Language of document : ECLI:EU:C:2009:576

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

24 de Setembro de 2009 (*)


Índice


I –  Quadro jurídico

A –  Regulamento n.° 17

B –  Orientações

C –  Comunicação sobre a cooperação

II –  Antecedentes do litígio e decisão impugnada

III –  Os recursos no Tribunal de Primeira Instância e o acórdão recorrido

IV –  Pedidos das partes no presente recurso

V –  Fundamentos de anulação do acórdão recorrido

VI –  Quanto aos presentes recursos

A –  Quanto aos fundamentos relativos à violação do artigo 81.°, n.° 1, CE

1.  Quanto ao fundamento relativo a um erro de direito no que diz respeito à apreciação do requisito atinente ao facto de o comércio entre Estados‑Membros ser afectado

a)  Quanto à primeira parte, relativa a um erro de direito no que diz respeito à apreciação da aptidão de um acordo que cobre todo o território nacional para afectar sensivelmente o comércio entre Estados‑Membros

i)  Argumentos das partes

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

b)  Quanto à segunda parte, relativa ao facto de o Tribunal de Primeira Instância ter cometido um erro de direito ao considerar que a Comissão podia proceder a uma análise global dos efeitos transfronteiriços dos comités e ao proceder a uma análise errada, insuficiente e contraditória da definição do mercado de referência.

i)  Argumentos das partes

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

–  Quanto à interpretação errada da jurisprudência pelo Tribunal de Primeira Instância

–  Quanto ao carácter errado, insuficiente e contraditório da análise do Tribunal de Primeira Instância relativa à definição do mercado de referência

c)  Quanto à terceira parte, relativa à não demonstração de que o acordo tenha afectado sensivelmente o comércio intracomunitário

i)  Argumentos das partes

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

2.  Quanto ao fundamento relativo a um erro de direito no que diz respeito à imputação da responsabilidade pela infracção

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Justiça

B –  Quanto ao fundamentos relativos à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17

1.  Quanto ao fundamento relativo à existência de erros de direito na apreciação da gravidade da infracção

a)  Quanto à primeira parte, relativa ao facto de a apreciação não estar em conformidade com as orientações

i)  Argumentos das partes

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

b)  Quanto à segunda parte, relativa a erros de direito no que diz respeito à «natureza própria» da infracção

i)  Argumentos das partes

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

c)  Quanto à terceira parte, relativa a um erro de direito no que diz respeito ao «impacto concreto da infracção sobre o mercado»

i)  Argumentos das partes

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

d)  Quanto à quarta parte, relativa a um erro de direito no que diz respeito à apreciação da «dimensão do mercado geográfico em causa»

i)  Argumentos das partes

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

e)  Quanto à quinta parte, relativa a um erro de direito no que diz respeito à apreciação dos efeitos do carácter selectivo dos processos instaurados sobre a qualificação da infracção e à violação do dever de fundamentação

i)  Argumentos das partes

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

f)  Quanto à sexta parte do presente fundamento, relativo ao facto de não ter sido feita uma apreciação global da gravidade da infracção

i)  Argumentos das partes

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

g)  Quanto à sétima parte do presente fundamento, relativa a um erro de direito no que diz respeito à repartição das recorrentes pelas categorias de infracção estabelecidas pela Comissão

i)  Argumentos das partes

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

2.  Quanto ao fundamento relativo à existência de erros de direito, à falta de fundamentação e à deturpação dos elementos probatórios no que diz respeito à existência de circunstâncias atenuantes

a)  Quanto à primeira parte, relativa à existência de erros de direito, à deturpação dos elementos probatórios e à contradição de fundamentos em relação ao comportamento passivo da ÖVAG

i)  Argumentos das partes

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

b)  Quanto à segunda parte, relativa a um erro de direito no que diz respeito à participação das autoridades públicas nos comités bancários

i)  Argumentos das partes

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

c)  Quanto à terceira parte, relativa a um erro de direito no que diz respeito ao carácter público das reuniões

i)  Argumentos das partes

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

3.  Quanto ao fundamento relativo à violação da comunicação sobre a cooperação

a)  Quanto à primeira parte, relativa ao facto de o Tribunal de Primeira Instância não ter analisado correctamente a margem de apreciação da Comissão

i)  Argumentos das partes

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

b)  Quanto à segunda parte, relativa a um erro de direito na aplicação da comunicação sobre a cooperação.

i)  Quanto ao primeiro argumento, relativo a um erro de direito no que diz respeito à exigência de que a cooperação traga um «valor acrescentado» e à violação do princípio da igualdade de tratamento

–  Argumentos das partes

–  Apreciação do Tribunal de Justiça

ii)  Quanto ao segundo argumento, relativo a erros de direito no âmbito da apreciação da amplitude da cooperação das empresas, à violação dos princípios da igualdade de tratamento, da protecção da confiança legítima, à observância dos direitos de defesa e à insuficiência da fundamentação

–  Quanto à primeira parte do segundo argumento

–  Quanto à segunda parte do segundo argumento, relativo a erros de direito no âmbito da apreciação da exposição comum dos factos

–  Quanto à terceira parte do segundo argumento, relativa a um erro de direito no que diz respeito à apreciação do reconhecimento, pela RZB, da finalidade anticoncorrencial da infracção e à violação do princípio da igualdade de tratamento

–  Quanto à quarta parte do segundo argumento, relativa à inversão do ónus da prova no que diz respeito ao valor da cooperação da RZB e à violação do princípio da protecção da confiança legítima

–  Quanto à quinta parte do segundo argumento, relativa a erros de direito e à fundamentação contraditória no âmbito da análise do Tribunal de Primeira Instância relativa ao valor dos documentos suplementares transmitidos pela BA‑CA

–  Quanto à sexta parte do segundo argumento, relativa ao facto de não terem sido levadas em conta as respostas da BA‑CA à comunicação de acusações

–  Argumentos das partes

–  Apreciação do Tribunal de Justiça

C –  Quanto ao fundamento relativo à violação do direito de ser ouvido pelo Tribunal de Primeira Instância

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Justiça

D –  Quanto ao fundamento relativo à violação, pelo Tribunal de Primeira Instância, do seu dever de fundamentação no que diz respeito à fixação do nível das coimas e do direito de audiência

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Justiça

VII –  Quanto às despesas

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Acordos, decisões e práticas concertadas – Fixação por bancos austríacos de taxas de juro das operações passivas e activas – ‘Clube Lombard’ – Afectação do comércio entre Estados‑Membros – Cálculo das coimas – Sucessão de empresas – Impacto concreto no mercado – Execução do acordo»

Nos processos apensos C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P e C‑137/07 P,

que têm por objecto recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância nos termos do artigo 56.° do Estatuto da Tribunal de Justiça, entrados, respectivamente, em 1, 2, 5 e 6 de Março de 2007,

Erste Group AG, anteriormente Erste Bank der österreichischen Sparkassen AG (C‑125/07 P), com sede em Viena (Áustria), representada por F. Montag, Rechtsanwalt,

Raiffeisen Zentralbank Österreich AG (C‑133/07 P), com sede em Viena (Áustria), representada por S. Völcker e G. Terhorst, Rechtsanwälte,

Bank Austria Creditanstalt AG (C‑135/07 P), com sede em Viena (Áustria), representada por C. Zschocke e J. Beninca, Rechtsanwälte,

Österreichische Volksbanken AG (C‑137/07 P), com sede em Viena (Áustria), representada por A. Ablasser, R. Bierwagen e F. Neumayr, Rechtsanwälte,

recorrentes,

sendo a outra parte no processo:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por A. Bouquet e R. Sauer, na qualidade de agentes, assistidos por D. Waelbroeck, avocat, e U. Zinsmeister, Rechtsanwältin, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, J.‑C. Bonichot, P. Kūris (relator), L. Bay Larsen e C. Toader, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 13 de Março de 2008,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de Março de 2009,

profere o presente

Acórdão

1        Com os seus recursos, a Erste Group Bank AG, anteriormente Erste Bank der österreichischen Sparkassen AG (a seguir «Erste»), a Raiffeisen Zentralbank Österreich AG (a seguir «RZB»), a Bank Austria Creditanstalt AG (a seguir «BA‑CA»), e a Österreichische Volksbanken AG (a seguir «ÖVAG») pedem ao Tribunal de Justiça a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 14 de Dezembro de 2006, Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão (T‑259/02 a T‑264/02 e T‑271/02, Colect., p. II‑5169, a seguir «acórdão recorrido»), que negou provimento ao recurso de anulação da Decisão 2004/138/CE da Comissão, de 11 de Junho de 2002, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo COMP/36.571/D‑1 – Bancos austríacos («Clube Lombard») (JO 2004, L 56, p. 1, a seguir «decisão impugnada») e, a título subsidiário, a redução das coimas que lhes foram aplicadas pelo artigo 3.° da decisão impugnada e, ainda a título subsidiário, a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância e a remessa do processo ao mesmo tribunal.

I –  Quadro jurídico

A –  Regulamento n.° 17

2        O artigo 11.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), (JO 1962, 13, p. 204), dispõe:

«Se uma empresa ou associação de empresas não prestar as informações pedidas no prazo fixado pela Comissão ou se as fornecer de modo incompleto, a Comissão, mediante decisão, exigirá que a informação seja prestada. A decisão especificará as informações pedidas, fixará um prazo conveniente no qual a informação deve ser prestada e indicará as sanções previstas no n.° 1, alínea b), do artigo 15.° e no n.° 1, alínea c), do artigo 16.°, bem como a possibilidade de recurso da decisão para o Tribunal de Justiça.»

3        O artigo 15, n.° 2, do Regulamento n.° 17 dispõe:

«2.      A Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de empresas multas de mil unidades de conta, no mínimo, a um milhão de unidades de conta, podendo este montante ser superior desde que não exceda dez por centro do volume de negócios realizado, durante o exercício social anterior, por cada uma das empresas que tenha participado na infracção sempre que, deliberada ou negligentemente:

a)      Cometam uma infracção ao disposto no n.° 1 do artigo [81.°] ou no artigo [82.°] do Tratado, ou

b)      Não cumpram uma obrigação imposta por força do n.° 1 do artigo 8.°

Para determinar o montante da multa, deve tomar‑se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma.»

B –  Orientações

4        A Comunicação da Comissão intitulada «Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA» (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações») dispõe, no seu preâmbulo:

«Os princípios enunciados nas […] orientações deverão permitir assegurar a transparência e o carácter objectivo das decisões da Comissão, quer em relação às empresas, quer em relação ao Tribunal de Justiça, reafirmando, simultaneamente, a margem de discricionariedade deixada pelo legislador à Comissão em matéria de fixação de coimas, no limite de 10% do volume de negócios global das empresas. Esta margem de discricionariedade deverá, contudo, ser exercida segundo uma linha de política coerente e não discriminatória, adaptada aos objectivos prosseguidos pela repressão das infracções às regras de concorrência.

A nova metodologia aplicável ao montante das coimas pautar‑se‑á doravante pelo esquema a seguir apresentado que se baseia na fixação de um montante de base ajustado através de majorações, para ter em conta circunstâncias agravantes, e de diminuições, para ter em conta circunstâncias atenuantes.»

5        As orientações dispõem, no ponto 1, que, para o cálculo do montante das coimas, o montante de base é determinado em função dos critérios referidos no n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17, que são a gravidade e a duração da infracção. As orientações também dispõem que a avaliação do grau de gravidade da infracção deve ter em consideração o carácter da própria infracção, o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável e a dimensão do mercado geográfico de referência.

C –  Comunicação sobre a cooperação

6        Na sua Comunicação sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas, publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 18 de Julho de 1996 (JO 1996, C 207, p. 4, a seguir «comunicação sobre a cooperação»), de que tinha sido publicado um projecto, intitulado Informação da Comissão das Comunidades Europeias sobre a sua política de aplicação de coimas por infracção às regras da concorrência, em 19 de Dezembro de 1995 (JO C 341, p. 13), a Comissão definiu as condições com base nas quais as empresas que com ela cooperem durante as suas investigações sobre um acordo, decisão ou prática concertada poderão beneficiar da não aplicação ou da redução da coima que, em princípio, lhes seria aplicada, como resulta do capítulo A, ponto 3, desta comunicação.

7        Nos termos do capítulo A, ponto 5, da comunicação sobre a cooperação:

«A cooperação de uma empresa com a Comissão mais não é do que um dos vários elementos a tomar em conta para a fixação do montante de uma coima.

[…]»

8        O capítulo D da referida comunicação, relativo à redução significativa da coima, dispõe:

«1.      A partir do momento em que uma empresa se propõe cooperar sem se encontrarem preenchidas todas as condições expostas nos pontos B ou C, a mesma beneficiará de uma redução de 10% a 50% do montante da coima que lhe teria sido aplicada na falta da sua cooperação.

2.      Esta situação pode verificar‑se, nomeadamente, se:

–        uma empresa, antes do envio de uma comunicação de acusações, fornecer à Comissão informações, documentação ou outras provas que contribuam para confirmar a existência da infracção,

–        uma empresa, após ter recebido a comunicação de acusações, informar a Comissão de que não contesta a materialidade dos factos em que a Comissão baseia as suas acusações.»

9        O capítulo E, ponto 3, desta comunicação, relativo ao procedimento, dispõe, nomeadamente:

«A Comissão está consciente de que a presente comunicação cria expectativas legítimas em que as empresas se basearão para informarem a Comissão da existência de um acordo, decisão ou prática concertada.»

II –  Antecedentes do litígio e decisão impugnada

10      No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância resumiu a matéria de facto na origem do recurso interposto no mesmo tribunal nos seguintes termos:

«1.      Pela [decisão impugnada], a Comissão declarou verificada a participação de diversas empresas numa série de acordos e práticas concertadas na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE.

2.      Em causa estavam, designadamente os seguintes oito bancos, que são os destinatários da decisão impugnada:

–        Erste [...];

–        [RZB];

–        [BA‑CA];

–        […]

–        [ÖVAG];

–        […]

3.      No essencial, a Comissão acusa os destinatários da decisão impugnada de terem instituído o que designa de ‘rede Lombard’, isto é, um conjunto de reuniões regulares (a seguir ‘comités’), exaustivas no conteúdo e estreitamente ligadas quanto à forma, no âmbito das quais concertavam regularmente o seu comportamento quanto aos parâmetros principais em termos de concorrência no mercado austríaco dos produtos e serviços bancários.

[…]

15.      Ao ter conhecimento, em Abril de 1997, de um documento que indiciava a existência, no mercado bancário austríaco, de acordos ou de práticas concertadas contrários ao artigo 81.° CE, a Comissão abriu o procedimento formal de investigação. Em 30 de Junho de 1997, nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 […], o partido político Freiheitliche Partei Österreichs (a seguir ‘FPÖ’) apresentou uma denúncia contra oito instituições de crédito austríacas por suspeita de participação em acordos e/ou práticas concertadas restritivos da concorrência.

16.      Em 23 e 24 de Junho de 1998, a Comissão efectuou inspecções surpresa em diversos bancos entre os quais se encontravam a maior parte dos destinatários da decisão impugnada. Em 21 de Setembro de 1998, a Comissão, nos termos do artigo 11.°, n.° 2 do Regulamento n.° 17, dirigiu um pedido de informações a um grande número de instituições de crédito suspeitas de terem participado nesses acordos ou práticas.

17.      Imediatamente após a recepção do pedido de informações, os principais bancos visados ofereceram à Comissão a sua ‘cooperação’ na investigação, a ponto de proporem apresentar uma descrição ‘voluntária’ dos factos (em vez de responderem ao pedido de informações) e de renunciarem a uma audição; como contrapartida, a direcção‑geral da concorrência da Comissão anularia a intimação para prestação de informações e aplicaria apenas uma coima ‘moderada’. Embora saudando a prontidão com que os bancos se disponibilizaram a cooperar, a Comissão declinou qualquer acordo nesta matéria.

18.      Todos os destinatários responderam então ao pedido de informações. Todavia, alguns deles afirmaram nesta ocasião não estarem obrigados a responder à maior parte das questões colocadas e poderem fazê‑lo, bem como apresentar os documentos pertinentes, numa base voluntária, no âmbito da referida cooperação. A Comissão rejeitou esta leitura jurídica.

19.      Pouco depois, os principais bancos visados, entre os quais se incluíam as recorrentes […], enviaram à Comissão um documento de 132 páginas, intitulado ‘exposição conjunta dos factos’, em que descreviam pormenorizadamente o contexto histórico do seu cartel e em que resumiam de forma sucinta e avaliavam o conteúdo dos comités que decorria dos documentos apreendidos e dos que lhes tinham sido solicitados. Paralelamente, apresentaram dezasseis pastas de arquivo que continham documentos classificados por comité e acompanhados de índices detalhados. A fim de poder avaliar o eventual valor acrescentado dos elementos fornecidos com a exposição conjunta dos factos, a Comissão solicitou aos bancos que informassem se alguns desses documentos, e em caso afirmativo quais, não eram ainda do seu conhecimento. Os seus interlocutores consideraram que o pedido não era exequível nem necessário.

