Language of document : ECLI:EU:C:2012:607

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 4 de outubro de 2012 (1)

Processo C‑212/11

Jyske Bank Gibraltar Ltd

contra

Administración del Estado

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo (Espanha)]

«Combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo — Diretiva 2005/60/CE — Obrigação de comunicação das transações financeiras suspeitas por parte das instituições de crédito — Instituição que opera em regime de livre prestação de serviços — Identificação da unidade nacional de informação financeira responsável pela recolha das informações — Interpretação do artigo 22.°, n.° 2, da Diretiva 2005/60 — Restrição à livre prestação de serviços — Razão imperativa de interesse geral — Adequação da legislação nacional para atingir os objetivos prosseguidos — Proporcionalidade»





1.        Uma instituição de crédito é obrigada a comunicar as informações exigidas no âmbito do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo à unidade de informação financeira do Estado‑Membro no qual presta os seus serviços ou à do Estado‑Membro em cujo território se situa a sua sede?

2.        Com o presente reenvio prejudicial, pede‑se ao Tribunal de Justiça que indique a unidade de informação financeira responsável pela recolha, análise e subsequente comunicação às autoridades nacionais encarregues de proceder judicialmente e reprimir a criminalidade financeira (a seguir «autoridades nacionais competentes»), das informações relativas às transações financeiras suspeitas. O que está em causa é importante, uma vez que se trata de assegurar uma condução eficaz e coerente não só do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo visado pela Diretiva 2005/60/CE (2) mas também da cooperação entre os Estados‑Membros no quadro da Decisão 2000/642/JAI (3) em matéria de troca de informações financeiras. O objetivo é simples, pois consiste em impedir que os autores de operações de branqueamento de capitais possam tirar partido e beneficiar da livre prestação de serviços para facilitar as suas atividades criminosas em detrimento da integridade do sistema financeiro da União Europeia e dos Estados‑Membros.

3.        Esta questão inscreve‑se no âmbito de um litígio que, na origem, opõe o Servicio Ejecutivo de la Comisión de Prevención del Blanqueo de Capitales e Infracciones Monetarias (4), que é a unidade de informação financeira espanhola, ao Jyske Bank Gibraltar Ltd (5), instituição de crédito que exerce a sua atividade em Espanha em regime de livre prestação de serviços e que tem a sua sede social em Gibraltar. O Conselho de Ministros espanhol condenou o Jyske ao pagamento de uma coima no montante de 1 700 000 euros, por se ter recusado a comunicar as informações exigidas pelo Servicio Ejecutivo, relativas a determinadas transações financeiras suspeitas. Perante as autoridades nacionais, o Jyske sustentou que, nos termos do artigo 22.°, n.° 2, da Diretiva 2005/60, só estava obrigado a fazer essa comunicação à unidade de informação financeira do território no qual tem a sua sede, ou seja, Gibraltar.

4.        No presente processo, o Tribunal Supremo (Espanha) no qual o Jyske contestou a coima que lhe foi imposta, pergunta ao Tribunal de Justiça se a sua legislação nacional é compatível com o direito da União, por exigir que as instituições de crédito que exercem as suas atividades no território nacional em regime de livre prestação de serviços comuniquem diretamente à unidade nacional de informação financeira as informações exigidas no âmbito do combate à criminalidade financeira.

5.        Nas presentes conclusões, defenderemos que o artigo 22.°, n.° 2, da Diretiva 2005/60 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a essa legislação. Fundamentaremos a nossa apreciação não apenas nos termos da mencionada disposição mas também na economia da própria diretiva e nos objetivos que o legislador da União pretende prosseguir.

6.        Se o Tribunal de Justiça não partilhar desta interpretação, observaremos, a título subsidiário, que o Estado‑Membro pode, nos termos do artigo 5.° da referida diretiva, aprovar disposições mais rigorosas para impedir o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, desde que sejam compatíveis com o direito da União. A este respeito, observaremos que a referida legislação constitui uma restrição à livre prestação de serviços e analisaremos em que medida pode ser justificada.

7.        Indicaremos que o artigo 56.° TFUE não se opõe à referida legislação desde que esta satisfaça os seguintes requisitos, que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a saber, que a legislação nacional seja justificada por razões imperativas de interesse geral, que seja adequada para garantir a realização dos objetivos que prossegue, que não exceda o necessário para alcançar esses objetivos e que seja aplicada de maneira não discriminatória. Apresentaremos esclarecimentos relativamente a estes diferentes requisitos.

I —    Quadro jurídico

A —    Direito da União

1.      Diretiva 2005/60

8.        A Diretiva 2005/60 revogou a Diretiva 91/308/CEE (6). Tem por objetivo prevenir a utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, exigindo aos Estados‑Membros que, por um lado, proíbam o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo e, por outro, imponham às instituições de crédito, designadamente, obrigações de vigilância da clientela e de comunicação da realização de transações suspeitas. Estas medidas constituem requisitos mínimos, comuns a todos os Estados‑Membros, e deixam‑lhes, nos termos do artigo 5.° da Diretiva 2005/60, uma margem de decisão para aprovar ou manter em vigor disposições mais rigorosas na sua ordem jurídica interna.

9.        O Capítulo III da Diretiva 2005/60 fixa a natureza e o alcance das obrigações de comunicação.

10.      Nos termos do artigo 20.° desta diretiva, os Estados‑Membros devem exigir que as instituições de crédito prestem especial atenção a qualquer atividade que considerem suscetível de estar relacionada com o branqueamento de capitais ou o financiamento de atividades terroristas, nomeadamente transações complexas, pouco habituais ou de montante anormalmente elevado.

11.      Por força do artigo 21.° da mesma diretiva, os Estados‑Membros devem criar uma unidade nacional de informação financeira encarregada de recolher, analisar e comunicar às autoridades nacionais competentes as informações relativas à existência de transações financeiras suspeitas.

12.      O artigo 22.° da Diretiva 2005/60 — cujos termos há aqui que interpretar — preceitua o seguinte:

«1.      Os Estados‑Membros devem exigir que as instituições e pessoas abrangidas pela presente diretiva e, se for caso disso, os seus administradores e empregados cooperem plenamente:

[…]

b)       Facultando prontamente à [unidade de informação financeira], a pedido desta, todas as informações necessárias, nos termos da legislação aplicável.

2.       As informações referidas no n.° 1 devem ser transmitidas à [unidade de informação financeira] do Estado‑Membro em cujo território se situa a instituição ou pessoa que transmite essas informações. […]»

13.      Por último, ao abrigo do artigo 39.°, n.° 2, desta diretiva, os Estados‑Membros podem impor sanções administrativas contra as instituições de crédito, pelas infrações às disposições nacionais adotadas nos termos da mesma diretiva. Essas sanções devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.

2.      Decisão 2000/642

14.      A Decisão 2000/642 fixa as modalidades do intercâmbio de informações entre as unidades nacionais de informação financeira, com o objetivo de estabelecer uma cooperação estreita e eficaz entre estas diferentes autoridades (7). Esta decisão é aplicável em Gibraltar, designando o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte uma unidade de informação financeira responsável naquele território (8).

15.      O artigo 1.° desta decisão dispõe:

«1.       Os Estados‑Membros devem assegurar que as [unidades de informação financeira] criadas ou designadas para recolher as informações financeiras comunicadas para efeitos de combate ao branqueamento de capitais cooperem, de acordo com as respetivas competências nacionais, na recolha, análise e investigação das informações pertinentes no âmbito das [unidades de informação financeira] sobre quaisquer factos que possam constituir indício de branqueamento de capitais, de acordo com as respetivas competências nacionais.

2.       Para efeitos do n.° 1, os Estados‑Membros devem assegurar o intercâmbio entre as [unidades de informação financeira], espontaneamente ou mediante pedido, e nos termos da presente decisão ou de memorandos de acordo atuais ou futuros, de todas as informações disponíveis que possam ser relevantes para o processamento ou a análise de informações ou para a investigação, pelas [unidades de informação financeira], de transações financeiras relacionadas com o branqueamento de capitais e as pessoas singulares ou coletivas envolvidas.

[…]».

16.      Nos termos do artigo 4.° da mesma decisão:

«1.      Cada pedido apresentado ao abrigo da presente decisão deve ser acompanhado de uma breve exposição dos factos relevantes, do conhecimento da [unidade de informação financeira], que deve especificar no pedido de que modo serão utilizadas as informações solicitadas.

