Language of document : ECLI:EU:T:2008:592

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Oitava Secção)

17 de Dezembro de 2008 (*)

«Cláusula compromissória – Contrato de apoio financeiro celebrado no âmbito de um programa específico no domínio das aplicações telemáticas de interesse comum – Projecto Encata – Reembolso dos montantes adiantados – Juros de mora – Decisão à revelia»

No processo T‑174/08,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por M. Afonso, na qualidade de agente,

demandante,

contra

Cooperação e Desenvolvimento Regional, SA, com sede em Setúbal (Portugal),

demandada,

que tem por objecto uma acção nos termos do artigo 238.° CE, para obter a condenação da demandada a reembolsar uma parte do montante do adiantamento pago pela Comunidade Europeia, acrescido de juros de mora, no âmbito do contrato SU 1001(SU) Encata,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Oitava Secção),

composto por: M. E. Martins Ribeiro, presidente, S. Papasavvas (relator) e A. Dittrich, juízes,

secretário: E. Coulon,

vistos os autos,

profere o presente

Acórdão

 Quadro contratual

 Contrato Encata

1        Em 30 de Dezembro de 1995, a Comunidade Europeia, representada pela Comissão, assinou com doze contratantes, entre os quais a demandada, Cooperação e Desenvolvimento Regional, SA, o contrato SU 1001 (SU) Encata (a seguir «contrato»).

2        O contrato previa a execução do projecto «European Network of Centres for the Advancement of Telematics in Urban and Rural Areas» (Rede Europeia de Centros para a Promoção da Telemática em Áreas Urbanas e Rurais), que se inscreve no quadro de um programa específico de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico, incluindo de demonstração, no domínio das aplicações telemáticas de interesse comum.

3        O contrato, redigido em inglês, rege‑se, por força do seu artigo 10.°, pelo direito irlandês. O seu anexo I descreve o programa de trabalho (a seguir «programa de trabalho»), enquanto o anexo II enuncia as condições gerais do referido contrato (a seguir «condições gerais»).

4        Por força do artigo 1.1 do contrato, os contratantes eram obrigados a executar o contrato conjunta e solidariamente em relação à Comissão, no que respeita aos trabalhos enunciados no programa de trabalho.

5        Em conformidade com o artigo 2.1 do contrato, o projecto deveria ter a duração de 18 meses, com início no primeiro dia do mês seguinte ao da última assinatura, a saber, no caso em apreço, 1 de Janeiro de 1996.

6        Por força do artigo 3.1 do contrato, os custos elegíveis estimados do projecto eram de 4 780 900 ecus.

7        O artigo 3.2 do contrato previa que a Comissão devia contribuir para o financiamento do projecto, no montante de 50% dos custos elegíveis, com o limite máximo de 2 271 354 ecus.

8        Nos termos do artigo 4.1 do contrato, o pagamento da contribuição da Comissão devia efectuar‑se do seguinte modo:

–        um adiantamento inicial de 1 135 677 ecus, nos dois meses seguintes ao da última assinatura dos contratantes;

–        pagamentos periódicos, a efectuar nos dois meses seguintes à aprovação dos diferentes relatórios de execução periódicos e das relações das despesas correspondentes. O adiantamento e os pagamentos periódicos acumulados não deviam exceder 90% da contribuição máxima da Comissão para o projecto;

–        o saldo da contribuição total devida (uma retenção de 10%), a pagar nos dois meses seguintes à aprovação do último relatório, documento ou outros elementos a apresentar do projecto referido no programa de trabalho bem como da relação de despesas para o período final referido no artigo 5.2 do contrato.

9        A entrada em vigor do Regulamento (CE) n.° 1103/97 do Conselho, de 17 de Junho de 1997, relativo a certas disposições respeitantes à introdução do euro (JO L 162, p. 1), teve por consequência, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, deste regulamento, a substituição de todas as referências ao ecu por referências ao euro, à taxa de um euro por um ecu.

10      Segundo o artigo 9.2.2 do contrato, todos os pagamentos devidos pela Comissão deveriam ser efectuados à sociedade coordenadora do projecto, a Shannon Free Airport Development Co. (a seguir «coordenadora»), que, por sua vez, deveria transferir imediatamente o montante apropriado para cada contratante.

11      Em conformidade com o artigo 23.2 das condições gerais, todos os pagamentos efectuados pela Comissão eram considerados adiantamentos até à aprovação dos elementos do projecto a apresentar ou, na falta destes, até à aprovação do relatório final.

