Language of document : ECLI:EU:C:2023:641

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

7 de setembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Livre circulação de mercadorias — Impostos especiais de consumo — Diretiva 92/12/CEE — Artigo 6.o, n.o 1, alínea a) — Exigibilidade dos impostos especiais de consumo — Saída irregular do regime de suspensão — Ato ilícito exclusivamente imputável a um terceiro — Falsificação do documento administrativo de acompanhamento — Artigo 14.o, n.o 1 — Franquia para as perdas ocorridas em regime de suspensão — Caso fortuito ou caso de força maior — Responsabilidade do depositário autorizado»

No processo C‑323/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), por Decisão de 6 de maio de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de maio de 2022, no processo

KRI SpA, na qualidade de sociedade incorporante da SI.LO.NE. – Sistema logistico nord‑est Srl,

contra

Agenzia delle Dogane e dei Monopoli,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: D. Gratsias, presidente de secção, M. Ilešič (relator) e Z. Csehi, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da KRI SpA, por M. Logozzo e F. C. Palermo, avvocati,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por A. Collabolletta, avvocato dello Stato,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Björkland e F. Moro, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO 1992, L 76, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2004/106/CE do Conselho, de 16 de novembro de 2004 (JO 2004, L 359, p. 30) (a seguir «Diretiva 92/12»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a KRI SpA, na qualidade de sociedade incorporante da SI.LO.NE. — Sistema logistico nord‑est Srl, à Agenzia delle Dogane e dei Monopoli (Agência Aduaneira e dos Monopólios, Itália) relativa à cobrança de impostos especiais de consumo devidos por esta sociedade em virtude da alegada violação por esta última do regime de suspensão deste imposto aquando da circulação de óleos minerais.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O primeiro, quarto e quinto considerandos da Diretiva 92/12 tinham a seguinte redação:

«Considerando que o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno implicam a livre circulação das mercadorias, incluindo as sujeitas a impostos especiais de consumo;

[…]

Considerando que, para garantir o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno, a exigibilidade dos impostos especiais de consumo deve ser idêntica em todos os Estados‑Membros;

Considerando que qualquer entrega, detenção com vista à entrega ou afetação às necessidades de um operador que exerça de forma independente uma atividade económica ou às necessidades de um organismo de direito público que tenha lugar num Estado‑Membro que não seja o da introdução no consumo, dará lugar à exigibilidade do imposto especial de consumo nesse Estado‑Membro.»

4        O artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva previa:

«A presente diretiva estabelece o regime dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo e outros impostos indiretos que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo desses produtos, com exclusão do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e dos impostos estabelecidos pela Comunidade Europeia.»

5        Em conformidade com o seu artigo 3.o, n.o 1, a referida diretiva era aplicável, a nível comunitário, nomeadamente aos óleos minerais.

6        O artigo 4.o da mesma diretiva dispunha:

«Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:

a)      Depositário autorizado: a pessoa singular ou coletiva autorizada pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro a, no exercício da sua profissão, produzir, transformar, deter, receber e expedir, num entreposto fiscal, produtos sujeitos ao imposto especial de consumo em regime de suspensão do imposto;

b)      Entreposto fiscal: todo e qualquer local onde sejam produzidas, transformadas, detidas, recebidas ou expedidas pelo depositário autorizado, no exercício da sua profissão, em regime de suspensão do imposto especial de consumo, mercadorias sujeitas ao referido imposto, sob certas condições fixadas pelas autoridades competentes do Estado‑Membro em que se situa esse entreposto fiscal;

c)      Regime de suspensão: regime fiscal aplicável à produção, transformação, detenção e circulação dos produtos em regime de suspensão do imposto especial de consumo;

d)      Operador registado: a pessoa singular ou coletiva que não tem a qualidade de depositário autorizado, autorizada pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro a receber, no exercício da sua profissão, produtos sujeitos ao imposto especial de consumo em regime de suspensão do referido imposto provenientes de outro Estado‑Membro. Esse operador não pode contudo deter nem expedir os produtos em regime de suspensão do imposto especial de consumo;

[…]»

7        O artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 92/12 previa:

«Os produtos referidos no n.o 1 do artigo 3.o ficam sujeitos ao imposto especial de consumo no momento da sua produção no território da Comunidade, tal como definido no artigo 2.o, ou da sua importação nesse território.»