2.      Sempre que for apresentado um pedido ao abrigo da presente decisão, a [unidade de informação financeira] requerida deve fornecer todas as informações pertinentes, incluindo as informações financeiras disponíveis e os dados no domínio da aplicação da lei, solicitados no referido pedido, sem necessidade de apresentar uma carta ou pedido formal ao abrigo de convenções ou acordos aplicáveis entre Estados‑Membros.

3.      As [unidades de informação financeira] podem recusar a divulgação de informações que possam causar prejuízo a uma investigação criminal em curso no Estado‑Membro requerido ou, em circunstâncias excecionais, quando a divulgação das informações for nitidamente desproporcionada em relação aos interesses legítimos de uma pessoa singular ou coletiva ou do Estado‑Membro em causa, ou não esteja, de qualquer outra forma, em conformidade com os princípios fundamentais da legislação nacional. As recusas devem ser devidamente explicadas à [unidade de informação financeira] que tenha solicitado as informações».

B —    Direito nacional

17.      Em primeiro lugar, a Diretiva 91/308 foi transposta para o direito espanhol pela Lei 19/1993, que institui várias medidas de prevenção do branqueamento de capitais (Ley 19/1993 sobre determinadas medidas de prevención del blanqueo de capitales), de 28 de dezembro de 1993 (9), na versão em vigor à data dos factos no processo principal (a seguir «Lei 19/1993»).

18.      O artigo 2.°, n.° 1, da Lei 19/1993 dispõe:

«Ficam [sujeitas] às obrigações impostas na presente lei:

a)      as instituições de crédito;

[…]

Consideram‑se abrangidas nas anteriores alíneas as pessoas ou instituições estrangeiras que, através de sucursais ou mediante prestação de serviços (10) sem estabelecimento estável, desenvolvam em Espanha atividades de idêntica natureza às das pessoas ou instituições anteriormente referidas.

As pessoas em questão ficam igualmente sujeitas às obrigações impostas na presente lei para as operações realizadas através de agentes ou outras pessoas singulares ou coletivas que atuem como seus intermediários.»

19.      Nos termos do artigo 3.°, n.° 4, da Lei 19/1993, essas pessoas e instituições devem colaborar com o Servicio Ejecutivo e, para esse efeito, comunicar‑lhe, por sua própria iniciativa, qualquer facto ou operação relativamente ao qual exista o indício ou a certeza de estar relacionado com o branqueamento de capitais provenientes das atividades referidas no artigo 1.° desta lei [alínea a)] e fornecer as informações que o Servicio Ejecutivo exija no exercício das suas competências [alínea b)].

20.      O incumprimento das referidas obrigações constitui uma infração muito grave, expressamente prevista no artigo 5.°, n.° 3, alíneas b) e d), da Lei 19/1993.

21.      Por último, o artigo 16.°, n.° 3, primeiro parágrafo, desta Lei, preceitua que o Servicio Ejecutivo e, eventualmente, o Secretariado‑Geral da Comissão para a prevenção do branqueamento de capitais e das infrações monetárias colaborarão com as autoridades de outros Estados‑Membros que exerçam funções equivalentes, procurando, em particular, obter a cooperação das autoridades dos Estados cuja soberania abrange territórios limítrofes do Reino de Espanha.

22.      A Lei 19/1993 foi revogada pela Lei 10/2010 de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo (Ley de prevención del blanqueo de capitales y de la financiación del terrorismo), de 28 de abril de 2010 (11). Esta lei tem por finalidade transpor a Diretiva 2005/60. Nos termos do artigo 48.°, n.° 3, desta lei, o Servicio Ejecutivo compromete‑se a colaborar com os seus homólogos estrangeiros. Está previsto que a troca de informações se efetue em conformidade, nomeadamente, com os princípios do Grupo de Egmont e com a Decisão 2000/642.

23.      Em segundo lugar, refira‑se que o artigo 5.°, n.° 2, segundo parágrafo, alínea c), do Decreto Real 925/1995, de 9 de junho de 1995, que aprovou o regulamento de aplicação da Lei 19/1993 (12), impõe que sejam comunicados ao Servicio Ejecutivo os movimentos de contas de ou para paraísos fiscais.

24.      O artigo 7.°, n.° 2, alínea b), do Decreto Real 925/1995, conforme alterado pelo Decreto Real 54/2005 preceitua:

«De qualquer forma, as pessoas e instituições sujeitas às obrigações comunicarão todos os meses ao Servicio Ejecutivo:

[…]

b)      as operações efetuadas com ou por pessoas singulares ou coletivas que residam[,] ou que atuem por […] conta [destas], nos territórios ou Estados designados para este efeito por [despacho] do Ministro de Economía y Hacienda, bem como as operações que impliquem transferências de fundos de ou para os referidos territórios ou Estados, qualquer que seja a residência dos intervenientes, sempre que o montante das referidas operações seja superior a 30 000 euros ou ao seu contravalor em moeda estrangeira.»

25.      Os territórios considerados paraísos fiscais e territórios não cooperantes foram previamente identificados pelo Decreto Real 1080/1991, de 5 de julho de 1991 e pelo despacho ECO/2652/2002, de 24 de outubro de 2002, relativo à aplicação das obrigações de comunicação, ao Servicio Ejecutivo da Comissão para a prevenção do branqueamento de capitais e das infrações monetárias (13), das operações relativas a determinados Estados. Gibraltar figura nesse rol.

26.      Segundo o Tribunal Supremo, o artigo 5.° da Lei de 2007 relativa ao branqueamento de dinheiro e ao produto de atividades criminosas [Crime (Money Laundering and Proceeds) Act 2007], que transpõe para a legislação de Gibraltar a Diretiva 2005/60, impõe o respeito do sigilo bancário.

II — Processo principal e questão prejudicial

27.      O Jyske é uma filial do Jyske Bank sediado na Dinamarca (14). Foi constituído sob a forma de instituição de crédito com sede em Gibraltar e exerce as suas atividades em Espanha, em regime de livre prestação de serviços. O Jyske está sujeito à fiscalização da Comissão de serviços financeiros de Gibraltar.

28.      Em 30 de janeiro de 2007, o Servicio Ejecutivo informou o Jyske de que, não tendo este designado qualquer representante junto do mencionado serviço, iria proceder‑se à inspeção da sua estrutura organizativa e dos procedimentos relacionados com a atividade desenvolvida em Espanha em regime de livre prestação de serviços. Nessa ocasião, o Servicio Ejecutivo solicitou‑lhe também a entrega de documentação e informação relativa à identidade dos seus clientes, até ao dia 1 de março de 2007.

29.      Este pedido foi apresentado na sequência de um relatório do Servicio Ejecutivo, de 24 de janeiro de 2007, segundo o qual o Jyske exercia em Espanha, em regime de livre prestação de serviços, uma atividade importante que consistia, designadamente, na concessão de empréstimos com garantia hipotecária para a aquisição de imóveis em Espanha. O referido relatório indicava que «para desenvolver essa atividade em Espanha, a instituição conta com um duplo apoio ou suporte, a saber, o da sucursal em Espanha da sua sociedade‑mãe e, nomeadamente, de dois escritórios de advogados de Marbella [Espanha]. Segundo informações do domínio público, o titular de um desses escritórios foi inquirido por suspeita de crime de branqueamento de capitais e o seu nome, tal como o do outro escritório de advogados referido, aparece em numerosas operações denunciadas ao Servicio Ejecutivo por outras pessoas sujeitas à obrigação de comunicação da existência de indícios de branqueamento de capitais». Face a estes elementos, o Servicio Ejecutivo considerou que existia um risco muito elevado de que o Jyske fosse usado para operações de branqueamento de capitais no âmbito das suas atividades exercidas em Espanha em regime de livre prestação de serviços. O mecanismo utilizado para esse fim teria sido a criação, em Gibraltar, de «estruturas societárias destinadas, em última análise, a evitar que possa ser conhecida a identidade do proprietário final e real dos bens imóveis adquiridos em Espanha, essencialmente na Costa del Sol, bem como […] a origem dos fundos utilizados para essa aquisição».

30.      Em 23 de fevereiro de 2007, o Jyske enviou uma comunicação ao Servicio Ejecutivo, informando que tinha pedido um parecer à sua autoridade de fiscalização, a Comissão de serviços financeiros de Gibraltar, a fim de averiguar se a entrega da informação solicitada podia ser efetuada sem violar a legislação de Gibraltar relativa ao sigilo bancário e à proteção dos dados pessoais. Em 14 de março de 2007, a referida Comissão de serviços financeiros indicou ao Servicio Ejecutivo que o mecanismo adequado para recolher essas informações era a colaboração entre as autoridades de fiscalização, tendo o Servicio Ejecutivo respondido, por ofício de 2 de abril de 2007, que o Jyske era sujeito passivo de obrigações no âmbito das atividades que desenvolve no território espanhol.

