posta em prática «... sem discriminação baseada... na identidade da transportadora aérea...». O indeferimento pelas autoridades francesas do pedido de acesso ao aeroporto de Orly apresentado pela TAT foi baseado no artigo 5.° do regulamento, por esta disposição permitir manter a concessão exclusiva concedida à recorrente relativamente às rotas Orly-Marselha e Orly-Toulouse. Só poderá assim considerar-se que esse indeferimento teve lugar sem discriminação baseada na identidade da TAT se a exclusividade reservada à recorrente sobre as duas linhas em causa for efectivamente autorizada pelo artigo 5.° do regulamento.

  113. Em todo o caso, o artigo 1.° da decisão impugnada limita-se a declarar que a República Francesa não pode continuar a recusar o acesso a estas duas rotas «... com a justificação de que as autoridades francesas estariam a aplicar, em relação a essas rotas, o artigo 5.°». Dado que o objecto da decisão impugnada está assim delimitado, qualquer argumentação da recorrente relativa aos direitos dos consumidores, bem como às exigências relativas ao ambiente e à segurança, deve ser posta de parte por ser irrelevante no contexto dos artigos 8.°, n.os 1 e 3, e 5.° do regulamento.

    • Quanto à interpretação do artigo 5.° do regulamento



  114. A própria redacção do artigo 5.° do regulamento contraria a tese da recorrente segundo a qual, por um lado, o referido artigo é essencialmente destinado a permitir a manutenção dos convénios nacionais que atribuem uma concessão exclusiva e, por outro, os referidos convénios têm influência determinante para a interpretação do mesmo artigo. Efectivamente, este faz depender a manutenção de uma concessão exclusiva existente de várias condições especiais. Desta forma, o legislador comunitário não se limitou a aprovar uma legislação como a que a recorrente invoca com referência ao projecto do artigo 4.°, último número, do regulamento, que previa a manutenção pura e simples das concessões preexistentes (v. acima, n.° 95).

  115. Por outro lado, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a ordem jurídica comunitária, em princípio, não deve definir as suas qualificações inspirando-se numa ordem jurídica nacional, na ausência de indicação expressa (v., designadamente, acórdão de 14 de Janeiro de 1982, Corman, 64/81, Recueil, p. 13, n.° 8). Os termos de uma disposição de direito comunitário que não faz qualquer remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinação do respectivo sentido e alcance devem normalmente ser objecto de interpretação autónoma e uniforme, que deve ser alcançada tendo em conta o contexto da disposição e o objectivo prosseguido pela legislação em causa (v., designadamente, acórdão de 18 de Janeiro de 1984, Ekro, 327/82, Recueil, p. 107, n.° 11). Daqui resulta que o disposto no artigo 5.° do regulamento deve ser objecto de interpretação autónoma que tenha em conta a sua redacção, a sua economia em geral e a sua finalidade.

  116. É em aplicação destas regras de interpretação que há que verificar, em primeiro lugar, se a concessão exclusiva que a recorrente invoca sobre as rotas Orly-Marselha e Orly-Toulouse foi concedida para «rotas» domésticas.

  117. O regulamento utiliza a expressão «rotas» em várias ocasiões e em contextos diferentes, sem que com isso essa expressão conste da lista das quinze definições enunciadas no artigo 2.° Trata-se, assim, de uma expressão cuja acepção, se for caso disso, pode variar consoante o contexto em que for utilizada, designadamente consoante a finalidade específica desse contexto, para significar ou uma rota aérea que serve dois aeroportos, ou uma rota de transporte, em sentido genérico, entre duas cidades ou regiões.

  118. Quanto à economia e à finalidade do artigo 5.° do regulamento, há que salientar que o mesmo apenas se refere a «rotas» em que não exista um serviço de transporte alternativo, adequado e ininterrupto. Esta redacção implica necessariamente rotas entre cidades e regiões, mais do que rotas entre aeroportos, como a recorrente afirma. Efectivamente, os aeroportos constituem para os viajantes, para o afretamento e para o correio, não o destino final do respectivo trajecto, mas sim um meio de passagem necessário, dado que o destino final é a cidade ou a região servida pelo aeroporto em causa. Afigura-se, por isso, que o artigo 5.° tem por objectivo assegurar transitoriamente a continuidade dos serviços de transportes aéreos protegidos por uma concessão exclusiva desde que, na ausência dessa exclusividade, haja uma ruptura perturbadora para os utentes das ligações entre cidades ou regiões determinadas.

