Language of document : ECLI:EU:C:2009:215

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

2 de Abril de 2009 (*)

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Artigo 81.° CE – Contrato de abastecimento exclusivo de carburantes e de combustíveis – Isenção – Regulamento (CEE) n.° 1984/83 – Artigo 12.°, n.° 2 – Regulamento (CEE) n.° 2790/1999 – Artigos 4.°, alínea a), e 5.°, alínea a) – Duração da exclusividade – Fixação do preço de venda ao público»

No processo C‑260/07,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela Audiencia Provincial de Barcelona (Espanha), por decisão de 13 de Dezembro de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 31 de Maio de 2007, no processo

Pedro IV Servicios SL

contra

Total España SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, J. Klučka, U. Lõhmus (relator), P. Lindh e A. Arabadjiev, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 26 de Junho de 2008,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Pedro IV Servicios SL, por A. Hernández Pardo, M. Gaitán Luján e I. Sobrepera Millet, abogados,

–        em representação da Total España SA, por J. A. de Velasco Esteban, C. Fernández Vicién e I. Moreno‑Tapia Rivas, abogados,

–        em representação do Governo espanhol, por M. Muñoz Pérez, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por V. Di Bucci e E. Gippini Fournier, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 4 de Setembro de 2008,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 81.° CE, dos artigos 11.° e 12.° do Regulamento (CEE) n.° 1984/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [81.°] do Tratado a certas categorias de acordos de compra exclusiva (JO L 173, p. 5, e rectificação no JO 1984, L 79, p. 38; EE 08 F2 p. 114), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1582/97 da Comissão, de 30 de Julho de 1997 (JO L 214, p. 27, a seguir «Regulamento n.° 1984/83»), bem como dos artigos 4.°, alínea a), e 5.°, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 2790/1999 da Comissão, de 22 de Dezembro de 1999, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 81.° do Tratado CE a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas (JO L 336, p. 21).

2        Esse pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe a Pedro IV Servicios SL (a seguir «Pedro IV») à Total España SA (a seguir «Total»), a propósito do pedido de anulação, apresentado pela Pedro IV, da relação contratual complexa entre estas duas sociedades, por esta relação comportar cláusulas restritivas da concorrência.

 Quadro jurídico comunitário

 Regulamento n.° 1984/83

3        O Regulamento n.° 1984/83 excluía do âmbito de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE certas categorias de acordos de compra exclusiva e de práticas concertadas que preenchessem normalmente as condições previstas no n.° 3 do referido artigo, pelo facto de, em geral, esses acordos ou práticas melhorarem a distribuição dos produtos.

4        Nos termos do oitavo e décimo terceiro considerandos do Regulamento n.° 1984/83:

«(8)      Considerando que o presente regulamento deve determinar as restrições à concorrência que podem figurar num acordo de compra exclusiva; que as restrições de concorrência que, além da obrigação de compra exclusiva, são assim admitidas conduzem a uma repartição clara das tarefas entre as partes e obrigam o revendedor a concentrar os seus esforços de venda sobre os produtos referidos no contrato; que, na medida em que sejam acordadas apenas para o período de vigência do acordo, estas restrições são, em geral, necessárias para obter a melhoria da distribuição pretendida pela exclusividade de compra; que outras disposições restritivas da concorrência, e, em especial, as que limitam a liberdade de o revendedor determinar os seus preços ou as suas condições de revenda ou de escolher os seus clientes, não podem ser isentadas pelo presente regulamento;

[…]

(13)      Considerando que [os acordos de estações de serviço] são em geral caracterizados pelo facto de, por um lado, o fornecedor conceder ao revendedor vantagens económicas e financeiras particularmente importantes, atribuindo‑lhe quantias em dinheiro a fundo perdido, concedendo‑lhe ou conseguindo‑lhe empréstimos em condições vantajosas, concedendo‑lhe um terreno ou locais para a exploração [...] da estação de serviço, pondo à sua disposição instalações técnicas ou outros equipamentos ou efectuando outros investimentos em benefício do revendedor e de, por outro lado, o revendedor contrair para com o fornecedor uma obrigação de compra exclusiva de longa duração, geralmente acompanhada duma proibição de concorrência.»

5        As disposições especiais aplicáveis aos acordos de estações de serviço estavam previstas nos artigos 10.° a 13.° do Regulamento n.° 1984/83.

6        Segundo o artigo 10.° desse regulamento:

«Nos termos do n.° 3 do artigo [81.°] do Tratado e nas condições previstas nos artigos 11.° a 13.° do presente regulamento, o n.° 1 do artigo [81.°] do referido Tratado é declarado inaplicável aos acordos em que participam apenas duas empresas e nos quais uma, o revendedor, se compromete perante a outra, o fornecedor, em contrapartida da concessão de vantagens económicas ou financeiras especiais, a comprar só a este, a uma empresa a ele ligada ou a uma terceira empresa que ele haja encarregado da distribuição dos seus produtos, para fins de revenda numa estação de serviço designada no acordo, certos combustíveis para veículos a motor à base de produtos petrolíferos ou certos combustíveis para veículos a motor e combustíveis à base de produtos petrolíferos especificados no acordo.»

7        O artigo 11.° do referido regulamento dispunha:

«Para além da obrigação enunciada no artigo 10.°, não pode ser imposta ao revendedor qualquer outra restrição de concorrência que não seja:

a)      A obrigação de não revender, na estação de serviço designada no acordo, combustíveis para veículos a motor ou combustíveis fornecidos por terceiras empresas;

b)      A obrigação de não utilizar, na estação de serviço designada no acordo, lubrificantes ou produtos petrolíferos conexos, oferecidos por terceiras empresas, quando o fornecedor ou uma empresa a ele ligada tiverem colocado à disposição do revendedor, ou tiverem financiado, um equipamento de remoção de óleos ou outras instalações de lubrificação de veículos a motor;

c)      A obrigação de só fazer publicidade, em relação aos produtos entregues por terceiras empresas, no interior ou no exterior da estação de serviço, na proporção da parte que estes produtos representam no volume de vendas total da estação de serviço;

d)      A obrigação de só deixar fiscalizar pelo fornecedor, ou uma empresa por ele designada, as instalações de depósito ou de distribuição de produtos petrolíferos que sejam propriedade do fornecedor ou que tenham sido financiadas pelo fornecedor ou por uma empresa que lhe esteja ligada.»