31.      Em 12 de junho de 2007, o Jyske comunicou ao Servicio Ejecutivo uma parte das informações exigidas. Porém, recusou comunicar os dados relativos à identidade dos seus clientes, invocando as regras sobre o sigilo bancário aplicáveis em Gibraltar. Essas informações também não incluíam as cópias dos relatórios elaborados pelo Jyske desde 1 de janeiro de 2004, relativos à análise individualizada das transações complexas, pouco habituais ou sem objetivo económico ou lícito aparente, referidas especificamente no artigo 20.° da Diretiva 2005/60, nem as cópias das transações suspeitas realizadas pelo Jyske posteriormente a 1 de janeiro de 2004, no âmbito das suas atividades exercidas em Espanha em regime de livre prestação de serviços.

32.      Em consequência, em 25 de outubro de 2007, o Secretariado‑Geral da Comissão para a prevenção do branqueamento de capitais e das infrações monetárias decidiu instaurar um procedimento administrativo de caráter sancionatório contra o Jyske, designadamente por violação das disposições da Lei 19/1993.

33.      Na sequência desse procedimento, em 17 de abril de 2009, o Conselho de Ministros espanhol concluiu que o Jyske tinha cometido uma infração muito grave, devido ao incumprimento da obrigação de comunicação que lhe incumbia nos termos da Lei 19/1993. Em consequência, emitiu duas reprimendas públicas e aplicou‑lhe duas sanções pecuniárias num montante total de 1 700 000 euros.

34.      Em 30 de abril de 2009, o Jyske interpôs recurso gracioso dessa deliberação, mas o Conselho de Ministros de 23 de outubro de 2009 negou provimento a esse recurso. O Jyske interpôs então um recurso contencioso‑administrativo no Tribunal Supremo. Alega que, ao abrigo da Diretiva 2005/60, só está sujeito a uma obrigação de comunicação às autoridades de Gibraltar e que a legislação espanhola não é consentânea com as disposições desta diretiva, por tornar essa obrigação extensiva às instituições de crédito que operam em Espanha em regime de livre prestação de serviços.

35.      Nestas circunstâncias, o Tribunal Supremo decidiu suspender a instância e apresentar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Pode um Estado‑Membro, nos termos do artigo 22.°, n.° 2, da Diretiva 2005/60, […], exigir que a informação a fornecer pelas instituições de crédito que operam no seu território sem estabelecimento estável seja entregue obrigatória e diretamente às suas próprias autoridades encarregues da prevenção do branqueamento de capitais ou, pelo contrário, deve o pedido de informação ser dirigido à Unidade de Informação Financeira do Estado‑Membro em cujo território se situa a instituição de crédito requerida?»

III — Nossa análise

A —    Quanto à admissibilidade da questão prejudicial

36.      O Governo espanhol põe em dúvida a admissibilidade da questão prejudicial, por ser hipotética. Com efeito, salienta que os Estados‑Membros eram obrigados a transpor as exigências da Diretiva 2005/60 até 15 de dezembro de 2007, o mais tardar. Ora, segundo observa, os pedidos de informações dirigidos pelo Servicio Ejecutivo ao Jyske têm a data de 30 de janeiro e de 12 de junho de 2007.

37.      Não pensamos que a questão apresentada possa ser julgada inadmissível.

38.      Recorde‑se que, nos termos do seu artigo 46.°, a Diretiva 2005/60 entrou em vigor no mês de dezembro de 2005 e que, de acordo com o primeiro parágrafo do n.° 1 do artigo 45.°, os Estados‑Membros eram obrigados a transpô‑la para a sua ordem jurídica interna até 15 de dezembro de 2007, o mais tardar — que, recordamos, era uma data‑limite. Ora, se os factos do processo principal remontam efetivamente a 30 de janeiro de 2007, o próprio objeto do litígio diz respeito à legalidade da decisão de 17 de abril de 2009 do Conselho de Ministros espanhol, na qual o Jyske foi considerado responsável por um incumprimento das obrigações que lhe incumbem no âmbito do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, e foi condenado. Logo, o litígio em causa teve origem numa data bastante posterior àquela em que o Governo espanhol estava obrigado a transpor a Diretiva 2005/60 para a sua ordem jurídica interna. A questão que o órgão jurisdicional de reenvio nos apresenta é, por conseguinte, perfeitamente admissível.

39.      Além disso, recorde‑se também que, de acordo com jurisprudência assente, o órgão jurisdicional nacional é o único com competência para apreciar tanto a necessidade de uma decisão prejudicial como a pertinência das questões que apresenta ao Tribunal de Justiça (15).

B —    Quanto ao mérito

40.      Nos termos do artigo 22.°, n.° 1, da Diretiva 2005/60, os Estados‑Membros devem exigir às instituições de crédito que facultem prontamente à sua unidade de informação financeira as informações que esta considere úteis no âmbito do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.

41.      O artigo 22.°, n.° 2, da mesma diretiva — cujos termos há aqui que interpretar — precisa que essas informações devem ser transmitidas «à [unidade de informação financeira] do Estado‑Membro em cujo território se situa a instituição ou pessoa que [as] transmite».

42.      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se, ao abrigo do artigo 22.°, n.° 2, da referida diretiva, um Estado‑Membro pode exigir a uma instituição de crédito que comunique as informações exigidas no âmbito do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo diretamente à unidade de informação financeira desse Estado, quando essa instituição exerce as suas atividades no território nacional em regime de livre prestação de serviços.

43.      Por outras palavras, essa instituição é obrigada a comunicar essas informações à unidade de informação financeira do Estado‑Membro no qual presta os seus serviços ou à do Estado‑Membro onde estabeleceu a sua sede social?

44.      A questão suscita‑se porque o Jyske estabeleceu a sua sede social em Gibraltar e não dispõe de qualquer sucursal em Espanha. Com efeito, as indicações fornecidas pelo Governo espanhol e o relatório anual da Comissão de serviços financeiros de Gibraltar (16) mostram que o Jyske é uma instituição de crédito cujas atividades foram autorizadas no seu Estado‑Membro de origem. No nosso entender, essa autorização foi concedida com base na Diretiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de março de 2000, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e ao seu exercício (17), posteriormente substituída pela Diretiva 2006/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006 (18). Estas diretivas criam um «passaporte único europeu», com base no princípio do reconhecimento mútuo da autorização concedida pelo Estado‑Membro de origem. Este «passaporte» permite à instituição de crédito exercer as atividades para as quais está autorizada, em todos os Estados‑Membros, através de uma sucursal ou em regime de livre prestação de serviços. No âmbito do litígio no processo principal, o Jyske optou por exercer as suas atividades em Espanha através da prestação de serviços (19).

45.      Nestas circunstâncias, e pelas razões que passamos a expor, pensamos que um Estado‑Membro pode exigir às instituições de crédito que realizam as suas operações financeiras no território nacional não através de uma sucursal mas em regime de livre prestação de serviços que comuniquem as operações financeiras suspeitas à sua unidade nacional de informação financeira. Em nossa opinião, esta interpretação do artigo 22.°, n.° 2, da Diretiva 2005/60 impõe‑se tendo em conta a economia da Diretiva 2005/60 e os objetivos que o legislador da União visa prosseguir, e é perfeitamente consentânea com os termos da mencionada disposição.

1.      Quanto à interpretação do artigo 22.°, n.° 2, da Diretiva 2005/60

46.      No artigo 22.°, n.° 2, da Diretiva 2005/60, o legislador da União identifica a unidade de informação financeira responsável pela recolha, análise e comunicação às autoridades nacionais competentes das informações relativas às transações financeiras suspeitas. A este respeito, decorre expressamente dos termos desta disposição que a unidade competente é a do Estado‑Membro em cujo território «se situa a instituição ou pessoa» que transmite essas informações.

47.      A interpretação destes termos obriga, antes de mais, a que se analise a economia e os objetivos da Diretiva 2005/60.

a)      Economia e objetivos da Diretiva 2005/60

48.      Para compreender perfeitamente a economia em que se inscreve a disposição que o Tribunal de Justiça é aqui chamado a interpretar e apreender os objetivos que o legislador da União pretende prosseguir, é necessário proceder à reanálise da Diretiva 2005/60 no contexto em que foi adotada.

49.      O combate à criminalidade financeira na União assenta, com efeito, em três pilares.

50.      O primeiro pilar é o da criminalização, no direito dos Estados‑Membros, do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo.