  119. No que se refere aos aeroportos de Orly e CDG, que integram o sistema de aeroportos de Paris, esta conclusão é confirmada pelas disposições conjugadas do artigo 2.°, alínea m) e do Anexo II do regulamento, nos termos das quais os referidos aeroportos são agrupados para servirem a cidade de Paris ou a área urbana parisiense. É também válido para os aeroportos de Marselha e de Toulouse, que não podem razoavelmente ser considerados como o último termo de uma viajem com início em Paris e que também eles se destinam a servir as cidades ou áreas urbanas respectivas. Daqui resulta que deve ser posta de lado a tese da recorrente segundo a qual o termo «rota» se refere a uma rota aérea em sentido técnico entre dois aeroportos.

  120. Apenas sobre as «rotas domésticas», definidas como ligações de tráfego entre cidades ou regiões determinadas, é que nos termos do artigo 5.° podia eventualmente ser mantida uma concessão exclusiva a favor da recorrente. Ora, mesmo pressupondo que esta tenha efectivamente beneficiado, nos termos do Convénio de 1985 e do Acordo de 1990, da exclusividade da partida e destino de e para o aeroporto de Orly nas rotas Paris-Marselha e Paris-Toulouse, é pacífico que, desde antes da entrada em vigor do regulamento, outras companhias aéreas para além da recorrente serviram as mesmas rotas, pelo menos com partida ou destino de e para o aeroporto CDG. Efectivamente, a companhia Air Afrique estava autorizada, nos termos do artigo 19.° do Convénio de 1985, a explorar a «rota» Paris-Marselha. Por outro lado, a recorrente não contestou a afirmação constante da decisão recorrida de que as autoridades francesas autorizaram a companhia TAT a explorar as duas rotas em causa com partida ou destino de e para o aeroporto CDG a partir de 1 de Março de 1992 e, mais recentemente, não levantaram qualquer obstáculo à exploração das mesmas rotas por outras companhias comunitárias (JO, p. 36).

  121. Daqui resulta que, qualquer que seja a interpretação do Convénio de 1985 e do Acordo de 1990, a recorrente não pode pretender que na altura dos factos, beneficiava de uma concessão exclusiva sobre as duas «rotas domésticas» na acepção do artigo 5.°, ou seja, entre as cidades de Paris e as cidades de Marselha e Toulouse, respectivamente.

  122. Esta conclusão não é contrariada pela argumentação da recorrente segundo a qual, por um lado, a rota explorada pela Air Afrique é uma rota de mera cabotagem e, por outro, os serviços fornecidos pela TAT com partida e destino de e para o aeroporto CDG não são nem adequados nem ininterruptos, na medida em que oscilaram entre um voo por dia e um voo por semana. Efectivamente, resulta da própria redacção do artigo 5.° que a questão de saber se é «... possível assegurar um serviço adequado e ininterrupto...» apenas se coloca na hipótese de existir uma concessão exclusiva sobre as «rotas domésticas» em causa. Uma vez que a recorrente não beneficiava dessa concessão exclusiva, como acaba de ser verificado, a questão de uma eventual adequação ou ininterrupção dos serviços fornecidos pela Air Afrique e pela TAT sobre as linhas Paris-Marselha e Paris-Toulouse é irrelevante.

  123. Consequentemente, a argumentação da recorrente que acusa a Comissão de, na contestação, ter pela primeira vez desenvolvido a sua interpretação dos conceitos de adequação e de ininterrupção deve também ser julgada improcedente, por irrelevante (v. n.os 71 e 101 supra).

  124. Resulta do que antecede que o artigo 5.° do regulamento não pode ser aplicado ao caso concreto. Contrariamente às afirmações da recorrente, esta conclusão não é susceptível de esvaziar a referida disposição de qualquer conteúdo. O artigo 5.° abrange especialmente a situação de uma concessão exclusiva concedida sobre uma rota entre duas cidades, nenhuma das quais faça parte de um sistema de aeroportos, tais como a rota Marselha-Ajaccio ou Nice-Calvi, desde que não exista qualquer outra forma de transporte adequado e ininterrupto.

  125. Por último, o argumento da recorrente de que a inaplicabilidade do artigo 5.° às duas rotas em litígio pode anular o sistema específico francês de perequação interna das tarifas é destituído de relevância no contexto dos fundamentos que assentam apenas na violação do regulamento. Efectivamente, o artigo 5.° do regulamento prevê uma análise «rota por rota», com exclusão de toda a «lógica de rede» e de qualquer perequação tarifária inerente a esse conceito de rede. As questões relativas ao carácter necessário da rede doméstica francesa e do correspondente sistema de perequação serão, assim, analisadas adiante no âmbito do fundamento que assenta na violação do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado. Em todo o caso, a recorrente não alegou que a admissão de uma outra companhia aérea no aeroporto de Orly tem como consequência comprometer, em prejuízo dos utentes, os serviços por si fornecidos nas rotas Paris-Marselha e Paris-Toulouse.