8        O artigo 12.° do Regulamento n.° 1984/83 previa:

«1.      O disposto no artigo 10.° não é aplicável quando:

[…]

c)      O acordo é celebrado por tempo indeterminado ou por mais de dez anos;

[…]

2.      Em derrogação do disposto na alínea c) do n.° 1, quando o acordo diz respeito a uma estação de serviço que o fornecedor deu em locação ao revendedor ou de que lhe permitiu a fruição de direito ou de facto, as obrigações de compra exclusiva e as proibições de concorrência referidas no presente título podem ser impostas ao revendedor durante todo o período em que ele efectivamente explore a estação de serviço.»

9        O Regulamento n.° 1984/83 deixou de vigorar em 31 de Dezembro de 1999. Em 1 de Janeiro de 2000, entrou em vigor o Regulamento n.° 2790/1999, que prorrogou até 31 de Maio de 2000 a aplicação das isenções previstas, entre outros, pelo Regulamento n.° 1984/83.

 Regulamento n.° 2790/1999

10      Em conformidade com o disposto no artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2790/1999:

«Nos termos do n.° 3 do artigo 81.° do Tratado e no presente regulamento, o n.° 1 do artigo 81.° não se aplica aos acordos ou práticas concertadas em que participam duas ou mais empresas cada uma delas operando, para efeitos do acordo, a um nível diferente da produção ou da cadeia de distribuição e que digam respeito às condições em que as partes podem adquirir, vender ou revender certos bens ou serviços (denominados ‘acordos verticais’).

Esta isenção é aplicável na medida em que estes acordos contenham restrições da concorrência abrangidas pelo n.° 1 do artigo 81.° (denominadas ‘restrições verticais’).»

11      O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2790/1999 dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no n.° 2 do presente artigo, a isenção prevista no artigo 2.° é aplicável desde que a quota de mercado do fornecedor não exceda 30% do mercado relevante no qual venda os bens ou serviços contratuais.»

12      O artigo 4.°, alínea a), do Regulamento n.° 2790/1999 prevê que a isenção da proibição prevista no artigo 81.°, n.° 1, CE não é aplicável a acordos verticais que, directa ou indirectamente, isoladamente ou em combinação com outros factores que sejam controlados pelas partes, tenham por objecto:

«A restrição da possibilidade de o comprador estabelecer o seu preço de venda, sem prejuízo da possibilidade do fornecedor de impor um preço de venda máximo ou de recomendar um preço de venda, desde que estes não sejam equivalentes a um preço de venda fixo ou mínimo como resultado de pressões, ou de incentivos oferecidos por qualquer uma das partes.»

13      O artigo 5.° do mesmo regulamento estabelece:

«A isenção prevista no artigo 2.° não é aplicável a nenhuma das seguintes obrigações incluídas em acordos verticais:

a)      Qualquer obrigação de não concorrência directa ou indirecta, cuja duração seja indefinida ou ultrapasse cinco anos. Uma obrigação de não concorrência que seja tacitamente renovada por mais que um período de cinco anos deve ser considerada como tendo sido concluída por uma duração indefinida. Todavia, o prazo‑limite de cinco anos não é aplicável quando os bens ou serviços contratuais são vendidos pelo comprador a partir de instalações e terrenos que sejam propriedade do fornecedor ou [dadas] de arrendamento pelo fornecedor a terceiros não ligados ao comprador, desde que a duração da obrigação de não concorrência não ultrapasse o período de ocupação das instalações e terrenos pelo comprador;

[…]»

14      Por força do artigo 12.° do Regulamento n.° 2790/1990, tal como foi já precisado no n.° 9 do presente acórdão, a isenção prevista nomeadamente pelo Regulamento n.° 1984/83 continuará a aplicar‑se até 31 de Maio de 2000. A proibição estabelecida no artigo 81.°, n.° 1, CE não é aplicável, durante o período compreendido entre 1 de Junho de 2000 e 31 de Dezembro de 2001, aos acordos já em vigor em 31 de Maio de 2000 que não satisfaçam as condições de isenção previstas no Regulamento n.° 2790/1999, mas que, em contrapartida, preencham as previstas no Regulamento (CEE) n.° 1983/83.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      A Pedro IV explora uma estação de serviço em Espanha. Resulta da decisão de reenvio que, em 26 de Outubro de 1989, celebrou quatro contratos com a Total, fornecedor de produtos petrolíferos.

16      O primeiro desses contratos prevê a constituição, a favor da Total, de um direito real, dito «direito de superfície», por um período de 20 anos, sobre um terreno pertencente à Pedro IV. Esse contrato autoriza a Total a construir nesse terreno, num prazo de dois anos e meio, uma estação de serviço que passará a ser propriedade sua, em contrapartida de uma retribuição à Pedro IV. O montante dessa retribuição foi fixado globalmente em 250 000 ESP por mês (cerca de 1 500 euros), a pagar durante 20 anos. No termo desse período de 20 anos, a estação de serviço construída pela Total passará a ser propriedade da Pedro IV. O referido prazo de 20 anos começa a correr a partir da data da entrada em funcionamento da estação de serviço. Nos termos do contrato, o direito de superfície não pode ser cedido sem o consentimento do proprietário do terreno.

17      O segundo desses contratos é um contrato de arrendamento da estação de serviço a construir. Nos termos desse contrato, a Total cede à Pedro IV o uso e a fruição da estação de serviço durante um ano. Esse prazo é, no entanto, renovável, com prorrogação obrigatória para o locador, de mês a mês, por toda a duração do contrato de abastecimento exclusivo que a Total se compromete igualmente a celebrar com a Pedro IV. Em todo o caso, o arrendamento terminará ao mesmo tempo que o direito de superfície concedido à Total. A renda mensal a pagar pela Pedro IV é de 600 000 ESP (cerca de 3 600 euros).

18      O terceiro desses contratos, celebrado igualmente pelo período de 20 anos, é um contrato de abastecimento exclusivo de combustíveis, nos termos do qual a Pedro IV se compromete a explorar a estação de serviço, a partir do momento em que esta lhe seja entregue, abastecendo‑se exclusivamente junto da Total e utilizando a sua imagem, as suas cores, a sua marca e a sua insígnia. Segundo esse contrato, o abastecimento efectua‑se de acordo com a modalidade de venda firme, de forma que o distribuidor adquire a propriedade do combustível desde o momento em que o distribuidor o põe à sua disposição na estação de serviço, comprometendo‑se o comprador a revendê‑lo por sua própria conta e risco. Em contrapartida da exclusividade, a Total deve pagar à Pedro IV o montante de 350 000 ESP (cerca de 2 100 euros) por mês.