20.      Em 13 de Setembro de 1999, a Comissão enviou a oito bancos a comunicação de acusações adoptada em 11 de Setembro de 1999. […] Em 22 de Novembro de 2000, a Comissão enviou aos bancos uma comunicação de acusações complementar […].

21.      Em 11 de Junho de 2002, a Comissão adoptou a decisão impugnada.

[...]

22.      No artigo 1.° da decisão impugnada, a Comissão afirma que os oito bancos destinatários desta decisão infringiram o artigo 81.°, n.° 1, CE, ao participarem em acordos e práticas concertadas sobre preços, comissões e outros parâmetros concorrenciais, no período de 1 de Janeiro de 1995 a 24 de Junho de 1998, que tinham por objectivo restringir a concorrência no mercado de produtos e serviços bancários na Áustria.

[…]

24.      O artigo 3.° da decisão impugnada aplica aos destinatários as seguintes coimas:

–        Erste: 37,69 milhões de euros;

–        RZB: 30,38 milhões de euros;

–        BA‑CA: 30,38 milhões de euros;

[…]

–        ÖVAG: 7,59 milhões de euros;

[…].

25.      A decisão impugnada refere que na Áustria os acordos entre bancos, sobretudo em matéria de taxas de juro e de comissões, tinham uma longa tradição que, até aos anos 80, assentava em parte numa base legal que no entanto foi suprimida, o mais tardar em 1 de Janeiro de 1994, quando a República da Áustria aderiu ao Espaço Económico Europeu (EEE) e a [Lei do sistema bancário (Bankwesensgesetz)] entrou em vigor.

26.      Contudo, as instituições de crédito continuaram, no âmbito da rede constituída, a celebrarem acordos, designadamente relativos às taxas de débito e de crédito.

27.      A decisão impugnada afirma no seu título 5 que os acordos celebrados eram de teor abrangente, encontravam‑se amplamente institucionalizados e estreitamente ligados e cobriam a totalidade do território austríaco. Cada produto bancário era objecto de um comité específico em que participavam os funcionários responsáveis do segundo ou do terceiro nível hierárquico dos bancos em causa. Na prática, esta separação temática não era rigorosamente cumprida: por vezes, questões conexas que diziam respeito a diferentes comités eram tratadas na mesma ocasião. Em suma, estes diferentes comités eram parte integrante de um todo orgânico.

28.      Constituindo a instância tutelar (denominada «Clube Lombard»), os representantes da direcção dos principais bancos austríacos reuniam‑se mensalmente, com excepção do mês de Agosto. Para além de temas de interesse geral, neutros do ponto de vista da concorrência, esta instância tratava da alteração das taxas de juro, de acções publicitárias, etc. Em algumas destas reuniões, estavam presentes representantes do Banco Central austríaco […].

29.      Ao nível imediatamente inferior, reuniam‑se os comités especializados relacionados com produtos específicos. A este respeito, os mais importantes eram os comités sobre as operações activas, isto é, os créditos, e os relativos às operações passivas, isto é, a poupança; como o nome indica, tinham como objectivo fixar as condições (ou seja as taxas de juro) dos empréstimos e dos depósitos, reunindo‑se separadamente ou em conjunto. A troca de informações entre o ‘Clube Lombard’ e estes comités era particularmente frequente.

30.      Os numerosos e diversificados comités regionais reuniam‑se regularmente em todos os Länder austríacos. Em determinados Länder, reproduzia‑se mesmo a estrutura hierárquica do ‘Clube Lombard’ e dos comités especializados.

31.      Durante os comités federais sobre operações activas e/ou passivas, os representantes dos estabelecimentos de Viena encontravam‑se com os seus homólogos regionais essencialmente para estender as suas decisões a todo o território austríaco.

32.      Por outro lado, existiam comités especializados consagrados às operações efectuadas com empresas, às operações efectuadas com clientes particulares no segmento ‘profissionais liberais’, ao crédito hipotecário e ao crédito à habitação (denominados, respectivamente, ‘Minilombard’, ‘comité vocacionado para grandes clientes’, ‘comité dos ‘profissionais liberais’, ‘comité hipotecário’ e ‘comité sobre juros das operações passivas dos bancos especializados em crédito à habitação’).

33.      Por fim, realizavam‑se periodicamente muitas outras reuniões de comités sobre temas relevantes do ponto de vista da concorrência: o comité dos tesoureiros (Treasurerrunde) discutia o financiamento do Estado federal e as respectivas taxas, os diversos comités sobre operações de pagamento (em especial o comité com esta denominação, o comité ‘bancos‑estrangeiro’ e o comité organizador das associações de instituições de crédito austríacas ou Organisationskomitee der österreichischen Kreditinstitutsverbände) tratavam das comissões e das despesas inerentes a essas operações, o ‘clube das exportações’ (Exportklub) tratava do financiamento das exportações e o comité sobre valores mobiliários (Bankenrunde Wertpapiere) estabelecia as despesas mínimas, as comissões e as taxas aplicáveis a esses produtos.

34.      Destes comités especializados destacava‑se o dos directores financeiros (Controllerrunde) que reunia os representantes dos departamentos competentes dos principais bancos austríacos. No seu âmbito, definiam‑se as bases de cálculo uniformes e eram elaboradas propostas comuns para aumentar os lucros. Por este meio, os bancos reforçavam a transparência interbancária em termos de cálculo e de custos.

35.      Existia um fluxo de informações regular entre todos estes comités, que tinham assim como objectivo principal as condições de crédito e de depósito, bem como as comissões bancárias. Era frequente adiar as consultas efectuadas no âmbito de uma instância até que se chegasse a acordo no âmbito de uma outra. Por fim, a supremacia do ‘Clube Lombard’ implicava que em casos controversos a decisão lhe pertencia.

36.      Com vista a aplicar em todo o território austríaco os acordos decididos nos comités de Viena ou a concertar as práticas em função desses acordos, eram também transmitidas regularmente informações aos comités dos Länder ou, ao invés, estes transmitiam‑nas aos comités centrais que se efectuavam na capital. Por vezes, os comités regionais enviavam representantes aos comités federais sobre operações activas e/ou passivas.

37.      Na decisão impugnada, a Comissão verifica que, durante o período visado pelo inquérito (isto é, de 1 de Janeiro de 1994 até finais de Junho de 1998), realizaram‑se, só em Viena, não tendo assim em conta os múltiplos comités regionais […].

38.      A Comissão salienta o papel especial desempenhado na ‘rede Lombard’ pelas instituições centrais relativamente à coordenação e à representação dos respectivos grupos, isto é, no que respeita à Erste (anteriormente GiroCredit), ao sector das caixas económicas, no que respeita à RZB, ao sector Raiffeisen e no que respeita à ÖVAG, ao sector dos bancos populares. Na sua opinião, este papel era aproveitado directamente para o bom funcionamento da ‘rede Lombard’. Por um lado, as instituições centrais organizavam trocas mútuas de informações entre Viena e os Länder no seio dos grupos; por outro, representavam os interesses do seu próprio grupo face aos outros grupos membros do cartel. Segundo a Comissão, estas instituições eram assim vistas, pelos outros participantes, como representantes dos respectivos grupos. Consequentemente, eram concluídos acordos não apenas entre essas instituições, mas também entre os grupos.»

III –  Os recursos no Tribunal de Primeira Instância e o acórdão recorrido

11      Por petições registadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 30 de Agosto e 2 de Setembro de 2002, as oito empresas às quais a decisão impugnada aplicou sanções, entre as quais as quatro recorrentes nos presentes recursos, a Erste, a RZB, a BA e a ÖVAG, interpuseram, nos termos do artigo 230.° CE, recursos destinados a obter a anulação total ou parcial dessa decisão e, a título subsidiário, a anulação das coimas aplicadas a cada uma delas ou a redução do respectivo montante.

12      Através do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento aos recursos, nomeadamente, da Erste, da BA‑CA e da ÖVAG, e condenou estas três recorrentes nas despesas.

13      Também negou provimento ao recurso interposto pela RZB, julgou improcedente um pedido reconvencional da Comissão, e condenou a RZB a suportar as suas próprias despesas e 90% das despesas da Comissão.

IV –  Pedidos das partes no presente recurso

14      A Erste conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o acórdão recorrido na parte em que negou provimento ao recurso de anulação da recorrente;

–        anular a decisão impugnada na parte em que aplicou uma coima à Erste;

–        a título subsidiário, reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada pelo artigo 3.° da decisão impugnada;

–        ainda a título subsidiário, anular o acórdão recorrido e remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância, e

–        em todo o caso, condenar a Comissão nas despesas.

15      A RZB conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o acórdão recorrido na parte em que negou provimento ao recurso de anulação da recorrente;

–        anular o artigo 3.° da decisão impugnada na parte em que diz respeito à RZB;

–        a título subsidiário, reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada pelo artigo 3.° da decisão impugnada, e

–        condenar a Comissão nas despesas.

16      A BA‑CA conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o acórdão recorrido na parte em que negou provimento ao recurso de anulação da recorrente;

–        anular a decisão impugnada na parte em que diz respeito à BA‑CA;

–        a título subsidiário, reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada pelo artigo 3.° da decisão impugnada, e

–        condenar a Comissão nas despesas.

17      A ÖVAG conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular os números 2 e 4 do acórdão recorrido;

–        anular a decisão impugnada na parte em que diz respeito à ÖVAG;

–        a título subsidiário, reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada pelo artigo 3.° da decisão impugnada;

–        ainda a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância, e

–        condenar a Comissão nas despesas ou reservar a decisão relativa às despesas em caso de remessa do processo ao Tribunal de Primeira Instância.

18      A Comissão conclui, em cada um dos presentes processos, pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento aos recursos, e

–        condenar as recorrentes nas despesas da instância.

V –  Fundamentos de anulação do acórdão recorrido

19      A Erste invoca quatro fundamentos:

–        violação dos direitos de defesa;

–        violação do artigo 81.°, n.° 1, CE pelo facto de não se verificarem efeitos sensíveis sobre o comércio entre Estados‑Membros;

–        violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 por ter sido imputada à Erste a actuação da GiroCredit relativamente ao período anterior à sua aquisição, e

–        violação do referido artigo conjugado com as orientações para o cálculo das coimas e a fixação do respectivo montante.

20      A RZB invoca quatro fundamentos:

–        violação do artigo 81.° CE por não estar demonstrado que o comércio entre Estados‑Membros tenha sido afectado;

–        violação das orientações na medida em que as reuniões dos bancos em causa foram qualificadas como «infracções muito graves»;

–        violação do Regulamento n.° 17 e das orientações na medida em que as quotas de marcado do «sector Raiffeisen» lhe foram erradamente atribuídas, e

–        erro de direito na apreciação da sua cooperação com a Comissão.

21      A BA‑CA invoca três fundamentos:

–        conclusão errada, no âmbito da determinação do montante da coima, segundo a qual os comités tiveram efeitos económicos;

–        o facto de não terem sido levadas em consideração circunstâncias que justificavam uma redução da coima no âmbito da determinação do montante de base, e

–        o facto de não ter sido levada em consideração a sua cooperação que consistiu nas respostas aos pedidos de informações, na exposição comum dos factos, na transmissão voluntária de documentos suplementares e na resposta à comunicação de acusações.

22      A ÖVAG invoca três fundamentos:

–        declaração errada de que houve entrave ao comércio entre Estados‑Membros;

–        inclusão errada do sector descentralizado no âmbito da repartição em categorias, e

–        o facto de não terem sido levadas em consideração circunstâncias atenuantes.

VI –  Quanto aos presentes recursos

23      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 2007, ouvidas as partes e o advogado‑geral sobre a matéria, foi ordenada a apensação dos quatro processos para efeitos da fase oral e do acórdão, nos termos do artigo 43.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

24      Tendo em conta que os fundamentos invocados pelas recorrentes são amplamente coincidentes, há que proceder à sua apreciação conjuntamente.

A –  Quanto aos fundamentos relativos à violação do artigo 81.°, n.° 1, CE

1.     Quanto ao fundamento relativo a um erro de direito no que diz respeito à apreciação do requisito atinente ao facto de o comércio entre Estados‑Membros ser afectado

25      A Erste, a RZB e a ÖVAG invocam as três este fundamento, que se subdivide, no essencial, em três partes.

a)     Quanto à primeira parte, relativa a um erro de direito no que diz respeito à apreciação da aptidão de um acordo que cobre todo o território nacional para afectar sensivelmente o comércio entre Estados‑Membros

i)     Argumentos das partes

26      A RZB e a ÖVAG sustentam que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar, no n.° 181 do acórdão recorrido, «que existe, pelo menos, uma forte presunção de que uma prática restritiva da concorrência aplicada a todo o território de um Estado‑Membro seja susceptível de contribuir para a compartimentação dos mercados e de afectar as trocas intracomunitárias».

27      A este respeito, a RZB alega, em primeiro lugar, que o Tribunal de Primeira Instância procedeu a uma interpretação simplificada do requisito de o comércio entre Estados‑Membros ser afectado quando considerou que a Comissão não era obrigada a provar a existência de um efeito de compartimentação do mercado.

28      O Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 182 a 184 do acórdão recorrido, não levou em conta o alcance do acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 1999, Bagnasco e o. (C‑215/96 e C‑216/96, Colect., p. I‑135).

29      Em segundo lugar, a RZB considera que o Tribunal de Primeira Instância interpretou inadequadamente a jurisprudência do Tribunal de Justiça ao afirmar que o simples facto de os comités cobrirem a totalidade do território da República da Áustria era suficiente para concluir que o comércio entre Estados‑Membros era afectado.

30      Com efeito a aptidão para afectar o comércio entre Estados‑Membros pressupõe, para além da «cobertura territorial», pelo menos outro factor, o da existência de efeitos de compartimentação.

31      Além disso, a RZB salienta que o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 181 do acórdão recorrido, inverte o ónus da prova, ao fazê‑lo recair sobre a empresa, quando é à Comissão que cabe fazer prova da violação do artigo 81.°, n.° 1, CE e da aptidão do acordo para afectar o comércio entre Estados‑Membros.

32      A ÖVAG, por sua vez, lamenta igualmente o facto de o Tribunal de Primeira Instância ter relativizado o alcance do critério do efeito de compartimentação dos mercados.

33      Acrescenta que o Tribunal de Primeira Instância não levou em conta, no n.° 166 do acórdão recorrido, as particularidades da apreciação a posteriori de uma infracção que se verificou no passado. Renunciou erradamente a analisar o impacto concreto dos acordos sobre o comércio interestatal.

34      Além disso, a ÖVAG salienta o carácter contraditório e insuficiente da fundamentação do Tribunal de Primeira Instância. Com efeito, no n.° 164 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância terá considerado que o efeito de compartimentação dos mercados não constituía um indício forte que permitisse concluir no sentido de uma afectação do comércio entre os Estados‑Membros, enquanto no n.° 181 do mesmo acórdão terá afirmado, ao invés, que existia uma íntima ligação entre o efeito de compartimentação dos mercados produzido por um cartel e a aptidão deste para afectar o comércio transfronteiriço.

35      A Comissão alega que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

36      Em primeiro lugar, há que recordar, por um lado, que o Tribunal de Justiça declarou que, para serem susceptíveis de afectar o comércio entre Estados‑Membros, uma decisão, um acordo ou uma prática devem, com base num conjunto de elementos de facto e de direito, permitir que se encare com um grau suficiente de probabilidade a sua influência directa ou indirecta, efectiva ou potencial, sobre as correntes comerciais entre Estados‑Membros, de modo a que se possa temer que entravem a realização de um mercado único entre Estados‑Membros. Além disso, é necessário que essa influência não seja insignificante (acórdão de 23 de Novembro de 2006, Asnef‑Equifax e Administración del Estado, C‑238/05, Colect., p. I‑11125, n.° 34 e jurisprudência aí referida).

37      Assim, a afectação das trocas intracomunitárias resulta em geral da reunião de diversos factores que, isoladamente considerados, não são necessariamente determinantes. Para verificar se um acordo afecta sensivelmente o comércio entre Estados‑Membros, é necessário examinar esse acordo no seu contexto económico e jurídico (acórdão de Asnef‑Equifax e Administración del Estado, já referido, n.° 35 e jurisprudência aí referida).