12      Segundo o artigo 23.3 das condições gerais, no caso de a contribuição financeira total devida pela Comissão para o projecto ser inferior ao montante total dos pagamentos por ela efectuados, os contratantes comprometiam‑se a reembolsar‑lhe imediatamente a diferença.

13      O artigo 7.° das condições gerais previa que o Tribunal de Primeira Instância e, em caso de recurso, o Tribunal de Justiça tinham competência exclusiva para apreciar qualquer litígio entre a Comissão e os contratantes, no que respeita à validade, à aplicação e à interpretação deste contrato.

 Revisões do contrato Encata

14      Em 25 de Setembro de 1997, os contratantes acordaram numa primeira revisão do contrato. Esta revisão aumentou para 36 meses a duração do projecto, sempre a partir de 1 de Janeiro de 1996. Além disso, os custos elegíveis estimados do projecto elevaram‑se a 8 447 800 ecus. Por outro lado, a contribuição da Comissão foi aumentada para 4 000 000 ecus. Finalmente, o adiantamento inicial ascendeu a 2 000 000 ecus.

15      Em 29 de Junho de 1998, as partes acordaram numa segunda revisão do contrato. Nos termos desta, a duração do projecto passou para 30 meses, mantendo‑se o dia 1 de Janeiro de 1996 como data de início. Os custos elegíveis estimados do projecto foram, além disso, reduzidos para 6 745 300 ecus. Por outro lado, a contribuição da Comissão desceu para 3 200 600 ecus. Por último, o adiantamento inicial foi reduzido para 1 600 300 ecus.

 Antecedentes do litígio

16      Em 18 de Janeiro de 1996, a Comissão entregou à coordenadora, em conformidade com o artigo 4.1 do contrato, um montante de 1 135 677 ecus a título de adiantamento.

17      Em 25 de Setembro de 1997, a Comissão entregou à coordenadora um montante de 864 323 ecus, igualmente a título de adiantamento, nos termos do artigo 4.1 do contrato, conforme alterado pela primeira revisão.

18      Dado que os custos finais do projecto aprovados pela Comissão foram inferiores às quantias que tinham sido pagas por esta a título de adiantamento, a Comissão requereu à coordenadora, nos termos do artigo 23.3 das condições gerais, que lhe fossem restituídas as quantias que tinham sido adiantadas em excesso às contratantes.

19      Por carta de 11 de Janeiro de 2000, a coordenadora deu a conhecer à Comissão que, entre outros, a demandada não tinha efectuado o reembolso correspondente às quantias adiantadas em excesso que tinha recebido. Resulta do quadro anexo a esta carta que, segundo a coordenadora, a demandada deveria ter efectuado o reembolso de 72 423,92 EUR, referente à diferença entre os custos aceites, a saber, 130 734,48 EUR, e o valor adiantado que lhe foi pago, a saber, 203 158,40 EUR.

20      Após ter procedido a uma verificação e rectificação dos valores devidos pela demandada, a Comissão enviou‑lhe, em 5 de Dezembro de 2000, a nota de débito n.° 3240208222, pedindo o reembolso de 63 349,27 EUR, com data de vencimento em 31 de Janeiro de 2001.

21      Por cartas de 8 de Junho e 8 de Setembro de 2001 e de 8 de Fevereiro de 2002, a Comissão enviou à demandada um novo aviso para pagamento de 63 349,27 EUR.

22      Por carta de 26 de Fevereiro de 2002, a demandada informou a Comissão da sua preocupação em regularizar a situação e de que, por conseguinte, assumia a dívida. No entanto, em razão, designadamente, de dificuldades financeiras, solicitou à Comissão o alargamento do prazo concedido para o reembolso da dívida e propôs um plano de pagamento faseado da mesma.

23      Por fax de 15 de Março de 2002, a demandada comprometeu‑se a enviar à Comissão, até 22 de Março de 2002, uma proposta de plano de pagamento da sua dívida. Dando sequência a este compromisso, a demandada apresentou, por fax de 16 de Abril de 2002, uma proposta de pagamento escalonado a efectuar em quatro prestações semestrais de 14 963,94 EUR cada, devendo o pagamento da primeira prestação ser efectuado no final do primeiro semestre de 2002.