19      Além disso, por virtude desse mesmo contrato, a Total compromete‑se a comunicar à Pedro IV os preços de venda ao público recomendados e a garantir a sua competitividade em função dos preços propostos de boa fé por outros concorrentes da região. A Total compromete‑se igualmente a fixar o preço do combustível que fornece ao revendedor, fazendo com que este beneficie das condições mais vantajosas que negociar com outras estações de serviço que possam instalar‑se em Barcelona, e isto sem que esse preço possa, em caso algum, ser superior à média do preço fixado por outros fornecedores significativos do mercado que operem em Barcelona.

20      As partes no processo principal acordaram igualmente em compensar as quantias que devem pagar‑se reciprocamente a título dos três contratos supramencionados. Daí resulta que, compensando‑se integralmente as quantias a cujo pagamento as duas partes estão contratualmente vinculadas, nenhuma delas será obrigada a pagar o que quer que seja à outra.

21      Finalmente, através do quarto contrato, a Total concedeu um empréstimo hipotecário de 30 000 000 ESP (cerca de 180 300 euros) à Pedro IV, que, em garantia, constituiu uma hipoteca sobre o seu terreno, pelo prazo de 20 anos, na condição de a estação de serviço ser construída.

22      Resulta da decisão de reenvio que, uma vez celebrados estes quatro contratos, a estação de serviço foi efectivamente construída no terreno pertencente à Pedro IV e abastecida em exclusividade pela Total durante os doze anos seguintes.

23      Em 6 de Dezembro de 2004, a Pedro IV intentou no Juzgado de lo Mercantil n° 3 de Barcelona uma acção de declaração de nulidade da relação jurídica constituída pelos quatro contratos anteriormente descritos, pelo facto de, por um lado, conterem cláusulas gravemente restritivas de concorrência, concretamente, uma duração superior à duração máxima autorizada pelo direito comunitário para os acordos de abastecimento exclusivos. Por outro, o terceiro contrato prevê a fixação indirecta do preço de revenda, quando tal prática é proibida pelas disposições do artigo 81.° CE. A Pedro IV pediu, além disso, o reembolso das prestações recíprocas das partes, após dedução das somas já amortizadas.

24      Tendo esta acção sido julgada integralmente improcedente por sentença de 7 de Dezembro de 2005, a Pedro IV recorreu para o órgão jurisdicional de reenvio.

25      Foi nestas circunstâncias que a Audiencia Provincial de Barcelona decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o previsto no artigo 12.°, n.° 2, do [Regulamento n.° 1984/83], nos termos do qual, ‘[em] derrogação do disposto na alínea c) do n.° 1, quando o acordo diz respeito a uma estação de serviço que o fornecedor deu em locação ao revendedor ou de que lhe permitiu a fruição de direito ou de facto, as obrigações de compra exclusiva e as proibições de concorrência referidas no presente título podem ser impostas ao revendedor durante todo o período em que ele efectivamente explore a estação de serviço’, ser interpretado no sentido de que respeita à situação em que o fornecedor que dá em locação é inicialmente proprietário do terreno e das instalações ou, pelo contrário, a referência à locação da estação de serviço abrange todos os títulos que juridicamente atestem a estrita propriedade do fornecedor sobre a estação, podendo, por conseguinte, dá‑la em locação ao mesmo proprietário do terreno sem ter de se sujeitar aos prazos que a disposição impõe para os acordos de compra exclusiva?

2)      N[a hipótese] de ser aplicável ao presente caso o [Regulamento n.° 2790/1999], deve o previsto no seu artigo 5.°, nos termos do qual a isenção não é aplicável quando o acordo de compra exclusiva ultrapasse cinco anos, embora ‘o prazo limite de cinco anos não [seja] aplicável quando os bens ou serviços contratuais são vendidos pelo comprador a partir de instalações e terrenos que sejam propriedade do fornecedor ou tomadas de arrendamento pelo fornecedor a terceiros não ligados ao comprador, desde que a duração da obrigação de não concorrência não ultrapasse o período de ocupação das instalações e terrenos pelo comprador’, ser interpretado no sentido de que a disposição se refere a uma situação em que o fornecedor que dá em locação é inicialmente proprietário do terreno e das instalações ou, pelo contrário, a referência à locação da estação de serviço abrange todos os títulos que juridicamente atestam a estrita propriedade do fornecedor sobre a estação, podendo, por conseguinte, dá‑la em locação ao mesmo proprietário do terreno sem ter de se sujeitar aos prazos que a disposição impõe para os acordos de compra exclusiva?

3)      Deve o previsto no n.° 1, alínea a), do artigo 81.° […] CE, nos termos do qual é proibida a fixação indirecta dos preços de compra ou de venda, e no oitavo considerando do [Regulamento n.° 1984/83], segundo o qual ‘outras disposições restritivas da concorrência e, em especial, as que limitam a liberdade de o revendedor determinar os seus preços ou as suas condições de revenda ou de escolher os seus clientes, não podem ser isentadas pelo presente regulamento’, não constando a fixação do preço de revenda entre as outras restrições da concorrência permitidas pelo seu artigo 11.°, ser interpretado no sentido de que nesta proibição se inclui qualquer forma de restrição que limite a liberdade de o revendedor fixar o preço de venda ao público [...], como seja a fixação pelo fornecedor da margem de distribuição do explorador da estação de serviço, fixando o preço do combustível que fornece ao revendedor nas condições mais vantajosas acordadas com outras estações de serviço que possam instalar‑se em Barcelona e não sendo este superior em caso algum à média do preço fixado pelas outras fornecedoras importantes no mercado, ao qual acresce a margem mínima que se considera adequada e obtendo‑se dessa forma o [preço de venda ao público], que o fornecedor não impõe expressamente, mas que recomenda aplicar?