38      Por outro lado, o Tribunal de Justiça já decidiu que o facto de um acordo ter apenas por objecto a comercialização de produtos num único Estado‑Membro não basta para excluir a possibilidade de afectar o comércio entre Estados‑Membros. Com efeito, um acordo que abranja todo o território de um Estado‑Membro tem como efeito, pela sua própria natureza, consolidar barreiras de carácter nacional, entravando assim a interpenetração económica pretendida pelo Tratado CE (acórdão de Asnef‑Equifax e Administración del Estado, já referido, n.° 37 e jurisprudência aí referida).

39      Daí decorre que, contrariamente ao que afirmam as recorrentes, o Tribunal de Primeira Instância adoptou correctamente como ponto de partida do seu raciocínio, no n.° 181 do acórdão recorrido, a existência de uma forte presunção de que o comércio entre Estados‑Membros era afectado, esclarecendo imediatamente a seguir que «[e]sta presunção só pod[ia] ser ilidida se a análise das características do acordo e do contexto económico em que ele se insere demonstra[sse] o contrário».

40      Ora, o Tribunal de Primeira Instância procedeu a essa apreciação nos n.os 182 a 185 do acórdão recorrido. Em particular, no n.° 183 do referido acórdão, considerou que «as concertações no âmbito do ‘Clube Lombard’ implicavam não apenas quase todas as instituições de crédito da Áustria, mas também uma ampla gama de produtos e de serviços bancários, designadamente os depósitos e os créditos e, por essa razão, eram susceptíveis de modificar as condições da concorrência em todo este Estado‑Membro». No n.° 185 do mesmo acórdão, analisou «[a possibilidade de a ‘rede Lombard’] ter contribuído para a manutenção das barreiras de acesso ao mercado […], na medida em que permitiu manter as estruturas do mercado bancário austríaco […]».

41      Assim, depois de ter pormenorizado, nos n.os 111 a 121 do acórdão recorrido, o objectivo prosseguido por cada um dos comités, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu qualquer erro de direito ao declarar, no n.° 185 desse acórdão, que a própria existência da «rede Lombard» entravava o livre acesso ao mercado austríaco, de modo que o cartel era susceptível de produzir efeitos transfronteiriços.

42      Consequentemente, o Tribunal de Primeira Instância concluiu correctamente, n.° 186 do acórdão recorrido, que era possível que o acordo em causa tivesse tido efeitos de compartimentação do mercado e afectasse o comércio entre os Estados‑Membros.

43      Em segundo lugar, contrariamente ao que sustenta a RZB, o Tribunal de Primeira Instância não inverteu o ónus da prova, antes tendo concluído, no exercício do seu poder de apreciação da matéria de facto, depois de ter analisado a questão, que as recorrentes não tinham ilidido a presunção de que o cartel, considerado no seu todo e que se estendia a toda a Áustria, tinha podido afectar o comércio interestatal.

44      Em terceiro lugar, há que referir que o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância no n.° 181 do acórdão recorrido não está em contradição com o n.° 164 do mesmo acórdão.

45      Com efeito, no referido n.° 164, o Tribunal de Primeira Instância limitou‑se a rejeitar a argumentação das recorrentes segundo a qual só a demonstração dos efeitos de compartimentação de um acordo podia permitir demonstrar a aptidão desse acordo para afectar o comércio entre Estados‑Membros.

46      Em quarto lugar, há que recordar que, de acordo com jurisprudência assente, o artigo 81.°, n.° 1, CE não exige que os acordos, decisões e práticas concertadas previstos nessa disposição tenham afectado sensivelmente as trocas intracomunitárias, mas exige que seja provado que esses acordos, decisões e práticas concertadas são susceptíveis de ter esse efeito (acórdão de Asnef‑Equifax e Administración del Estado, já referido, n.° 43 e jurisprudência aí referida).

47      Consequentemente, a ÖVAG não pode sustentar que o Tribunal de Primeira Instância devia examinar o impacto real do referido acordo sobre o comércio entre Estados‑Membros.

48      Por conseguinte, a primeira parte do fundamento em análise deve ser julgada improcedente.

b)     Quanto à segunda parte, relativa ao facto de o Tribunal de Primeira Instância ter cometido um erro de direito ao considerar que a Comissão podia proceder a uma análise global dos efeitos transfronteiriços dos comités e ao proceder a uma análise errada, insuficiente e contraditória da definição do mercado de referência.

i)     Argumentos das partes

49      Em primeiro lugar, a ÖVAG sustenta que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar, nos n.os 168 e seguintes do acórdão recorrido, que a Comissão podia proceder a uma análise global dos efeitos transfronteiriços dos comités em vez de analisar separadamente a aptidão de cada comité para afectar o comércio entre Estados‑Membros.

50      A este respeito, a recorrente alega, por um lado, que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito pelo facto de não ter analisado isoladamente os efeitos sobre as trocas intracomunitárias dos comités que pertenciam a um sector de actividade diferente e que, além disso, não analisou correctamente a jurisprudência do Tribunal de Justiça consagrada pelo acórdão de Bagnasco e o., já referido.

51      Em segundo lugar a ÖVAG critica o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância exposto no n.° 172 do acórdão recorrido segundo o qual «a definição do mercado em causa não tem a mesma função consoante se trate de aplicar o artigo 81.° CE ou o artigo 82.° CE». Sustenta que o Tribunal de Primeira Instância devia ter apreciado o efeito sobre o comércio dos acordo celebrados pelos diversos comités com base numa definição mais estrita dos mercados em causa.

52      Além disso, a ÖVAG menciona uma contradição entre o n.° 174 do acórdão recorrido, em que o Tribunal de Primeira Instância reconhece que «os diferentes serviços bancários objecto dos acordos não são substituíveis entre si», e o n.° 175 do referido acórdão, em que afirma que «a Comissão não estava obrigada a examinar separadamente os mercados dos diferentes produtos bancários visados pelos comités».

53      A Comissão alega que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

–       Quanto à interpretação errada da jurisprudência pelo Tribunal de Primeira Instância

54      A apreciação dos efeitos dos acordos à luz do artigo 81.° CE impõe que seja levado em consideração o enquadramento concreto em que se inserem, nomeadamente o contexto económico e jurídico em que operam as empresas em causa, a natureza dos produtos ou serviços objecto desse acordo e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em questão (v. acórdão Asnef‑Equifax e Administración del Estado, já referido, n.° 49 e jurisprudência aí referida).

55      Nos n.os 111 a 126 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância confirmou a conclusão da Comissão segundo a qual havia um acordo de princípio entre todos os bancos participantes no acordo para eliminar a concorrência dos preços relativamente a uma ampla gama de serviços bancários destinados tanto aos particulares como às empresas, incluindo os «grandes clientes». Confirmou igualmente a qualificação dos comités como cartel global único.

56      Na medida em que, como referiu o Tribunal de Primeira Instância, se tratava de um cartel global que abrangia os principais operadores do sector financeiro de um Estado‑Membro e de uma ampla gama de produtos e de serviços financeiros, o Tribunal de Primeira Instância considerou correctamente que os acordos em causa, baseados num plano global executado no âmbito de comités distintos, constituíam uma infracção única que justificava e impunha uma análise conjunta da aptidão deste acordo geral para afectar o comércio intracomunitário.

57      Quanto ao acórdão Bagnasco e o., já referido, invocado pela recorrente, não se pode deixar de referir, à semelhança do que fez o Tribunal de Primeira Instância no n.° 171 do acórdão recorrido, que, nesse processo, o Tribunal de Justiça não teve de proceder a uma análise conjunta relativamente à questão de saber se as duas cláusulas em causa no processo principal afectavam o comércio entre Estados‑Membros na medida em que, em relação a uma delas, o acordo não tinha por objecto nem por efeito restringir a concorrência, e a outra não era susceptível de afectar o comércio entre Estados‑Membros.

58      Por conseguinte, contrariamente aos acordos em causa nos presentes processos, a questão da análise conjunta dos acordos quanto ao requisito relativo ao facto de o comércio entre Estados‑Membros ser afectado não se colocou no referido acórdão. Assim, não tem qualquer utilidade para as recorrentes invocar esse acórdão para pôr em causa o que foi declarado no n.° 56 do presente acórdão.

59      Nestas circunstâncias, não pode ser acolhido o argumento da ÖVAG segundo o qual se impunha que o Tribunal de Primeira Instância procedesse a uma análise distinta dos acordos em causa no âmbito da apreciação do requisito relativo ao facto de o comércio entre Estados‑Membros ser afectado.

–       Quanto ao carácter errado, insuficiente e contraditório da análise do Tribunal de Primeira Instância relativa à definição do mercado de referência

60      No que diz respeito, em primeiro lugar, ao n.° 172 do acórdão recorrido, depois de ter recordado que a definição do mercado de referência não desempenha o mesmo papel consoante se trate de aplicar o artigo 81.° CE ou o artigo 82.° CE, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a definição do mercado de referência era inoperante, uma vez que a Comissão tinha concluído que o acordo em questão falseava a concorrência e era susceptível de afectar sensivelmente o comércio entre Estados‑Membros.

61      O argumento invocado pela ÖVAG contra esta apreciação é inoperante na medida em que o Tribunal de Primeira Instância analisou, nos n.os 172 a 174 do acórdão recorrido, o argumento invocado destinado a contestar o método utilizado pela Comissão para avaliar os efeitos sobre as trocas intracomunitárias e não extraiu nenhuma consequência dessa análise.

62      No que diz respeito, em segundo lugar, à fundamentação do Tribunal de Primeira Instância exposta no n.° 174 do acórdão recorrido, em que considera que os diferentes serviços bancários objecto dos acordos não são substituíveis entre si, e no n.° 175, em que explica que a Comissão não é obrigada a analisar separadamente os mercados desses diferentes produtos bancários, não há que acolher o argumento da ÖVAG, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância expôs devidamente as razões pelas quais uma definição estrita do mercado seria artificial, tendo em conta que a maior parte dos clientes dos bancos universais solicitam um conjunto de serviços bancários e que, de resto, os efeitos sobre o comércio podem ser indirectos e o mercado de referência diferente do dos produtos e serviços objecto do acordo.

63      Face ao exposto, o argumento da ÖVAG relativo ao carácter errado, insuficiente e contraditório da análise do Tribunal de Primeira Instância da definição do mercado de referência improcede, assim como, consequentemente, a segunda parte do fundamento em análise.

c)     Quanto à terceira parte, relativa à não demonstração de que o acordo tenha afectado sensivelmente o comércio intracomunitário

i)     Argumentos das partes

64      A Erste sustenta que o Tribunal de Primeira Instância devia ter declarado, nos n.os 153 a 187 do acórdão recorrido, que o artigo 81.° CE não era aplicável pelo facto de a Comissão não ter demonstrado que o acordo em causa tinha afectado sensivelmente as trocas. Segundo esta recorrente, embora o acordo celebrado entre os bancos tenha tido efeitos transfronteiriços, foram efeitos limitados.

65      A Comissão alega que as afirmações da Erste são erradas.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

66      De acordo com jurisprudência assente, o artigo 81.°, n.° 1, CE não exige que os acordos, decisões e práticas concertadas previstos nesta disposição tenham afectado sensivelmente as trocas intracomunitárias, mas exige que seja provado que esses acordos, decisões e práticas concertadas sejam susceptíveis de ter esse efeito (v. acórdão de Asnef‑Equifax e Administración del Estado, já referido, n.° 43).

67      A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância referiu, nos n.os 111 a 121, 179 e 183 a 185 do acórdão recorrido, que o acordo abrangia praticamente a totalidade dos estabelecimentos de crédito austríacos, que cobria uma gama de produto e serviços bancários muito ampla e que se estendia à totalidade do território austríaco, criando um risco de alteração das condições do comércio em todo o Estado‑Membro.

68      Em seguida, embora não se tendo expressamente pronunciado sobre o carácter sensível dos efeitos sobre o comércio intracomunitário, o Tribunal de Primeira Instância sempre mencionou os elementos que permitiam concluir, sem deixar de analisar o requisito definido no n.° 36 do presente acórdão, que o acordo era susceptível de produzir efeitos sobre o comércio intracomunitário.

69      Conclui‑se que a terceira parte do fundamento em análise deve ser julgada improcedente.

70      Face ao exposto, o fundamento relativo a um erro de direito na apreciação do requisito de o comércio entre Estados‑Membros ser afectado deve ser julgado improcedente na íntegra.

2.     Quanto ao fundamento relativo a um erro de direito no que diz respeito à imputação da responsabilidade pela infracção

a)     Argumentos das partes

71      A Erste sustenta que o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente, nos n.os 323 e seguintes do acórdão recorrido, que a mesma sociedade, que anteriormente era a sociedade Die Erste Österreichische Spar‑Casse‑Bank AG (a seguir «EÖ»), devia responder pela infracção cometida pela GiroCredit antes de a ter adquirido, e que a Comissão não tinha cometido nenhuma ilegalidade ao imputar esse comportamento à Erste, na sua qualidade de sucessora da GiroCredit.

72      Em primeiro lugar, a Erste alega que o Tribunal de Primeira Instância não apreciou correctamente as relações económicas e jurídicas existentes entre a GiroCredit e o grupo BA. A este respeito, a Erste recorda que, até à aquisição da maioria do seu capital em 20 de Maio de 1997, a GiroCredit era maioritariamente detida pelo Grupo BA, que também participou no «Clube Lombard». Este grupo controlava a GiroCredit não apenas através de uma participação maioritária no seu capital, mas também através da nomeação de membros dos conselhos de fiscalização e de administração e da ocupação dos mais altos cargos de direcção da GiroCredit por assalariados provenientes do Grupo BA. Por conseguinte, o comportamento da GiroCredit deveria ter sido imputado, relativamente a esse período, à BA‑CA.

73      Além disso, a conclusão do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual a pessoa colectiva responsável pela exploração das actividades bancárias da GiroCredit antes da sua transmissão era a «GiroCredit Bank der österreichischen Sparkassen AG» é juridicamente incorrecta, uma vez que esta última sociedade também era controlada e dirigida pelo Grupo BA.

74      Através do seu segundo argumento, a Erste sustenta que o Tribunal de Primeira Instância cometeu igualmente um erro de direito, nos n.os 328 a 336 do acórdão recorrido, ao considerar que a Comissão podia optar entre punir a filial que participou na infracção ou a sociedade‑mãe que a controlava nesse período, mesmo no caso de ter havido sucessão económica, e ao imputar‑lhe, em seguida, a responsabilidade pela actuação da GiroCredit em vez de a imputar à antiga sociedade‑mãe.

75      Para a Comissão, importa distinguir claramente entre a questão da determinação da pessoa colectiva responsável pela empresa que participou na infracção e as condições em que o comportamento de uma filial, dotada de personalidade jurídica distinta, pode ser imputado à sociedade‑mãe. A Comissão salienta que a sua abordagem não implicava qualquer iniquidade, pois a própria Erste participou no cartel.

b)     Apreciação do Tribunal de Justiça

76      Com estes dois argumentos, que há que analisar conjuntamente, a Erste contesta o facto de a decisão impugnada lhe ter imputado a actuação da GiroCredit antes de 1 de Outubro de 1997, data da sua fusão com a GiroCredit.

77      Quando uma tal entidade infringe as regras da concorrência, incumbe‑lhe, de acordo com o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infracção (v., neste sentido, acórdãos de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, Colect., p. I‑4125, n.° 145, e de 16 de Novembro de 2000, Cascades/Comissão, C‑279/98 P, Colect., p. I‑9693, n.° 78).

78      Quanto à questão de saber em que circunstâncias uma entidade que não é autora da infracção pode, ainda assim, ser punida pelo seu cometimento, há que começar por referir que é abrangida por esta hipótese a situação em que a entidade que cometeu a infracção deixou de existir juridicamente (v., neste sentido, acórdão de Comissão/Anic Partecipazioni, já referido, n.° 145).

79      Com efeito, como o Tribunal de Justiça já declarou, quando uma entidade que cometeu uma infracção às regras da concorrência é objecto de uma alteração jurídica ou organizacional, esta alteração não tem necessariamente por efeito criar uma nova empresa isenta da responsabilidade pelos comportamentos contrários às regras da concorrência da precedente entidade se, do ponto de vista económico, houver identidade entre as duas entidades (v., neste sentido, acórdãos de 28 de Março de 1984, Compagnie royale asturienne des mines e Rheinzink/Comissão, 29/83 e 30/83, Recueil, p. 1679, n.° 9, e de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P. Colect., p. I‑123, n.° 59).