8        O artigo 6.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva enunciava:

«1. O imposto especial de consumo é exigível no momento da introdução no consumo ou da constatação das faltas que devem ser sujeitas ao imposto especial de consumo em conformidade com o n.o 3 do artigo 14.o

Considera‑se como introdução no consumo de produtos sujeitos ao imposto especial de consumo:

a)      Toda e qualquer saída, mesmo irregular, de um regime de suspensão.»

9        O artigo 13.o da referida diretiva previa:

«O depositário autorizado deverá cumprir as seguintes obrigações:

a)      Prestar uma garantia eventual em matéria de produção, transformação e detenção, assim como uma garantia obrigatória em matéria de circulação, sob reserva do disposto no n.o 3 do artigo 15.o, cujas condições serão fixadas pelas autoridades fiscais do Estado‑Membro em que o entreposto fiscal estiver autorizado;

b)      Cumprir as obrigações prescritas pelo Estado‑Membro em cujo território se encontra o entreposto fiscal;

c)      Manter uma contabilidade das existências e dos movimentos de produtos por entreposto fiscal;

d)      Apresentar os produtos sempre que tal lhe for solicitado;

e)      Prestar‑se a todos os controlos ou inventários.

Estas obrigações devem subordinar‑se ao princípio da não discriminação entre operações nacionais e operações intracomunitárias.»

10      Nos termos do artigo 14.o da mesma diretiva:

«1. O depositário autorizado beneficiará de uma franquia para as perdas ocorridas durante o regime de suspensão, devido a casos fortuitos ou a casos de força maior determinados pelas autoridades de cada Estado‑Membro. Beneficiará igualmente, em regime de suspensão, de uma franquia para as perdas atinentes à própria natureza dos produtos durante o processo de produção e transformação, o armazenamento e o transporte. Cada Estado‑Membro fixará as condições em que serão concedidas essas franquias. Estas franquias aplicam‑se igualmente aos operadores referidos no artigo 16.o durante o transporte de produtos em regime de suspensão do imposto especial de consumo.

2. As perdas referidas no n.o 1 ocorridas durante o transporte intracomunitário de produtos em regime de suspensão do imposto especial de consumo deverão ser determinadas segundo as regras do Estado‑Membro de destino.

3. Sem prejuízo do artigo 20.o, caso se verifiquem outras faltas para além das perdas referidas no n.o 1 e no caso de perdas para as quais não seja concedida a franquia referida no n.o 1, o imposto será cobrado em função das taxas em vigor no Estado‑Membro em causa no momento em que ocorreram as perdas, devidamente determinadas pelas autoridades competentes, ou, eventualmente, no momento em que sejam constatadas essas faltas.

[…]»

11      O artigo 15.o da Diretiva 92/12 dispunha:

«1. Sem prejuízo do n.o 2 do artigo 5.o, do artigo 16.o, do n.o 4 do artigo 19.o e do n.o 1A do artigo 23.o, a circulação em regime de suspensão dos produtos sujeitos ao imposto especial de consumo deve efetuar‑se entre entrepostos fiscais.

[…]

2. Em conformidade com o artigo 13.o, os depositários autorizados pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro consideram‑se autorizados a efetuar operações de circulação nacional e intracomunitária.

3. Os riscos inerentes à circulação intracomunitária serão cobertos pela garantia prestada pelo depositário autorizado expedidor, tal como previsto no artigo 13.o ou, se for o caso, por uma garantia solidariamente prestada pelo expedidor e pelo transportador. As autoridades competentes dos Estados‑Membros podem permitir que o transportador ou o proprietário dos produtos prestem uma garantia em substituição da prestada pelo depositário autorizado expedidor. Se necessário, os Estados‑Membros podem exigir uma garantia ao destinatário.

No caso de óleos minerais sujeitos a impostos especiais de consumo serem transportados no interior da Comunidade por via marítima ou por oleoduto fixo, os Estados‑Membros poderão libertar o depositário autorizado expedidor da obrigação de prestar a garantia prevista no primeiro parágrafo.

As modalidades da garantia serão fixadas pelos Estados‑Membros. A garantia deve ser válida em toda a Comunidade.