4)      Deve o previsto no artigo 81.°, n.° 1, [alínea a),] […] CE, nos termos do qual é proibida a fixação indirecta dos preços de compra ou de venda, e no artigo 4.°, alínea a), do [Regulamento n.° 2790/1999], que considera uma restrição especialmente grave da concorrência a restrição ao estabelecimento do preço de revenda, ser interpretado no sentido de que inclui qualquer forma de restrição que limite a liberdade de o revendedor fixar o [preço de venda ao público], como seja a fixação pelo fornecedor da margem de distribuição do explorador da estação de serviço, fixando o preço do combustível que fornece ao revendedor nas condições mais vantajosas acordadas com outras estações de serviço que possam instalar‑se em Barcelona e não sendo este superior em caso algum à média do preço fixado pelas outras fornecedoras importantes no mercado, ao qual acresce a margem mínima que se considera adequada e obtendo‑se dessa forma o [preço de venda ao público], que o fornecedor não impõe expressamente, mas que recomenda aplicar?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

26      A Total convida o Tribunal de Justiça a declarar o pedido prejudicial inadmissível, por diversas razões. Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio não forneceu ao Tribunal de Justiça informações essenciais relativas ao litígio no processo principal, não permitindo, por isso, que o Tribunal de Justiça fique com uma ideia precisa e fiel do contexto factual e jurídico do processo no quadro do qual deverá decidir. Em segundo lugar, o pedido prejudicial não se justifica, dado que as respostas às questões submetidas resultam claramente tanto da jurisprudência comunitária como da jurisprudência espanhola. Por fim, as questões submetidas não são pertinentes para a solução do litígio no processo principal.

27      O Governo espanhol manifesta igualmente dúvidas quanto à admissibilidade parcial do reenvio prejudicial, sustentando que os Regulamentos n.° 1984/83 e n.° 2790/1999 não podem ser simultaneamente aplicados. Por isso, as questões relacionadas nomeadamente com a interpretação do Regulamento n.° 1984/93, concretamente, a primeira e terceira questões, são de carácter puramente hipotético e deverão ser declaradas inadmissíveis.

28      A este respeito, deve recordar‑se que, no quadro da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, tal como prevista no artigo 234.° CE, compete exclusivamente ao juiz nacional, que foi chamado a conhecer do litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo que lhe foi submetido, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça (acórdãos de 7 de Janeiro de 2003, BIAO, C‑306/99, Colect., p. I‑1, n.° 88, e de 14 de Dezembro de 2006, Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio, C‑217/05, Colect., p. I‑11987, a seguir «acórdão CEEES», n.° 16 e jurisprudência citada).

29      Segundo jurisprudência também constante, a necessidade de se chegar a uma interpretação do direito comunitário que seja útil para o órgão jurisdicional nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que as questões se baseiam (acórdãos de 9 de Setembro de 2004, Carbonati Apuani, C‑72/03, Colect., p. I‑8027, n.° 10, de 17 de Fevereiro de 2005, Viacom Outdoor, C‑134/03, Colect., p. I‑1167, n.° 22, e acórdão CEEES, já referido, n.° 26).

30      A esse propósito, deve reconhecer‑se que, embora seja exacto que a decisão de reenvio não contém algumas indicações pertinentes para a solução do litígio no processo principal, também é um facto que a decisão permite determinar o alcance das questões prejudiciais e o contexto em que estas são colocadas. Por isso, apesar dessas lacunas, o Tribunal de Justiça dispõe de elementos suficientes para interpretar as normas comunitárias em causa e responder utilmente às referidas questões. Por outro lado, e de qualquer forma, o conteúdo das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça no quadro do presente processo atesta a suficiência da informação sobre o contexto factual e jurídico, já que permitiu às partes no processo principal e aos outros interessados tomar utilmente posição sobre as questões submetidas.

31      A inadmissibilidade do pedido prejudicial também não pode ser declarada pelo facto de as respostas às questões suscitadas resultarem, como afirma a Total, da jurisprudência já assente, tanto no direito comunitário como nacional. Com efeito, mesmo pressupondo que as questões suscitadas sejam materialmente idênticas às que já foram objecto de uma decisão prejudicial num caso análogo, tal circunstância de maneira nenhuma proíbe um órgão jurisdicional nacional de submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial e não tem por efeito determinar a incompetência do Tribunal de Justiça para se pronunciar sobre essas questões (v., neste sentido, acórdão de 6 de Outubro de 1982, Cilfit e o., 283/81, Recueil, p. 3415, n.os 13 e 15). Todavia, nessa situação, o Tribunal de Justiça pode, ao abrigo do disposto no artigo 104.°, n.° 3, do seu Regulamento de Processo, em qualquer altura, após ter ouvido o advogado‑geral, pronunciar‑se mediante despacho fundamentado, no qual fará referência ao acórdão precedente ou à jurisprudência em causa.

32      Além disso, o mecanismo de reenvio prejudicial instituído pelo artigo 234.° CE tem, nomeadamente, por finalidade assegurar a boa aplicação e a interpretação uniforme do direito comunitário nos Estados‑Membros assim como evitar que se estabeleça, em qualquer Estado‑Membro, jurisprudência nacional discordante das regras desse direito (v. acórdãos de 15 de Setembro de 2005, Intermodal Transports, C‑495/03, Colect., p. I‑8151, n.° 38, e de 12 de Junho de 2008, Gourmet Classic, C‑458/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 32).

33      Desde que as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais incidam sobre a interpretação de uma disposição de direito comunitário, o Tribunal de Justiça é, portanto, em princípio, obrigado a pronunciar‑se, salvo se for manifesto que o pedido de decisão prejudicial visa, na realidade, levá‑lo a pronunciar‑se através de um litígio artificial ou a emitir opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, que a interpretação do direito comunitário solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou o objecto do litígio, ou ainda que o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto ou de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (acórdão CEEES, já referido, n.° 17 e jurisprudência referida).

34      Tal não acontece, no entanto, no caso do processo principal. Basta, com efeito, reconhecer que resulta claramente da decisão de reenvio que a resposta às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio lhe será necessária para determinar se a relação contratual em causa no processo principal podia beneficiar da isenção por categorias instituída pelos Regulamentos n.os 1984/83 e 2790/1999.

35      A esse propósito, deve igualmente rejeitar‑se o argumento da Total segundo o qual as questões prejudiciais não são pertinentes para a solução do litígio no processo principal devido ao facto de que, para se poder considerar que um acordo é contrário às regras da concorrência, não basta demonstrar que as cláusulas que contém são incompatíveis com um regulamento de isenção por categorias, sendo igualmente necessário que essas cláusulas infrinjam efectivamente as disposições do artigo 81.° CE.