80      Por outro lado, o comportamento anticoncorrencial de uma empresa pode ser imputado a outra quando a primeira não determinar de forma autónoma o seu comportamento no mercado, antes executando essencialmente as instruções que lhe são dadas pela segunda, tendo em conta, em particular, os laços económicos e jurídicos que as unem (acórdão de 16 de Novembro de 2000, Metsä‑Serla e o./Comissão, C‑294/98 P, Colect., p. I‑10065, n.° 27, e de 2 de Outubro de 2003, Aristrain/Comissão, C‑196/99 P, Colect., p. I‑11005, n.° 96). Assim, o facto de uma sociedade filial ter personalidade jurídica distinta não é suficiente para afastar a possibilidade de a sua actuação ser imputada à sociedade‑mãe.

81      Através da sua argumentação, a Erste sustenta que, no momento em que foram cometidas as infracções objecto da decisão impugnada, o comportamento da GiroCredit era determinado ao nível da sociedade‑mãe que a detinha, concretamente o Grupo BA, e que, por conseguinte, era a esta última sociedade que devia ter sido imputada a responsabilidade pelas infracções cometidas nessa altura pela GiroCredit. A Erste põe em causa o que o Tribunal de Primeira Instância afirmou no n.° 331 do acórdão recorrido, ou seja, que a Comissão pode optar entre punir a filial que participou na infracção ou a sociedade‑mãe que a controlava durante o período objecto da decisão impugnada.

82      A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância considerou correctamente que a Comissão não era obrigada a verificar prioritariamente se estavam preenchidos os requisitos para imputar a infracção à sociedade‑mãe da empresa que tinha cometido a infracção. Com efeito, a Comissão, em princípio, não pode ser obrigada a proceder, num primeiro tempo, a essa verificação antes de poder pensar em actuar contra a empresa autora da infracção, mesmo que esta tenha sofrido alterações enquanto entidade jurídica. O princípio da responsabilidade pessoal, recordado no n.° 77 do presente acórdão, não se opõe a que a Comissão pense primeiro em punir esta última antes de verificar se eventualmente a infracção pode ser imputada à sociedade‑mãe. Além disso, como referiu o Tribunal de Primeira Instância no n.° 335 do acórdão recorrido, se assim não fosse, as investigações da Comissão seriam consideravelmente sobrecarregadas pela necessidade de verificar, em cada caso de sucessão no controlo de uma empresa, em que medida as suas actuações podiam ser imputadas à antiga sociedade‑mãe.

83      De resto, há que salientar que a Erste, uma vez que ela própria participou no acordo objecto da decisão impugnada, sabia, na altura em que sucedeu à GiroCredit, que esta última podia ser objecto de um processo de infracção ao artigo 81.° CE e que, na sua qualidade de sucessora dessa sociedade, se expunha assim às consequências de tal processo de infracção, designadamente à aplicação de uma coima.

84      Por conseguinte, o segundo argumento esgrimido pela Erste no âmbito do presente fundamento não pode ser acolhido.

85      Quanto ao primeiro argumento relativo à apreciação pelo Tribunal de Primeira Instância das relações económicas e jurídicas existentes entre a GiroCredit e o Grupo BA, basta referir que, uma vez que a Comissão podia validamente punir a violação do artigo 81.° CE ao nível da filial GiroCredit e, por conseguinte, imputar a responsabilidade desta sociedade à Erste na sua qualidade de sociedade adquirente, o Tribunal de Primeira Instância decidiu correctamente, no n.° 336 do acórdão recorrido, que não era necessário verificar se o comportamento da GiroCredit podia ter sido imputado ao Grupo BA. Assim, a argumentação da Erste relativa ao controlo efectivo do Grupo BA sobre a GiroCredit é inoperante.

86      Face ao exposto, há que julgar improcedente na íntegra o fundamento relativo a um erro de direito na imputação da responsabilidade pela infracção.

B –  Quanto ao fundamentos relativos à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17

1.     Quanto ao fundamento relativo à existência de erros de direito na apreciação da gravidade da infracção

87      A BA‑CA, a Erste e a RZB contestam as apreciações do Tribunal de Primeira Instância relativas à gravidade da infracção. Este fundamento subdivide‑se, no essencial, em sete partes.

a)     Quanto à primeira parte, relativa ao facto de a apreciação não estar em conformidade com as orientações

i)     Argumentos das partes

88      A RZB alega que o Tribunal de Primeira Instância se contradisse pelo facto de não ter analisado, em particular nos n.os 237 e 254 do acórdão recorrido, a questão de saber se a violação devia ser considerada «muito grave» em conformidade com as regras que tinha enunciado no n.° 226 desse acórdão.

89      A Comissão assinala que, embora esteja efectivamente limitada pelas orientações que fixou a si própria, o mesmo não acontece com o Tribunal de Primeira Instância no âmbito da sua competência de plena jurisdição. Além disso, resulta claramente da jurisprudência que as orientações apenas fixam um «programa mínimo», não limitativo dos elementos a considerar. Desde que as circunstâncias o justifiquem, é possível, inclusivamente, não aplicar esse «programa».

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

90      A título preliminar, há que recordar que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para determinar o montante das coimas, há que levar em conta a duração e todos os elementos susceptíveis de influir na apreciação da gravidade das infracções (acórdão de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 240).

91      A gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos, como as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou taxativa de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (acórdão de Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 241 e jurisprudência aí referida).

92      Compete, portanto, ao Tribunal de Primeira Instância fiscalizar o exercício, pela Comissão, do seu poder de apreciação destes elementos.

93      Em seguida, o Tribunal de Primeira Instância não se contradisse ao considerar, no n.° 237 do acórdão recorrido, que a Comissão podia apreciar globalmente a gravidade da infracção em função de todas as circunstâncias pertinentes, incluindo os elementos não expressamente mencionados nas orientações, nem ao considerar, no n.° 254 do referido acórdão, que um acordo horizontal sobre os preços relativo a um sector económico tão importante não podia escapar à qualificação como infracção «muito grave».

94      Por conseguinte, a primeira parte do presente fundamento deve ser julgada improcedente.

b)     Quanto à segunda parte, relativa a erros de direito no que diz respeito à «natureza própria» da infracção

95      Esta quarta parte do presente fundamento subdivide‑se em quatro argumentos.

i)     Argumentos das partes

96      Em primeiro lugar, a RZB sustenta que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar, no n.° 240 do acórdão recorrido, que a natureza da infracção desempenhava um papel primordial para caracterizar as infracções muito graves, ao passo que os outros critérios, que são o impacto concreto da infracção no mercado e a dimensão geográfica do mercado em causa, têm menor peso.

97      Em segundo lugar, a recorrente considera que o Tribunal de Primeira Instância cometeu igualmente um erro de direito ao basear a sua apreciação, nos n.os 249 a 264 do acórdão recorrido, em elementos que não constam das orientações, ou seja, a importância do sector bancário para a economia, a ampla grama de produtos bancários abrangidos pelo acordo e a participação da grande maioria dos bancos austríacos nas reuniões.

98      Em terceiro lugar, a RZB acusa o Tribunal de Primeira Instância de não ter tido em conta a política do governo destinada a proteger o sector bancário do livre funcionamento do mercado. Além disso, considerou, incorrectamente, que a intervenção das autoridades estaduais em comportamentos que integram o âmbito do artigo 81.° CE constitui uma circunstância agravante para efeitos do cálculo da coima.

99      Por fim, em quarto lugar, a RZB alega que foi erradamente que, no n.° 256 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou que o efeito dissuasivo das coimas não devia ser levado em conta ao examinar a gravidade intrínseca da infracção.

100    A Comissão argúi que as alegações da RZB, se não forem inadmissíveis, são improcedentes.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

101    Quanto ao primeiro argumento, ao considerar, no n.° 240 do acórdão recorrido, que os três aspectos da avaliação da gravidade da infracção não têm o mesmo peso no âmbito da apreciação global e que a natureza da infracção desempenha um papel primordial, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito por se ter baseado nas orientações, que consideram infracções «muito graves» as restrições horizontais do tipo dos «cartéis de preços» e das quotas de repartição dos mercados ou outras práticas lesivas do bom funcionamento do mercado interno.

102    A este respeito, considerou, nomeadamente, no n.° 121 do acórdão recorrido, que havia um acordo de princípio entre todos os bancos que participavam no cartel para eliminar a concorrência relativamente aos preços de uma ampla gama de serviços bancários destinados tanto aos particulares como às empresas, incluindo os «grandes clientes», característica de uma restrição como a prevista nas orientações.

103    Além disso, resulta das orientações que a própria natureza da infracção pode ser suficiente para a qualificar como «muito grave», independentemente do seu impacto concreto no mercado da sua dimensão geográfica.

104    Por último, no n.° 241 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou, correctamente, que estes três critérios eram interdependentes.

105    Consequentemente, o primeiro argumento esgrimido no âmbito da segunda parte do presente fundamento não pode ser acolhido.

106    Pelas razões expostas no n.° 93 do presente acórdão, o segundo argumento invocado no âmbito da segunda parte do presente fundamento também não pode ser acolhido.

107    Quanto ao terceiro argumento, há que referir que, no n.° 260 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância não afirmou que a intervenção das autoridades estatais tinha constituído uma circunstância agravante susceptível de influir, em detrimento das empresas, sobre o montante das coimas aplicadas.

108    Assim, o terceiro argumento da segunda parte do presente fundamento não pode ser acolhido.

109    No que diz respeito ao quarto argumento, refira‑se que, no termo da análise de que faz parte o n.° 256 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância chegou à conclusão, no n.° 264 desse mesmo acórdão, que as circunstâncias invocadas pelas recorrentes não eram susceptíveis de pôr em causa a validade da conclusão da decisão impugnada segundo a qual os acordos da «rede Lombard» constituíam uma infracção muito grave pela sua própria natureza. Ora. a RZB não demonstrou de que modo o facto de levar em conta o efeito dissuasivo das coimas para examinar a gravidade intrínseca da infracção, admitindo que isto devia ser feito, podia ter modificado a referida conclusão do Tribunal de Primeira Instância. Por conseguinte, o quarto argumento é inoperante.

110    Consequentemente, o referido argumento não pode ser acolhido.

111    Resulta do exposto que a segunda parte do fundamento em análise é em parte inadmissível e em parte improcedente.

c)     Quanto à terceira parte, relativa a um erro de direito no que diz respeito ao «impacto concreto da infracção sobre o mercado»

i)     Argumentos das partes

112    A RZB sustenta que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao permitir que a Comissão inferisse da mera «execução» do acordo a existência de um impacto concreto da infracção no mercado. Esta apreciação é contrária à letra das orientações e demonstra que o Tribunal de Primeira Instância confunde a «execução» dos acordos, condição de aplicação do artigo 81.° CE, com o critério mais estrito do «impacto concreto no mercado», relevante para justificar a gravidade da infracção. O acórdão de 16 de Novembro de 2000, Cascades/Comissão, já referido, contraria este entendimento e a peritagem económica apresentada pelas recorrentes demonstra que os acordos sobre produtos essenciais não tinham tido qualquer impacto nas condições efectivamente aplicadas.

113    A BA‑CA considera que as repercussões concretas da infracção no mercado foram erradamente avaliadas. A peritagem económica acima referida demonstra que as reuniões não produziam tais efeitos no mercado.

114    Além disso, a BA‑CA alega que o Tribunal de Primeira Instância violou os princípios da administração da prova no âmbito da análise da peritagem económica. Com efeito, ao exigir que essa peritagem cobrisse a «totalidade dos efeitos potenciais dos acordos no mercado», o Tribunal de Primeira Instância foi para além do que é possível exigir de uma peritagem económica destinada a provar a não execução dos acordos e a inexistência de um nexo de causalidade entre os comités bancários e o funcionamento da concorrência no mercado.

115    A Comissão refere que a peritagem económica apresentada pelos bancos só abrangia dois produtos bancários e não incidia sobre os efeitos potenciais do acordo no mercado. De qualquer modo, a execução, ainda que fosse parcial, de um acordo cujo objecto é anticoncorrencial bastava para excluir a possibilidade de se concluir que o referido acordo não tinha tido impacto no mercado.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

116    Há que referir que o Tribunal de Primeira Instância não se limitou a declarar que o acordo tinha sido executado ao apreciar a gravidade da infracção.

117    Com efeito, no n.° 285 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância declarou devidamente que o acordo sobre os preços teve efeitos concretos no mercado, tendo salientado que os membros do cartel tinham tomado medidas para anunciar os preços acordados aos clientes, dando aos seus empregados a instrução de os utilizar como base de negociação e vigiando a respectiva aplicação pelos seus concorrentes e pelos seus próprios serviços de vendas.

118    Em seguida, ao cabo da apreciação a que procedeu nos n.os 289 a 294 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, sem ter cometido um erro de direito, no n.° 295 do referido acórdão, que «[t]endo em conta os numerosos exemplos incontestados de uma execução dos acordos a que alude a decisão impugnada, o facto de em determinados casos os acordos não terem sido respeitados por um ou mais bancos, de os bancos não terem conseguido manter o nível das taxas acordado ou aumentar a sua rentabilidade ou de existir uma concorrência entre eles relativamente a determinados produtos não basta para infirmar a constatação de que os acordos foram executados e produziram efeitos no mercado».

119    Face ao exposto, a terceira parte do fundamento em análise deve ser julgada improcedente na íntegra.

d)     Quanto à quarta parte, relativa a um erro de direito no que diz respeito à apreciação da «dimensão do mercado geográfico em causa»

i)     Argumentos das partes

120    A RZB acusa o Tribunal de Primeira Instância de não ter examinado, nos n.os 308 a 313 do acórdão recorrido, o argumento segundo o qual a dimensão manifesta e incontestavelmente limitada do território da República da Áustria obstava a que a infracção detectada fosse qualificada de «muito grave». Além disso, o entendimento plasmado nos referidos n.os 308 a 313 é contrário à letra das orientações e à prática decisória da Comissão.

121    A Comissão contesta as alegações da RZB.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

122    Contrariamente ao que sustenta a RZB, o Tribunal de Primeira Instância não deixou de se pronunciar sobre o argumento relativo à dimensão limitada do mercado geográfico em causa. Com efeito, referiu expressamente, nos n.os 308 a 313 do acórdão recorrido, as razões pelas quais a dimensão limitada do território da República da Áustria não se opunha à qualificação da infracção como «muito grave».

123    Por outro lado, segundo jurisprudência assente, a Comissão dispõe, no domínio da fixação do montante das coimas, de um amplo poder de apreciação e não está vinculada pelas suas apreciações anteriores (v. acórdãos Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.os 209 a 213, e de 19 de Março de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, C‑510/06 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 82). Daqui decorre que a recorrente não pode invocar a prática decisória da Comissão perante o juiz comunitário.

124    Por último, nem as orientações nem o Regulamento n.° 17 proíbem que se limite a análise do mercado geográfico pertinente no âmbito da apreciação do exame de uma infracção à totalidade ou a parte do território de um Estado‑Membro.

125    Por conseguinte, a quarta parte do fundamento em análise não deve ser acolhida.

e)     Quanto à quinta parte, relativa a um erro de direito no que diz respeito à apreciação dos efeitos do carácter selectivo dos processos instaurados sobre a qualificação da infracção e à violação do dever de fundamentação

i)     Argumentos das partes

126    A RZB invoca dois argumentos.

127    O primeiro argumento é relativo ao facto de o Tribunal de Primeira Instância ter erradamente rejeitado o seu argumento segundo o qual a qualificação da infracção como «muito grave» é incompatível com a escolha da Comissão de instaurar processo apenas a algumas das empresas que participaram na infracção.

128    O segundo argumento é relativo à violação, pelo Tribunal de Primeira Instância, do seu dever de fundamentação, por não ter respondido aos argumentos segundo os quais o elevado nível da coima, por um lado, era contraditório com o carácter simbólico de um procedimento instaurado, em última análise, contra o sector bancário austríaco no seu todo e, por outro, criava distorções da concorrência pelo facto de a coima só ser aplicada a 10% dos bancos.

129    A Comissão considera que as alegações da recorrente não passam de uma repetição dos argumentos que tinha invocado no Tribunal de Primeira Instância.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

130    Com o seu primeiro argumento, a RZB limita‑se a reproduzir os argumentos que já tinha invocado no Tribunal de Primeira Instância, sem indicar precisamente o erro de direito que o Tribunal de Primeira Instância terá cometido.

131    Ora, importa recordar que, de acordo com jurisprudência assente, resulta dos artigos 225.° CE, 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e 112.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo que o recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido. Assim, um recurso que se limita a repetir ou a reproduzir textualmente os fundamentos e os argumentos já apresentados no Tribunal de Primeira Instância não respeita as exigências de fundamentação resultantes dessas disposições (v. acórdão de 3 de Março de 2005, Biegi Nahrungsmittel e Commonfood/Comissão, C‑499/03 P, Colect., p. I‑1751, n.os 37 e 38 e jurisprudência aí referida).