4. Sem prejuízo do artigo 20.o, a responsabilidade do depositário autorizado expedidor e, eventualmente, do transportador só poderá ser libertada quando se provar que o destinatário assumiu a responsabilidade dos produtos, nomeadamente através do documento de acompanhamento referido no artigo 18.o, nas condições fixadas no artigo 19.o

[…]»

12      O artigo 18.o desta diretiva enunciava:

«1. Não obstante a eventual utilização de processos informatizados, todos os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que circulem em regime de suspensão entre os Estados‑Membros, incluindo os que circularem por via marítima ou aérea diretamente de um porto ou aeroporto comunitário para outro, devem ser acompanhados de um documento emitido pelo expedidor. Este documento pode ser um documento administrativo ou um documento comercial. A forma e o conteúdo deste documento, bem como o processo a seguir quando, de forma objetiva, se considerar inadequada a sua utilização, serão definidos de acordo com o processo previsto no artigo 24.o.

[…]

3. […]

Este documento deve mencionar:

–      o endereço do serviço competente das autoridades fiscais do país de destino,

–      a data e a referência do pagamento ou da aceitação da garantia de pagamento por esse serviço.

[…]»

13      O artigo 19.o, n.o 1, da referida diretiva previa:

«As autoridades fiscais dos Estados‑Membros serão informadas pelos operadores das remessas expedidas e recebidas por meio do documento ou de uma referência ao documento referido no artigo 18.o. Este documento será emitido em quatro exemplares:

–      um exemplar a conservar pelo expedidor,

–      um exemplar para o destinatário,

–      um exemplar para ser reenviado ao expedidor para apuramento,

–      um exemplar destinado às autoridades competentes do Estado‑Membro de destino.

[…]»

14      O artigo 20.o, n.os 1 a 3, da mesma diretiva tinha a seguinte redação:

«1. Sempre que, no decurso da circulação, seja cometida uma irregularidade ou uma infração que torne exigível o imposto especial de consumo, este deverá ser cobrado no Estado‑Membro em que tiver sido cometida a irregularidade ou a infração, junto da pessoa singular ou coletiva que se constituiu garante do pagamento do imposto especial de consumo, em conformidade com o n.o 3 do artigo 15.o, sem prejuízo do recurso a ações penais.

Sempre que a cobrança do imposto se efetuar num Estado‑Membro que não o de partida, o Estado‑Membro que procede à cobrança informará as autoridades competentes do país de partida.

2. Sempre que, no decurso da circulação, for verificada uma infração ou uma irregularidade sem que seja possível determinar o lugar onde foi cometida, considerar‑se‑á que foi cometida no Estado‑Membro em que foi verificada.

3. Sem prejuízo do disposto no n.o 2 do artigo 6.o, sempre que os produtos sujeitos ao imposto especial de consumo não chegarem ao destino e não for possível determinar o local da infração ou da irregularidade, considera‑se que essa infração ou irregularidade foi cometida no Estado‑Membro de partida, o qual procederá à cobrança do imposto especial de consumo à taxa em vigor à data da expedição dos produtos, salvo se, num prazo de quatro meses a partir da data de expedição dos produtos, forem apresentadas às autoridades competentes provas por estas consideradas suficientes da regularidade da operação ou do local onde a infração ou a irregularidade foi efetivamente cometida. Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para fazer face a eventuais infrações ou irregularidades e para impor sanções eficazes.»

15      A Diretiva 92/12 foi revogada e substituída, com efeitos a partir de 1 de abril de 2010, pela Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE (JO 2009, L 9, p. 12). Todavia, tendo em conta a data dos factos do litígio no processo principal, o presente reenvio prejudicial é analisado à luz da Diretiva 92/12.

 Direito italiano

16      O decreto legislativo n.o 504 — Testo unico delle disposizioni legislative concernenti le imposte sulla produzione e sui consumi e relative sanzioni penali e amministrative (Decreto Legislativo n.o 504, que aprova o Texto Único das Disposições Legislativas relativas aos Impostos Especiais de Consumo e às Sanções Penais e Administrativas Correspondentes), de 26 de outubro de 1995 (GURI n.o 279, de 29 de novembro de 1995, p. 5), conforme alterado pela legge n.o 342 — Misure in materia fiscale (Lei n.o 342, normas em matéria fiscal), de 21 de novembro de 2000 (GURI n.o 194, de 25 de novembro de 2000, p. 5) (a seguir «Decreto Legislativo n.o 504/1995») prevê no seu artigo 2.o, n.os 1, 2 e 4:

«1.      No que respeita aos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, a obrigação tributária constitui‑se no momento da produção ou da importação.

2.      O imposto especial de consumo é exigível no momento da introdução no consumo no território do Estado. Considera‑se igualmente como introdução no consumo:

a)      as quantidades em falta que excedam o montante permitido ou quando não sejam cumpridas as condições para a concessão da franquia prevista no artigo 4.o;

b)      toda e qualquer saída, mesmo irregular, de um regime de suspensão;

c)      todo e qualquer fabrico ou importação, mesmo irregular, ocorrido fora de um regime de suspensão.