  126. Daqui resulta que a companhia TAT, a quem foi negado o acesso ao aeroporto de Orly, foi objecto de discriminação baseada na identidade, na acepção do artigo 8.°, n.° 1, do regulamento, uma vez que esse indeferimento não pode ser justificado pelo artigo 5.° do regulamento. Assim, qualquer acusação em que se afirme que não existe uma discriminação desse tipo deve ser julgada improcedente. Isto é particularmente certo relativamente à argumentação pela qual a recorrente procura demonstrar que o aeroporto CDG constituía, na realidade, uma plataforma mais favorável para as necessidades económicas da TAT do que o aeroporto de Orly. Efectivamente, uma vez que o artigo 5.° não pode ser invocado para impedir o acesso a este aeroporto, não competia nem à recorrente nem às autoridades francesas efectuar, em lugar das restantes companhias aéreas, como a TAT, a escolha da plataforma por elas considerada economicamente mais favorável.

  127. Resulta daqui, por último, que a recorrente, através da segunda parte do segundo fundamento (v. acima n.° 76) não pode acusar a Comissão de ter actuado de má-fé para com a República Francesa ao adoptar, em 27 de Abril de 1994, a decisãoimpugnada. Efectivamente, as autoridades francesas não podiam ignorar que o Regulamento n.° 2408/92 prevalecia sobre qualquer norma incompatível do domínio legislativo ou convencional nacional. Ora, o mesmo regulamento, adoptado em 23 de Junho de 1992, não contém qualquer disposição que esclareça as relações entre esse novo texto comunitário e as particularidades da política francesa em matéria de ordenamento do território, de gestão de uma rede aérea interna e de estabelecimento de um sistema de perequação das tarifas, tais como foram invocados pela recorrente.

  128. Resulta de tudo o que antecede que improcedem os fundamentos que consistem na violação do regulamento, incluindo o que consiste na violação do princípio da boa-fé para com a República Francesa.

    Quanto ao fundamento que consiste na violação do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado

    Argumentação das partes

  129. A recorrente afirma que desempenha uma missão de interesse geral, ou seja, a de contribuir para pôr termo ao isolamento de grande número de cidades e regiões francesas no âmbito do ordenamento do território, com base numa perequação de tarifas que lhe permite financiar cerca de vinte rotas aéreas domésticas não rentáveis, graças essencialmente à rentabilidade das rotas Paris (Orly)-Marselha e Paris (Orly)-Toulouse. Retoma, deste modo, a argumentação desenvolvida nos anteriores fundamentos (v., supra, n.° 98). Neste contexto, remete para a documentação junta como anexo 6 da petição, que demonstra que os subsídios internos tornados possíveis pela sua situação de exclusividade sobre as duas rotas em causa permitiram em 1992 financiar os défices de 27 outras rotas. Acrescenta que, dentro do sistema de convénios celebrados com o Estado francês, a missão que lhe incumbia consistia em assumir o papel do Estado no ordenamento do território francês no domínio aéreo. Consequentemente, era preciso atribuir-lhe os meios necessários, ou seja, os lucros realizados nas duas rotas em litígio.

  130. Daqui conclui a recorrente que, enquanto se mantiver uma missão de serviço público deste tipo, o Governo francês tem fundamento para recusar às companhias aéreas concorrentes o acesso às duas rotas rentáveis. Esta atitude é justificada, tendo em conta os acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1993, Corbeau (C-320/91, Colect., p. I-2533), e de 27 de Abril de 1994, Almelo e o. (C-393/92, Colect., p. I-1477). Consequentemente, ao decidir que o Governo francês não tinha o direito de negar o acesso às rotas rentáveis em causa aos concorrentes da recorrente, a Comissão violou o artigo 90.°, n.° 2, do Tratado

  131. A recorrente acrescenta que não é correcto afirmar que o artigo 4.° do regulamento retomou o conteúdo do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado, dado que esta disposição tem um âmbito de aplicação mais amplo do que o do artigo 4.° É incompatível com a hierarquia das normas que o direito derivado permita fixar limites a uma excepção permanente contida numa disposição do Tratado. O artigo 90.°, n.° 2, do Tratado permite por isso justificar as restrições à concorrência e é aplicável à matéria referida no artigo 5.° do regulamento.