51.      Este pilar teve origem no Conselho Europeu de Tampere, que exortou todos os Estados‑Membros a chegarem a um acordo relativamente à definição das infrações de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo e à sua incriminação e sanção nas ordens jurídicas internas.

52.      Estas infrações estão atualmente definidas em vários diplomas legais internacionais e europeus, entre os quais se conta a Convenção do Conselho da Europa relativa ao branqueamento, deteção, apreensão e perda dos produtos do crime. O legislador da União fornece também uma definição dessas infrações no artigo 1.° da Diretiva 2005/60, exigindo que os Estados‑Membros assegurem a proibição do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo no seu território.

53.      No que se refere à incriminação e à sanção dessas infrações, importa referir a Decisão‑Quadro 2001/500/JAI do Conselho, de 26 de junho de 2001, relativa ao branqueamento de capitais, à identificação, deteção, congelamento, apreensão e perda dos instrumentos e produtos do crime (20). A Decisão‑Quadro 2001/500 estabelece um critério mínimo, mas comum a todos os Estados‑Membros, relativamente à sanção destas infrações, exigindo, no seu artigo 2.°, que os Estados‑Membros tomem as medidas necessárias para garantir que essas infrações sejam passíveis de penas privativas da liberdade de uma duração de, pelo menos, quatro anos.

54.      Portanto, existe atualmente uma definição comum das infrações de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo na União, bem como dos requisitos mínimos para a sua incriminação e sanção nas ordens jurídicas nacionais. No entanto, há que ter em mente que a competência para investigar e condenar estes crimes financeiros é ainda exclusiva do Estado‑Membro em cujo território são realizadas as operações financeiras incriminadas.

55.      O segundo pilar consiste na prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo.

56.      Este pilar assenta na diretiva em causa, a Diretiva 2005/60, que estabelece as disposições comuns a todos os Estados‑Membros no que se refere ao controlo das transações financeiras efetuadas pelas instituições de crédito e à deteção dos crimes financeiros. O objetivo é evitar os riscos suscetíveis de afetar a integridade e o bom funcionamento do sistema financeiro, decorrentes da injeção, nesse sistema, de fundos de origem criminosa e da utilização de fundos lícitos para fins terroristas.

57.      Portanto, como o seu título indica, a Diretiva 2005/60 institui um sistema de controlo preventivo, de aplicação a nível nacional. Este sistema assenta numa abordagem em função dos riscos. Os Estados‑Membros são obrigados a identificar, avaliar e compreender os riscos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, de maneira a atenuá‑los e, eventualmente, a congelar, apreender ou declarar perdidos a favor do Estado os produtos do crime. Para esse efeito, os Estados‑Membros devem exigir às instituições e pessoas abrangidas por esta diretiva que satisfaçam duas obrigações.

58.      A primeira, referida no capítulo II da Diretiva 2005/60, é o dever de vigilância da clientela. Esta diretiva exige que as instituições de crédito apliquem, em função do grau de risco existente, medidas de vigilância mais ou menos reforçadas, consoante, nomeadamente, o tipo de cliente e a relação de negócios. Essas medidas traduzem‑se na identificação do cliente, do objeto e da natureza da relação de negócios, na manutenção de documentos ou registos ou ainda na proibição de manter contas anónimas ou cadernetas fictícias.

59.      A segunda é a obrigação de comunicação das transações financeiras suspeitas cuja natureza e alcance estão previstos no capítulo III da Diretiva 2005/60. Assim, nos termos do artigo 20.° desta diretiva, os Estados‑Membros devem exigir às instituições de crédito que prestem especial atenção às operações financeiras que se lhes afigurem suscetíveis de estar relacionadas com uma atividade criminosa, nomeadamente as que podem parecer complexas, pouco habituais, sem objetivo económico ou lícito aparente ou visível ou de montante anormalmente elevado. Por conseguinte, é nos termos do artigo 22.° da mencionada diretiva que as instituições de crédito são obrigadas a informar prontamente a unidade de informação financeira especialmente criada pelo Estado‑Membro com essa finalidade. Recorde‑se que foi na sequência do incumprimento desta obrigação que teve origem o litígio no processo principal.

60.      Para assegurar a observância destas obrigações, o legislador da União reconhece às autoridades nacionais competentes poderes reforçados de supervisão e de controlo, previstos nos artigos 36.° e 37.° da Diretiva 2005/60. Estas podem assim exigir às instituições de crédito que facultem todas as informações pertinentes relativas ao cumprimento das obrigações que lhes incumbem e podem, nomeadamente, proceder a verificações e a inspeções in loco. Além disso, esses poderes são complementados pela obrigação imposta aos Estados‑Membros de preverem sanções em caso de incumprimento das referidas obrigações que, nos termos do n.° 1 do artigo 39.° da mesma diretiva, devem ser não só efetivas e proporcionadas mas também dissuasivas.

61.      O conjunto destas medidas, independentemente de se tratar de obrigações que incumbem às instituições de crédito ou de poderes de controlo e de sanção reconhecidos às autoridades nacionais competentes, constitui um somatório de medidas preventivas e dissuasivas que, aplicadas de modo eficaz por todos os Estados‑Membros, devem permitir combater com eficácia o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo e assegurar a solidez e a integridade do sistema financeiro.

62.      No entanto, importa assinalar que, nesta fase, o legislador da União se limita a proceder a uma harmonização mínima. De acordo com o artigo 5.° da Diretiva 2005/60, deixa aos Estados‑Membros a faculdade de adotar ou manter em vigor disposições bastante mais rigorosas para detetar e impedir os riscos de criminalidade financeira.

63.      Por último, o terceiro pilar é o da cooperação e do intercâmbio de informações na União.

64.      Na data dos factos do litígio no processo principal, este pilar assenta na Decisão 2000/642 e no artigo 38.° da Diretiva 2005/60.

65.      A Decisão 2000/642 visa reforçar e intensificar as trocas de informações entre as unidades nacionais de informação financeira criadas no âmbito da Diretiva 91/308, de forma a conseguir uma cooperação estreita e direta entre as autoridades nacionais competentes. Esta decisão fixa regras comuns aos Estados‑Membros no que diz respeito às competências das suas unidades de informação financeira, ao conteúdo dos pedidos de informações e ao alcance das trocas de informações.

66.      No entanto, os Estados‑Membros conservam uma importante margem de apreciação na aplicação deste mecanismo de cooperação. Por um lado, o artigo 1.° da referida decisão prevê expressamente que as unidades de informação financeira cooperarão em conformidade com as suas competências nacionais. Ora, os Estados‑Membros conservaram uma grande liberdade no que se refere à determinação do estatuto da sua unidade nacional, que pode estar integrada na ordem administrativa ou judicial, ou mesmo, ser constituída sob a forma de uma autoridade policial, estando portanto cada uma delas obrigada a respeitar regras de funcionamento, de processo e de competência muito diferentes, consoante os Estados‑Membros. Por outro lado, os artigos 4.° e 5.° da Decisão 2000/642 permitem aos Estados‑Membros impor um determinado número de restrições quanto ao alcance das trocas de informações e à utilização destas últimas. Assim, as unidades de informação financeira podem recusar‑se a comunicar determinadas informações se estas estiverem relacionadas com uma investigação criminal em curso no Estado‑Membro ou se a sua divulgação não respeitar os «princípios fundamentais da legislação nacional» ou for suscetível de afetar os «interesses […] do Estado‑Membro», ou de uma pessoa singular ou coletiva. Ora, não é difícil imaginar que estas restrições podem criar obstáculos ao mecanismo de cooperação, ou mesmo paralisá‑lo, tendo em conta a interpretação das referidas disposições e, sobretudo, a diversidade das regulamentações nacionais aprovadas em matéria de regulação e de vigilância dos mercados ou ainda de proteção do segredo profissional e dos dados pessoais. No caso em apreço, o presente litígio ilustra perfeitamente este último aspeto.

67.      Por outro lado, importa realçar que a Decisão 2000/642 não cria qualquer mecanismo de vigilância em relação à ação dos Estados‑Membros, nem um mecanismo de cumprimento compulsório para fazer face à inação de uma unidade nacional de informação financeira. Portanto, se as regras estabelecidas pelo legislador da União no âmbito desta decisão visam harmonizar os elementos fundamentais da cooperação entre as unidades de informação financeira, são mínimas e concedem aos Estados‑Membros uma ampla margem de apreciação quanto à extensão da sua cooperação.

68.      Este mecanismo não foi reforçado no quadro da Diretiva 2005/60, embora esta tenha sido adotada mais de cinco anos depois. Se, no quadragésimo considerando desta diretiva, o legislador da União menciona a cooperação estabelecida pela Decisão 2000/642, é unicamente para fomentar o mais possível a coordenação e a cooperação entre as unidades de informação financeira prevista nessa decisão.