[…]

4.      Está obrigado ao pagamento do imposto especial de consumo o titular do entreposto fiscal do qual resulta a introdução no consumo e, solidariamente, a pessoa que se constituiu garante desse pagamento ou a pessoa em relação à qual estão reunidas as condições de exigibilidade do imposto. No caso dos produtos importados, o sujeito passivo do imposto é identificado com base na legislação aduaneira.

[…]»

17      Nos termos do artigo 4.o do Decreto Legislativo n.o 504/1995, sob a epígrafe «Franquias por perdas e anomalias»:

«1. Em caso de perda ou destruição de produtos em regime de suspensão, é concedida a franquia do imposto quando a pessoa obrigada provar que a perda ou destruição dos produtos ocorreu devido a caso fortuito ou de força maior. Os atos praticados por terceiros não imputáveis ao sujeito passivo a título de dolo ou de culpa grave e os imputáveis a esse terceiro a título de negligência são equiparados a caso fortuito e de força maior. Se, em consequência de infrações cometidas por terceiros, forem instaurados processos penais, o procedimento de cobrança dos impostos especiais de consumo fica suspenso até que seja proferido despacho de arquivamento ou uma decisão transitada em julgado nos termos do artigo 648.o do codice di procedura penale (Código de Processo Penal). Neste caso também fica suspenso o procedimento de cobrança do imposto sobre o valor acrescentado que incide sobre o imposto especial de consumo. Quando não se provar o envolvimento do sujeito passivo nos factos e os responsáveis efetivos forem identificados, ou quando os mesmos forem desconhecidos, a franquia será concedida ao sujeito passivo, procedendo‑se à eventual cobrança do responsável efetivo.

2. Para as perdas de produtos, em regime de suspensão, ocorridas durante o processo de produção ou de transformação a que estão sujeitos, nos casos em que a dívida fiscal já se tenha constituído, a franquia é concedida dentro dos limites das anomalias tecnicamente admissíveis determinadas por decreto pelo Ministro das Finanças, a adotar em conformidade com o artigo 17.o, n.o 3, da Lei n.o 400, de 23 de agosto de 1988.

3. No caso de anomalias naturais e técnicas, aplicam‑se as disposições previstas na legislação aduaneira.

4. A regulamentação relativa às anomalias de transporte aplica‑se igualmente ao transporte de produtos em regime de suspensão do imposto especial de consumo provenientes dos Estados‑Membros da União Europeia.»

18      O artigo 7.o do referido decreto legislativo, sob a epígrafe «Irregularidades na circulação dos produtos sujeitos ao imposto especial de consumo», dispõe:

«1. Em caso de irregularidade ou de infração que tenha sido cometida durante a circulação de produtos em regime de suspensão, para a qual não esteja prevista uma franquia do imposto nos termos do artigo 4.o, são aplicáveis as seguintes disposições, salvo no que concerne ao exercício da ação penal se os factos imputados constituírem crime:

a)      o imposto especial de consumo é pago pela pessoa singular ou coletiva que se constituiu garante do transporte;

b)      o imposto especial de consumo é cobrado em Itália caso a irregularidade ou a infração tenha sido cometida no território do Estado;

c)      caso a irregularidade resultante da infração seja detetada no território do Estado e não for possível determinar o local onde foi efetivamente cometida, presume‑se que foi cometida no território do Estado;

d)      caso os produtos expedidos a partir do território do Estado não cheguem ao destino noutro Estado‑Membro e não for possível estabelecer o local da sua introdução no consumo, considera‑se que a irregularidade ou a infração foi cometida no território do Estado, procedendo‑se à cobrança dos impostos especiais de consumo à taxa em vigor na data de expedição dos produtos, salvo se, no prazo de quatro meses a contar da data de expedição, não for apresentada prova da regularidade da operação ou prova de que a irregularidade ou infração foi efetivamente cometida fora do território do Estado;

[…]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

19      A sociedade de direito italiano SI.LO.NE. exercia a atividade de armazenamento e de transporte de produtos petrolíferos, tendo sido objeto de uma operação de fusão por incorporação, realizada pela Shell Italia SpA, passando a denominar‑se KRI.