132    Por conseguinte, há que rejeitar este primeiro argumento.

133    Quanto ao segundo argumento, relativo à falta de fundamentação, há que recordar que o dever do Tribunal de Primeira Instância de fundamentar as suas decisões não pode ser interpretado no sentido de que o obriga a responder pormenorizadamente a cada um dos argumentos invocados pelo recorrente (v. acórdãos de 6 de Março de 2001, Connolly/Comissão, C‑274/99 P, Colect., p. I‑1611, n.° 121, e de 9 de Setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão, C‑120/06 P e C‑121/06 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 91).

134    Ora, ao declarar, no n.° 315 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha legitimamente adoptado, como critério de escolha dos destinatários da decisão impugnada, a sua participação frequente nos principais comités, sem que isso impedisse que a infracção fosse qualificada como «muito grave», o Tribunal de Primeira Instância, que não era obrigado a analisar os outros argumentos que, assim, se tinham tornado inoperantes, cumpriu o seu dever de fundamentação.

135    Assim sendo, o segundo argumento não pode ser acolhido.

136    Consequentemente, a quinta parte do fundamento em análise é parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

f)     Quanto à sexta parte do presente fundamento, relativo ao facto de não ter sido feita uma apreciação global da gravidade da infracção

i)     Argumentos das partes

137    A RZB acusa o Tribunal de Primeira Instância de não ter procedido a uma apreciação global da gravidade da infracção, levando em conta todos os aspectos mencionados nas orientações e os elementos exógenos, ou seja, a importância económica do sector bancário austríaco, a desnecessidade de um efeito dissuasivo e o carácter selectivo dos processos instaurados. Sustenta que, se o Tribunal de Primeira Instância tivesse procedido a essa análise, teria concluído que a infracção em causa não podia ser qualificada de «muito grave».

138    A Comissão considera que estas alegações devem improceder.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

139    Contrariamente ao que sustenta a RZB, o Tribunal de Primeira Instância não deixou de observar nem a importância dos critérios expressamente mencionados nas orientações nem a de elementos que não constam expressamente dessas orientações.

140    Com efeito, no âmbito da apreciação da gravidade da infracção, a Comissão deve tomar em consideração não apenas as circunstâncias particulares do caso sob apreciação, mas igualmente o contexto em que a infracção se insere e, com vista a determinar o montante da coima, assegurar o carácter dissuasor da sua acção, sobretudo em relação aos tipos de infracção particularmente prejudiciais para a realização dos objectivos da Comunidade (v., neste sentido, acórdão de Archer Daniels Midlands/Comissão, já referido, n.° 63).

141    Nos n.os 249, 250 e 254 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou acertadamente, entre outras coisas, que um acordo horizontal sobre os preços faz parte das infracções muito graves, mesmo não havendo outras restrições à concorrência, como uma compartimentação dos mercados, e que um acordo dessa natureza num sector tão importante como o sector bancário, que cobre uma ampla gama de produtos bancários e envolve a grande maioria dos operadores económicos não pode, em princípio, escapar à qualificação de infracção muito grave, independentemente do respectivo contexto (v., neste sentido, acórdão de 22 de Maio de 2008, Evonik Degussa/Comissão e Conselho, C‑266/06 P, n.° 104).

142    Além disso, o Tribunal de Primeira Instância examinou igualmente os outros argumentos das recorrentes, nomeadamente nos n.os 254 à 264 do acórdão recorrido. Concluiu, todavia, no referido n.° 264, que estes argumentos não eram susceptíveis de pôr em causa a conclusão segundo a qual os acordos da «rede Lombard» constituíam uma infracção muito grave pela sua própria natureza.

143    Procedendo deste modo, como foi referido no n.° 93 do presente acórdão, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito a este respeito. Importa, aliás, referir que, na sua apreciação, e contrariamente ao que sustenta a RZB, o Tribunal de Primeira Instância não deixou de observar os critérios previstos nas orientações, que também qualificam como infracções muito graves os acordos horizontais em matéria de preços, como os que foram celebrados no caso em apreço.

144    Consequentemente, improcede a sexta parte do fundamento em análise.

g)     Quanto à sétima parte do presente fundamento, relativa a um erro de direito no que diz respeito à repartição das recorrentes pelas categorias de infracção estabelecidas pela Comissão

145    No âmbito desta sétima parte do fundamento em análise, as recorrentes invocam, no essencial, cinco argumentos.

i)     Argumentos das partes

146    Através do primeiro argumento, relativo à falta de fundamento jurídico, à violação dos princípios da responsabilidade pessoal, da proporcionalidade das sanções e da igualdade por terem sido atribuídas aos estabelecimentos centrais quotas de mercado dos bancos dos sectores descentralizados, a Erste, a RZB e a ÖVAG põem em causa, no essencial, o princípio da atribuição das quotas de mercado dos respectivos sectores descentralizados para efeitos da classificação em categorias.

147    A este respeito, as recorrentes sustentam, em primeiro lugar, que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito, nos n.os 356 e 373 do acórdão recorrido, ao considerar que, ao atribuir‑lhes as referidas quotas de mercado para efeitos do cálculo da coima, a Comissão não lhes tinha imputado o comportamento ilícito destas últimas, tendo‑as punido unicamente «pelo seu próprio comportamento».

148    Esta atribuição equivale, na verdade, a imputar‑lhes a responsabilidade pelas infracções cometidas pelos bancos dos sectores descentralizados, na medida em que a posição no mercado dos referido sectores é integralmente levada em conta para o cálculo da coima.

149    A Erste, a RZB e a ÖVAG consideram, assim, que a referida atribuição devia ter sido apreciada recorrendo aos critérios consagrados pelo Tribunal de Justiça a respeito da imputabilidade das infracções dentro de um grupo de sociedades, ou seja, a possibilidade de controlo da empresa e a existência de uma unidade económica.

150    A Comissão alega que o critério determinante para efeitos da repartição por categorias é a comparação do poder real de mercado, que se baseia nas relações estáveis dos bancos descentralizados com as respectivas sociedades de topo.

151    Em segundo lugar, a Erste sustenta que a atribuição às sociedades de topo das quotas de mercado das cerca de 70 caixas de aforro austríacas viola o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, conjugado com o ponto 1, A, sexto parágrafo, das orientações. Com efeito, estas disposições não permitem imputar a uma empresa a quota de mercado de empresas terceiras do mesmo sector de actividade.

152    A Erste e a RZB alegam igualmente que essa atribuição viola o princípio da responsabilidade pessoal pelo cometimento de infracções ao direito da concorrência, bem como o princípio da proporcionalidade da sanção.

153    Por último, a RZB e a ÖVAG afirmam que o Tribunal de Primeira Instância também violou o princípio da igualdade. A este respeito, a RZB acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter equiparado os estabelecimentos centrais dos sectores descentralizados aos grandes bancos centralizados para efeitos da classificação por categorias. O Tribunal de Primeira Instância deveria ter verificado se não seria importante considerar apenas uma parte das quotas de mercado de cada sector em causa para atender ao facto de, sempre que participa nos comités interbancários, um estabelecimento central como a RZB se limitar a transmitir informações, pois não pode intervir em nome dos bancos e não pode dar instruções no sentido da execução dos eventuais acordos.

154    A Comissão recorda que a atribuição das quotas de mercado na decisão impugnada se baseia não em conclusões específicas sobre a efectiva participação dos bancos descentralizados na infracção, mas apenas no facto de a Comissão ter punido as sociedades de topo pelo seu próprio comportamento. A Comissão acrescenta que, no caso em apreço, não lhes foi imputado qualquer comportamento de terceiros.

155    Quanto à RZB, a Comissão salienta que as coimas aplicadas às sociedades de topo não ultrapassam o limite de 10% do volume de negócios da empresa, em conformidade com o artigo 15.° do Regulamento n.° 17.

156    Esta situação é diferente, portanto, daquelas em que é necessário levar em conta o volume de negócios total do grupo se a sociedade de topo e os bancos descentralizados forem considerados uma unidade económica.

157    Por último, a Comissão alega a inadmissibilidade do argumento relativo à proporcionalidade da coima, já que, por motivos de equidade, o Tribunal de Justiça não pode substituir a apreciação do Tribunal de Primeira Instância pela sua própria.

158    Através do segundo argumento, a Erste e a ÖVAG sustentam que o Tribunal de Primeira Instância violou os seus direitos de defesa ao declarar, no n.° 369 do acórdão recorrido, que a afirmação que constava da comunicação de acusações segundo a qual elas eram as sociedades de topo do sector das caixas de aforro e do dos bancos populares era suficiente para respeitar os seus direitos de defesa.

159    Além disso, a Erste e a ÖVAG defendem que a Comissão não se deveria ter limitado a uma mera afirmação de carácter geral e deveria ter informado as empresas das conclusões que pretendia retirar de todos os elementos de facto relativos à infracção e, em particular, da sua intenção de lhes atribuir as quotas de mercado do sector descentralizado.

160    Através de um terceiro argumento, a RZB e a ÖVAG criticam o Tribunal de Primeira Instância por não ter apreciado correctamente o papel e funções que desempenhavam dentro dos grupos bancários.

161    A Erste contesta a apreciação do Tribunal de Primeira Instância, que consta do n.° 401 do acórdão recorrido, segundo a qual tinha o papel de «representante» do sector das caixas de aforro nos comités bancários.

162    A ÖVAG salienta que, contrariamente ao entendimento do Tribunal de Primeira Instância, não tem qualquer possibilidade de obrigar os bancos populares autónomos e não forma com estes uma entidade económica.

163    A RZB alega que não dispunha de «maiores conhecimentos especializados e de melhores informações» relativamente aos outros bancos do seu sector descentralizado, ao contrário do que é referido no n.° 405 do acórdão recorrido. Em todo o caso, defende que as conclusões do Tribunal de Primeira Instância relativas às suas ligações ao sector descentralizado não permitiam atribuir‑lhe por inteiro as quotas de mercado desse sector.

164    Por último, refere que não tem uma capacidade comparável à dos grandes bancos organizados hierarquicamente de causar prejuízos aos particulares, e que também não pode tirar proveito das práticas controvertidas, uma vez que não tem uma quota de mercado individual significativa nem participa nos lucros dos bancos do sector.

165    Através do quarto argumento, a Erste sustenta que o Tribunal de Primeira Instância confirmou erradamente, nos n.os 455 e 458 do acórdão recorrido, a apreciação da Comissão quanto às quotas de mercado detidas antes e depois da sua fusão com a GiroCredit. Considera que devia ter sido classificada numa categoria inferior.

166    O Tribunal de Primeira Instância cometeu, assim, um erro de direito, no n.° 457 do acórdão recorrido, ao considerar que a Erste permaneceria classificada na primeira categoria. O Tribunal de Primeira Instância violou também os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade pelo facto de não ter feito uma distinção, para efeitos da classificação em categorias, entre a detenção de quotas de mercado de 30% e de 17%.

167    A Comissão alega que podia classificar a Erste na primeira categoria depois da fusão com a GiroCredit, independentemente da quota de mercado exacta. Por outro lado, argúi a inadmissibilidade do argumento relativo ao facto de a Comissão ter levado em conta duas vezes as quotas de mercado e o comportamento da EÖ, uma vez que a Erste pretende obter, na verdade, uma simples reapreciação dos factos.

168    Através do quinto argumento, a ÖVAG sustenta que, ao considerar, no n.° 401 do acórdão recorrido, que a recorrente desempenhava, «nas reuniões dos comités mais importantes», o papel de representante dos bancos populares autónomos, o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou os factos. No que à recorrente diz respeito, as trocas de informações e as actividades enquanto coordenadora e representante dos bancos populares descentralizados nunca foram provadas.

169    Além disso, o Tribunal de Primeira Instância evocou erradamente um acórdão do Tribunal Constitucional austríaco de 23 de Junho de 1993, invocado pela Comissão, para justificar a atribuição à ÖVAG das quotas de mercado dos bancos do sector (n.os 392 a 401 do acórdão recorrido). Ao fazê‑lo, de duas uma: ou procedeu a um apuramento de factos cuja inexactidão resultava do processo, ou então a uma desvirtuação dos elementos probatórios. De qualquer forma, ultrapassou a margem de apreciação de que dispunha. Na réplica, a ÖVAG salienta especialmente a existência de uma desvirtuação dos elementos probatórios pelo Tribunal de Primeira Instância, alegando que esta desvirtuação é abrangida pelo poder de fiscalização do Tribunal de Justiça.

170    Por último, a ÖVAG sustenta que o Tribunal de Primeira Instância não analisou expressamente a sua situação, contrariamente ao que fez em relação à Erste e à RZB e aos respectivos sectores.

171    A Comissão salienta a falta de explicação por parte da recorrente e conclui pela rejeição do argumento. No que diz respeito à referência ao acórdão do Tribunal Constitucional austríaco, a Comissão contesta a existência de qualquer deturpação.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

172    No que diz respeito ao primeiro argumento, como declarou o Tribunal de Primeira Instância nos n.os 355 a 357 do acórdão recorrido, a atribuição pela Comissão das quotas de mercado dos bancos dos sectores descentralizados não constitui uma imputação do comportamento ilícito destas últimas às sociedades de topo.

173    Com efeito, este primeiro passo deve distinguir‑se do segundo, na medida em que se destina a garantir, como considerou o Tribunal de Primeira Instância, que o nível das coimas aplicadas às sociedades de topo reflecte adequadamente a gravidade do seu próprio comportamento ilícito, no caso vertente o papel essencial que desempenharam nas diversas unidades na qualidade de representantes dos bancos dos sectores descentralizados, inclusivamente para a defesa dos interesses desses bancos, e na qualidade de centros de troca recíproca de informações, papel este que é um indício da sua influência de facto sobre o comportamento dos bancos descentralizados.

174    Para analisar a gravidade deste comportamento, deve ser levada em conta, nos termos do ponto 1, A, quarto e sexto parágrafo, das orientações, a capacidade económica efectiva de as empresas falsearem a concorrência e o seu peso específico, e portanto o impacto real do seu comportamento ilícito na concorrência.

175    Ora, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao considerar que isto exige que as relações estruturais estáveis entre as sociedades de topo e os bancos dos sectores descentralizados, nomeadamente em termos de representação e de troca de informações, também sejam levadas em consideração, uma vez que, devido a estas relações, o poder económico efectivo das referidas sociedades e, portanto, a sua capacidade de prejudicar a concorrência, pode ser maior do que a representada pelo seu próprio volume de negócios.

176    Se não fossem levadas em conta as quotas de mercado das entidades descentralizadas, a natureza dissuasiva da coima, exigência geral que, como resulta do ponto 1, A, quarto parágrafo, das orientações, deve guiar a Comissão no cálculo da coima, podia não ser assegurada.

177    Resulta das considerações precedentes que, para apreciar a classificação em categorias, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao considerar, no n.° 357 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha levado em conta o comportamento pessoal das sociedades de topo e não lhes tinha imputado o comportamento ilícito dos bancos dos seus sectores.

178    Consequentemente, as recorrentes não podem invocar a violação dos princípios da responsabilidade pessoal, da proporcionalidade das sanções e da igualdade e do ponto 1, A, sexto parágrafo, das orientações.

179    Por conseguinte, o primeiro argumento da sétima parte do fundamento em análise não pode ser acolhido.

180    Quanto ao segundo argumento, há que rejeitá‑lo desde já.

181    Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que, desde que a Comissão indique expressamente, na comunicação de acusações, que vai examinar se devem aplicar‑se coimas às empresas envolvidas e que enuncie os principais elementos de facto e de direito susceptíveis de implicar uma coima, tais como a gravidade e a duração da suposta infracção e o facto de esta ter sido cometida deliberadamente ou por negligência, cumpre a sua obrigação de respeitar o direito das empresas a serem ouvidas. Agindo assim, dá‑lhes os elementos necessários para se defenderem não apenas contra uma declaração de verificação da infracção, mas igualmente contra o facto de lhes ser aplicada uma coima (v. acórdão de Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 428 e jurisprudência aí referida).

182    No que diz respeito ao nível das coimas em causa, de acordo com jurisprudência assente, dar indicações desse tipo enquanto não tiver sido dada oportunidade às empresas de apresentarem as suas observações sobre os argumentos invocados contra elas equivaleria a antecipar indevidamente a decisão da Comissão (v. acórdão de Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 434 e jurisprudência aí referida).