69.      É certo que, no artigo 38.° da Diretiva 2005/60, o legislador da União decidiu ir além do simples quadro da cooperação intergovernamental, integrando neste sistema a Comissão Europeia. Mas a ambição é pouca e o papel desta instituição relativamente apagado. Com efeito, em conformidade com essa disposição, «[a] Comissão deve oferecer a assistência que se revelar necessária para facilitar a coordenação, incluindo o intercâmbio de informações, entre as [unidades de informação financeira] na Comunidade». A referida disposição constitui o artigo único de uma secção própria intitulada «Cooperação», e nenhum outro elemento deste artigo precisa a maneira como essa assistência deve, na prática, concretizar‑se. O quadragésimo considerando desta diretiva esclarece, no entanto, que esse apoio deve traduzir‑se, nomeadamente, em ajuda financeira. Portanto, o legislador da União não reconhece à Comissão nem um poder de decisão nem um poder de cumprimento compulsório em relação aos Estados‑Membros e à sua unidade de informação financeira, por vezes indispensáveis para garantir a eficácia da cooperação.

70.      Consequentemente, forçoso é concluir que, à data dos factos do litígio no processo principal, a cooperação estabelecida pelo legislador da União no que se refere às trocas de informações em matéria de criminalidade financeira estava ainda nos seus primórdios e muito assente na boa vontade dos Estados‑Membros.

71.      Assim, este sistema mostrou ter limites que o legislador da União hoje em dia pretende ultrapassar com a criação, no âmbito do Regulamento (UE) n.° 1093/2010 (21), de uma Autoridade Europeia de Supervisão, a Autoridade Bancária Europeia. Note‑se que, atendendo à data em que entrou em vigor, o Regulamento n.° 1093/2010 não é aplicável ao presente litígio. No entanto, convém ter em mente os seus objetivos, de maneira a melhor compreender os limites da cooperação estabelecida ao abrigo da Diretiva 2005/60 e a ter uma melhor perceção das competências que, na altura dos factos do litígio no processo principal, deviam caber às unidades nacionais de informação financeira.

72.      Nos termos do seu artigo 1.°, o Regulamento n.° 1093/2010 visa criar um Sistema Europeu de Supervisão Financeira cujo objetivo é, nomeadamente, assegurar a integridade dos mercados financeiros e a eficácia da cooperação das autoridades nacionais de supervisão, abrangendo assim o âmbito de aplicação da Diretiva 2005/60. No oitavo e nono considerandos daquele regulamento, o legislador da União referiu o seguinte:

«(8)      A União atingiu os limites do que pode ser feito no quadro do atual estatuto dos comités europeus de autoridades de supervisão. A União não pode continuar numa situação em que não existe qualquer mecanismo para assegurar que as autoridades nacionais de supervisão adotem as melhores decisões no que respeita à supervisão das instituições financeiras transfronteiriças; em que a cooperação e o intercâmbio de informações entre autoridades nacionais de supervisão são insuficientes; em que qualquer ação conjunta por parte dessas autoridades exige mecanismos complicados para tomar em consideração a disparidade dos requisitos regulamentares e de supervisão; em que as soluções a nível nacional constituem na maior parte das vezes a única opção praticável para dar resposta aos problemas da União [(22)]; e em que existem diferentes interpretações dos mesmos textos legais. O Sistema Europeu de Supervisão Financeira (a seguir designado «SESF») deverá ser estruturado de modo a ultrapassar essas deficiências e proporcionar um sistema que seja conforme com o objetivo de garantir um mercado de serviços financeiros estável e único para toda a União, que associe as autoridades nacionais de supervisão numa rede reforçada da União.

(9)      O SESF deverá consistir numa rede integrada de autoridades de supervisão nacionais e da União, mas a supervisão corrente continuará a basear‑se numa abordagem nacional [(23)] […]»

73.      Portanto, o legislador da União criou uma Autoridade Bancária Europeia no âmbito do SESF, que não se limita a ter um papel impulsionador e coordenador em matéria de intercâmbio de informações, mas dispõe igualmente de um poder de supervisão e de cumprimento compulsório em relação à ação das autoridades nacionais de supervisão e à atividade das instituições de crédito. A Autoridade Bancária Europeia deve assim garantir o respeito, pelas unidades nacionais de informação financeira, das obrigações de supervisão e de cooperação que lhes incumbem ao abrigo da Diretiva 2005/60 e da Decisão 2000/642 (24) e assegurar a resolução de diferendos suscetíveis de surgir entre elas em matéria de questões de procedimento ou de uma falta de cooperação (25).

74.      Por último, refira‑se que a Diretiva 2006/48, que fixa regras transversais à atividade das instituições de crédito na União, prevê igualmente trocas de informações entre o Estado‑Membro de origem e o Estado‑Membro de acolhimento. Porém, essas trocas são limitadas à supervisão prudencial de uma instituição financeira (26).

75.      À luz destes factos, pensamos que o Reino de Espanha podia impor uma obrigação de comunicação às instituições de crédito que operam no seu território em regime de livre prestação de serviços.

76.      Em primeiro lugar, verificámos que a abordagem seguida na criminalização das operações de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo continua ainda em grande medida a ser intergovernamental. Sendo certo que existe uma definição comum destas infrações na União, assim como requisitos mínimos para a sua incriminação e sanção nas ordens jurídicas nacionais, também é verdade que a competência para investigar e proceder judicialmente contra estes crimes financeiros pertence ainda exclusivamente ao Estado‑Membro em cujo território são realizadas as operações financeiras incriminadas. Por conseguinte, parece‑nos legítimo e coerente que o Estado‑Membro em causa possa obter de todas as instituições de crédito que oferecem os seus serviços no território nacional as informações que considera úteis para efeitos das suas instruções.

77.      Além disso, salientámos também que, ao abrigo da Diretiva 2005/60, o sistema de supervisão e deteção das transações financeiras suspeitas existe apenas a nível nacional.

78.      Recorde‑se que este sistema assenta, antes de mais, em obrigações de vigilância e de comunicação cuja execução é exclusivamente da responsabilidade dos Estados‑Membros em cujo território se situam as instituições de crédito, que têm que adotar uma abordagem em função dos riscos. A eficácia destas medidas é assegurada pelo reconhecimento, às autoridades nacionais competentes, de poderes reforçados de supervisão e de investigação que lhes permitam, nomeadamente, realizar inspeções in loco junto das instituições de crédito, bem como de poderes para impor sanções (27).

79.      Acresce que o referido sistema assenta na criação de unidades de informação financeira que são unidades nacionais centrais, cujo estatuto jurídico é definido pelo Estado‑Membro. Até à adoção do Regulamento n.° 1093/2010, a sua ação não estava sujeita a qualquer supervisão ou controlo ao nível da União, uma vez que ainda não se enquadravam numa rede europeia integrada.

80.      Ora, para assegurar a eficácia do sistema de supervisão e de deteção em que assenta a Diretiva 2005/60, parece‑nos indispensável que as unidades de informação financeira possam obter de todas as instituições de crédito que exercem as suas atividades no território nacional as informações exigidas no âmbito do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, independentemente de essas instituições operarem através de uma sucursal ou em regime de livre prestação de serviços.

81.      Antes de mais, ao contrário da unidade de informação financeira do Estado‑Membro de origem, a unidade de informação financeira do Estado‑Membro de acolhimento é a mais próxima do mercado nacional e a que tem um conhecimento mais aprofundado dos riscos relacionados com o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo no território nacional. É ela que recebe a informação de todos os factos suscetíveis de estar relacionados com a criminalidade financeira nesse território, não só das instituições e pessoas referidas pela Diretiva 2005/60, mas também de todas as autoridades nacionais encarregues do procedimento judicial e da repressão da criminalidade financeira, quer sejam autoridades administrativas, judiciais ou de aplicação da lei, ou organismos de supervisão dos mercados de valores mobiliários ou de instrumentos financeiros derivados (28). Deste modo, recebendo diretamente as informações que denunciam operações financeiras atípicas, analisando‑as e podendo, se necessário, ordenar investigações suplementares, a unidade de informação financeira do Estado‑Membro de acolhimento recolhe todos os indícios relacionados com a existência de transações financeiras suspeitas, permitindo que sejam tomadas prontamente medidas para o congelamento, apreensão ou perda a favor do Estado dos bens suscetíveis de constituir o produto do crime.