20      Entre 22 de agosto de 2005 e 30 de junho de 2006, a SI.LO.NE., na sua qualidade de depositário autorizado, efetuou, a partir do seu entreposto fiscal situado em Itália, 196 expedições de óleos minerais (gasóleo e gasolina) em regime de suspensão do imposto especial de consumo, destinados à BMB Projekt d.o.o, sociedade sediada na Eslovénia, autorizada a receber esses produtos na qualidade de operador registado. O montante do imposto especial de consumo correspondente a estas expedições ascendia a 2 816 426,10 euros.

21      Para efeitos da circulação em regime de suspensão do imposto especial de consumo, a SI.LO.NE. emitiu, para cada expedição, um documento administrativo de acompanhamento (a seguir «DAA») em quatro exemplares. O exemplar n.o 1 destinava‑se a ser conservado pelo expedidor, o exemplar n.o 2 destinava‑se a acompanhar as mercadorias e a ser conservado pelo destinatário, o exemplar n.o 3 destinava‑se a acompanhar as mercadorias e a ser devolvido pelo destinatário ao expedidor com o certificado de receção das mercadorias e o exemplar n.o 4 destinava‑se a acompanhar as mercadorias e a ser enviado pelo destinatário à autoridade tributária competente do local de destino.

22      O exemplar n.o 3 dos DAA de cada uma destas expedições foi devolvido pelo operador esloveno à SI.LO.NE., munido de um certificado de receção das mercadorias e de um visto aparentemente aposto pela autoridade aduaneira eslovena.

23      Em 10 de julho de 2008, na sequência de um pedido de informações enviado pelas autoridades aduaneiras italianas às autoridades aduaneiras eslovenas no âmbito de um procedimento de assistência administrativa fiscal, estas últimas constataram que as declarações que figuravam no verso do exemplar n.o 3 dos DAA eram falsas relativamente a 161 dessas expedições, uma vez que apenas 35 destas tinham sido efetivamente introduzidas no território esloveno.

24      Com base nas falsificações constatadas, as autoridades aduaneiras italianas consideraram que não estava provado que os produtos em causa tivessem sido introduzidos no consumo fora do território italiano. Por conseguinte, consideraram que os apuramentos efetuados pela SI.LO.NE. respeitantes às 161 expedições em questão eram irregulares. Não estando em condições de determinar o local onde os produtos em causa tinham sido irregularmente introduzidos no consumo, estas autoridades consideraram igualmente que estas irregularidades tinham sido cometidas no território italiano.

25      Nestas condições, decidiram que competia ao Estado italiano recuperar o imposto especial de consumo devido sobre os produtos em causa.

26      Em 13 de outubro de 2008, foi intentada uma ação penal contra os representantes legais da SI.LO.NE. por falsificação de documentos aduaneiros de transporte. A autoridade judiciária territorialmente competente decidiu arquivar este processo, uma vez que não tinha sido possível provar a participação dos representantes legais desta sociedade nas tentativas de evasão ao imposto especial de consumo, dado que a falsificação dos documentos foi atribuída exclusivamente a ato ilícito de um terceiro.

27      Em 15 de julho de 2009, a Agência Aduaneira e dos Monopólios emitiu uma nota de liquidação dirigida à SI.LO.NE., para a cobrança do imposto especial de consumo sobre os produtos petrolíferos que foram objeto das 161 expedições viciadas por irregularidades, num montante total de 2 668 179 euros.

28      A SI.LO.NE. interpôs um recurso contra esta nota de liquidação na Commissione tributaria provinciale di Udine (Comissão Tributária Provincial de Udine, Itália) invocando o artigo 4.o do Decreto Legislativo n.o 504/1995 que prevê uma franquia do imposto em caso de perda ou de destruição de produtos devido a caso fortuito ou a caso de força maior.

29      Este órgão jurisdicional deu provimento ao recurso da SI.LO.NE. através da Decisão de 19 de janeiro de 2011. A Agência Aduaneira e dos Monopólios recorreu então desta decisão para a Commissione tributaria regionale per il Friuli‑Venezia Giulia (Comissão Tributária Regional de Friul‑Venécia Juliana, Itália).

30      Por Acórdão de 6 de julho de 2012, esta reformou a referida decisão e deu provimento ao recurso da Agência Aduaneira e dos Monopólios.