  132. A TAT afirma erradamente que a exclusividade sobre as rotas em causa não é indispensável para que a recorrente possa garantir o equilíbrio financeiro da sua rede e assumir as obrigações de serviço público que lhe incumbem. Por último, resulta dos acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1984, Campus Oil (72/83, Recueil, p. 2727), e de 25 de Julho de 1991, Comissão/Países Baixos (C-353/89, Colect., p. I-4069) que, por razões bem determinadas, podem justificar-se restrições à concorrência. Essas razões são, designadamente, a transparência, o serviço universal, a tarifação uniforme e o interesse da Comunidade. Ora, todas estas condições estão reunidas no presente processo através do Convénio de 1985.

  133. A Comissão considera que a partir da adopção do Regulamento n.° 2408/92 não há que fazer referência directa à aplicação do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado para responder às exigências de eventuais missões de serviço público asseguradas no âmbito das legislação em vigor. Efectivamente, através do artigo 4.° do regulamento, o Conselho concretizou em matéria de serviços de transportes aéreos no interior da Comunidade a norma abstracta do artigo 90.°, n.° 2, ao avaliar o peso dos diferentes interesses em jogo. Na medida em que a situação referida no artigo 90.°, n.° 2, do Tratado foi também analisada pelo Conselho para o sector da aviação, o artigo 4.° do regulamento esgotou a utilidade relativamente ao artigo 90.°, n.° 2, do Tratado.

    Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

  134. O artigo 90.°, n.° 2, do Tratado exclui a aplicação das regras de concorrência na medida em que a sua aplicação constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da «missão particular» confiada a uma empresa «encarregada da gestão de serviços de interesse económico geral».

  135. Tratando-se de uma disposição que permite, em determinadas circunstâncias, uma derrogação às normas do Tratado, deve ser interpretada de forma estrita (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1974, BRT, 127/73, Colect., p. 165, n.° 19) e a sua aplicação não é deixada à discrição do Estado-Membro que encarregou uma empresa da gestão de um serviço de interesse económico geral (acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1985, Itália/Comissão, 41/83, Recueil, p. 873, n.° 30).

  136. À luz destes princípios, há que analisar se a recorrente pode invocar o artigo 90.°, n.° 2, do Tratado no presente processo.

  137. A recorrente opõe-se à aplicação dos artigos 5.° e 8.° do Regulamento n.° 2408/92, adoptado nos termos do artigo 84.° do Tratado, tal como acima foram interpretados.

  138. A aplicação destes artigos só podia, porém, ser excluída na medida em que «constituísse obstáculo» ao cumprimento das funções atribuídas à recorrente. Dado que esta condição deve ser interpretada de forma estrita, não basta que esse cumprimento tenha sido simplesmente perturbado ou tornado mais difícil. Por outro lado, competia à recorrente demonstrar a eventual criação de obstáculos à sua missão (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 1974, Sacchi, 155/73, Colect., p. 223, n.° 15).

  139. A este respeito, há que verificar que a recorrente se limita a afirmar que a organização dos transportes aéreos internos se baseia no sistema de perequação entre rotas rentáveis e não rentáveis e que a exclusividade que lhe foi concedida sobre as rotas Orly-Marselha e Orly-Toulouse se justificava pela sua obrigação de explorar as rotas não rentáveis de modo regular e a tarifas não proibitivas, a fim de contribuir para o ordenamento do território. A recorrente não contabiliza a provável perda de receitas na hipótese de outras transportadoras aéreas serem admitidas a concorrer consigo nas duas linhas em litígio. Também não demonstra que essa perda de receitas seja de dimensão tal que a force a abandonar determinadas rotas que fazem parte da sua rede.

  140. Em todo o caso, os sistemas combinados da rede aérea doméstica e da perequação interna invocados pela recorrente não constituem uma finalidade em si mesmos, sendo escolhidos pelos poderes públicos franceses para promover o ordenamento do território francês. Ora, a recorrente não alegou, e menos ainda demonstrou, que após a entrada em vigor o Regulamento n.° 2408/92 não existisse qualquer sistema alternativo adequado, susceptível de garantir o ordenamento do território e, designadamente, de salvaguardar o financiamento das rotas deficitárias (v. também despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 26 de Outubro de 1994, França/Comissão, C-174/94 R, Colect., p. I-5229, n.° 35).

  141. Consequentemente, a recorrente não provou que a decisão impugnada constituía obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhe foi confiada. Daqui resulta que improcede também o fundamento que consiste na violação do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado.