183    Consequentemente, o Tribunal de Primeira Instância considerou correctamente, no n.° 369 do acórdão recorrido, que esses requisitos se encontravam preenchidos no caso presente, uma vez que a Comissão tinha referido, na comunicação de acusações, que a Erste, a RZB e a ÖVAG eram as sociedades de topo dos respectivos sectores e que isso era suficiente para respeitar os direitos de defesa dos recorrentes.

184    No que diz respeito ao terceiro argumento, há que referir que o Tribunal de Primeira Instância analisou, nos n.os 389 a 408 do acórdão recorrido, a apreciação dos factos efectuada pela Comissão na decisão impugnada quanto ao papel dos estabelecimentos centrais das sociedades recorrentes.

185    As recorrentes pretendem simplesmente, na realidade, obter uma reapreciação dos factos, que não podem ser discutidos no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância.

186    Por conseguinte, não há que acolher o terceiro argumento.

187    Quanto ao quarto argumento, segundo o qual a Erste sustenta que o Tribunal de Primeira Instância errou ao manter a sua classificação na primeira categoria e violou, assim, os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, importa recordar que, embora, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, por motivos de equidade, o Tribunal de Justiça não se possa substituir ao Tribunal de Primeira Instância quando este se tenha pronunciado, no exercício da sua competência de plena jurisdição, sobre o montante das coimas aplicadas a empresas por estas terem violado o direito comunitário, em contrapartida, o exercício dessa competência não pode implicar, no momento da fixação do montante dessas coimas, uma discriminação entre as empresas que participaram num acordo ou numa prática concertada contrária ao artigo 81.°, n.° 1, CE (acórdão de 25 de Janeiro de 2007, Salzgitter Mannesmann/Comissão, C‑411/04 P, Colect., p. I‑959, n.° 68 e jurisprudência aí referida).

188    No n.° 457 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância analisou o argumento da Erste nos seguintes termos:

«No que se refere à alegação de que a quota de mercado [do Grupo] BA, que rondava os 12 a 13%, foi incluída, por erro, na de 30% atribuída pela decisão impugnada à entidade constituída pela instituição central e as caixas económicas, cabe declarar que, excluindo a quota de mercado [do Grupo] BA, a quota de mercado restante de 17 a 18% justificaria sempre a classificação na primeira categoria, uma vez que está nitidamente mais próxima do valor‑guia de 22% do que [do] de 11% da segunda categoria. Por conseguinte, esta alegação deve ser julgada improcedente no quadro da fiscalização da legalidade da decisão da Comissão, dado que, admitindo que era procedente, não seria susceptível de pôr em causa o dispositivo da decisão impugnada. Por outro lado, o Tribunal considera, no exercício da sua competência de plena jurisdição, que a classificação da Erste na primeira categoria se justifica com vista à aplicação de uma coima de um montante apropriado.»

189    A este respeito, há que esclarecer que, a respeito da repartição dos membros do cartel por várias categorias, que levou à aplicação de um montante de partida fixo para as empresas pertencentes à mesma categoria, o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 424 do acórdão recorrido, declarou o seguinte:

«No caso em apreço, a Comissão não fixou limiares precisos para as cinco categorias que criou, mas indicou, nas contestações, ‘valores‑guia’, à volta dos quais se situam as quotas de mercado das empresas classificadas na mesma categoria. As diferenças entre esses valores‑guia são coerentes e objectivamente justificadas [relativamente às categorias primeira a quarta]. Com efeito, o valor‑guia da segunda à quarta categoria corresponde, de cada vez, a metade do valor‑guia da categoria superior, e o mesmo se passa com o correspondente montante de base.»

190    Decorre dos autos que, no caso vertente, as categorias foram determinadas em função das quotas de mercado detidas por cada sociedade e os valores‑guia forma fixados, respectivamente, em cerca de 22%, cerca de 11%, cerca de 5,5%, cerca de 2,75% e menos de 1% para a última categoria.

191    O Tribunal de Primeira Instância considerou correctamente, portanto, que, fosse qual fosse a quota de mercado efectivamente detida pela Erste, ou seja, 17‑18% ou 30%, situava‑se ao nível do valor‑guia de 22% que leva à classificação da empresa na primeira categoria.

192    Por outro lado, o conteúdo das orientações relativo ao montante das coimas potencialmente aplicáveis às empresas envolvidas num cartel não define um método de cálculo aritméticos das referidas coimas (v., neste sentido, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 266 e jurisprudência aí referida).

193    Daqui decorre que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao manter, no exercício do seu poder de plena jurisdição, a classificação da Erste na primeira categoria.

194    Por conseguinte, o quarto argumento da sétima parte do fundamento em análise improcede.

195    Quanto ao quinto argumento, importa, antes de mais, rejeitar o argumento da ÖVAG segundo o qual o Tribunal de Primeira Instância não analisou a sua situação.

196    Com efeito, nos n.os 389 a 408 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância analisou no seu todo as relações existentes entre as sociedades de topo e o seu sector descentralizado e declarou, nomeadamente, em relação à ÖVAG, no n.° 400 do referido acórdão, que esta tinha confirmado que prestava aos bancos do seu sector serviços correspondentes a funções que estes estabelecimentos não podiam assumir sozinhos devido à sua pequena dimensão e à sua falta de recursos.

197    No que diz respeito à interpretação do acórdão do Tribunal constitucional austríaco, o Tribunal de Primeira Instância recordou, no n.° 393 do acórdão recorrido, as circunstâncias em que a questão foi submetida à apreciação desse tribunal e analisou a descrição que este fez do papel dos estabelecimentos centrais e das suas relações com os bancos descentralizados. Referiu, nomeadamente, que, segundo o Tribunal Constitucional, se tinha desenvolvido ao longo de várias décadas uma rede estreitamente imbricada de direitos e obrigações, o que tanto era válido para o sector Raiffeisen, que estava em causa no seu acórdão, como para os bancos populares e as caixas económicas.

198    Neste contexto, há que observar que as alegações da ÖVAG relativas ao errado apuramento da matéria de facto, à desvirtuação dos elementos probatórios e ao facto de o Tribunal de Primeira Instância ter ultrapassado a sua margem de apreciação equivalem a pôr em causa a apreciação pelo Tribunal de Primeira Instância de facto exposto no âmbito de um elemento probatório apresentado por uma parte.

199    Ora, só ao Tribunal de Primeira Instância compete definir o valor que há‑de atribuir aos elementos que lhe são apresentados, não constituindo esta apreciação, salvo em caso de desvirtuação desses elementos, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdão de 21 de Setembro de 2006, Technische Unie/Comissão, C‑113/04 P, Colect., p. I‑8831, n.° 83 e jurisprudência aí referida).

200    A este respeito, basta referir que a ÖVAG não apresentou quaisquer elementos que demonstrem a realidade da desvirtuação que especificamente alega.

201    O mesmo se diga no que diz respeito à desvirtuação que a recorrente acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter cometido no n.° 401 do acórdão recorrido.

202    Consequentemente, o quinto argumento da sétima parte do fundamento em análise deve ser julgado improcedente na íntegra.

203    Por conseguinte, a sétima parte do fundamento em análise improcede na íntegra, assim como, consequentemente, todo o fundamento relativo à existência de erros de direito na apreciação da gravidade da infracção.

2.     Quanto ao fundamento relativo à existência de erros de direito, à falta de fundamentação e à deturpação dos elementos probatórios no que diz respeito à existência de circunstâncias atenuantes

204    Este fundamento subdivide‑se, essencialmente, em três partes.

a)     Quanto à primeira parte, relativa à existência de erros de direito, à deturpação dos elementos probatórios e à contradição de fundamentos em relação ao comportamento passivo da ÖVAG

i)     Argumentos das partes

205    A ÖVAG censura ao acórdão recorrido a rejeição, pelo Tribunal de Primeira Instância, de todos os argumentos relativos ao facto de não terem sido levadas em consideração as circunstâncias atenuantes.

206    Pelo primeiro argumento que invoca, a ÖVAG acusa o Tribunal de Primeira Instância de se ter limitado a reproduzir o texto das orientações sem apreciar as circunstâncias do caso, nomeadamente o seu papel particular no seio da «rede Lombard».

207    Pelo segundo argumento que invoca, a ÖVAG considera que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito, no n.° 483 do acórdão recorrido, ao basear a sua apreciação no critério da participação dos bancos nos comités que também foi utilizado no quadro da repartição dos bancos por categorias. Ao proceder deste modo, o Tribunal de Primeira Instância associa a questão da repartição dos bancos de acordo com o respectivo poder económico à do reconhecimento de uma circunstância atenuante. Ora, segundo a recorrente, o reconhecimento de uma circunstância atenuante não pode depender do carácter «esporádico» da participação de uma empresa nas reuniões. Com efeito, as orientações obrigam a Comissão a proceder a uma apreciação diferenciada dos papéis e não a uma apresentação maniqueísta do género «tudo ou nada».

208    Pelo terceiro argumento invocado, a ÖVAG alega que o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou as suas declarações e os factos que resultam do processo relativo à sua participação no cartel. Com efeito, nunca alegou ter‑se distanciado do cartel, embora tenha constantemente salientado a modéstia do papel que nele desempenhava (n.° 484 do acórdão recorrido).

209    Pelo quarto argumento invocado, relativo à contradição na fundamentação, a ÖVAG afirma que a análise do Tribunal de Primeira Instância que consta dos n.os 485 e 486 do acórdão recorrido é contraditória, na medida em que a qualifica de «grande banco» e de «representante de um sector» embora a Comissão não tenha efectuado qualquer inspecção nas suas instalações, a recorrente não faça parte do «círculo restrito dos bancos» e só tenha participado num número limitado de reuniões.

210    A Comissão considera que estes argumentos não são pertinentes, pelo simples facto de não competir ao Tribunal de Justiça substituir a apreciação do Tribunal de Primeira Instância, por razões de equidade, pela sua.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

211    Ao tomar como referência, nos n.os 482 e 486 do acórdão recorrido, a jurisprudência relativa, por um lado, aos elementos susceptíveis de revelar o papel passivo de uma empresa no âmbito de um cartel e, por outro, à participação de uma empresa numa ou várias reuniões, e ao analisar, nos n.os 483 a 485 e 487 a 489 do acórdão recorrido, a forma como a Comissão levou em consideração o comportamento de cada uma das empresas, o Tribunal de Primeira Instância não se limitou simplesmente a reproduzir as orientações, tendo procedido, pelo contrário, a uma análise circunstanciada dos elementos invocados pela ÖVAG.

212    Por conseguinte, o primeiro argumento da primeira parte do presente fundamento não pode ser acolhido.

213    Quanto ao erro de direito supostamente cometido pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 483 do acórdão recorrido, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que é legítimo considerar que houve responsabilidade de uma determinada empresa pela infracção prevista no artigo 81.°, n.° 1, CE quando esta tiver participado nas reuniões tendo conhecimento do seu objecto, mesmo que depois não tenha aplicado uma ou outra das medidas acordadas nessas reuniões (v. acórdão de 15 de Outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect., p. I‑8375, n.° 509).

214    Ao considerar, no n.° 483 do acórdão recorrido, que foi devido à participação frequente dos bancos nos comités mais importantes que a Comissão optou lhes dirigir a decisão impugnada, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito.

215    De igual modo, contrariamente ao que alega a ÖVAG, o referido critério é diferente do utilizado para a repartição dos bancos por categorias. Com efeito, nesta última situação, o critério utilizado é o mencionado no ponto I, A, sexto parágrafo, das orientações relativo ao poder económico dos bancos.

216    Ao decidir, no n.° 487 do acórdão recorrido, que a diferenciação entre os bancos que podia resultar dos papéis que desempenharam nos comités «já [tinha sido] tida em consideração no quadro da repartição dos bancos em diferentes categorias», o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito. Com efeito, procedeu, antes de chegar a essa conclusão, a uma perspectivação entre os bancos que desempenharam um papel mais importante nos comités e a sua posição no mercado para concluir que os mesmos bancos eram visados.

217    Por conseguinte, o segundo argumento invocado no âmbito da primeira parte do fundamento em análise não deve ser acolhido.

218    No que diz respeito ao terceiro argumento, há que referir que a recorrente não carreou nenhum elemento susceptível de demonstrar a existência de uma desvirtuação dos elementos de prova.

219    Por conseguinte, este terceiro argumento invocado no âmbito da primeira parte do fundamento em análise não deve ser acolhido.

220    Quanto ao quarto argumento, há que referir que, como alega a Comissão, a recorrente o invocou, alegando que de tratava de circunstâncias atenuantes, pela primeira vez na fase do presente recurso.

221    Ora, de acordo com jurisprudência assente, permitir a uma parte invocar no Tribunal de Justiça, pela primeira vez, fundamentos que não invocou no Tribunal de Primeira Instância equivaleria a permitir‑lhe apresentar ao Tribunal de Justiça, cuja competência para julgar recursos em segunda instância é limitada, um litígio com um objecto mais lato do que o submetido ao Tribunal de Primeira Instância. No âmbito de um recurso em segunda instância, a competência do Tribunal de Justiça encontra‑se limitada à apreciação da solução legal dada aos fundamentos debatidos em primeira instância (v., nomeadamente, acórdão de Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 165).

222    Assim sendo, estas alegações são inadmissíveis em fase de recurso de segunda instância.

223    Por conseguinte, a primeira parte do fundamento em análise deve improceder na íntegra.

b)     Quanto à segunda parte, relativa a um erro de direito no que diz respeito à participação das autoridades públicas nos comités bancários

i)     Argumentos das partes

224    A BA‑CA sustenta que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito pelo facto de não ter levado em conta, no n.° 505 do acórdão recorrido, a participação das autoridades públicas enquanto circunstância atenuante.

225    Com efeito, resulta da prática decisória da Comissão e da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a tolerância de um comportamento pelo legislador nacional ou pelas autoridades constitui uma circunstância atenuante e justifica, assim, a redução do montante da coima independentemente da dimensão das empresas envolvidas.

226    Em particular, a BA‑CA censura ao Tribunal de Primeira Instância o facto de ter considerado, no n.° 505 do acórdão recorrido, que a tolerância da infracção por parte das autoridades públicas não podia ser levada em consideração «tendo em conta, designadamente os meios de que os bancos disp[unham] para obter esclarecimentos jurídicos precisos e correctos». Por um lado, este requisito não está em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, em particular com o acórdão de 9 de Setembro de 2003, CIF (C‑198/01, Colect., p. I‑8055, n.° 57). Por outro, o mesmo requisito cria uma discriminação de certas empresas, em função do respectivo objecto social.

227    A Comissão considera, a título principal, que estas afirmações não são admissíveis, uma vez que consistem numa repetição dos factos expostos no Tribunal de Primeira Instância. A título subsidiário, as referidas afirmações não têm fundamento.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

228    No n.° 505 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância declarou o seguinte:

«No que se refere à participação de determinadas autoridades públicas (o [Banco Central austríaco], o Ministério das Finanças e o Wirtschaftskammer) nas reuniões, os elementos apresentados pelas recorrentes não são suficientes para fundamentar uma dúvida razoável sobre a natureza ilícita dos comités face ao direito comunitário da concorrência. Embora não se possa excluir que, em determinadas circunstâncias, um quadro jurídico nacional ou um comportamento das autoridades nacionais possam constituir circunstâncias atenuantes (v., por analogia, acórdão CIF, já referido no n.° 258, supra, n.° 57), a aprovação ou a tolerância da infracção por parte das autoridades austríacas não pode ser tida em consideração a este título no caso em apreço, tendo em conta, designadamente os meios de que os bancos dispõem para obter esclarecimentos jurídicos precisos e correctos.»

229    O primeiro período deste número constitui uma apreciação de facto do Tribunal de Primeira Instância que não pode ser posta em causa na fase de recurso das decisões desse Tribunal.

230    No que diz respeito ao segundo período do mesmo número, há que referir desde já que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito.

231    Por um lado, contrariamente ao que sustenta a BA‑CA, no acórdão CIF, já referido, a questão prejudicial dizia respeito ao papel da autoridade nacional da concorrência quando o acordo é imposto ou favorecido por uma disposição legislativa nacional que legitima ou reforça os respectivos efeitos, no âmbito do artigo 81.° CE. O Tribunal de Justiça declarou, no n.° 57 desse acórdão, que «na determinação do nível da sanção, […] o comportamento das empresas em causa [é] apreciado à luz da circunstância atenuante que o quadro jurídico nacional constitui». Daqui decorre que o acórdão CIF em nada dizia respeito à participação das autoridades públicas no acordo.