31      O órgão jurisdicional de recurso salientou que o artigo 4.o do Decreto Legislativo n.o 504/1995 previa a franquia do imposto unicamente em caso de perda ou de destruição dos produtos sujeitos ao imposto especial de consumo, e não no caso, como o que está em análise, de subtração ou de saída irregular do regime de suspensão. Considerou, portanto, que a SI.LO.NE. era responsável pelo pagamento do imposto especial de consumo a que os produtos em causa estavam sujeitos em virtude da sua saída irregular do regime de suspensão, em aplicação da regulamentação nacional relativa à subtração ou à saída irregular do regime de suspensão.

32      Este órgão jurisdicional aderiu, em substância, à posição da Agência Aduaneira e dos Monopólios relativamente à responsabilidade da SI.LO.NE. pelo pagamento do imposto, observando que, no que diz respeito à entrada em circulação irregular de produtos petrolíferos, em regime de suspensão, o depositário era necessariamente responsável pelo pagamento do imposto especial de consumo «evadido» e que o ato ilícito de terceiro não tinha nenhuma incidência sobre a extinção desta obrigação, na medida em que a responsabilidade do depositário era objetiva.

33      A Shell Italia interpôs recurso deste acórdão na Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália), órgão jurisdicional de reenvio, alegando, pelo contrário, que a legislação nacional relativa à franquia do imposto era aplicável no caso em apreço.

34      À luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça e da sua própria jurisprudência, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto ao alcance do artigo 14.o da Diretiva 92/12 e, especialmente, no que diz respeito ao âmbito de aplicação dos conceitos de «caso fortuito» e de «força maior» no caso de um ato ilícito de terceiro suscetível de gerar confiança legítima, não havendo culpa da sua parte, no próprio depositário autorizado.

35      Com efeito, por um lado, assinala que uma primeira corrente jurisprudencial parece orientar‑se, em virtude de um mecanismo de responsabilidade objetiva, para a afirmação de que o facto ilícito intencional do terceiro não exonera o contribuinte da sua obrigação tributária. Por outro lado, considera que existe outra corrente jurisprudencial que tende, pelo contrário, a afirmar a capacidade do facto ilícito intencional do terceiro para exonerar o contribuinte da sua obrigação tributária, quando, nos casos de fraude por contrafação de documentos aduaneiros, se comprova que o depositário garante desconhecia totalmente a fraude, não tendo, por isso, nenhuma razão para crer que o produto não circulava regularmente ao abrigo do regime de suspensão.

36      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o Acórdão de 24 de março de 2022, TanQuid Polska (C‑711/20, EU:C:2022:215), não permite dissipar as dúvidas quanto à interpretação do artigo 14.o da Diretiva 92/12, pelo facto de, no processo que conduziu a esse acórdão, o destinatário dos óleos minerais que circulavam em regime de suspensão do imposto ter negado tê‑los recebido, ao passo que, no caso presente processo, o destinatário dos produtos devolveu o exemplar n.o 3 de cada um dos DAA, levando assim o depositário a crer que os produtos em causa tinham chegado ao destino previsto.

37      Nestas circunstâncias, a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 14.o, [n.o 1,] primeiro período, da [Diretiva 92/12], ser interpretado no sentido de que, em caso de saída irregular do produto sujeito a imposto especial de consumo, a responsabilidade do depositário garante do pagamento do imposto é objetiva, sem nenhuma possibilidade de dispensa da obrigação e [do pagamento] das quantias correspondentes às respetivas sanções pecuniárias, mesmo que essa saída resulte de um facto ilícito — exclusivamente — imputável a um terceiro, ou pode ser interpretado no sentido de que a franquia do imposto e das respetivas sanções deve ser reconhecida — como um caso fortuito ou de força maior — ao depositário garante, que não só foi completamente alheio ao facto ilícito praticado pelo terceiro como também, legitimamente e sem culpa, confiou na regularidade da circulação do produto em regime de suspensão de imposto?»

 Quanto à questão prejudicial

38      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 92/12 deve ser interpretado no sentido de que a franquia do imposto que prevê para as perdas ocorridas em regime de suspensão, devidas a casos fortuitos ou a casos de força maior, se aplica ao depositário, responsável pelo pagamento do imposto, no caso de saída do regime de suspensão devido a um ato ilícito, quando o depositário seja totalmente alheio a esse ato ilícito, exclusivamente imputável a um terceiro, e tenha confiança legítima no facto de o produto circular regularmente em regime de suspensão do imposto.