82.      Depois, a eficácia da abordagem em função dos riscos obriga a que estes últimos sejam avaliados não apenas pela unidade de informação financeira que avalia os riscos relacionados com o mercado nacional, mas também pela que permitirá ao Estado‑Membro em cujo território tem lugar a transação financeira suspeita reagir com rapidez, exigindo que esta não seja executada, conforme dispõe o artigo 24.° da Diretiva 2005/60. Com efeito, importa não esquecer que o tempo da ação administrativa é mais lento do que o tempo financeiro.

83.      Por último, parece‑nos que só esta interpretação permite garantir o efeito útil dos poderes reforçados de supervisão e de investigação reconhecidos às autoridades nacionais competentes nos termos do artigo 37.° da Diretiva 2005/60, bem como a eficácia das sanções que estas últimas podem impor às instituições de crédito que não cumprem os seus deveres de vigilância e de comunicação, ao abrigo do artigo 39.° da mesma diretiva.

84.      Em segundo lugar, arriscamo‑nos a comprometer o efeito útil da Diretiva 2005/60 se forem introduzidas regras processuais diferentes consoante o canal de distribuição escolhido pela instituição de crédito para fornecer os seus serviços financeiros, quer seja através do canal tradicional de uma sucursal — que, recorde‑se, não passa de um estabelecimento desprovido de personalidade jurídica — ou, ao invés, em regime de livre prestação de serviços.

85.      Com efeito, é de evitar que a instituição de crédito opte pelo regime de livre prestação de serviços para se subtrair à supervisão mais apertada do Estado‑Membro de acolhimento, instalando a sua sede social ou a sua sucursal num Estado‑Membro no qual o controlo é talvez menos rígido. Nesse caso, querer atribuir predominância à autoridade do Estado‑Membro de origem não só poderia comprometer gravemente o combate à criminalidade financeira como acabaria por permitir o desenvolvimento de tráficos e financiamentos cujo objetivo é desestabilizar os próprios Estados‑Membros, como o presente caso parece ilustrar.

86.      Além disso, estabelecer uma distinção em função do canal de distribuição dos serviços financeiros resulta numa diferença de tratamento que, em nossa opinião, é artificial e injustificada. Com efeito, as instituições de crédito que oferecem os seus serviços financeiros através de uma sucursal ou no regime de livre prestação de serviços operam não só no mesmo mercado geográfico como no mesmo mercado de produtos, podendo o leque de serviços atualmente oferecido ser tão vasto num caso como noutro, tendo em conta as novas tecnologias. É certo que, para prestações semelhantes, as primeiras seriam obrigadas a comunicar as transações financeiras suspeitas às unidades de informação financeira do Estado‑Membro no qual dispõem de uma sucursal, ao passo que as segundas estariam dispensadas de tal obrigação. Como é evidente, essa situação prejudicaria a eficácia da supervisão estabelecida no âmbito da Diretiva 2005/60 e os autores de crimes de branqueamento de capitais poderiam beneficiar e tirar partido da situação, em favor das suas atividades criminosas.

87.      Consequentemente, parece‑nos óbvio que a instituição de crédito que exerce as suas atividades em regime de livre prestação de serviços no território de um Estado‑Membro deve ser objeto de um sistema de supervisão tão eficaz como aquele a que está sujeita a instituição de crédito que opera no mesmo território nacional através de uma sucursal, de forma a garantir que todas cumpram as obrigações aplicáveis, nas mesmas condições.

88.      Em terceiro lugar, pensamos que as disposições previstas no âmbito da Decisão 2000/642 e da Diretiva 2005/60 não são suficientes para assegurar uma cooperação reforçada suscetível de contribuir de modo eficaz para o combate à criminalidade financeira numa situação como a do processo principal. Com efeito, se a instituição de crédito em causa não fornecer as informações exigidas, por sua própria iniciativa, e a unidade de informação financeira do Estado‑Membro de origem não as pedir, na ausência de indícios ou de conhecimento dos riscos relacionados com o mercado no qual a instituição de crédito presta os seus serviços, não se vislumbra qualquer outra medida que permita compelir essa autoridade a exigir a comunicação das referidas informações pela instituição de crédito e a transmiti‑las à unidade de informação financeira do Estado‑Membro de acolhimento.

89.      Como vimos, na altura dos factos do litígio no processo principal, a cooperação e as trocas de informações assentavam mais na boa vontade dos Estados‑Membros do que numa rede integrada de autoridades de supervisão nacionais e europeias cuja ação seria controlada e as omissões condenadas, como a que foi agora incluída no novo sistema europeu de supervisão financeira.

90.      Em quarto lugar, não pensamos que as disposições previstas no âmbito das diretivas relativas ao acesso à atividade das instituições de crédito e ao seu exercício, a saber as Diretivas 2000/12 e 2006/48 e a Diretiva 2004/39, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, na sua versão em vigor na altura dos factos do litígio no processo principal, permitam fundamentar a competência da unidade de informação financeira do Estado‑Membro de origem em circunstâncias como as do processo principal. Com efeito, os princípios da confiança e do reconhecimento mútuo em que esses textos assentam abrangem apenas a autorização da instituição de crédito e a supervisão prudencial desta última. A prová‑lo está o facto de, nos termos do artigo 31.° da Diretiva 2006/48, o Estado‑Membro de acolhimento poder, apesar da autorização concedida pelo Estado‑Membro de origem, tomar todas as medidas adequadas em relação à instituição de crédito, para evitar ou reprimir as irregularidades cometidas no seu território que sejam contrárias às disposições legais por ele adotadas por razões de interesse geral e das quais, evidentemente, faz parte o combate à criminalidade financeira.

91.      Consequentemente, em vista da economia em que se inscreve a disposição em causa e dos objetivos que o legislador da União pretende prosseguir, somos de opinião que o artigo 22.°, n.° 2, da Diretiva 2005/60 deve ser interpretado no sentido de que se refere às instituições de crédito que exercem a sua atividade não apenas através do estabelecimento de uma sede social ou de uma sucursal mas também em regime de livre prestação de serviços.

92.      É neste sentido que devem ser interpretados os termos desta disposição.

b)      Redação do n.° 2 do artigo 22.° da Diretiva 2005/60

93.      Recorde‑se que, dos termos do artigo 22.°, n.° 2, da Diretiva 2005/60, decorre expressamente que a unidade de informação financeira competente é a do Estado‑Membro em cujo território «se situa a instituição ou a pessoa» que transmite as informações.

94.      O primeiro caso refere‑se, manifestamente, à situação em que a instituição de crédito dispõe de uma sede social ou de uma sucursal no Estado‑Membro. No entanto, tendo em conta as considerações precedentes, consideramos que a expressão utilizada pelo legislador da União permite igualmente abranger a situação em que a instituição de crédito está presente no mercado nacional oferecendo os seus serviços financeiros sem ser através de um estabelecimento, ou seja, exercendo as suas atividades em regime de livre prestação de serviços.

95.      Quanto à segunda hipótese, verificamos que está redigida de forma extremamente vaga e ampla. Refere‑se, sem dúvida alguma, às pessoas mencionadas no artigo 2.°, n.° 1, ponto 3, da Diretiva 2005/60, entre as quais figuram os prestadores de serviços sujeitos às mesmas obrigações de comunicação que as que incumbem às instituições financeiras. Além disso, nenhum elemento permite excluir que esta hipótese possa igualmente abranger a situação na qual o prestador de serviços de transferência de fundos ou de valores opera no território nacional através de agentes.

96.      Constata‑se, por conseguinte, que os termos utilizados pelo legislador da União não se opõem a que o artigo 22.°, n.° 2, da Diretiva 2005/60 seja interpretado no sentido de que as informações necessárias no âmbito do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo sejam comunicadas à unidade de informação financeira do Estado‑Membro no território do qual a instituição de crédito presta os seus serviços. Bem pelo contrário, consideramos que esta interpretação se impõe relativamente aos objetivos que o legislador da União pretende prosseguir no quadro desta legislação e da sua economia.

97.      Consequentemente, à luz de todos estes elementos, consideramos que o artigo 22.°, n.° 2, da Diretiva 2005/60 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à legislação de um Estado‑Membro que exige que as instituições de crédito comuniquem as informações exigidas no âmbito do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo diretamente à unidade de informação financeira desse Estado, quando essas instituições exerçam a sua atividade no território nacional em regime de livre prestação de serviços.

98.      Na nossa opinião, esta interpretação permite respeitar os poderes de que os Estados‑Membros dispõem no que se refere à deteção, supervisão e repressão da criminalidade financeira no seu território. Porém, devemos salientar que a mesma não exclui, evidentemente, o intercâmbio de informações entre o Estado‑Membro de acolhimento e o Estado‑Membro de origem, antes pelo contrário, este último passa a dispor de informações extremamente úteis, já que é nele que se situa a sede social da instituição em causa.