36      Na verdade, embora seja exacto que os regulamentos de isenção se aplicam na medida em que os acordos contenham restrições da concorrência abrangidas pelo artigo 81.°, n.° 1, CE, também é um facto que, muitas vezes, é mais prático verificar primeiro se esses regulamentos são aplicáveis a um dado acordo, a fim de evitar, em caso afirmativo, um exame económico e jurídico complexo que permita determinar se os requisitos de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE estão preenchidos. De qualquer forma, resulta da jurisprudência decorrente do acórdão Cilfit e o., já referido, que um órgão jurisdicional de reenvio cujas decisões não são susceptíveis de recurso jurisdicional de direito interno e que deva aplicar uma disposição do direito comunitário num litígio que lhe está submetido não é obrigado a interrogar o Tribunal de Justiça sobre a interpretação dessa disposição, se a questão de direito em causa foi resolvida por jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, seja qual for a natureza dos processos que deram lugar a essa jurisprudência, e mesmo não havendo uma estrita identidade das questões controvertidas.

37      Por fim, deve igualmente ser rejeitado o argumento do Governo espanhol relativo à admissibilidade parcial do pedido prejudicial, devido ao carácter hipotético das duas questões que têm por objecto a interpretação do Regulamento n.° 1984/83.

38      Com efeito, embora seja um facto que o referido regulamento deixou de vigorar em 31 de Dezembro de 1999, a verdade é que a isenção nele prevista continuou a aplicar‑se até 31 de Maio de 2000, por força do Regulamento n.° 2790/1999. Este último regulamento instituiu, além disso, um período transitório que expirava em 31 de Dezembro de 2001, período durante o qual a proibição estabelecida no artigo 81.°, n.° 1, CE não se aplicava aos acordos em vigor em 31 de Maio de 2000 que preenchessem as condições de isenção previstas não por este último regulamento mas pelo Regulamento n.° 1984/83. Por isso, dado que os contratos controvertidos foram celebrados durante 1989 e que a sua execução perdurou até à propositura da acção pela Pedro IV, em 2004, deve examinar‑se se as condições de isenção eram aplicáveis por força tanto do Regulamento n.° 1984/83 como do Regulamento n.° 2790/1999, a fim de que o juiz nacional possa determinar, sendo caso disso, se esses contratos eram conformes com o direito da concorrência durante todo o seu período de execução, ou se estão afectados por nulidade a partir de certo momento.

39      Conclui‑se que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

 Quanto à primeira e segunda questões, respeitantes à duração da exclusividade

40      Através das suas duas primeiras questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1984/83, por um lado, e o artigo 5.°, alínea a), do Regulamento n.° 2790/1999, por outro, devem ser interpretados no sentido de que permitem, para efeitos da aplicação do regime de isenção, que um acordo de exclusividade ultrapasse os limites temporais previstos por esses regulamentos, unicamente no caso de o fornecedor ser inicialmente o proprietário tanto do terreno onde está implantada a estação de serviço como desta última, ou se basta que o direito de propriedade do fornecedor incida só sobre a estação de serviço que locou ao proprietário do solo.

41      Dado que a redacção das duas disposições em causa não é idêntica, há que analisar separadamente esses dois regulamentos.

 Quanto à interpretação do Regulamento n.° 1984/83

42      Deve recordar‑se que o Regulamento n.° 1984/83 previa a aplicação do artigo 81.°, n.° 3, CE a certas categorias de acordos de compra exclusiva, susceptíveis de serem abrangidos pela proibição do n.° 1 do mesmo artigo, celebrados entre duas empresas com a finalidade da revenda de produtos petrolíferos em estações de serviço.

43      Além das condições de aplicação da isenção, estabelecidas nos artigos 10.° e 11.° do referido regulamento, o seu artigo 12.°, n.° 1, alínea c), prevê que o Regulamento n.° 1984/83 não é aplicável aos acordos de estações de serviço, se a sua duração for indeterminada ou superior a dez anos. Todavia, o artigo 12.°, n.° 2, do mesmo regulamento precisa que, «[e]m derrogação do disposto na alínea c) do n.° 1, quando o acordo diz respeito a uma estação de serviço que o fornecedor deu em locação ao revendedor ou de que lhe permitiu a fruição de direito ou de facto, as obrigações de compra exclusiva e as proibições de concorrência referidas [nas disposições aplicáveis a acordos de estações de serviço] podem ser impostas ao revendedor durante todo o período em que ele efectivamente explore a estação de serviço».

44      Decorre assim da redacção do artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1984/83 que a aplicação deste regulamento é possível quando estiver em causa um acordo de estação de serviço durante um período de execução superior a dez anos, desde que o fornecedor tenha dado de locação ao revendedor a estação de serviço ou lhe tenha concedido, de direito ou de facto, a fruição desta.

45      Todavia, a Pedro IV e a Comissão das Comunidades Europeias são de opinião de que o benefício do regime derrogatório previsto na referida disposição deve estar subordinado à dupla condição de o fornecedor ser o proprietário da estação de serviço e do terreno onde esta foi construída.

46      A Pedro IV explica a sua posição, lembrando, por um lado, a jurisprudência segundo a qual os regulamentos de isenção por categorias devem ser interpretados restritivamente, a fim de evitar que os seus efeitos se alarguem a acordos ou a situações que não se destinam a cobrir (v., neste sentido, acórdãos de 24 de Outubro de 1995, Bayerische Motorenwerke, C‑70/93, Colect., p. I‑3439, n.° 28, e de 28 de Abril de 1998, Javico, C‑306/96, Colect., p. I‑1983, n.° 32).

47      Considera, por outro lado, que as vantagens que a Total lhe concedeu, concretamente, a colocação à disposição da estação de serviço e a concessão de um empréstimo em condições vantajosas, fazem parte das situações previstas nos artigos 10.° e 12.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1984/83, de forma que o acordo de compra exclusiva e de não concorrência só pode ter uma duração máxima de dez anos. A conclusão de diversos contratos cruzados entre fornecedor e revendedor, cujo efeito é o encerramento do mercado, visa alargar artificialmente a aplicação do artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1984/83 a situações que não podem ser equiparadas à prevista nessa disposição.