39      A título preliminar, importa recordar que a Diretiva 92/12 visa estabelecer um certo número de regras no que respeita à detenção, circulação e controlos dos produtos sujeitos a imposto especial de consumo, como os óleos minerais referidos no artigo 3.o, n.o 1, desta, com vista, nomeadamente, como resulta do seu quarto considerando, a assegurar que a exigibilidade dos impostos especiais de consumo seja idêntica em todos os Estados‑Membros. Esta harmonização permite, em princípio, afastar as duplas tributações nas relações entre Estados‑Membros (v., nomeadamente, Acórdão de 24 de fevereiro de 2021, Silcompa, C‑95/19, EU:C:2021:128, n.o 44 e jurisprudência referida).

40      O facto tributável, na aceção da Diretiva 92/12, é constituído, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 1, primeiro período, desta, no momento da produção no território da União dos produtos sujeitos ao imposto especial de consumo ou da sua importação nesse território.

41      Em contrapartida, por força do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 92/12, o imposto especial de consumo é exigível, nomeadamente, no momento da introdução no consumo dos produtos sujeitos a imposto especial de consumo. Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), desta diretiva, este conceito engloba igualmente toda e qualquer saída, mesmo irregular, de um regime de suspensão, definido no artigo 4.o, alínea c), da referida diretiva.

42      Tal regime caracteriza‑se pelo facto de os impostos especiais de consumo referentes aos produtos abrangidos por este regime ainda não serem exigíveis, apesar de já ter ocorrido o facto gerador do imposto. Consequentemente, no que se refere aos produtos sujeitos a imposto especial de consumo, esse regime adia a exigibilidade do mesmo até que o requisito de exigibilidade, à semelhança do que é descrito no número anterior, esteja preenchido (Acórdão de 24 de março de 2022, TanQuid Polska, C‑711/20, EU:C:2022:215, n.o 42 e jurisprudência referida).

43      Esse requisito de exigibilidade está preenchido quando os produtos em causa tenham saído, mesmo irregularmente, do regime de suspensão, devendo essa saída ser considerada, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 92/12, como uma introdução no consumo.

44      Por conseguinte, há que examinar os requisitos a que o artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva sujeita o direito a uma franquia, a fim de verificar se esses requisitos estão preenchidos numa situação como a que está em causa no processo principal.

45      O artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 92/12, prevê que o depositário autorizado beneficiará de uma franquia para as perdas ocorridas em regime de suspensão, devido a casos fortuitos ou a casos de força maior determinados pelas autoridades de cada Estado‑Membro.

46      Segundo jurisprudência constante, os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser objeto de uma interpretação autónoma e uniforme em toda a União, que deve ser efetuada em conformidade com o sentido habitual desses termos na linguagem corrente, tendo em conta o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte [v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs (Agente inocente), C‑279/19, EU:C:2021:473, n.o 23 e jurisprudência referida].

47      Resulta da redação do artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 92/12 que o depositário fica exonerado desde que se encontrem preenchidas duas condições. Com efeito, este deve demonstrar, em primeiro lugar, a existência de uma «perda» ocorrida em regime de suspensão e, em segundo lugar, que esta «perda» se deveu a um caso fortuito ou a um caso de força maior.

48      De acordo com o significado habitual do termo «perda» na linguagem corrente, a perda sofrida pelo depositário autorizado refere‑se ao facto de ser privado, no todo ou em parte, de algo de que tinha o gozo ou a detenção. Daqui decorre que constitui uma «perda», na aceção do artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, o desaparecimento de um produto durante a sua produção, transformação, detenção ou circulação.

49      Dado que a franquia prevista no segundo período do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 92/12 é distinta da que está prevista no primeiro período do referido número, a primeira franquia não pode ser interpretada de forma extensiva (v., nesse sentido, Acórdão de 18 de dezembro de 2007, Société Pipeline Méditerranée et Rhône, C‑314/06, EU:C:2007:817, n.o 43). Além disso, a franquia prevista no artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 92/12, para as perdas resultantes de casos fortuitos ou de casos de força maior, constitui uma exceção à regra geral, que deve, por conseguinte, ser objeto de interpretação restritiva (v., nesse sentido, Acórdão de 18 de dezembro de 2007, Société Pipeline Méditerranée et Rhône, C‑314/06, EU:C:2007:817, n.o 30).

50      Assim, o «desaparecimento» de um produto que se encontra em regime de suspensão só pode significar a impossibilidade material de esse produto ser introduzido no consumo, ou mesmo de entrar no circuito comercial da União.

51      Ora, um produto que, em circunstâncias como as do processo principal, saia irregularmente do regime de suspensão permanece, contudo, no circuito comercial da União.