99.      No caso de o Tribunal de Justiça não partilhar da nossa interpretação desta disposição, referimos que, em conformidade com o artigo 5.° da Diretiva 2005/60, um Estado‑Membro pode adotar, no domínio abrangido por esta diretiva, disposições nacionais mais rigorosas para impedir o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo. Uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que reforça a obrigação de comunicação prevista nos artigos 20.° e seguintes da Diretiva 2005/60, inscreve‑se incontestavelmente no quadro do artigo 5.° desta diretiva.

100. Contudo, o Tribunal de Justiça deve assegurar que essa legislação é conforme com as disposições do direito da União e, em particular, com o princípio da livre prestação de serviços, consagrado no artigo 56.° TFUE. Com efeito, como referimos, o Jyske tem a sede em Gibraltar e exerce as suas atividades financeiras em Espanha em regime de livre prestação de serviços. Consequentemente, a compatibilidade da legislação em causa tem que ser analisada à luz desta última disposição.

101. Na medida em que estas considerações são formuladas a título subsidiário, limitar‑nos‑emos às seguintes observações.

2.      Quanto à compatibilidade da legislação nacional em causa com a livre prestação de serviços

102. A título preliminar, deve recordar‑se que, segundo jurisprudência assente, o artigo 56.° TFUE exige não só a eliminação de qualquer discriminação contra o prestador de serviços estabelecido noutro Estado‑Membro, em razão da sua nacionalidade, mas também a supressão de qualquer restrição, ainda que indistintamente aplicada aos prestadores nacionais e aos de outros Estados‑Membros, quando seja suscetível de impedir, entravar ou tornar menos atrativas as atividades do prestador estabelecido noutro Estado‑Membro, onde preste legalmente serviços análogos (29).

a)      Existência de uma restrição

103. É inegável e, de resto, ninguém contesta, que a legislação em causa constitui uma restrição à livre prestação de serviços.

104. Com efeito, esta legislação exige que um prestador de serviços estabelecido num Estado‑Membro diferente do Reino de Espanha comunique prontamente à unidade nacional de informação financeira, por sua própria iniciativa ou a pedido desta, todas as transações financeiras em curso ou já realizadas, suscetíveis de estar relacionadas com o branqueamento de capitais ou o financiamento do terrorismo. Obviamente, tal legislação pode perturbar ou tornar menos atrativas as atividades da instituição de crédito em causa, sobretudo quando estas prestações exigem uma certa rapidez de ação. Com efeito, a obrigação de comunicação pode atrasar a realização das transações em causa, ou mesmo inviabilizá‑las, e constituir uma fonte de custos adicionais. Além disso, esta obrigação é suscetível de afetar a proteção dos dados bem como o segredo dos negócios e outras informações confidenciais na posse da instituição de crédito. Estes elementos demonstram, se necessário fosse, que a legislação nacional em causa é realmente suscetível de entravar a livre prestação dos serviços financeiros.

105. Porém, essa restrição é conforme com o artigo 56.° TFUE, desde que satisfaça as seguintes condições, que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a saber, que esta legislação deve ser justificada por razões imperativas de interesse geral, deve ser adequada para garantir a realização dos objetivos que prossegue, deve ser proporcionada e deve ser aplicada de maneira não discriminatória (30). Nesta matéria, podemos fazer as seguintes precisões relativamente à conjunção destas condições no quadro do litígio no processo principal.

b)      Justificação da restrição

106. No presente processo, a legislação em causa deve permitir às autoridades nacionais verificar que as instituições de crédito que prestam os seus serviços no território não realizam transações financeiras com fins diferentes daqueles para os quais foram autorizadas no Estado‑Membro de origem, relacionadas com o branqueamento de capitais ou com o financiamento do terrorismo. A obrigação de comunicação introduzida pela legislação nacional deve permitir a prossecução de um objetivo definido pelo direito da União, a saber, o combate à criminalidade financeira e a prevenção da integridade do sistema financeiro, evitando a realização de transações financeiras suspeitas.

107. Ora, recorde‑se que o objetivo do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo constitui, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma razão imperativa de interesse geral, suscetível de justificar uma restrição à livre prestação de serviços em causa (31).

c)      Adequação da legislação em causa para atingir os objetivos que prossegue

108. Recorde‑se que, de acordo com jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, uma legislação nacional só é apta a garantir a realização do objetivo invocado se responder verdadeiramente à intenção de o alcançar de maneira coerente e sistemática (32). Essa apreciação deve ser realizada tendo em conta o contexto em que foi adotada a regulamentação e, no que se refere à regulamentação em causa, pensamos que satisfaz as condições acima referidas.

109. Com efeito, esta regulamentação permite ao Estado‑Membro supervisionar o conjunto das transações financeiras realizadas no seu território pelas instituições de crédito, independentemente da forma como estas tenham decidido prestar os seus serviços, ou seja, através da abertura de uma sede social ou de uma sucursal ou em regime de livre prestação de serviços. Deste modo, todas estão sujeitas a obrigações semelhantes, o que nos parece perfeitamente coerente desde que exerçam as suas atividades no mesmo mercado e ofereçam serviços financeiros semelhantes que podem, em maior ou menor escala, ser usados para fins de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo. Além disso, a referida regulamentação permite aos Estados‑Membros, atendendo aos poderes reforçados de supervisão e de instrução que lhes foram atribuídos pela Diretiva 2005/60, suspender a realização das referidas transações. Por último, na medida em que os Estados‑Membros têm competência exclusiva para incriminar, proceder judicialmente e reprimir a criminalidade financeira no seu território, esta legislação permite‑lhes, sempre que exista uma dúvida razoável relativamente à legalidade de uma transação financeira, exigir que lhes sejam comunicadas as informações que consideram úteis para cumprir a sua missão e, eventualmente, proceder judicialmente e punir os responsáveis.

110. Portanto, na nossa opinião, estes elementos podem ser suficientes para demonstrar que a legislação em causa permite realmente combater a criminalidade financeira, de maneira efetiva e coerente.

d)      Proporcionalidade da legislação em causa

111. Nesta fase, importa apreciar se os objetivos prosseguidos pela regulamentação espanhola em causa podem manifestamente ser alcançados mediante uma medida menos restritiva da livre prestação de serviços. Não estamos convencidos de que, à data dos factos do litígio no processo principal, fosse esse o caso.

112. Por um lado, esta legislação inscreve‑se no âmbito de um controlo preventivo que exige uma comunicação das informações rápida e anterior à realização da transação financeira suspeita e que, se necessário, deve ser acompanhada de uma reação extremamente rápida das autoridades nacionais competentes, logo que as dúvidas se confirmarem. Consequentemente, a realização desse objetivo só pode ser conseguida se a cooperação entre as unidades nacionais de informação financeira permitir realmente ao Estado‑Membro de acolhimento cumprir a sua missão, intervindo antes da realização da transação financeira suspeita. Ora, à data dos factos do litígio no processo principal, as trocas de informações entre as referidas unidades eram, como o legislador da União reconheceu, insuficientes, paralisadas designadamente por uma falta de confiança e de coerência na aplicação da legislação da União (33).

113. Por outro lado, há que recordar que a legislação em causa diz respeito apenas às informações relativas às transações financeiras suspeitas que a unidade de informação financeira considera úteis para o cumprimento da sua missão e não a dados relativos a todas as transações financeiras realizadas pelas instituições de crédito. Por conseguinte, este requisito tem um alvo muito concreto. De resto, não estamos convencidos de que reconhecer à unidade de informação financeira do Estado‑Membro de origem um poder exclusivo no que se refere à recolha das referidas informações seja igualmente eficaz, na medida em que, em nossa opinião, não é a que está em melhor posição para determinar quais são as informações mais pertinentes no que se refere às transações financeiras realizadas no território do Estado‑Membro de acolhimento.

114. Tendo em conta que não existe um mecanismo eficaz que garanta uma cooperação plena e completa das unidades de informação financeira e atendendo também às consequências negativas que essa falta poderia ter na eficácia do combate à criminalidade financeira e na integridade do sistema financeiro europeu e nacional, somos de opinião que um Estado‑Membro podia legitimamente considerar que as obrigações que lhe incumbem ao abrigo da Diretiva 2005/60 eram melhor asseguradas por uma legislação nacional como a que está em questão no processo principal.

e)      Aplicação não discriminatória

115. Segundo os elementos de que dispomos, a legislação em causa não parece discriminatória. Com efeito, como essa legislação se aplica a todas as instituições de crédito, bem como às pessoas ou entidades estrangeiras que exercem atividades em Espanha através de sucursais ou em regime de livre prestação de serviços, parece atingir de igual forma as instituições de crédito, independentemente de terem a sua sede no território nacional ou noutro Estado‑Membro. Incumbirá entretanto ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, na sua execução, a referida legislação é igualmente aplicada de maneira não discriminatória.