48      Segundo a Comissão, a exclusividade de compra ilimitada que compromete o revendedor, prevista no quadro de acordos de não concorrência ou de compra exclusiva, justifica‑se em razão das contrapartidas não só «particularmente importantes» mas também «absolutas» a cargo do fornecedor, no sentido de que o revendedor acede a uma actividade sem fazer o mais pequeno investimento ou pagamento. Uma situação em que quer os terrenos quer as instalações pertencem ao revendedor é dificilmente compatível com o regime excepcional previsto no artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1984/83.

49      A Comissão salienta, além disso, que, tendo em conta a existência de uma continuidade entre o Regulamento n.° 1984/83 e o Regulamento n.° 2790/1999, estes deveriam ser interpretados da mesma maneira, isto apesar de estarem formulados de maneira diferente e o Regulamento n.° 2790/1999 precisar claramente que a isenção que prevê só se aplica se o fornecedor for o proprietário tanto do terreno como das instalações a partir das quais os bens ou os serviços contratuais são vendidos pelo revendedor.

50      Esta argumentação não pode ser acolhida.

51      Embora seja verdade que as disposições com carácter derrogatório de um regulamento de isenção por categorias não podem ser objecto de interpretação extensiva, não é menos verdade que as disposições em causa estão formuladas de maneira clara e inequívoca.

52      Com efeito, a dupla condição segundo a qual o fornecedor deve ser proprietário tanto da estação de serviço como do terreno onde ela está construída, alegadamente resultante, segundo a Pedro IV e a Comissão, do Regulamento n.° 1984/83, não figura no corpo deste regulamento nem no seu preâmbulo.

53      O décimo terceiro considerando do referido regulamento menciona, entre as vantagens económicas e financeiras concedidas pelo fornecedor ao revendedor, a concessão de um terreno ou de instalações para a exploração de uma estação de serviço, mas não a concessão destes dois bens. De qualquer forma, tendo o artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1984/83 mencionado apenas a situação em que o fornecedor deu a estação de serviço de locação ao revendedor, ou lhe facultou a sua fruição de direito ou de facto, o Tribunal de Justiça não pode reduzir o alcance desta disposição, acrescentando‑lhe um requisito suplementar que ela não prevê.

54      No que diz respeito às vantagens económicas e financeiras especiais referidas no artigo 10.° do Regulamento n.° 1984/83, resulta do acórdão de 11 de Setembro de 2008, CEPSA (C‑279/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 54), que essas vantagens devem ser importantes para justificar uma exclusividade de abastecimento com uma duração de dez anos e também devem poder conduzir a uma melhoria da distribuição, facilitar a instalação ou a modernização da estação de serviço e reduzir os custos de distribuição.

55      Deve reconhecer‑se que a vantagem prevista no artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1984/83 reveste uma importância particular a esse respeito, dado que facilita consideravelmente o acesso do revendedor à rede de distribuição, minimizando os seus custos de instalação e de distribuição. Todavia, nem o texto desse regulamento nem o seu objectivo ou economia permitem concluir, como pretende a Comissão, que a aplicação do referido artigo 12.°, n.° 2, está submetida a um requisito suplementar, concretamente, que o revendedor seja liberado de qualquer pagamento ou de qualquer investimento em relação à sua actividade económica, enquanto explorador da estação de serviço.

56      Há que rejeitar igualmente o argumento da Comissão segundo o qual o duplo requisito, expressamente previsto no artigo 5.°, alínea a), do Regulamento n.° 2790/1999, já estava implícito no artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1984/83.

57      Com efeito, afigura‑se que o Regulamento n.° 1984/83 tinha um âmbito de aplicação autónomo e mais estreito do que o Regulamento n.° 2790/1999 na medida em que previa disposições especiais aplicáveis a acordos de estações de serviço. Os requisitos de aplicação do artigo 81.°, n.° 3, CE a essa categoria de acordos por força do Regulamento n.° 1984/83 eram, portanto, diferentes dos previstos pelo Regulamento n.° 2790/1999, tanto em relação à duração máxima do abastecimento exclusivo como ao poder de mercado das empresas em causa.

58      Além disso, decorre igualmente da resposta da Comissão à questão escrita colocada pelo Tribunal de Justiça que a alteração da derrogação do período máximo de exclusividade que resulta do Regulamento n.° 2790/1999 foi decidida após consulta pública iniciada em 24 de Setembro de 1999 e que o projecto do referido regulamento, na sua versão inicial, não previa o duplo requisito.

59      Nestas circunstâncias, a aplicação do duplo requisito proposto pela Comissão não se justifica de forma alguma.

60      Tendo presentes as considerações que precedem, deve responder‑se à primeira questão que o artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1984/83 deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da aplicação da derrogação que previa, esta disposição não exigia que o fornecedor fosse proprietário do terreno onde construiu a estação de serviço que dá de locação ao revendedor.

 Quanto à interpretação do Regulamento n.° 2790/1999

61      O Regulamento n.° 2790/1999 prevê os requisitos nos termos dos quais o artigo 81.°, n.° 3, CE se aplica a categorias de acordos verticais e práticas concertadas, sem conter disposições especiais relativas a acordos de estações de serviço. Em conformidade com o disposto no artigo 3.°, n.° 1, do referido regulamento, a isenção nele prevista aplica‑se desde que a quota de mercado detida pelo fornecedor não ultrapasse 30% do mercado relevante em que vende os bens ou os serviços contratuais.

62      A esse propósito, há que precisar que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, antes de proceder a um exame com base noutros requisitos previstos nesse regulamento, se a quota de mercado da Total não ultrapassava, a partir da entrada em vigor do Regulamento n.° 2790/1999, 30% do mercado relevante, tendo em conta a sua eventual participação, como referem a Pedro IV e a Comissão perante o Tribunal de Justiça, no capital social dos outros fornecedores de produtos petrolíferos no mesmo mercado.

63      O artigo 5.°, alínea a), do Regulamento n.° 2790/1999 dispõe que o prazo‑limite de cinco anos da obrigação de não concorrência não é aplicável quando os bens ou os serviços contratuais são vendidos pelo comprador a partir de instalações e terrenos que sejam propriedade do fornecedor ou dadas de arrendamento pelo fornecedor a terceiros não ligados ao comprador, desde que a duração desta obrigação de não concorrência não ultrapasse o período de ocupação das instalações e terrenos pelo comprador.

64      Resulta da redacção desta última disposição que a aplicação da derrogação que prevê é possível, no caso dos acordos de estações de serviço, em duas situações, a saber, na hipótese de o fornecedor ser proprietário tanto da estação de serviço que dá de locação ao revendedor como do terreno onde esta está construída e na hipótese de o fornecedor dar de locação o terreno e a estação de serviço a terceiros não ligados ao revendedor, para os sublocar em seguida a este último.