    Quanto ao fundamento que assenta na violação do princípio da proporcionalidade

    Argumentos das partes

  142. A recorrente recorda que, segundo jurisprudência constante (acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Fevereiro de 1979, Buitoni, 122/78, Recueil.,, p. 677, e de 5 de Julho de 1977, Bela-Mühle, 114/76, Colect., p. 451), o princípio da proporcionalidade, que consiste em verificar se os actos impugnados são ao mesmo tempo necessários e adequados tendo em conta os objectivos prosseguidos, pode ser invocado pelas pessoas colectivas e singulares para contestar todos os actos provenientes das autoridades comunitárias, quer sejam legislativos, regulamentares ou administrativos. No presente processo, a opção feita pelo Governo francês ao elaborar uma nova lei sobre o ordenamento do território bem como um novo sistema de financiamento das rotas nacionais deficitárias e ao decidir a abertura progressiva à concorrência no mesmo mercado nacional foi perfeitamente proporcionada ao objectivo de liberalizar as rotas aéreas. Em contrapartida, a decisão da Comissão de impor a abertura à concorrência das rotas rentáveis alguns meses antes do calendário fixado pelo Governo francês foi desproporcionada em relação ao objectivo prosseguido e não teve em conta os interesses da recorrente, que tinha necessidade de um período de transição para se adaptar.

  143. A Comissão salienta que a jurisprudência referida não é relevante no presente processo, por dizer respeito ao processo previsto no artigo 177.° do Tratado, enquanto que aqui se trata de um processo nos termos do artigo 173.° do Tratado, e por a Comissão ter adoptado a sua decisão com base num regulamento cuja legalidade só pode ser questionada nos termos do artigo 184.° do Tratado. Ora, a recorrente não contesta o regulamento em si mesmo, mas sim a utilização dos poderes atribuídos à Comissão por esse regulamento.

    Apreciação do Tribunal

  144. Segundo jurisprudência constante, o princípio da proporcionalidade impõe que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do adequado e necessário para a realização do objectivo pretendido, ressalvando-se que, quando há possibilidade de escolher entre diversas medidas adequadas, convém recorrer à menos gravosa (v., por exemplo, acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 1984, Denkavit Nederland, 15/83, Recueil, p. 2171, n.° 25, e de 11 de Julho de 1989, Schräder, 265/87, Colect., p. 2237, n.° 21).

  145. No presente processo, resulta da análise dos fundamentos antecedentes que a Comissão, ao adoptar a decisão impugnada, fez uma correcta aplicação dos artigos 8.° e 5.°, do Regulamento n.° 2408/92. Por outro lado, a legalidade destas disposições não foi impugnada por meio de uma excepção de ilegalidade deduzida ao abrigo do artigo 184.° do Tratado. Consequentemente, a decisão impugnada não pode ser classificada como medida excessiva, tanto mais que o artigo 3.° da referida decisão concedeu à República Francesa um prazo de seis meses para adaptação.

  146. Daqui resulta que improcede também o fundamento que consiste na violação do princípio da proporcionalidade.

  147. Dado que não procede qualquer dos fundamentos adiantados pela recorrente, deve ser negado provimento ao recurso.

    Quanto às despesas

  148. Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida e por a Comissão o ter requerido, deve a recorrente ser condenada nas despesas, incluindo as efectuadas pela interveniente TAT e as relativas à tramitação do processo C-301/94, que correu termos no Tribunal de Justiça. O Reino Unido, interveniente, suportará as respectivas despesas, nos termos do artigo 87.°, n.° 4, do Regulamento de Processo.

  149. Não deve ser deferido o pedido da recorrente, apresentado pela primeira vez na audiência, tendo em vista a condenação da Comissão na totalidade das despesas, nos termos do artigo 87.°, n.° 3, do Regulamento de Processo. Efectivamente, este pedido não contém qualquer esclarecimento quanto à existência de razões excepcionais nem quanto ao carácter inútil ou vexatório das despesas em que a Comissão tenha feito incorrer a recorrente.

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção Alargada),

    decide:

    1. É negado provimento ao recurso.

    2. A recorrente é condenada nas despesas, incluindo as do processo C-301/94 que correu termos no Tribunal de Justiça bem como as efectuadas pela interveniente TAT, mas com excepção das despesas efectuadas pelo Reino Unido, interveniente, que as suportará.


    BellamyBriët
    Kalogeropoulos

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de Junho de 1997.

    O secretário

    O presidente

    H. Jung

    C. W. Bellamy


1: Língua do processo: francês.