232    Além disso, como salientou o advogado‑geral no n.° 404 das suas conclusões, a lei austríaca que autorizava os estabelecimentos bancários a concertarem‑se foi revogada pelo menos em 1 de Janeiro de 1994, ou seja, um ano antes do período da infracção coberto pela decisão impugnada.

233    Por outro lado, a BA‑CA não pode invocar a violação do princípio da igualdade. Com efeito, o Tribunal de Justiça tem declarado repetidamente que a prática decisória anterior da Comissão não serve de enquadramento jurídico às coimas em matérias de concorrência e que as decisões relativas a outros processos têm carácter meramente indicativo no que diz respeito à existência de discriminações (v., acórdão de 21 de Setembro de 2006, JCB Service/Comissão, C‑167/04 P, Colect., p. I‑8935, n.° 205).

234    Resulta das considerações precedentes que não há que acolher os argumentos esgrimidos pela BA‑CA e, consequentemente, a segunda parte do fundamento em análise.

c)     Quanto à terceira parte, relativa a um erro de direito no que diz respeito ao carácter público das reuniões

i)     Argumentos das partes

235    A BA‑CA sustenta que, no n.° 506 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito pelo facto de não ter reconhecido a notoriedade pública dos comités para lhe conceder uma redução da coima.

236    Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância violou os princípios que regulam a produção de prova pelo facto de não ter analisado o mérito dos documentos apresentados pela BA‑CA que provam a notoriedade pública do objectivo e do conteúdo dos comités.

237    Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância reproduziu erradamente a exposição dos factos pela BA‑CA na medida em que esta não sustentou precisamente que a notoriedade pública dos comités demonstrava a sua legalidade.

238    Em terceiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância ultrapassou o que era possível exigir ao considerar que a opinião pública tinha de ter perfeito conhecimento dos das conversações no seio dos comités para ser possível conceder uma redução da coima.

239    A Comissão considera que estas alegações não são admissíveis e que, subsidiariamente, são improcedentes. Afirma que não há nenhuma jurisprudência de acordo com a qual os participantes num cartel podem considerar que as suas práticas são lícitas pelo facto de determinados comportamentos serem notórios. Se assim fosse, bastaria tornar determinadas práticas públicas para evitar a aplicação de sanções pecuniárias. A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância afirma claramente que a notoriedade não é determinante.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

240    As duas primeiras alegações improcedem, já que a BA‑CA não carreou os elementos indispensáveis à análise da questão da desvirtuação dos elementos probatórios que o Tribunal de Primeira Instância levou em conta para tirar as conclusões que tirou no n.° 506 do acórdão recorrido.

241    Quanto à terceira alegação, há que referir que o Tribunal de Primeira Instância não considerou que o público tinha de ter perfeito conhecimento dos acordos, mas apenas que o acordo devia ser publicamente conhecido em toda a sua extensão. Por conseguinte, esta alegação improcede.

242    Face ao exposto, a terceira parte do presente fundamento deve ser julgada improcedente, assim como, consequentemente, a totalidade do fundamento relativo à existência de erros de direito, de falta de fundamentação e de desvirtuação dos elementos probatórios no que diz respeito à existência de circunstâncias atenuantes.

3.     Quanto ao fundamento relativo à violação da comunicação sobre a cooperação

243    Este fundamento subdivide‑se, essencialmente, em duas partes.

a)     Quanto à primeira parte, relativa ao facto de o Tribunal de Primeira Instância não ter analisado correctamente a margem de apreciação da Comissão

i)     Argumentos das partes

244    A BA‑CA sustenta que o Tribunal de Primeira Instância não analisou correctamente a margem de apreciação de que a Comissão dispõe no âmbito da execução da comunicação sobre a cooperação nem os limite da sua competência de fiscalização jurisdicional.

245    Com efeito, o ponto D da comunicação sobre a cooperação não confere nenhum poder de apreciação à Comissão no que diz respeito às questões de saber, por um lado, se as informações prestadas pela empresa facilitaram a tarefa da Comissão e, por outro, se deve ser concedida uma redução da coima à empresa que cooperou. A referência ao acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, também não é susceptível de justificar a existência de um poder de apreciação ilimitado por parte da Comissão. Além disso, e contrariamente ao que o Tribunal de Primeira Instância declarou no n.° 532 do acórdão recorrido, a apreciação da cooperação de uma empresa está sujeita ao seu poder de plena jurisdição.

246    A Comissão considera que as afirmações da ÖVAG são erradas.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

247    Há que rejeitar desde já a primeira parte do presente fundamento.

248    Com efeito, no n.° 394 do acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça considerou que a Comissão dispõe de um poder de apreciação para avaliar se as informações ou os documentos voluntariamente transmitidos pelas empresas facilitaram a sua tarefa e se há que reconhecer que as empresas têm direito a uma redução ao abrigo do ponto D, n.° 2, da comunicação sobre a cooperação.

249    Depois, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao considerar, no n.° 532 do acórdão recorrido, que essa avaliação da Comissão devia ser apenas objecto de uma fiscalização limitada.

250    Atendendo ao exposto, há que julgar improcedente a primeira parte do fundamento em análise.

b)     Quanto à segunda parte, relativa a um erro de direito na aplicação da comunicação sobre a cooperação.

i)     Quanto ao primeiro argumento, relativo a um erro de direito no que diz respeito à exigência de que a cooperação traga um «valor acrescentado» e à violação do princípio da igualdade de tratamento

–       Argumentos das partes

251    A RZB e a BA‑CA sustentam, no essencial, que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar, no n.° 553 do acórdão recorrido, que a Comissão pode exigir que a cooperação traga um «valor acrescentado» para permitir que o montante da coima seja reduzido.

252    A BA‑CA alega igualmente que o Tribunal de Primeira Instância violou o princípio da igualdade de tratamento ao utilizar este critério. A observância do referido princípio devia ter levado a que lhe fosse concedida uma redução mais significativa do montante da coima, na medida em que a sua foi mais importante e qualitativamente superior à dos outros bancos.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

253    Uma vez que o primeiro argumento não passa de uma repetição do mesmo argumento invocado perante o Tribunal de Primeira Instância, o mesmo não é admissível em sede de recurso de segunda instância.

254    No que diz respeito ao segundo argumento, importa recordar que, no âmbito do recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância, a fiscalização do Tribunal de Justiça tem por objecto, por um lado, apreciar em que medida o Tribunal de Primeira Instância tomou em consideração, de modo juridicamente correcto, todos os factores essenciais para apreciar a gravidade de um determinado comportamento à luz do artigo 81.° CE bem como do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e, por outro, verificar se o Tribunal de Primeira Instância respondeu satisfatoriamente a todos os argumentos invocados pela parte recorrente com vista a obter a anulação ou a redução da coima (acórdão de Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 244 e jurisprudência aí referida).

255    Pelo contrário, no que diz respeito à amplitude da redução da coima, não compete ao Tribunal de Justiça substituir pela sua a apreciação a que procedeu o Tribunal de Primeira Instância no exercício do seu poder de plena jurisdição (v., neste sentido, acórdão de Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 245).

256    A este respeito, há que referir que, nos n.os 553 a 557 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância analisou o valor acrescentado dos documentos apresentados pelas recorrentes e concluiu que não se justificava uma maior redução do montante das coimas. Tal apreciação dos factos é da exclusiva competência do Tribunal de Primeira Instância, não podendo o Tribunal de Justiça, de acordo com jurisprudência já recordada no presente acórdão, substituir‑se ao Tribunal de Primeira Instância em sede de recurso.

257    Por conseguinte, este argumento deve ser julgado inadmissível na medida em que tem por objecto a reapreciação da redução da coima.

ii)  Quanto ao segundo argumento, relativo a erros de direito no âmbito da apreciação da amplitude da cooperação das empresas, à violação dos princípios da igualdade de tratamento, da protecção da confiança legítima, à observância dos direitos de defesa e à insuficiência da fundamentação

258    O segundo argumento subdivide‑se, essencialmente, em seis partes.

–       Quanto à primeira parte do segundo argumento

Argumentos das partes

259    Através de um primeiro argumento, relativo a uma contradição na fundamentação, a RZB sustenta que o Tribunal de Primeira Instância não extraiu as devidas consequências do facto de certas respostas dadas à Comissão serem não só voluntárias (n.° 542 do acórdão recorrido), mas também irem para além das informações por ela pedidas (n.° 552 do acórdão recorrido).

260    Através de um segundo argumento, a RZB alega que a posição exposta no n.° 541 do acórdão recorrido tem por efeito permitir que Comissão dirija às empresas que considera fazerem parte de um cartel pedidos de informações formulados em termos muito vagos e que acarretam consequências para as empresas que não lhes respondam. A Comissão exerceria assim uma pressão inevitável sobre essas empresas ao fazer‑lhes simples perguntas standard que as levam a testemunhar contra si mesmas. O raciocínio seguido viola os direitos de defesa tais como foram consagrados pelo acórdão de 18 de Outubro de 1989, Orkem/Comissão (374/87, Colect., p. 3283, n.° 32).

261    A RZB esclarece que esta jurisprudência não é posta em causa pela regra instituída pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 29 de Junho de 2006, Comissão/SGL Carbon (C‑301/04 P, Colect., p. I‑5915, n.° 48), uma vez que os problemas aí levantados tinha um desígnio mais claro e eram mais concretos do que no presente processo.

262    Segundo a Comissão, a RZB ignora o facto de ela só poder levar em conta as informações transmitidas no âmbito de uma cooperação voluntária na acepção da comunicação sobre a cooperação se estas facilitarem as suas funções de apurar a existência da infracção e de a reprimi e constituírem uma autêntica cooperação. Ora, as informações que foram transmitidas pela RZB descreviam unicamente o contexto histórico da «rede Lombard» e o conteúdo de reuniões do cartel, elementos de que a Comissão já dispunha. Por conseguinte, não trouxeram o indispensável «valor acrescentado».

263    Por outro lado, a Comissão salienta que estava informada, na altura em que interrogou as recorrentes, de que todos os produtos bancários eram discutidos em numerosos comités e que estes estavam inseridos numa rede, de modo que o enquadramento da infracção e, portanto, o objecto da investigação, estavam claramente identificados, nomeadamente no que diz respeito às empresas que tinham participado nos comités, à natureza da infracção e ao objecto dos acordos.

264    Por último, a Comissão esclarece que as perguntas incidiram sobre todos os comités regulares, de modo que as empresas não tinham de seleccionar ou avaliar as reuniões susceptíveis de constituir infracções ao artigo 81.° CE.

Apreciação do Tribunal de Justiça

265    Quanto ao primeiro argumento, contrariamente ao que sustenta a RZB, o Tribunal de Primeira Instância não se contradisse ao considerar, no n.° 542 do acórdão recorrido, que «resulta[va] do considerando 546 da decisão impugnada que a Comissão [tinha reconhecido] o carácter voluntário das respostas às questões relativas ao teor das reuniões colusórias», e, no n.° 552 do referido acórdão, que «[a] Comissão [tinha reconhecido], no considerando 553 da decisão impugnada, que os bancos tinham voluntariamente fornecido, na exposição conjunta dos factos, informações que ultrapassavam as que lhes tinham sido pedidas».

266    Com efeito, a primeira conclusão é relativa à transmissão de documentos e de informações no âmbito do pedido de informações que a Comissão dirigiu aos bancos em 21 de Setembro de 1998, no âmbito do procedimento previsto no artigo 11.°, n.os 2 a 4, do Regulamento n.° 17.

267    Ao invés, a segunda conclusão é relativa ao conteúdo da exposição comum dos factos feita pelos bancos no âmbito do procedimento anterior, mas posteriormente às suas respostas ao pedido de informações acima referido.

268    Por outro lado, no n.° 545 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou com razão que, «de qualquer forma, o mesmo se passaria na hipótese de uma apreciação divergente do carácter voluntário da apresentação dos referidos documentos», uma vez que a Comissão já tinha concedido uma redução das coimas de 10%.

269    Por conseguinte, a primeira alegação da primeira parte do segundo argumento não deve ser acolhida.

270    Quanto à segunda alegação, relativa à observância dos direitos de defesa, há que recordar que o respeito dos direitos de defesa em qualquer processo susceptível de resultar na aplicação de sanções, nomeadamente de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias, constitui um princípio fundamental do direito comunitário, que deve ser observado mesmo num procedimento de natureza administrativa (v. acórdão de 29 de Junho de 2006, SGL Carbon/Comissão, C‑308/04 P, Colect., p. I‑5977, n.° 94).

271    Embora a Comissão possa, para preservar o efeito útil do artigo 11.°, n.os 2 e 5, do Regulamento n.° 17, obrigar a empresa a prestar‑lhe todos os esclarecimentos necessários sobre factos de que pode ter conhecimento e a transmitir‑lhe, se necessário, os documentos correspondentes que tenha em seu poder, mesmo que estes possam servir para demonstrar, contra si ou contra outra empresa, a existência de um comportamento anticoncorrencial, não pode, todavia, através de uma decisão de pedido de informações, violar os direitos de defesa reconhecidos à empresa (acórdão de Orkem/Comissão, já referido, n.° 34).

272    No entanto, no caso em apreço, basta referir que a Comissão não tomou nenhuma «decisão» na acepção do artigo 11.°, n.os 2 e 5, do Regulamento n.° 17. Consequentemente, a alegação de que o Tribunal de Primeira Instância não respeitou a jurisprudência do acórdão Orkem/Comissão, já referido, no n.° 541 do acórdão recorrido, não deve ser acolhida.

273    Assim, a segunda alegação improcede, assim como, consequentemente, toda a primeira do segundo argumento.

–       Quanto à segunda parte do segundo argumento, relativo a erros de direito no âmbito da apreciação da exposição comum dos factos

Argumentos das partes

274    Em primeiro lugar, a RZB e a BA‑CA defendem que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito, no n.° 556 do acórdão recorrido, ao declarar que não se podia considerar que explicações acerca do contexto de práticas contrárias ao direito da concorrência constituíam uma cooperação no procedimento, na acepção da comunicação sobre a cooperação, na medida em que podiam constituir um meio de defesa para as empresas. Segundo a BA‑CA, não há nenhuma norma jurídica segundo a qual um documento utilizado pelas partes em sua defesa não pode, em simultâneo, fornecer à Comissão informações preciosas e úteis sobre o mérito da questão que contribuam para a declaração da existência da infracção.

275    Em segundo lugar, a RZB alega que a análise do Tribunal de Primeira Instância é incorrecta, uma vez que o entendimento da Comissão é contrário à sua própria prática decisória. A recorrente refere‑se, a este propósito, aos capítulos II, A, ponto 9, alínea a), e IV da Comunicação da Comissão sobre a cooperação de 2006, relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2006, C 298, p. 17).

276    Em terceiro lugar, a BA‑CA sustenta que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro ao considerar que a Comissão podia levar em conta, na sua apreciação da utilidade da cooperação voluntária dos bancos, o facto de estes não lhe terem transmitido, juntamente com a exposição comum dos factos, «todos os documentos relativos aos comités».

277    Segundo afirma, não há nenhuma regra neste sentido. Além disso, tendo em conta a dimensão da infracção, a BA‑CA só poderia ter transmitido esses documentos de forma escalonada no tempo.

278    Em quarto lugar, a BA‑CA alega que o acórdão recorrido enferma de uma contradição. Com efeito, apesar de a exposição comum dos factos ter contribuído para o apuramento da infracção, o Tribunal de Primeira Instância não lhe reconheceu o direito a nenhuma redução da coima.

Apreciação do Tribunal de Justiça

279    O Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 554 a 558 do acórdão recorrido, considerou correctamente e sem cometer nenhum erro de direito nem incorrer em nenhuma contradição na fundamentação que a Comissão tinha tido razão em não qualificar como «factos novos» os documentos juntos em anexo à exposição comum dos factos, de ter levado em conta «o carácter incompleto dos [referidos] anexos» e de ter considerado que «os bancos tinham utilizado [a exposição comum dos factos] para apresentar a sua própria visão dos comités e, consequentemente, como meio de defesa».

280    Com efeito, importa recordar que a Comissão dispõe de um poder de apreciação a este respeito, como resulta da redacção do próprio ponto 2 do capítulo D da comunicação sobre a cooperação e, em especial, da parte introdutória «Esta situação pode verificar‑se, nomeadamente [...]» (acórdão de Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 394).

281    Além disso, e principalmente, uma redução com base na comunicação sobre a cooperação só pode justificar‑se quando se puder considerar que as informações prestadas e, de forma mais genérica, o comportamento da empresa em causa demonstram uma verdadeira cooperação da sua parte (acórdão de Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 395).