65      Tal mudança nos requisitos de aplicação da derrogação, como é referido no n.° 58 do presente acórdão, foi adoptada na sequência das observações apresentadas pelas partes interessadas sobre o projecto do regulamento de isenção por categorias submetido à consulta pública. Era motivada, segundo a Comissão, pela luta contra as práticas abusivas e, nomeadamente, pela preocupação de evitar que a duração máxima fixada pelo regulamento para as cláusulas de exclusividade pudesse ser contornada.

66      Numa situação como a que está em causa no processo principal, afigura‑se que os requisitos de aplicação do artigo 5.°, alínea a), do Regulamento n.° 2790/1999 não estão preenchidos. Todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar o argumento da Total segundo o qual o direito de superfície lhe confere não só a propriedade da estação de serviço mas também a do terreno onde esta está construída. Dado que o conceito de «direito de superfície» integra o regime da propriedade do direito nacional, o órgão jurisdicional nacional deve determinar o seu alcance.

67      No caso de o órgão jurisdicional chegar à conclusão de que os acordos celebrados entre as partes no processo principal preenchiam os requisitos de isenção previstos pelo Regulamento n.° 1984/83, mas não os previstos pelo Regulamento n.° 2790/1999, há que os considerar isentos do âmbito de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, até 31 de Dezembro de 2001, em aplicação do regime transitório previsto no artigo 12.° do Regulamento n.° 2790/1999.

68      Todavia, quando um acordo não preencher todos os requisitos previstos por um regulamento de isenção, só fica abrangido pela proibição prevista no artigo 81.°, n.° 1, CE, se tiver por objectivo ou por efeito restringir de maneira sensível a concorrência no interior do mercado comum e se for susceptível de afectar o comércio entre os Estados‑Membros. Neste último caso, e não havendo isenção individual por força do artigo 81.°, n.° 3, CE, o referido acordo será nulo e de nenhum efeito, em conformidade com o disposto no n.° 2 desse mesmo artigo (v., neste sentido, acórdão de 30 de Abril de 1998, Cabour, C‑230/96, Colect., p. I‑2055, n.° 48, e acórdão CEPSA, já referido, n.° 72).

69      Resulta do que precede que se deve responder à segunda questão que o artigo 5.°, alínea a), do Regulamento n.° 2790/1999 deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da aplicação da derrogação que prevê, esta disposição exige que o fornecedor seja proprietário tanto da estação de serviço que dá de locação ao revendedor como do terreno onde esta está construída, ou, no caso de ele não ser o proprietário, que dê de locação esses bens a terceiros não ligados ao revendedor.

 Quanto à terceira e quarta questões, respeitantes à fixação do preço de venda ao público

70      Através da sua terceira e quarta questões, que devem examinar‑se conjuntamente, o juiz de reenvio pergunta, em substância, se as cláusulas contratuais relativas ao preço de venda dos produtos ao público, como as que estão em causa no processo principal, são proibidas pelo artigo 81.°, n.° 1, alínea a), CE e não podem beneficiar da aplicação do regime de isenção por categorias, em virtude, nomeadamente, do oitavo considerando do Regulamento n.° 1984/83, ou do artigo 4.°, alínea a), do Regulamento n.° 2790/1999, segundo o respectivo âmbito de aplicação ratione temporis desses regulamentos.

71      Há que recordar que o artigo 81.°, n.° 1, alínea a), CE proíbe, designadamente, todos os acordos entre empresas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre Estados‑Membros e que tenham por objectivo ou por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum, nomeadamente, os que consistem em fixar directa ou indirectamente os preços de compra ou de venda.

72      O Regulamento n.° 1984/83 indica que, como decorre dos termos do seu oitavo considerando, não podem ser isentas a título das suas disposições as medidas restritivas de concorrência que não autoriza e, em particular, as que limitam a liberdade do revendedor de determinar os seus preços de revenda.

73      No que diz respeito a esse mesmo regulamento, o Tribunal de Justiça já julgou no sentido de que o seu artigo 11.° enumerava, de forma exaustiva, as obrigações que, além da cláusula de exclusividade, podiam ser impostas ao revendedor, entre as quais não figurava a imposição do preço de venda ao público. Tal obrigação não é, por isso, coberta pela isenção prevista no artigo 10.° do referido regulamento (v. acórdãos, já referidos, CEEES, n.° 64, e CEPSA, n.° 65).

74      No que diz respeito ao Regulamento n.° 2790/1999, o seu artigo 4.°, alínea a), estabelece que a isenção por categorias não se aplica aos acordos verticais que têm por objecto «[a] restrição da possibilidade de o comprador estabelecer o seu preço de venda, sem prejuízo da possibilidade do fornecedor de impor um preço de venda máximo ou de recomendar um preço de venda, desde que estes não sejam equivalentes a um preço de venda fixo ou mínimo como resultado de pressões, ou de incentivos oferecidos por qualquer uma das partes».

75      Daí resulta que não podem beneficiar do regime da isenção por categorias instaurado pelos Regulamento n.os 1984/83 e 2790/1999 os acordos pelos quais o fornecedor fixa o preço de venda ao público ou impõe um preço de venda mínimo. Em contrapartida, nos termos do referido artigo 4.°, alínea a), o fornecedor é livre de recomendar ao revendedor um preço de venda ou de lhe impor o preço de venda máximo.

76      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o acordo de abastecimento exclusivo de combustíveis prevê que a Total, por um lado, determine o preço do combustível que fornece à Pedro IV, nas condições mais vantajosas negociadas com outras estações de serviço que possam instalar‑se em Barcelona, e, por outro, garante que esse preço em caso algum seja superior à média do preço fixado por outros fornecedores significativos no mercado. Ao acrescentar ao referido preço a margem de distribuição do explorador da estação de serviço que julga adequada, a Total obtém assim o preço de venda ao público, que recomenda, então, que a Pedro IV aplique.

77      A primeira cláusula do contrato diz respeito ao preço que a Pedro IV é obrigada a pagar para o abastecimento de combustíveis, cuja determinação é da competência das partes no contrato e não afecta o jogo da concorrência.