52      Portanto, uma tal saída irregular do regime de suspensão de um produto sujeito a imposto especial de consumo não preenche a primeira das duas condições cumulativas referidas no n.o 47 do presente acórdão para que possa ser concedida uma franquia do pagamento do imposto ao depositário autorizado.

53      Por conseguinte, não havendo «perda», não pode ser concedida ao depositário autorizado uma franquia do imposto ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 92/12, em caso de saída irregular do regime de suspensão, mesmo que essa saída resulte de um ato ilícito exclusivamente imputável a um terceiro e que esse depositário tenha confiança legítima no facto de o produto circular regularmente em regime de suspensão do imposto.

54      A interpretação desta disposição é corroborada tanto pelo contexto em que se insere como pelos objetivos prosseguidos pela Diretiva 92/12.

55      Em particular, decorre da economia da Diretiva 92/12 e, designadamente, do seu artigo 13.o, do seu artigo 15.o, n.os 3 e 4, e do seu artigo 20.o, n.o 1, que o legislador conferiu um papel central ao depositário autorizado no âmbito do procedimento de circulação dos produtos sujeitos a imposto especial de consumo em regime de suspensão (Acórdão de 2 de junho de 2016, Kapnoviomichania Karelia, C‑81/15, EU:C:2016:398, n.o 31).

56      Este depositário, na sua qualidade de pessoa singular ou coletiva autorizada pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro a produzir, a transformar, a deter, a receber e a expedir produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão no exercício da sua atividade profissional, é, consequentemente, designado como devedor dos impostos especiais de consumo quando, durante a circulação desses produtos, tiver sido cometida uma infração ou uma irregularidade que desencadeie a respetiva exigibilidade. Esta responsabilidade é, além disso, objetiva e assenta, não na culpa provada ou presumida do depositário, mas na sua participação numa atividade económica (v., neste sentido, Acórdão de 24 de fevereiro de 2021, Silcompa, C‑95/19, EU:C:2021:128, n.o 52).

57      Por outro lado, como resulta do primeiro e do quarto considerandos da Diretiva 92/12, um dos objetivos prosseguidos por esta diretiva é o de assegurar que os impostos especiais de consumo sejam exigíveis da mesma forma em todos os Estados‑Membros, tendo em vista o bom funcionamento do mercado interno, o que implica a livre circulação de mercadorias, incluindo as sujeitas a impostos especiais de consumo. Além disso, entre esses objetivos, figura também o combate à fraude, à evasão fiscal e aos eventuais abusos [v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs (Agente inocente), C‑279/19, EU:C:2021:473, n.o 31].

58      Ora, uma interpretação do conceito de «perda», na aceção do artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, desta diretiva, que inclui a saída irregular do regime de suspensão de um produto sujeito a imposto especial de consumo, não está em conformidade com os objetivos recordados no número anterior do presente acórdão. Com efeito, por um lado, tal interpretação prejudicaria a natureza objetiva da responsabilidade conferida ao depositário pela referida diretiva no quadro do regime de suspensão e, portanto, o papel central deste com vista a assegurar a exigibilidade dos impostos especiais de consumo e, em última análise, a livre circulação das mercadorias sujeitas a imposto especial de consumo. Por outro lado, um tal enfraquecimento comprometeria também o objetivo de combate à fraude, à evasão fiscal e aos abusos, na medida em que tornaria mais difícil, na prática, a cobrança dos impostos especiais de consumo junto desse depositário em caso de irregularidade ou de infração [v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2021, Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs (Agente inocente), C‑279/19, EU:C:2021:473, n.o 34].

59      À luz de todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 92/12 deve ser interpretado no sentido de que a franquia do imposto que prevê não se aplica ao depositário, responsável pelo pagamento do imposto, no caso de saída do regime de suspensão devido a um ato ilícito, mesmo quando o depositário seja totalmente alheio a esse ato ilícito, exclusivamente imputável a um terceiro, e tenha confiança legítima no facto de o produto circular regularmente em regime de suspensão do imposto.

 Quanto às despesas

60      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

O artigo 14.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo,

deve ser interpretado no sentido de que:

a franquia do imposto que prevê não se aplica ao depositário, responsável pelo pagamento do imposto, no caso de saída do regime de suspensão devido a um ato ilícito, mesmo quando o depositário seja totalmente alheio a esse ato ilícito, exclusivamente imputável a um terceiro, e tenha confiança legítima no facto de o produto circular regularmente em regime de suspensão do imposto.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.