282    Como resulta do próprio conceito de cooperação, efectivamente, tal como é realçado na letra da comunicação sobre a cooperação, nomeadamente na sua introdução e no seu capítulo D, n.° 1, só quando o comportamento da empresa em causa demonstra esse espírito de cooperação é que pode ser concedida uma redução com base na referida comunicação (acórdão de Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 396).

283    Ora, como declarou o Tribunal de Primeira Instância nos n.os 554 a 557 do acórdão recorrido, a RZB e a BA‑CA, tendo fornecido uma exposição incompleta dos factos, que apenas confirmava informações já em poder da Comissão e que não traziam nenhum «valor acrescentado», não podem invocar tal comportamento a seu favor.

284    Por conseguinte, a segunda parte deste segundo argumento não deve ser acolhida.

–       Quanto à terceira parte do segundo argumento, relativa a um erro de direito no que diz respeito à apreciação do reconhecimento, pela RZB, da finalidade anticoncorrencial da infracção e à violação do princípio da igualdade de tratamento

Argumentos das partes

285    A RZB censura ao Tribunal de Primeira Instância o facto de ter ignorado, no n.° 559 do acórdão recorrido, o especial valor da sua confissão, quando a Comissão se baseou expressamente nesse elemento para concluir que não era necessário analisar o impacto concreto dos comités.

286    A análise que se segue ao já referido n.° 559 equivale à violação do princípio da igualdade de tratamento, uma vez que, apesar da sua confissão, a RZB foi tratada da mesma maneira que os outros bancos. A RZB pede ao Tribunal de Justiça que corrija o erro do Tribunal de Primeira Instância e considera que se justifica uma redução da coima de pelo menos 10%.

287    A Comissão alega que já tinha explicado e demonstrado, no n.° 426 da decisão impugnada, que os comités se destinavam a limitar a concorrência e que a confissão nada acrescentava.

Apreciação do Tribunal de Justiça

288    Ao considerar, no n.° 559 do acórdão recorrido, que «compete [à Comissão] apreciar, em cada caso concreto, se esse reconhecimento facilitou de facto o seu trabalho», o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito.

289    Com efeito, como foi dito no n.° 248 do presente acórdão, a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação relativamente à cooperação das empresas no procedimento.

290    Além disso, uma vez que a confissão não facilitou o trabalho da Comissão, mas apenas confirmou, como referiu o Tribunal de Primeira Instância, as suas próprias conclusões, o argumento da RZB relativo à violação do princípio da igualdade não pode ser acolhido.

291    Consequentemente, a terceira parte deste segundo argumento improcede.

–       Quanto à quarta parte do segundo argumento, relativa à inversão do ónus da prova no que diz respeito ao valor da cooperação da RZB e à violação do princípio da protecção da confiança legítima

Argumentos das partes

292    A RZB acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter invertido o ónus da prova ao considerar, nos n.os 546 a 551 do acórdão recorrido, que, para obter uma redução da coima superior a 10%, a recorrente devia ter provado que a Comissão não poderia ter provado a infracção sem os elementos probatórios por si carreados.

293    Por um lado, esta apreciação é contrária ao capítulo D, n.° 2, segundo travessão, da comunicação sobre a cooperação e viola, por conseguinte, o princípio da protecção da confiança legítima. Por outro, a referida análise é inconciliável com a obrigação da Comissão de fazer prova, nos procedimentos administrativos, tanto da matéria de facto favorável como da desfavorável.

294    Para a Comissão, as alegações da RZB são erradas. Especifica que resulta do capítulo D, n.° 2, primeiro travessão, da comunicação sobre a cooperação que os meios de prova apresentados devem contribuir para confirmar a existência da infracção. Ora, a Comissão dispunha, na sequência das inspecções, de documentos necessários ao apuramento dos factos essenciais e foi ela própria, por conseguinte, que trouxe suporte aos elementos constitutivos da infracção. Esta prova não foi refutada pela RZB.

Apreciação do Tribunal de Justiça

295    No n.° 551 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância declarou que «as recorrentes não demonstraram que os documentos apresentados em resposta aos pedidos de informações eram necessários para permitir à Comissão identificar todos os comités essenciais, nem que na sua falta as provas obtidas nas inspecções teriam sido insuficientes para provar o essencial da infracção e para adoptar uma decisão que aplica coimas».

296    Na medida em que a argumentação da RZB se destina a pôr em causa esta apreciação dos factos pelo Tribunal de Primeira Instância, não é admissível no âmbito do presente recurso.

297    Quanto à alegada inversão do ónus da prova, recorde‑se que, se a Comissão tem a obrigação de expor as razões pelas quais considera que os elementos carreados por empresas nos termos da comunicação sobre a cooperação constituem uma contribuição que justifica ou não a redução da coima aplicada, incumbe, por sua vez, às empresas que pretendam contestar a decisão da Comissão a este respeito demonstrar que esta, se não fossem os elementos dessas informações prestadas voluntariamente por essas empresas, não podia ter provado o essencial da infracção e, portanto, não podia ter adoptado uma decisão de aplicação de coimas.

298    Nestas condições, foi com razão que o Tribunal de Primeira Instância decidiu implicitamente, no n.° 551 do acórdão recorrido, que as recorrentes deviam fazer essa prova.

299    Consequentemente, a quarta parte do segundo argumento não deve ser acolhida.

–       Quanto à quinta parte do segundo argumento, relativa a erros de direito e à fundamentação contraditória no âmbito da análise do Tribunal de Primeira Instância relativa ao valor dos documentos suplementares transmitidos pela BA‑CA

Argumentos das partes

300    A BA‑CA contesta, essencialmente, a apreciação do Tribunal de Primeira Instância, que consta dos n.os 560 a 563 do acórdão recorrido, quanto ao valor das 33 pastas, com mais de 10 000 páginas de documentos, que enviou à Comissão.

301    Em primeiro lugar, a BA‑CA sustenta que o Tribunal de Primeira Instância desvalorizou a sua cooperação, reforçando incessantemente as exigências a serem cumpridas para beneficiar de uma redução da coima. A recorrente critica, nomeadamente, a comparação que o Tribunal de Primeira Instância faz entre o valor que se deve atribuir a esses documentos e o valor que se deve dar à exposição conjunta dos factos.

302    Em segundo lugar, a recorrente alega que a fundamentação do Tribunal de Primeira Instância é contraditória, já que este recusa, devido à exposição conjunta dos factos e por não existirem novos documentos, proceder a uma redução da coima, embora esteja provado que, no âmbito da produção voluntária de documentos, transmitiu 10 000 páginas de documentos novos, de que uma parte foi incontestavelmente usada no âmbito da decisão impugnada.

303    A Comissão arguiu a inadmissibilidade deste argumento na medida em que reproduz um argumento invocado no Tribunal de Primeira Instância. Além disso, salienta que o facto de os documentos serem novos, isto é, de não terem ainda sido apresentados, não basta, por si só, para que os referidos documentos constituam uma contribuição útil no âmbito da cooperação.

Apreciação do Tribunal de Justiça

304    Ao considerar, no n.° 560 do acórdão recorrido, que «[…] a apresentação de documentos suplementares por um dos bancos só pod[ia] justificar uma redução ulterior da sua coima a título individual se esta cooperação tive[sse] efectivamente revelado elementos novos e úteis relativamente aos apresentados em conjunto por todas as empresas», o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito.

305    Com efeito, como foi recordado nos n.os 281 a 283 do presente acórdão, uma redução com base na comunicação sobre a cooperação só pode justificar‑se se se puder considerar que as informações prestadas demonstram uma verdadeira cooperação por parte das empresas, sendo certo que o objectivo da redução do montante da coima consiste em recompensar uma empresa pela colaboração no procedimento administrativo que permitiu à Comissão constatar mais facilmente uma infracção.

306    Uma vez que se tinha considerado que os documentos apresentados pela BA‑CA não constituíam elementos novos e úteis em relação aos fornecidos pela exposição comum dos factos, o Tribunal de Primeira Instância decidiu correctamente, no n.° 562 do acórdão recorrido, que a isso não obrigava a Comissão a conceder à BA‑CA uma redução suplementar da coima que lhe tinha sido aplicada.

307    Assim, a quinta parte do segundo argumento improcede.

–       Quanto à sexta parte do segundo argumento, relativa ao facto de não terem sido levadas em conta as respostas da BA‑CA à comunicação de acusações


–       Argumentos das partes

308    A BA‑CA impugna a apreciação do Tribunal de Primeira Instância exposta no n.° 564 do acórdão recorrido segundo a qual a Comissão não tinha de ter levado em conta a sua resposta à comunicação de acusações a título de cooperação.

309    A Comissão considera que a alegação da BA‑CA é errada.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

310    A este respeito, saliente‑se que a comunicação de acusações é um documento de carácter processual e preparatório que, para assegurar o exercício eficaz dos direitos de defesa, circunscreve o objecto do procedimento administrativo iniciado pela Comissão, impedindo‑a, assim, de fazer outras acusações na sua decisão que põe termo ao procedimento em causa (v., em particular, despacho de 18 de Junho de 1986, British American Tobacco e Reynolds Industries/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 1899, n.os 13 e 14). Por conseguinte, é inerente à natureza dessa comunicação o facto de esta ser provisória e susceptível de sofrer alterações no momento da avaliação que a Comissão faz posteriormente com base nas observações que lhe foram apresentadas em resposta pelas partes e no apuramento de outros factos (v., neste sentido, acórdão de SGL Carbon/Comissão, já referido, n.° 62).

311    Com efeito, a Comissão tem de levar em conta os elementos decorrentes do procedimento administrativo no seu todo, quer para renunciar às acusações que não têm fundamento quer para organizar e completar, quanto aos factos e ao direito, a argumentação que fundamenta as acusações por ela feitas. Assim, a comunicação de acusações não impede a Comissão de modificar a sua posição em benefício das empresas em causa (v. despacho British American Tobacco e Reynolds Industries/Comissão, já referido, n.° 13).

312    Não está excluído que as empresas possam, posteriormente à comunicação de acusações, em particular na sua resposta a essa comunicação, dar informações decisivas à Comissão que justifiquem que esta lhe conceda uma redução da coima ao abrigo da comunicação sobre a cooperação.

313    Todavia, a este respeito, o Tribunal de Primeira Instância considerou implicitamente, no n.° 564 do acórdão recorrido, que não era o que acontecia no caso concreto relativamente à resposta da BA‑CA à comunicação de acusações.

314    Nestas condições, uma vez que a BA‑CA não alegou que o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou os elementos probatórios a este respeito, a sexta parte do segundo argumento deve ser julgada improcedente, assim como, consequentemente, o segundo argumento e a segunda parte do fundamento em análise na íntegra.

315    Face ao exposto, o fundamento relativo à violação da comunicação sobre a cooperação é parcialmente improcedente parcialmente inadmissível e deve, assim, ser rejeitado na íntegra.

C –  Quanto ao fundamento relativo à violação do direito de ser ouvido pelo Tribunal de Primeira Instância

a)     Argumentos das partes

316    A BA‑CA sustenta que o Tribunal de Primeira Instância violou o seu direito de audiência ao recusar ouvir uma testemunha.

317    A Comissão alega que o Tribunal de Primeira Instância não está obrigado a dar seguimento a um oferecimento de prova se este, como é o caso, não for pertinente para o esclarecimento dos factos.

b)     Apreciação do Tribunal de Justiça

318    A este respeito, refira‑se que, no n.° 563 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância indeferiu um pedido de inquirição de uma testemunha pelo facto de «es[s]a oferta de prova não [ser] directamente pertinente para avaliar a utilidade dos […] documentos [apresentados]».

319    Ora, recorde‑se que o Tribunal de Primeira Instância é o único que tem competência para apreciar da eventual necessidade de completar os elementos de informação de que dispõe nos processos submetidos à sua apreciação (v., nomeadamente, acórdãos de 30 de Setembro de 2003, Freistaat Sachsen e o./Comissão, C‑57/00 P e C‑61/00 P, Colect., p. I‑9975, n.° 47, e de 7 de Outubro de 2004, Mag Instrument/IHMI, C‑136/02 P, Colect., p. I‑9165, n.° 76).

320    Mesmo que o pedido de inquirição de uma testemunha formulado na petição inicial esteja fundamentado, compete ao Tribunal de Primeira Instância apreciar a pertinência do pedido em relação ao objecto do litígio e à necessidade de proceder à inquirição da referida testemunha (v. acórdão de Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 68).

321    Na presente fase do recurso da decisão do Tribunal de Primeira Instância, a recorrente não fez prova de que, ao recusar ouvir essa testemunha, quando a BA‑CA pôde responder a perguntas suplementares feitas Tribunal de Primeira Instância, este violou o seu direito de audiência.

322    Assim, o fundamento em análise deve ser julgado improcedente.

D –  Quanto ao fundamento relativo à violação, pelo Tribunal de Primeira Instância, do seu dever de fundamentação no que diz respeito à fixação do nível das coimas e do direito de audiência

a)     Argumentos das partes

323    A BA‑CA acusa o Tribunal de Primeira Instância de, no n.° 566 do acórdão recorrido, ter exercido as suas competências de plena jurisdição sem respeitar o dever de fundamentação e sem permitir que as empresas às quais a fixação da coima dizia respeito fossem ouvidas.

324    Especifica que os pressupostos com base nos quais o Tribunal de Justiça concluiu pela inexistência dessas obrigações no acórdão de 8 de Fevereiro de 2007, Grupo Danone/Comissão (C‑3/06 P, Colect., p. I‑1331) não se encontram preenchidos no caso em apreço.

325    A BA‑CA salienta, nomeadamente, que a coima aplicada aos bancos em 2002 era a sexta coima mais elevada de sempre aplicada pela Comissão e que, ao voltar a avaliá‑la quatro anos mais tarde, o Tribunal de Primeira Instância considerou‑a erradamente «pouco elevad[a]».

326    A Comissão sublinha que as considerações constantes do n.° 566 do acórdão recorrido são meramente complementares e finais, expondo a apreciação do Tribunal de Primeira Instância.

b)     Apreciação do Tribunal de Justiça

327    A este respeito, há que recordar, a título preliminar, que a observância dos direitos de defesa em todos os processos que possam levar à aplicação de sanções, nomeadamente de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias, é um princípio fundamental de direito comunitário que foi por diversas vezes realçado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão Groupe Danone/Comissão, já referido, n.° 68 e jurisprudência aí referida).

328    No âmbito do recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância, a fiscalização do Tribunal de Justiça tem por objecto, por um lado, apreciar em que medida o Tribunal de Primeira Instância tomou em consideração, de modo juridicamente correcto, todos os factores essenciais para apreciar a gravidade de um determinado comportamento à luz dos artigos 81.° CE e 82.° CE bem como do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e, por outro, verificar se o Tribunal de Primeira Instância respondeu satisfatoriamente a todos os argumentos invocados pela recorrente com vista a obter a anulação ou a redução da coima (acórdão Groupe Danone/Comissão, já referido, n.° 69 e jurisprudência aí referida).

329    Sem que seja necessário apreciar a questão de saber se o juiz comunitário era obrigado, antes de exercer a sua competência de plena jurisdição, a convidar a recorrente a apresentar as suas observações sobre uma eventual alteração do montante da coima, importa observar que a BA‑CA teve a oportunidade de defender utilmente a sua posição.

330    Com efeito, como referiu o advogado‑geral nos n.os 519 e seguintes das suas conclusões, quatro dos seis fundamentos invocados pela BA‑CA no Tribunal de Primeira Instância destinavam‑se a obter a redução do montante da coima que lhe tinha sido aplicada. Esses fundamentos eram relativos, nomeadamente, às apreciações da Comissão sobre a qualificação da infracção, a existência de circunstâncias atenuantes e a cooperação da recorrente no processo.

331    Além disso, o Tribunal de Primeira Instância fez várias perguntas à BA‑CA relativas à existência de circunstâncias atenuantes e à sua cooperação no processo.

332    Por último, há que referir que o Tribunal de Primeira Instância examinou de forma muito detalhada, nos n.os 216 a 571 do acórdão recorrido, todos os elementos pertinentes relativos à fixação do montante da coima.

333    Este fundamento deve, por conseguinte, ser julgado improcedente.

334    Decorre das considerações precedentes que há que negar provimento ao recurso na íntegra.

VII –  Quanto às despesas

335    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos das decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do disposto no artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Uma vez que a Comissão requereu a condenação da Erste, da RZB, da BA‑CA e da ÖVAG e que estas foram vencidas, há que condená‑las nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      É negado provimento aos recursos.

2)      A Erste Group Bank AG, anteriormente Erste Bank der österreichischen Sparkassen AG, a Raiffeisen Zentralbank Österreich AG, a Bank Austria Creditanstalt AG e a Österreichische Volksbanken AG são condenadas nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.