24      A Comissão, por fax de 7 de Maio de 2002, informou a demandada de que registava a sua pretensão de efectuar o pagamento da sua dívida em quatro prestações semestrais de 15 837,31 EUR cada uma, devendo os pagamentos ser feitos em 30 de Junho e 31 de Dezembro de 2002 e em 30 de Junho e 31 de Dezembro de 2003. A Comissão precisava igualmente, por um lado, que seriam calculados juros à taxa aplicada pelo Banco Central Europeu (BCE), acrescidos de um ponto e meio, a contar da data de vencimento de 31 de Janeiro de 2001 e, por outro, que deveria ser prestada uma garantia bancária cobrindo a totalidade da quantia em dívida, incluindo os juros.

25      Por carta de 5 de Julho de 2002, a demandada informou a Comissão de que não lhe seria possível apresentar de imediato a garantia bancária exigida, reafirmando, no entanto, a sua intenção de pagar as duas prestações acumuladas durante o ano em curso, conseguir a referida garantia bancária e efectuar os restantes pagamentos.

26      Por fax enviado à demandada em 23 de Julho de 2002, a Comissão dava conta de que ainda não tinha sido feito nenhum pagamento e pedia à demandada que a informasse do seguimento que tencionava dar a este assunto.

27      Por carta de 13 de Janeiro de 2003, Comissão pediu à demandada que procedesse ao pagamento do montante de 63 349,27 EUR, no prazo de 15 dias a contar da recepção dessa carta.

28      A demandada, por fax de 21 de Janeiro de 2003, pediu um adiamento de três meses, até ao fim de Março de 2003, para proceder ao pagamento do montante em dívida.

29      Por carta de 3 de Fevereiro de 2003, a Comissão aceitou conceder à demandada o adiamento do pagamento solicitado, com a condição, por um lado, de que aceitasse que a dívida produzia juros a contar da data de vencimento constante da nota de débito e, por outro, que prestasse uma garantia bancária cobrindo a totalidade da dívida, incluindo juros.

30      Por carta de 8 de Julho de 2004, a Comissão notificou a demandada para pagar imediatamente a quantia de 63 349,27 EUR, acrescida dos juros devidos a contar do dia seguinte à data de vencimento constante da nota de débito, que se elevavam, em 20 de Julho de 2004, a 15 788,96 EUR.

31      Por carta de 22 de Novembro de 2005, a Comissão declarou que, apesar de, nas suas cartas de 5 de Julho de 2002 e de 21 de Janeiro de 2003, a demandada ter manifestado a intenção de pagar o montante em dívida, que ascendia a 86 432,99 EUR (correspondente a 63 349,27 EUR acrescidos de 23 083,72 EUR de juros calculados à data de 9 de Dezembro de 2005), este ainda não tinha sido reembolsado. A Comissão informou igualmente a demandada de que se encontrava já em contacto com advogados portugueses com vista a obter o pagamento da referida quantia por via judicial. Precisava, contudo, que a demandada poderia evitar os custos adicionais decorrentes de tal processo, desde que procedesse de imediato ao pagamento da quantia em dívida, quer integralmente, o mais tardar, até 9 de Dezembro de 2005, quer em duas prestações, a primeira, de 43 216,50 EUR, em 9 de Dezembro de 2005, e a segunda, de 43 520,50 EUR, em 9 de Janeiro de 2006. Neste último caso, a demandada deveria fornecer a prova da constituição de uma garantia bancária.

32      Por correio electrónico de 5 de Julho de 2007 e por carta de 6 de Julho de 2007, a Comissão solicitou novamente à demandada que efectuasse de imediato o pagamento dos montantes em dívida.

33      Por correio electrónico de 9 de Julho de 2007, a demandada comprometeu‑se a regularizar a dívida no mais curto espaço de tempo possível, o mais tardar, até ao último trimestre de 2007.

34      Por carta de 23 de Agosto de 2007, a demandada apresentou nova proposta de pagamento escalonado da dívida à Comissão, em seis prestações semestrais, e de prestação de uma garantia bancária do montante em dívida, antes do vencimento da segunda prestação.