116. Em face destas considerações, e no caso de o Tribunal de Justiça não partilhar da nossa interpretação do artigo 22.°, n.° 2, da Diretiva 2005/60, consideramos que o artigo 56.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à legislação de um Estado‑Membro que impõe às instituições de crédito que comuniquem as informações exigidas no âmbito do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo diretamente à unidade de informação financeira desse Estado, quando essas instituições exercem as suas atividades no território nacional em regime de livre prestação de serviços, desde que essa legislação seja justificada por uma razão imperativa de interesse geral, seja adequada para garantir a realização dos objetivos que prossegue, não exceda o necessário para alcançar esses objetivos e seja aplicada de maneira não discriminatória.

117. Incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar que essas condições estão satisfeitas, tendo em conta as seguintes considerações:

¾        Relativamente aos riscos que a criminalidade financeira engendra para a integridade do mercado financeiro, um Estado‑Membro pode legitimamente exigir às instituições de crédito que prestam os seus serviços no território nacional que comuniquem as informações relativas à realização de transações financeiras suspeitas a fim de evitar o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo.

¾        Essa legislação é adequada para alcançar este objetivo se permitir ao Estado‑Membro supervisionar e suspender efetivamente as transações financeiras suspeitas realizadas pelas instituições de crédito que prestam os seus serviços no território nacional e, eventualmente, proceder judicialmente e punir os responsáveis.

¾        A obrigação imposta às instituições de crédito que exercem a sua atividade em regime de livre prestação de serviços pode constituir uma medida proporcionada à prossecução deste objetivo se, à data dos factos do litígio no processo principal, não existir um mecanismo que garanta uma cooperação plena e completa das unidades de informação financeira.

¾        Essa legislação, per se, não é discriminatória.

IV — Conclusões

118. À luz das considerações que antecedem, propomos ao Tribunal de Justiça que responda o seguinte ao Tribunal Supremo:

1)      O artigo 22.°, n.° 2, da Diretiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de outubro de 2005, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, conforme alterada pela Diretiva 2008/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2008, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à legislação de um Estado‑Membro que impõe às instituições de crédito que comuniquem as informações exigidas no âmbito do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo diretamente à unidade de informação financeira desse Estado, quando essas instituições exercem as suas atividades no território nacional em regime de livre prestação de serviços.

2)      a)     De qualquer modo, o artigo 56.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a essa legislação, se for justificada por uma razão imperativa de interesse geral, se for adequada para assegurar a realização do objetivo que prossegue, se não exceder o necessário para atingir esses objetivos e se for aplicada de maneira não discriminatória.

b)      Incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar que essas condições estão satisfeitas, tendo em conta as seguintes considerações:

—      Relativamente aos riscos que a criminalidade financeira engendra para a integridade do mercado financeiro, um Estado‑Membro pode legitimamente exigir às instituições de crédito que prestam os seus serviços no território nacional que comuniquem as informações relativas à realização de transações financeiras suspeitas a fim de evitar o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo.

—      Essa legislação é adequada para alcançar este objetivo se permitir ao Estado‑Membro supervisionar e suspender efetivamente as transações financeiras suspeitas realizadas pelas instituições de crédito que prestam os seus serviços no território nacional e, eventualmente, proceder judicialmente e punir os responsáveis.

—      A obrigação imposta às instituições de crédito que exercem a sua atividade em regime de livre prestação de serviços pode constituir uma medida proporcionada à prossecução deste objetivo se, à data dos factos do litígio no processo principal, não existir um mecanismo que garanta uma cooperação plena e completa das unidades de informação financeira.

—      Essa legislação, per se, não é discriminatória.


1 —      Língua original: francês.


2 —      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de outubro de 2005, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo (JO L 309, p. 15), conforme alterada pela Diretiva 2008/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2008 (JO L 76, p. 46, a seguir «diretiva 2005/60»). A Diretiva 2005/60 foi alterada, pela última vez, pela Diretiva 2010/78/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010 (JO L 331, p. 120), mas esta última não é aplicável ao caso em apreço.


3 —      Decisão do Conselho, de 17 de outubro de 2000, relativa a disposições de cooperação entre as unidades de informação financeira dos Estados‑Membros em matéria de troca de informações (JO L 271, p. 4).


4 —      Serviço Executivo da Comissão para a prevenção do branqueamento de capitais e das infrações monetárias, a seguir «Servicio Ejecutivo».


5 —      A seguir «Jyske».


6 —      Diretiva do Conselho, de 10 de junho de 1991, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais (JO L 166, p. 77).


7 —      V. terceiro e quarto considerandos desta decisão.


8 —      Artigo 10.° da Decisão 2000/642.


9 —      BOE n.° 311, de 29 de dezembro de 1993, p. 37327.


10 —      Sublinhado nosso.


11 —      BOE n.° 103, de 29 de abril de 2010, p. 37458.


12 —      BOE n.° 160, de 6 de julho de 1995, p. 20521. Decreto Real conforme alterado pelo Decreto Real 54/2005, de 21 de janeiro de 2005 (BOE n.° 19, de 22 de janeiro de 2005, p. 2573).


13 —      BOE n.° 260, de 30 de outubro de 2002, p. 38033.


14 —      O grupo Jyske Bank é composto, nomeadamente, pela sociedade‑mãe sediada na Dinamarca e por cinco sucursais situadas na Alemanha, em França, nos Países Baixos, em Gibraltar e na Suíça (v. informações disponíveis no sítio Internet do grupo no seguinte endereço: http//www.jyskebank.dk).


15 —      V., designadamente, despacho de 15 de abril de 2011, Debiasi (C‑613/10, n.° 20, e jurisprudência referida).


16 —      V. Relatório Anual de atividades de 2002 da Comissão de serviços financeiros de Gibraltar, disponível no sítio Internet http://www.fsc.gi.


17 —      JO L 126, p. 1.


18 —      JO L 177, p. 1. V., também, Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera as Diretivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 93/22/CEE do Conselho (JO L 145, p. 1), conforme alterada, pela última vez, pela Diretiva 2010/78 (a seguir «Diretiva 2004/39). A Diretiva 2004/39 deve permitir às sociedades de investimento, aos bancos e às bolsas oferecer os seus serviços além fronteiras, com base na autorização concedida pela autoridade competente do Estado‑Membro de origem.


19 —      De acordo com o artigo 299.°, n.° 4, CE, as disposições do Tratado CE são aplicáveis a Gibraltar — que é um território europeu cujas relações externas são asseguradas pelo Reino Unido — sob reserva das exclusões previstas no Ato relativo às condições de adesão às Comunidades Europeias do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e às adaptações dos Tratados (JO 1972, L 73, p. 14). Por conseguinte, são‑lhe aplicáveis as disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços e os atos de direito derivado adotados para assegurar a aplicação dessa liberdade. Portanto, um operador económico como o Jyske, com sede em Gibraltar, tem o direito de invocar as referidas disposições.


20 —      JO L 182, p. 1.


21 —      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, que cria uma Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Bancária Europeia), altera a Decisão n.° 716/2009/CE e revoga a Decisão 2009/78/CE da Comissão (JO L 331, p. 12).


22 —      Sublinhado nosso.


23 —      Idem.


24 —      V. vigésimo sétimo e vigésimo oitavo considerandos e artigo 17.° do Regulamento n.° 1093/2010.


25 —      V. trigésimo segundo considerando e artigo 19.° deste regulamento.


26 —      V., em particular, título V, capítulo 1, secções 1 e 2 desta diretiva.


27 —      V. artigos 37.° e 39.° desta diretiva.


28 —      V. artigo 25.° desta diretiva.


29 —      V., designadamente, acórdão de 19 de janeiro de 2006, Comissão/Alemanha (C‑244/04, Colet., p. I‑885, n.° 30 e jurisprudência referida).


30 —      V. acórdão de 19 de julho de 2012, Garkalns (C‑470/11, n.os 35 e segs., e jurisprudência referida).


31 —      Acórdão de 30 de junho de 2011, Zeturf (C‑212/08, Colet., p. I‑5633, n.os 45 e 46).


32 —      Ibidem (n.° 57 e jurisprudência referida).


33 —      V., designadamente, primeiro considerando do Regulamento n.° 1093/2010.