78      No tocante ao preço de venda ao público, resulta dos próprios termos da segunda cláusula contratual que esse preço não é imposto, mas recomendado pelo fornecedor, não sendo sequer estipulado um preço de venda máximo. A forma de calcular esse preço de venda recomendado é desprovida de importância, na medida em que ao revendedor seja deixada uma margem de liberdade que lhe permita determinar efectivamente o preço de venda. Todavia, não existe essa liberdade no caso de o fornecedor impor ao revendedor uma margem de distribuição fixa de que não se pode afastar.

79      Atendendo à repartição das competências entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça no quadro da cooperação instituída pelo artigo 234.° CE, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, que é o único que tem conhecimento directo do litígio que lhe foi submetido, apreciar, no caso do processo principal, as modalidades da fixação do preço de venda ao público. Cabe‑lhe, nomeadamente, verificar, tendo em conta o conjunto das obrigações contratuais consideradas no seu contexto económico e jurídico, bem como o comportamento das partes no processo principal, se o preço de venda ao público, recomendado pelo fornecedor, não constitui, na realidade, um preço de venda fixo ou mínimo (v., neste sentido, acórdão CEPSA, já referido, n.os 67 e 70).

80      Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, além disso, examinar se o revendedor dispõe de uma possibilidade real de diminuir esse preço de venda recomendado. Deve, nomeadamente, verificar se o preço de venda ao público não é, na realidade, imposto por meios indirectos ou dissimulados, como, nomeadamente, a fixação da margem de distribuição do revendedor ou o nível máximo das reduções que ele pode conceder a partir do preço de venda recomendado, através de ameaças, intimidações, advertências, sanções ou medidas de incentivo (v., neste sentido, acórdão CEPSA, já referido, n.° 71).

81      Se o órgão jurisdicional de reenvio chegasse à conclusão de que a Pedro IV era obrigada, na realidade, a respeitar um preço de venda fixo ou mínimo imposto pela Total, o acordo de abastecimento exclusivo de combustíveis não poderia beneficiar da isenção por categorias, e isto nem ao abrigo do Regulamento n.° 1984/83 nem ao abrigo do Regulamento n.° 2790/1999.

82      No entanto, como é recordado no n.° 68 do presente acórdão, a fixação do preço de venda ao público, embora constitua uma restrição da concorrência expressamente prevista no artigo 81.°, n.° 1, alínea a), CE, só leva a que o acordo caia sob a alçada da proibição estabelecida na referida disposição, se todos os outros requisitos de aplicação estiverem preenchidos, concretamente, se esse acordo tiver por objectivo ou por efeito restringir de maneira sensível a concorrência no interior do mercado comum e se for susceptível de afectar o comércio entre os Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Cabour, n.° 48, e CEPSA, n.° 42).

83      No que diz respeito, nomeadamente, a acordos de compra exclusiva, importa, além disso, recordar que, embora esses acordos não tenham por objectivo restringir a concorrência na acepção do artigo 81.° CE, há, todavia, que verificar se não terão por efeito impedi‑la, restringi‑la ou falsear o seu jogo. A apreciação dos efeitos de um acordo de compra exclusiva implica a necessidade de tomar em consideração o contexto económico e jurídico no qual ele se situa e em que pode concorrer, com outros, para um efeito cumulativo no jogo da concorrência. Por conseguinte, há que analisar os efeitos que tal contrato produz, juntamente com outros contratos do mesmo tipo, nas possibilidades de os concorrentes nacionais ou originários de outros Estados‑Membros se implantarem no mercado de referência ou de nele aumentarem a sua quota de mercado (v. acórdãos de 28 de Fevereiro de 1991, Delimitis, C‑234/89, Colect., p. I‑935, n.os 13 a 15; de 7 de Dezembro de 2000, Neste, C‑214/99, Colect., p. I‑11121, n.° 25; e CEPSA, já referido, n.° 43).

84      Atendendo ao que precede, deve responder‑se à terceira e quarta questões que as cláusulas contratuais relativas aos preços de venda ao público, como as que estão em causa no processo principal, podem beneficiar da isenção por categorias ao abrigo tanto do Regulamento n.° 1984/83 como do Regulamento n.° 2790/1999, se o fornecedor se limitar a impor um preço de venda máximo ou a recomendar um preço de venda e se, portanto, o revendedor dispuser de uma possibilidade real de determinar o preço de venda ao público. Em contrapartida, tais cláusulas não podem beneficiar das referidas isenções se levarem, directamente ou por meios indirectos ou dissimulados, a uma fixação do preço de venda ao público ou a uma imposição do preço de venda mínimo pelo fornecedor. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio averiguar se o revendedor está sujeito a essas contingências, tendo em conta o conjunto das obrigações contratuais consideradas no seu contexto económico e jurídico assim como o comportamento das partes no processo principal.

 Quanto às despesas

85      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 1984/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [81.°] do Tratado a certas categorias de acordos de compra exclusiva, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1582/97 da Comissão, de 30 de Julho de 1997, deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da aplicação da derrogação que previa, esta disposição não exigia que o fornecedor fosse proprietário do terreno onde construiu a estação de serviço que dá de locação ao revendedor.

2)      O artigo 5.°, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 2790/1999 da Comissão, de 22 de Dezembro de 1999, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 81.° do Tratado CE a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas, deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da aplicação da derrogação que prevê, esta disposição exige que o fornecedor seja proprietário tanto da estação de serviço que dá de locação ao revendedor como do terreno onde esta está construída, ou, no caso de ele não ser o proprietário, que dê de locação esses bens a terceiros não ligados ao revendedor.

3)      As cláusulas contratuais relativas aos preços de venda ao público, como as que estão em causa no processo principal, podem beneficiar da isenção por categorias ao abrigo tanto do Regulamento n.° 1984/83, conforme alterado pelo Regulamento n.° 1582/97, como do Regulamento n.° 2790/1999, se o fornecedor se limitar a impor um preço de venda máximo ou a recomendar um preço de venda e se, portanto, o revendedor dispuser de uma possibilidade real de determinar o preço de venda ao público. Em contrapartida, tais cláusulas não podem beneficiar das referidas isenções se levarem, directamente ou por meios indirectos ou dissimulados, a uma fixação do preço de venda ao público ou a uma imposição do preço de venda mínimo pelo fornecedor. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio averiguar se o revendedor está sujeito a essas contingências, tendo em conta o conjunto das obrigações contratuais consideradas no seu contexto económico e jurídico assim como o comportamento das partes no processo principal.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.