35      Por carta de 21 de Setembro de 2007, a Comissão rejeitou esta nova proposta de pagamento escalonado. Com efeito, a Comissão alegou que era inaceitável que, não obstante as múltiplas e repetidas promessas de pagamento, reiteradas ao longo dos anos, não tivesse sido ainda efectuado o mínimo pagamento. Além disso, na medida em que o envio desta proposta não tinha sido antecedido nem acompanhado de qualquer pagamento parcial, contrariamente ao que tinha sido prometido pela demandada em Julho de 2007, a Comissão considerou que tal proposta não podia ser considerada credível. Por último, informou que daria entrada brevemente no Tribunal de Primeira Instância a competente acção judicial.

 Tramitação do processo e pedidos da Comissão

36      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 15 de Maio de 2008, a Comissão intentou a presente acção nos termos do artigo 238.° CE.

37      Não tendo a demandada apresentado contestação no prazo que lhe foi fixado, a Comissão, em 24 de Setembro de 2008, requereu ao Tribunal, nos termos do artigo 122.°, n.° 1, do seu Regulamento de Processo, que desse provimento aos seus pedidos, sem necessidade de mais diligências.

38      A este respeito, importa efectivamente constatar que, embora a petição e o pedido da Comissão para que fosse proferida uma decisão à revelia lhe tenham sido devidamente notificados, a demandada não apresentou contestação. Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância deve decidir à revelia. Dado que a admissibilidade do pedido não suscita dúvidas e que os requisitos de forma se encontram devidamente preenchidos, compete ao Tribunal de Primeira Instância, nos termos do artigo 122.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, verificar se os pedidos da demandante são procedentes.

39      A Comissão pede que o Tribunal se digne:

–        condenar a demandada a restituir‑lhe o montante principal de 63 349,27 EUR, acrescido da quantia de 28 940,70 EUR relativa a juros de mora vencidos até 5 de Maio de 2008;

–        condenar a demandada no pagamento de juros vincendos a partir de 6 de Maio de 2008, no valor diário de 10,91 EUR, até ao dia do pagamento integral da dívida;

–        condenar a demandada nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto ao reembolso de uma parte do adiantamento

 Argumentos da Comissão

40      A Comissão alega que a demandada em nenhum momento negou a existência da obrigação de lhe restituir o montante de 63 349,27 EUR, acrescido de juros de mora, decorrente dos pagamentos adiantados recebidos pela mesma no âmbito do contrato. Pelo contrário, por várias vezes reconheceu a referida dívida e afirmou a sua intenção de proceder ao respectivo pagamento o mais rapidamente possível, designadamente, na sua correspondência de 9 de Julho e 23 de Agosto de 2007.

41      A este respeito, a Comissão sublinha que, ao longo dos anos, não deixou nunca de recordar à demandada a existência da referida dívida, tendo‑lhe endereçado múltiplos pedidos de pagamento. No entanto, até à data da apresentação da presente petição, a demandada não efectuou qualquer pagamento, ainda que parcial, relativo ao montante da dívida principal ou dos juros, não obstante as repetidas promessas feitas a este propósito pelos seus dirigentes. Ainda que a Comissão sempre tenha manifestado a maior compreensão pelas dificuldades financeiras invocadas pela demandada, considera que esta situação não se podia prolongar indefinidamente.

42      A Comissão entende, portanto, que a demandada lhe deve restituir a quantia de 63 349,27 EUR, correspondente ao montante principal em dívida.

 Apreciação do Tribunal

43      Nos termos do artigo 23.3 das condições gerais, no caso de a contribuição financeira total devida para o projecto ser inferior ao montante total dos pagamentos efectuados, os contratantes comprometiam‑se a reembolsar imediatamente a diferença à Comissão.

44      No caso em apreço, importa, antes de mais, assinalar que resulta dos autos que a Comissão enviou à demandada, em 5 de Dezembro de 2000, uma nota de débito em que pedia o reembolso de 63 349,27 EUR. Esta soma corresponde, segundo a Comissão, ao montante recebido em excesso pela demandada no âmbito do contrato.

45      Em seguida, há que constatar que nenhum elemento dos autos demonstra que a demandada tenha contestado a referida nota de débito ou os múltiplos avisos subsequentes que a Comissão lhe enviou. Pelo contrário, resulta dos elementos de prova fornecidos pela Comissão que a demandada assumiu essa dívida (v. n.° 22, supra) e que se comprometeu, por diversas vezes, a pagar, eventualmente mediante um escalonamento ou um adiamento do pagamento (v. n.os 22, 23, 25, 28, 33 e 34, supra). No entanto, segundo as afirmações da Comissão, a demandada não reembolsou as somas em dívida.

46      Nestas condições, há que julgar procedente o pedido da Comissão relativamente ao reembolso do montante recebido em excesso de 63 349,27 EUR.

 Quanto aos juros

 Argumentos da Comissão

47      A Comissão recorda que a nota de débito de 5 de Dezembro de 2000 indicava expressamente que, caso o pagamento não fosse efectuado até ao dia 31 de Janeiro de 2001, seriam exigidos juros de mora à taxa «EUR» aplicável em Janeiro de 2001, acrescida de um ponto e meio. A este respeito, alega que, uma vez que o contrato celebrado entre as partes não contém qualquer cláusula relativa à taxa de juro aplicável, se pode aplicar a taxa de juro prevista na regulamentação comunitária (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Maio de 2005, Comissão/Huhtamaki Dourdan, C‑315/03, não publicado na Colectânea, n.os 47 a 50). Segundo a Comissão, deve, pois, aplicar‑se a taxa de juro indicada na nota de débito, ou seja, a taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, em vigor no primeiro dia de calendário do mês de vencimento, acrescida de um ponto e meio. A aplicação desta taxa decorre do artigo 94.° do Regulamento (Euratom, CECA, CE) n.° 3418/93 da Comissão, de 9 de Dezembro de 1993, que estabelece normas de execução de algumas disposições do Regulamento Financeiro de 21 de Dezembro de 1977 (JO L 315, p. 1), que esteve em vigor até 31 de Dezembro de 2002.

48      Quanto às disposições do artigo 71.°, n.° 4, do Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002 do Conselho, de 25 de Junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO L 248, p. 1), e às disposições do artigo 86.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento (CE, Euratom) n.° 2342/2002 da Comissão, de 23 de Dezembro de 2002, que estabelece as normas de execução do Regulamento n.° 1605/2002 (JO L 357, p. l), que entraram em vigor em 1 de Janeiro de 2003, a Comissão observa que decorre da jurisprudência que estas disposições não são aplicáveis aos créditos que resultam de contratos celebrados antes da sua entrada em vigor, como no caso em apreço.

49      A Comissão sublinha que a taxa de juro por ela reclamada no caso vertente, ou seja, a taxa de 4,79%, acrescida de um ponto e meio, é, em todo o caso, inferior à taxa de juro que resultaria da aplicação da legislação irlandesa.

50      Por conseguinte, reconhecendo que a obrigação de pagar juros de mora sobre o reembolso da quantia principal de 63 349,27 EUR emergiu em 31 de Janeiro de 2001, a Comissão entende que o montante dos juros em dívida ascendia a 28 940,70 EUR, em 5 de Maio de 2008. Além disso, acrescenta que os juros de mora são devidos a contar do dia seguinte ao da data de vencimento, fixado na nota de débito, até ao dia do reembolso integral da dívida.

 Apreciação do Tribunal

51      Na nota de débito de 5 de Dezembro de 2000, a Comissão indicou que esta devia ser paga até ao dia 31 de Janeiro de 2001 e que, após essa data, seriam devidos juros de mora à taxa «EUR» aplicável em Janeiro de 2001, acrescida de um ponto e meio.

52      No entanto, importa assinalar que o artigo 23.3 das condições gerais não prevê que o reembolso do pagamento em excesso feito pela Comissão à demandada seja acrescido de juros de mora.

53      Não tendo sido acordados juros e na medida em que o contrato é regido pelo direito irlandês, há que aplicar o artigo 22.°, n.° 1, do Courts Act, 1981, que dispõe que, quando um tribunal ordena a uma pessoa, no âmbito de um processo, que pague uma quantia em dinheiro, o juiz competente pode igualmente, se considerar oportuno, ordenar a essa pessoa que pague juros à taxa anual em vigor à época considerada, fixada no artigo 26.° do Debtors (Ireland) Act, 1840. Estes juros incidem sobre a totalidade ou parte do montante principal e cobrem a totalidade ou parte do período que decorre entre o facto que dá origem à propositura da acção judicial e a data da prolação da decisão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 2004, Comissão/Trendsoft, C‑127/03, não publicado na Colectânea, n.° 31). A este respeito, importa assinalar que, nos termos do artigo 26.° do Debtors (Ireland) Act, 1840, alterado, em conformidade com o artigo 20.° do Courts Act, 1981, pelo ponto 3 do Courts Act, 1981 (Interest on Judgment Debts) Order 1989, qualquer crédito declarado por decisão judicial e que não tenha sido reconhecido ou cobrado, emergente de cláusula penal de garantia do montante principal e dos juros, vencerá juros à taxa anual de 8%.

54      No entanto, no caso em apreço, a Comissão não invocou, em apoio dos seus pedidos de pagamento de juros de mora, nenhuma disposição pertinente de direito irlandês. Com efeito, limitou‑se a fazer referência à sua nota de débito de 5 de Dezembro de 2000, que fixa a data de vencimento em 31 de Janeiro de 2001 e indica que, não sendo feito o pagamento nessa data, seriam debitados juros de mora à taxa de juros resultante das disposições comunitárias pertinentes. Porém, na medida em que a demandada não contestou a obrigação de reembolso à Comissão do montante de 63 349,27 EUR recebido em excesso e dos juros correspondentes, nem efectuou esse reembolso, há que condená‑la, em aplicação das disposições pertinentes do direito irlandês, a pagar juros de mora.

55      Quanto ao acórdão Comissão/Huhtamaki Dourdan, já referido, invocado pela Comissão em apoio do seu pedido de aplicação da taxa resultante das disposições comunitárias, designadamente do Regulamento n.° 3418/93, importa assinalar que, neste acórdão, o Tribunal de Justiça aplicou essa taxa em razão da vontade comum das partes de aplicarem uma taxa de juros determinada segundo um método diferente do estabelecido pelas regras francesas relativas aos juros à taxa legal previstas pelo artigo 1153.° do Código Civil, que, caso contrário, teriam sido aplicadas (acórdão Comissão/Huhtamaki Dourdan, já referido, n.os 48 e 50). Ora, cumpre declarar que, no caso em apreço, as partes não exprimiram uma vontade comum de determinar a taxa de juros segundo um método particular.

56      Importa, contudo, observar que a Comissão reclama a aplicação de uma taxa de juros de 6,29%, que corresponde à taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, em vigor no primeiro dia do mês de vencimento, tal como publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JO 2001, C 1, p. 5), acrescida de um ponto e meio.

57      Na medida em que, para o período compreendido entre 31 de Janeiro de 2001 e a data do presente acórdão, a taxa de juros reclamada pela Comissão é, como, de resto, a mesma reconheceu, inferior à fixada pelo direito irlandês, há que julgar procedente o seu pedido a este respeito (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça, Comissão/Trendsoft, já referido, n.° 35, e de 24 de Fevereiro de 2005, Comissão/Implants, C‑279/03, não publicado na Colectânea, n.° 34).

58      Além disso, em relação ao período decorrente entre a data do presente acórdão e a data do pagamento integral da dívida, a demandada deve ser condenada a pagar à Comissão juros calculados em conformidade com a lei irlandesa, a saber, actualmente, o artigo 26.° do Debtors (Ireland) Act, 1840, alterado, no limite de uma taxa de 6,29% ao ano.

59      Atendendo a todas as considerações precedentes, a demandada deve ser condenada a reembolsar à Comissão a quantia de 63 349,27 EUR, acrescida de juros de mora:

–        à taxa de 6,29% ao ano, a partir de 31 de Janeiro de 2001 até à data do presente acórdão;

–        à taxa anual aplicada por força da lei irlandesa, a saber, actualmente, o artigo 26.° do Debtors (Ireland) Act, 1840, alterado, no limite de uma taxa de 6,29% ao ano, a partir do presente acórdão até ao pagamento integral da dívida.

 Quanto às despesas

60      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a demandada sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Oitava Secção)

decide:

1)      A Cooperação e Desenvolvimento Regional, SA, é condenada a reembolsar à Comissão das Comunidades Europeias a quantia de 63 349,27 EUR, acrescida de juros de mora:

–        à taxa de 6,29% ao ano, a partir de 31 de Janeiro de 2001 até à data do presente acórdão;

–        à taxa anual aplicada por força da lei irlandesa, a saber, actualmente, o artigo 26.° do Debtors (Ireland) Act, 1840, alterado, no limite de uma taxa de 6,29% ao ano, a partir do presente acórdão até ao pagamento integral da dívida.

2)      A Cooperação e Desenvolvimento Regional é condenada nas despesas.

Martins Ribeiro

Papasavvas

Dittrich

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Dezembro de 2008.



* Língua do processo: português.